JESSICA.

   Mais uma competição. Os babacas dos Cameron venceram mais uma competição.

Eu observo como a maioria das pessoas presentes naquele lugar andam em suas direções para parabeniza-los por mais uma vitória. Anualmente, nos meses de outubro e dezembro, ocorre como se fosse um interclasse sem ser numa escola na praia principal de Outer Banks. Há incontáveis categorias esportivas e quem se der melhor em cada uma, ganha uma medalha meio vagabunda e um certificado de "Rei ou Rainha de tal esporte em Outer Banks". Pode parecer patético pra quem vê de fora, mas durante todo o ano, o pessoal só fala disso por aqui. E, bom, é um verdadeiro mata-mata. Os participantes realmente levam isso à sério, principalmente os jovens que disputam por esportes. Eu, meu irmão, Rafe e Sarah Cameron fazíamos parte desse grupo.

E como o esperado, eles levaram a porra de medalha mais um ano. Por mérito próprio? Pff, com certeza. Aqueles dali eram conhecidos por resolverem tudo na base do dinheiro e da trapaça.

Riquinhos de merda.

Enquanto as meninas se penduravam em Rafe Cameron o parabenizando de forma erótica pela vitória e os caras só faltavam lamber os pés de Sarah, eu escutava o meu irmão bufar de raiva do meu lado. Ele é o tipo de cara que não aceita perder, principalmente quando os rivais eram os Cameron, os nossos maiores inimigos desde que saímos do útero da mamãe com a diferença de alguns minutos. Sempre foi assim com absolutamente tudo. Quando mais novos, JJ e eu conseguimos uma bolsa na Academia Kook por conta da mamãe ser professora de lá. Frequentar um colégio com tão boa estrutura e renda sem ter que pagar nada era um sonho pra nós que, rapidamente por conta dos Cameron, virou um puta de um pesadelo.

No primeiro dia de aula, Sarah colou chiclete no meu cabelo porque eu estava sentada no lugar que ela costumava sentar perto das amigas. Lembro-me até hoje de como eu chorava enquanto mamãe cortava meus fios, por simplesmente, aquela merda de goma não querer sair nem por reza braba. Na semana seguinte, Rafe e o meu irmão caíram no soco na quadra de educação física. Uma discussão imbecil envolvendo futebol que só pelo fato de ser um Cameron, Rafe não quis deixar que JJ pisasse os pés na sua quadra. É, exatamente. Palavras do próprio. Meu irmão voltou pra casa com um olho roxo nesse dia e na tarde seguinte, eu estava apontando o dedo na cara de Rafe e gritando com ele no meio do pátio. Posso não transparecer tanto, mas porra, como sou apegada ao meu irmão. Ninguém podia o bater ou o tratar mal que não fosse eu. É absurdo, cacete.

E isso foi se estendendo durante muito anos, até os dias de hoje. Já escutei de muita gente que essa rivalidade é idiota demais e que já estamos bem grandinhos pra isso. Na real, ouço a mesma coisa todo santo dia da minha melhor amiga, Leslie. Ela diz isso apenas pra manter sua vibe, mas quando refresco sua memória sobre as coisas que o filho da puta do Rafe fez com JJ, ela muda de postura no mesmo segundo e quer ir atrás dos Cameron pra resolver isso. Se ela soubesse o quanto já tentei resolver as coisas... Céus. É cansativo só de pensar.

━ A Tica e o Teco versão filhos do capeta. ━ a fala enojada de Kie me faz prender a risada.

━ Eu vou destroçar a cara desse filho da puta, cara. Todo mundo viu o que ele fez. ━ JJ praticamente rosna de raiva e, na sequência, libera um gemido de dor quando Leslie limpa o ralado do seu joelho com álcool.

━ Não se estressa. Não sabe que é sempre assim? ━ Kiara cruzou seus braços, carregando um semblante de desprezo. ━ Os Kooks e suas dádivas idiotas.

━ Você esquece que é Kook também, não é, princesa? ━ John B ressurge com duas latinhas de cerveja.

Ele estende uma delas pra mim e eu a pego, abrindo o lacre e dando um gole imediato. Apenas a gelidez do líquido alcoólico pra aliviar meus neurônios sobrecarregados.

━ Não viaja  ━ Kiara rouba um pouco da minha cerveja. ━ Pogue é um estilo de vida.

━ É verdade. ━ Pope concordou com a cacheada.

Creio que ser Pogue não é só sobre ser fodido financeiramente, nem morar na periferia da ilha. Pra nós, ser Pogue é clareza na alma. Não ter medo da liberdade e a usufruir como bem entender. Coisas que Kooks nunca vão engolir, que os Cameron jamais saberiam da sensação.

━ Mas, cacete, não é justo. O Rafe deu uma rasteira no JJ e o árbitro não deu falta. ━ Leslie afastou o algodão molhado de álcool do ralado do meu irmão.

━ O "árbitro" era o Topper, Leslie ━ a encaro irritada. ━ E o que vamos fazer? Espernear pra que tirem a medalha dos Cameron? É capaz de ainda sermos banidos dos próximos jogos em dezembro.

━ Ela tá certa ━ John B dá um gole na cerveja. ━ Até parece que não conhece as peças.

━ E, bom... JJ, ficou perdidasso no campo hoje. ━ Pope coçou a própria nuca.

Vendo seu sorrisinho de canto, eu soube na hora que ele queria provocar JJ. E conseguiu. Os próximos minutos são só da voz de JJ tagarelando sem parar sobre como ele precisava de apoio emocional naquele momento e não de nós jogando seus erros na sua cara. Opto por não focar na discussão idiota dos meus amigos, porque francamente, eles pareciam crianças bicando uns aos outros. Prefiro em alimentar ainda mais a minha raiva dos Rei e Rainha Kook.

Rafe e Sarah agora estão com as medalhas penduradas em seus pescoços. A loira está com os cabelos amarrados num coque bagunçados e alguns fios dourados caem sobre o seu rosto, ocasionando as visões das suas bochechas avermelhadas pelo cansaço. Já Rafe tem um boné virado pra trás na cabeça que cobre os cabelos também loiros. Sua camisa branca está jogada sobre o ombro e ele exibe o físico forte pelos esportes incessantes que pratica. Desde a escola, ele sempre teve a síndrome de ser o melhor em tudo. No futebol, nas notas, no grupo de amigos e outras coisas que são até consideradas fúteis. Sarah também seguiu pelo mesmo caminho, só tirando a parte dos esportes extremos. Aquela garota é tão mesquinha que se recusava à jogar queimado, porque nas palavras dela, era coisa de menino e quebrava as suas unhas. Puta merda, irmão. Como alguém assim tem um fã clube tão grande? Os babadores de ovo de Sarah Cameron tomam quase conta da ilha de Outer Banks. Dos irmãos Cameron, na realidade.

Fico remoendo por tempo demais os jogos de hoje. Não percebo quando minha cerveja acaba e eu não tenho mais seu gosto meio amargo envolvendo a língua. Coloco impulso nas canelas e me levanto, obtendo os olhares dos meus amigos que até então, estavam distraídos discutindo idiotices.

━ Vou buscar mais cerveja. Alguém quer? ━ balanço a latinha entre os dedos.

━ Eu quero. ━ Pope levanta a mão.

━ Trás pra mim também. Preciso ficar bêbado antes que eu avance no pescoço do Country Club. ━ JJ pede e eu assinto.

Não sou muito contra a ideia de que ele arregaçasse a cara do Rafe na porrada, mas maior que a minha vontade de vê-lo quebrando o nariz do Kook, é não ter que apartar uma briga caso ele saia mais machucado ainda. Cuidar das besteiras de JJ é um saco, apesar de ser frequente.

Caminho pela areia até o bar improvisado que os organizadores do evento montaram. Peço mais duas cervejas geladas pra bartender, que na real, era uma Pogue que eu já havia visto dando um rolé pelo quarto de JJ algumas vezes. Pelo menos ela era bonita e simpática.

A garota morena me entrega as latinhas e eu lhe lanço um sorrisinho de agradecimento. Não consigo dar mais passos pra voltar porque trombo contra um peitoral largo, nu e musculoso. Eu estaria salivando pela estrutura forte se não decifrasse segundos depois quem era o idiota que atrapalhava a minha passagem. O material gelado de sua medalha encostou na minha pele, quase ativando os piores gatilhos de raiva que existiam no meu corpo.

━ Olha por onde anda, Jungle Jessie. ━ sua voz ensurdecedora de irritante invade meus ouvidos contra a minha vontade.

Jungle Jessie. O apelidinho de selvagem que eles me colocaram no fundamental por, simplesmente, ser uma Pogue. Sarah espalhou um boato pela escola de que eu fui criada na selva por ser uma Pogue.

Não quero responde-lo. Alimentar seu ego com respostinhas e lhe dar o gostinho de ter conseguido me irritar definitivamente estava fora de cogitação. Então desvio os olhos dele e giro os calcanhares pra fora da sua direção. Bom, pelo menos tento. Ele se põe na minha frente de novo, conseguindo me irritar mais ainda.

━ Não vai me parabenizar pela minha vitória? Que falta de educação, hein ━ a arrogância transbordava seus olhos. ━ Quer dizer, é normal que vocês Pogues não tenham uma boa educação.

Enquanto falava, fazia expressões debochadas. À cada segundo mais, eu sentia vontade de quebrar todos os seus dentes na base do soco.

Rafe me encara com um sorrisinho. Mas eu sei que sou melhor que isso. Respiro fundo, ergo o dedo médio pra ele e vejo seu semblante irônico sumir na mesma hora, dando lugar pro seu olhar furioso.

━ Que você e sua vitória se fodam pra caralho, Rafe.

No final das minhas palavras, eu podia jurar que saía fumaça dos seus ouvidos. Ele tentou me atingir e não conseguiu. Essa é a arma mais letal pro ego de um cara como Rafe Cameron.

Finalmente, o deixo pra trás e ando de volta para onde os meus amigos estavam. Tento ao máximo não transparecer como meu sangue borbulhava de ódio naquele momento, porque se JJ soubesse que Rafe estava enchendo a minha bola, as coisas não acabariam bem.

━ Porra, tava fabricando a cerveja? ━ meu irmão pergunta e eu reviro os olhos, entregando a cerveja na sua mão.

━ Me agradeça que eu ainda fui buscar. ━ JJ me lança um sorriso.

━ Não fez mais que a sua obrigação, minha cópia. Fiz a bondade de dividir o mesmo útero que você nove meses.

━ E ainda assim, eu nasci primeiro. Sou seis minutos mais velha que você, seu abusado do cacete. ━ dou um tapa na sua cabeça. JJ resmunga.

━ São só minutos. ━ reclamou e me fez rir.

Também entreguei a cerveja de Pope e agora tento me concentrar nos assuntos aleatórios do meu grupo de amigos. Quem dera se um dia eu passasse vinte e quatro horas sem ter vontade de assassinar um Cameron à sangue frio.