
𝐭𝐫𝐢𝐧𝐭𝐚 𝐞 𝐨𝐢𝐭𝐨.
JESSICA.
Sendo totalmente honesta, eu não queria ir embora daquele mangue tão cedo. Preferia permanecer ali quanto tempo fosse preciso, mas agora, sei que já completaram as vinte e quatro horas do meu desaparecimento e se as coisas estão rolando da forma que eu imagino, dentro de algum tempo os policiais começariam a rondar por todos os lugares para me achar, inclusive nesse mangue. Rafe me deu esse exato toque no fim da tarde. Quis debater com ele sobre isso, mas ele tá certo. Nunca irei admitir em voz alta, mas ele está certo.
Beirando às sete da noite, Rafe selou meus lábios antes de subir em seu jetski e ir embora e eu pilotei o HMS Pogue até o quintal do castelo novamente. De longe, eu consegui ver os meus amigos reunidos no quintal da casa, sentados numa roda e nitidamente incomodados. JJ estava de cabeça baixa e com as mãos nos cabelos loiros. Precisei respirar fundo para não deixar uma lágrima cair. É nessa hora que eu deveria me arrepender de ter sumido e não dar nenhuma satisfação, mas cá entre nós, foi muito mais divertido passar uma noite com Rafe naquele barco do que precisar presenciar todo esse clima ridículo que paira no ar quando estou no mesmo ambiente que Sarah. As vezes um susto é bom para se ligarem.
O barulho do motor do barco fez todos os olhos se virarem na minha direção. O grupo dos meus amigos praticamente pularam de suas posições, e JJ quase saltou pra me alcançar. Sem dizer uma palavra, assim que eu desci daquele barco, meu gêmeo me agarrou em seus braços e me abraçou com uma intensidade que eu conhecia bem, e que fazia tempo demais que ele não demonstrava. O abraço de alívio, de saber que estava tudo bem.
━ Mas que porra foi essa, Jessica? Aonde você tava? ━ ele quase gritou.
Poderia pensar que ele estava irritado, mas seu desespero era tão nítido que me deixava angustiada. Não queria ter feito passa-lo por isso, mas eu necessitava desse tempo. Mais um pouco e eu enlouqueceria de vez. Eu precisava de silêncio.
Ele não me deixou responder ao seu próprio questionamento. Me abraçou novamente, segurando minha cabeça como se eu fosse fugir de novo. Mas não vou. Dessa vez não. Estou tranquila agora, no lugar onde eu deveria estar; ao lado do meu único ponto de certeza na vida.
━ Você ficou maluca, porra? ━ a voz da minha melhor amiga invadiu meus ouvidos, junto com sua figura invadindo meu campo de visão. ━ Eu vou te comer na porrada, Jessica!
Leslie empurrou JJ pro lado e quando acho que ela iria se pendurar nos meus cabelos pra me agredir, ela me puxa pra um abraço tão forte que quase perco o fôlego. Os cabelos ruivos encostam na lateral do meu rosto e eu fecho os olhos ao aspirar seu perfume doce. Eu estava com saudade de sua presença, de verdade.
━ Nunca mais faz isso. Por favor, não faz mais isso comigo. ━ implorou com a voz embargada.
━ Tá tudo bem ━ respiro fundo, acariciando suas costas. ━ Eu prometo.
Leslie me largou para encarar meu rosto. Também consigo enxergar os olhos azuis cheios de lágrimas. Agora, vejo que John B caminha na minha direção. Ele não diz uma palavra, só me abraça e chora um pouco no meu ombro. Parecia até mesmo que eu morri e havia acabado de reencarnar. Talvez o clima que tinha se instalado entre nós nos últimos tempos tenha sido um ponto sensível para o meu desaparecimento repentino. A consciência pesa, no final das contas. Mas não quero jogar essa responsabilidade pros meus amigos. Eu precisei desse tempo. Não era culpa de ninguém.
Kiara me abraçou e me xingou de todos os nomes possíveis no meu ouvido. Cleo quase literalmente me bateu, mas repetiu a mesma atividade do resto dos meus amigos, me abraçando com vontade após quase acabar com a minha vida. Por último, Pope também me envolveu em seus braços com ternura. Ele, em especial, apertei seus ombros e sussurrei algo em seu ouvido apenas para nós dois escutarmos.
━ Quero falar com você depois.
Eu deixei claro demais que não queria conversar sobre o que aconteceu e o porquê do meu desaparecimento. Se necessário, conversaria com JJ depois, mas nada além disso. Então, pra comemorar o alívio de me ter de volta, abrimos algumas cervejas e acendemos uma fogueira no quintal de John B. Eu sabia que Sarah chegaria à qualquer hora. Não gosto da ideia de tê-la por perto, mas foda-se. Já está claro que essa situação nunca foi sobre o que eu acho.
Aproveitei o exato momento que ninguém estava olhando e puxei Pope para um canto. Meu melhor amigo ajeitou o boné na sua cabeça e afundou as mãos nos bolsos da bermuda surrada, me encarando com atenção.
━ Eu estava com o Rafe. ━ Pope abriu a boca para gritar de choque, mas eu tapo a mesma no exato segundo. ━ E não se atreva à contar pra ninguém, ou decepo o seu amigo de baixo.
━ Meu amigo de baixo? ━ Pope choraminga abafado, ainda com minha mão sobre a sua boca. ━ Você vai me explicar o que tava fazendo com o Rafe ou vou ser obrigado a montar enigmas?
Suspiro. Tiro minha mão da sua boca e coloco na minha cintura.
━ Somos amigos, agora ━ os olhos de Pope se arregalam tanto que penso que iriam pular pra fora. ━ Minha cabeça estava cheia, precisava me distrair, pedi pra ele me encontrar e ele me achou. Foi isso.
━ Tava todo mundo arrancando os cabelos pra te achar e você tava com o inimigo? Inacreditável, Jessica. ━ penso que ele irá bater palmas, mas faço um gesto de silêncio pra ele, que se cala na mesma hora.
━ Você me deu a ideia e eu fiz ━ Pope fecha os olhos, se relembrando da sua ideia maligna. ━ Mas viramos bons amigos. Não sei, é estranho.
━ Mas... Por que?
━ Por que, o que? ━ pergunto confusa.
━ Por que você virou amiga dele?
Penso em milhares de coisas que poderia lhe responder. Que ele me escuta, que é uma pessoa inacreditavelmente divertida e que destruiu quase todos os pensamentos ruins que eu cultivava dele há anos, mas talvez Pope teria um ataque cardíaco e cairia pra trás com tanta descrição positiva. Então, respondo de maneira leve e desapegada.
━ Foi o combinado, lembra? Vou ganhar o campeonato e me afastar dele.
Se bem que, a coisa que menos fizemos nos últimos dias, tinha sido treinar pros próximos jogos. Preciso voltar ao meu foco principal, já que o campeonato seria já no mês que vem.
━ Beleza. Sou seu amigo, não vou dar um pio à ninguém nada sobre isso. Mas, Jessica, você não pode deixar a Sarah e nem o JJ descobrirem. Nem sei o que o JJ é capaz de fazer com ele ou a Sarah com você.
A fala preocupada de Pope me fez rir baixo.
━ Sarah não faria nada comigo. Não tenho medo dela. ━ passo os dedos pelos cabelos. ━ Mas, beleza, pode contar comigo.
Pope sorriu e atravessou seu braço pelos meus ombros. Andamos de volta até o pessoal, só então, percebo que Sarah já estava ali. O único lugar que havia sobrado era ao seu lado, já que ela também havia tomado o meu posto em volta da fogueira. Seus olhos se batem com os meus e ela levanta a sobrancelha, surpresa por me ver ali. Rafe tinha comentado comigo que ela ajudou meus amigos a espalhar cartazes de desaparecida pra tentar me achar. Não seria um gesto tão chamativo assim, pois John B podia muito bem tê-la obrigado a fazer isso. Mas, eu não quis nutrir ainda mais esse sentimento horrível que Sarah implantou em mim. Eu não quero mais enlouquecer pra tentar entender minha realidade. Ela no canto dela, e eu no meu. Era melhor assim.
Me sentei ao seu lado e obviamente me afastei um pouco. Meus amigos notaram a tensão e Pope tratou logo de puxar um assunto para quebrar o gelo. Continuo em silêncio, escutando as coisas que eles diziam e de vez em quando, ria baixo. Não tava muito afim de abrir a boca e me entrosar tanto. Preferi ficar na minha. Ainda que eu estivesse em silêncio, sentia os olhos queimarem sobre mim. Não de nenhum dos meus melhores amigos, mas de alguém totalmente específico e, até então, estranho demais pra mim.
━ Você apareceu. ━ Sarah diz baixo, apenas pra que eu escutasse. ━ Aconteceu alguma coisa?
━ Você não se importa e eu não vou responder. ━ rebato, bebendo um pouco de cerveja da minha long neck.
━ Se eu estou perguntando, eu...
━ Você só tá curiosa, Sarah. Não somos amigas. ━ a olho rapidamente. ━ Não precisa fingir que se importa comigo porque achou que eu morri e a consciência pesou. Não preciso disso.
A namorada de John B respirou fundo, também bebendo da sua garrada de cerveja. Ela nega com a cabeça rapidamente.
━ Eu tô cansada disso, Jessica.
Arqueio a sobrancelha, não entendendo ao que ela estava se referindo.
━ Não aguento mais ter que pisar em ovos toda vez que eu estou aqui. Eu me sinto uma intrusa. ━ Sarah diz, irritada. ━ Posso ser bem recebida pelos outros, mas não sou bem-vinda por você. Não é o suficiente.
━ Eu não sou obrigada a fingir que gosto de você. ━ me indigno.
━ Não é sobre gostar ou não, Jessica, pelo amor de Deus ━ ela revira os olhos. ━ É ter o mínimo de educação. Eu me sinto mal por...
━ Por ter se enfiado num lugar que não é seu e tentar acabar comigo de novo? ━ cerro os olhos.
Sarah pressiona seus lábios um contra o outro e encara meu rosto em silêncio. Eu odeio ser uma pessoa extremamente boa em linguagem corporal e ler algumas emoções, pois consigo enxergar perfeitamente a tristeza que Sarah carrega nos olhos. Não me sinto mal, mas uma sensação estranha me dá uma pontada no estômago.
━ A gente precisa conversar ━ mais do que eu, ela parece carregar um bolo na garganta. ━ Vai lá em casa amanhã.
━ O que você...
━ Por favor. Só se você quiser. ━ a loira olha em volta, percebendo que meus amigos ainda estão distraídos. ━ Se você não for, eu não volto mais aqui. Nunca mais.
Meu coração se contorce dentro do peito. Diante da minha mente extremamente traumatizada por palavras e atitudes de Sarah Cameron, em outra situação, eu voaria em cima dela pela chantagem emocional. Mas eu sei que ela não está brincando. Não enxergo em sua cara qualquer pingo de ironia. E eu penso em John B. Guio meus olhos na direção do meu melhor amigo, que agora está de mãos dadas com a namorada e aproveitou o tempo que paramos de conversar baixo para beijar sua bochecha. Os olhos daquele otário cintilam ao olhar pra ela. E me sinto mal. Não por pensar no convite contra a minha vontade, mas de pensar que eu poderia destruir isso por pensar demais em mim.
Não acho que seja errado eu me sentir ofendida pela presença de Sarah em meu círculo de rotina. Suas atitudes imaturas de adolescência e do seu irmão praticamente acabaram com os meus anos no colegial, me fazendo pegar traumas de ambientes escolares. Não quero pensar que Sarah está bancando a boa samaritana e que "mudou" de verdade, mas naquele instante, eu observo como pela primeira vez em tanto tempo, John B realmente está feliz de verdade. Ele se divertia conosco. Fazíamos festas até o dia virar e não ligávamos pro que aconteceria depois. Mas agora, ele está verdadeiramente completo, porque encontrou o amor que ele tanto queria e esperava. O amor que ele nunca tinha sentido.
Palavras do próprio.
Inevitavelmente, também penso em Rafe. Eu achava que não, mas minha relação conturbada com a sua irmã nos fazia ter que nos escondermos mais do que o normal. Não digo de, sei lá, transar chapados ou beijar na boca. Me refiro à não poder sequer ter um diálogo saudável com ele em público. E isso está me matando.
Diante daquele convite, minha língua trava, mesmo sabendo que eu só tinha um dever. Sarah tirou seus olhos de mim e colocou um sorriso no rosto com uma rapidez impressionante. Conheço bem aquela expressão. Ela estava mentindo. Não estava bem como aparentava. Sei disso porque faço muito isso diariamente.
E meu estômago se revira, porque pela primeira vez em anos, sinto que Sarah tenha mais em comum comigo do que eu imaginava.
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