
𝐪𝐮𝐚𝐫𝐞𝐧𝐭𝐚 𝐞 𝐬𝐞𝐭𝐞.
JESSICA.
Os dias têm sido monótonos. Acordo, vou pro trabalho, chego em casa, me sinto sozinha e Rafe me faz companhia. Quando sua família não está em casa, sou eu quem migra de lugar pra poder dormir aconchegada em seu colo e acordar sentindo seu cheiro. É apaziguador, relaxante e uma realidade que eu definitivamente acharia distópica à alguns meses atrás. JJ e eu temos trocado mensagens frequentemente, e eu não o pressiono mais pra voltar pra casa. Parece estar feliz vivendo seu conto de fadas com a namorada. Palavras são insuficientes para descrever o momento que estou vivendo. É tudo tão estranhamente diferente, mas ao mesmo tempo, tão tranquilo que me deixa confusa. Eu não lembrava de uma época que estivesse tão em paz.
Isso não quer dizer que eu não sinta falta do meu irmão. Acordo todos os dias verificando os cômodos da casa numa esperança de JJ ter voltado, mas agora, não tenho mais a necessidade de superprotege-lo. Eu demorei um tempo pra entender que JJ é um adulto agora. Ele não precisa mais de mim pra defender ele numa briga na rua, nem que eu esconda as coisas dele para mão machuca-lo. Ele cresceu. Não tenho mais o direito de mentir pra ele e trata-lo como uma criança.
Mesmo assim, ele sempre será o meu menino.
Escuto a voz de uma jornalista dizendo que uma frente fria com chuvas se aproximava da cidade pelo pequeno rádio velho em cima da bancada da cozinha enquanto passo um café. De repente, me sinto pensativa sobre tudo que aconteceu há alguns tempos atrás. Meus melhores amigos descobriram um outro lado meu que eles não conheciam; uma Jessica que fazia de tudo pelo seu bem próprio. Até mesmo mentir para os seus.
Depois disso, sinto que as coisas mudaram. Moramos numa ilha paradisíaca, e a minha relação com os meus amigos nunca esteve tão fria e distante. Vejo Kiara todos os dias no restaurante. Ela sempre me manda mensagens perguntando como estou e quando tem tempo, vêm me visitar com algumas garrafas de cerveja. Pope também se manteve do meu lado, apesar de sentir que carrega parcela de culpa pelo que aconteceu.
Mas, faz algum tempo que eu não ouço falar sobre John B e Cleo.
Não gosto de cogitar a possibilidade de John B estar chateado comigo por não ter contado à ele sobre Rafe. Seria ridículo e injusto. Ele não pensou um segundo em mim antes de se envolver com Sarah, então não teria nenhum sentido esse ser o motivo do seu afastamento. Mas Cleo... Não sei. Temos uma ligação forte e eu sempre soube que ela odiava mentira. Não tem um dia que eu não me culpe por todo o circo que essa situação virou.
Poderia ter sido mais fácil, mas sou Jessica Maybank. Doutora em complicar coisas simples.
Libero um suspiro diante dos meus devaneios. Nesse meio tempo, nem percebi que eu já não estava mais sozinha em casa.
Ouvi brevemente o som da porta se abrindo. Os passos lentos, um atrás do outro. Eu reconheceria aquele jeito lerdo de andar até fora de mim.
Eu largo a caneca com café em cima da pia tão bruscamente que temo que possa te-la quebrado. Me retiro da cozinha na velocidade da luz, e quando chego na sala de casa, paraliso em cima dos meus pés. Meu corpo se torna concreto e meus olhos congelam nas íris azuis tão iguais as minhas. Quase não consigo respirar.
É um momento tão simples, mas que me deixa tensa de uma maneira que quase não me reconheço. A ansiedade embrulha o meu estômago e eu mordo meu lábio inferior, porque percebo que JJ está aqui. Com sua bolsa surrada que carrega todas as suas coisas.
Ficamos nos encarando por alguns segundos em completo silêncio. Tenho medo de dizer uma palavra e acordar de um sonho, ou de dar um passo à frente e ele sair correndo. Mas a realidade é menos complexa do que parece. JJ deixa sua bolsa no chão lentamente, ergue seus braços na minha direção e com a maior cara lavada do mundo, abre um sorriso fraco.
━ Não vai me dar um abraço?
Eu demoro pra perceber que não estou sonhando. Que sim, meu irmão está bem aqui, esperando por mim e parecendo bem humorado. Então, pisco algumas vezes numa tentativa de conter as lágrimas em meus olhos e praticamente me arremesso contra ele, afundando em seus braços tão profundamente que temo que minha cabeça vá afundar seu peito. JJ me abriga em seus braços fortes, e eu, sendo uma total idiota, só choro. Choro em seu ombro pela ansiedade, pela saudade, pela rápida sensação que eu tive de que ele não voltaria mais pra casa. De que ele teria ido embora de vez para viver sua vida e esquecido da irmã grudenta e chata que ele tem.
Uma irmã que perdeu um pedaço de si quando ele foi embora.
Soa dramático demais, mas eu não lembro de um momento na minha vida que JJ não esteve por perto. Foi estranho, desconfortável. Não tê-lo por perto foi uma realidade tão diferente pra mim que agora tenho certeza; não quero mais essa distância, esse maldito afastamento.
Ele é minha família. Somos tudo que o outro tem.
Tive um momento pra amadurecer e pensar melhor longe dele, mas agora acabou. Não quero mais a minha metade longe de mim.
━ Quero matar você ━ balbucio ━ Eu deveria te espancar.
━ Não faça isso. Estou mais bonito que nunca.
Dou uma risada em meio ao choro.
Ele estava lindo e de volta pra mim.
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JJ e eu estávamos na varanda da nossa casa. Ele com um baseado entre os lábios, eu com uma garrafa de cerveja na mão que eu bebericava uma vez ou outra. Estamos curtindo o silêncio. Desde que ele chegou, não nos falamos muito. Ele foi tomar banho, eu terminei de preparar o café da manhã e comemos quietos. Agora, num momento relaxante, apenas encarávamos as árvores balançando levemente com a brisa fraca do vento e escutávamos os pássaros cantarolarem em harmonia.
Observo o momento que JJ estendeu seu braço pra mim e me ofereceu o baseado entre os dedos. Num gesto automático, levanto a mão e nego com a cabeça.
━ Quero parar de fumar.
Minha confissão o fez rir levemente. Trouxe seu braço de volta, deu uma tragada e soltou a fumaça pro alto.
━ Essa definitivamente é nova. ━ acabo sorrindo levemente.
━ As coisas mudam.
JJ parou de balançar a cadeira de balanço e olhou pra mim.
━ Você mudou? O que aconteceu?
Pressiono meus lábios um contra o outro e encaro um pássaro que pousou em um dos galhos de uma árvore. Ele é amarelo. Lindo como o sol num dia de verão em Outer Banks. Dou um gole na minha cerveja.
━ Rafe e eu estamos juntos ━ sou franca. ━ Precisava te contar antes de iniciarmos qualquer conversa.
O silêncio paira no ar. JJ continua tragando do baseado, parecendo indecifrável. Seus olhos se desvencilharam de mim para olhar o céu, no dia de hoje, não tão ensolarado quanto os outros costumavam ser.
━ Desde antes do campeonato, eu imagino.
Eu concordo com a cabeça.
━ Não era oficial antes. Só aconteceu ━ abraço minhas pernas para encostar meu queixo no joelho ━ Me chame de hipócrita o quanto quiser. Não posso mais lutar contra o que sinto.
Meu gêmeo apoia seus cotovelos nos joelhos e olha pro meu rosto.
━ E você sente muito?
Sua pergunta poderia ter mil interpretações para que eu pudesse responde-la, mas eu entendi o que ele quis me dizer. Respiro tão profundamente que ao soltar o ar, minhas costas relaxam.
━ Tanto que nem me reconheço.
JJ me encara por um tempo e desvia os olhos pra poder sorrir. Mais uma vez, ele puxa a essência do seu baseado e espera um pouco para poder soltar a fumaça.
━ Sabe ━ ele começa ━ O tempo que fiquei na casa da Leslie me fez pensar e repensar em várias decisões que eu tomei na vida.
━ Uh, você pensa ━ levanto as sobrancelhas num ato de deboche.
Ele sorri mais largamente assim como eu. Não se abala com minha brincadeira. Eu não poderia perder a piada.
━ Eu fiquei magoado pra cacete quando descobri da sua relação com Rafe. Tive tanta raiva de vocês dois que mal conseguia dormir direito ━ ele pressiona um lábio contra o outro ━ Mas eu perdi a razão quando te tratei daquela maneira. Você nunca teria me tratado assim.
Meus olhos marejam de novo. Não sei qual foi a merda do momento que me tornei uma maldita manteiga derretida.
━ A Sarah me procurou ━ me choca. ━ Me mostrou as fotos de Rafe e eu quando éramos amigos na infância. Ela me disse que não valia à pena estragar a relação que eu tinha com você por conta de um rancor mal resolvido. Eu pensei nisso pra caralho. Minha língua vai cair depois dessa frase, mas Sarah estava certa.
JJ dá um ultimo trago no baseado entre seus dedos e o apaga no chão.
━ Não posso interferir na sua vida. Não tenho esse direito. Meu dever como seu irmão é te alertar sobre o que pode ser perigoso, mas estar ao seu lado seja lá qual for o resultado. Eu não fiz isso corretamente. Me desculpa.
Não me movo para limpar a lágrima que escorre pela minha bochecha. Continuo paralisada enquanto escuto meu irmão falar.
━ Jesse, eu não confio nesse cara. Nem sei se um dia vou conseguir confiar nele cem por cento ━ ele engole em seco. ━ Mas se ele te faz feliz, é mais que o suficiente pra mim.
Eu contenho um soluço que insiste em escapar da minha garganta. Me levanto quase num pulo, e o abraço novamente, agora com mais intensidade. Aperto JJ nos meus braços como se ele fosse virar pó entre os meus dedos. E de repente, aquela ansiedade que embolorava meu estômago foi embora. Estou novamente em paz. Meu irmão voltou pra mim deixando claro que estaria ao meu lado pra qualquer coisa.
E o dia que estava nublado se tornou ensolarado pra mim, porque agora, tenho mais luz na minha vida do que nunca.
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