
𝐧𝐨𝐯𝐞.
JESSICA.
Tento não perder a paciência logo que abro os olhos e percebo que acordei fora do meu horário. Meu irmão e meu melhor amigo estão batendo na porta do meu quarto sem parar, repetindo sons amadeirados infernais e fazendo com que a irritação dentro do meu peito crescesse à cada segundo. Tento fingir que não estão ali, colocando o travesseiro em cima da minha cabeça. Obviamente é mais do que falho. Em questão de segundos, JJ e John B se jogam ao meu lado na cama, me sacudindo para que eu conseguisse despertar do jeito que eles queriam.
━ Puta que me pariu, caralho. O que vocês querem? ━ esbravejo, tirando o travesseiro que cobria o meu rosto.
━ Maninha, o dia tá lindo lá fora. Vamos dar uma volta no mangue, pô. ━ o sorriso de JJ Maybank não me engana.
Franzo o cenho, esticando meu braço para alcançar meu celular e logo lendo o horário de nove horas da manhã na tela. Dou uma risada incrédula, puxando o cobertor na altura dos meus ombros novamente.
━ Nem fodendo. Bom dia. ━ fecho os olhos novamente.
Agora, escuto o som dos choramingos do meu gêmeo e do meu melhor amigo. John B volta a me chacoalhar, não me dando um minuto de paz desde que entrou no meu quarto.
━ Jess, a gente precisa de você. O barco tá dando problema.
As palavras de John B me fizeram sentar na cama, o olhando desconfiada. Ele levanta as mãos como se desse carta branca. Fito JJ, que também parece estar sendo sincero pra uma idiotice à aquele horário da manhã. Sabem que se eu me estressasse, arrancaria a cabeça dos dois por atrapalharem o meu sono sagrado.
━ Que problema? ━ me levanto da cama. ━ Não jogaram água no motor achando que substituiria gasolina de novo, não é?
━ Duh, óbvio que não. Não somos idiotas. ━ John B revirou os olhos, bem humorado.
Meu silêncio e o de JJ diziam tudo.
━ A gente é meio idiota sim, cara. ━ meu irmão coça a nuca.
━ Porra, tanto faz. Precisamos da sua ajuda lá. Só você entende dessas coisas. ━ meu melhor amigo cruza os braços.
Libero um gemido frustrado enquanto caminho pra fora do meu quarto. Óbvio que estava afim de dormir mais um pouco. Trabalhei igual uma cachorra ontem.
━ Por que não falaram com a Kiara? ━ ando até a cozinha e abro a geladeira.
━ Falamos, mas ela tá mais afim de dormir do que ajudar os amigos que passam por necessidades. ━ o tom de amargura na voz do meu irmão me faz rir baixo.
━ Puta merda, vocês são ridiculamente dramáticos. Tenho certeza que se virassem atores, não estariam morando na periferia agora. ━ tiro uma caixa de leite do refrigerador.
━ Muito engraçado, Jessica. Muito engraçado. ━ JB força uma risada. ━ Então, vai nos ajudar ou não?
Bufo, já exausta daquela insistência. Na maioria das vezes eu me sinto mãe desses garotos. Enchem tanto o meu saco quanto crianças querendo comida.
━ Tá legal, cara. Posso tomar meu café da manhã em paz?
John B e JJ trocam olhares cúmplices e concordam com as cabeças em harmonia. Diria que é um pouco suspeito demais e que poderiam estar tramando alguma coisa, mas estou com tanto sono que não tenho paciência pra fazer analogias sobre o que meu irmão e meu melhor amigo seriam capazes de fazer pra me tirar do sério logo às nove da manhã.
Depois que comi calmamente, tomei um banho rápido e vesti um conjunto de biquíni, colocando apenas um short mole para tapar meus quadris. Faço um rabo de cavalo, levo meu kit com seda e erva e logo estou no HMS Pogue com os meus amigos flutuando pelo mangue. Cruzo os braços enquanto olho em volta. O dia está ensolarado como de costume e até mesmo estranho que a Noiva do Chuck não está presente, já que nos últimos programas nossos, John B insistia em enfia-la no meio em qualquer mínima oportunidade.
Então, chegamos até o barco que costumava ser uma das propriedades dos Carrera. Kiara não tinha problema algum em empresta-los quando queríamos passar a noite pelo mangue pescando e bebendo. Já fizemos isso diversas vezes e nem sempre deu certo, na real. Digamos que água funda, álcool e maconha não eram uma combinação boa.
━ Então ━ digo quando pulo de um barco pro outro. ━ O que há de errado?
━ Acho que os cabos estouraram, sei lá. ━ John B coça sua mandíbula.
Faço uma careta.
━ Estouraram? Tem certeza mesmo que isso não tem nenhum dedo de vocês fazendo merda? ━ me aproximo da parte de trás do barco, checando mesmo se algo havia acontecido.
Não tenho respostas para as minhas perguntas e estranho no mesmo instante. Quando me dou conta de que absolutamente nada de errado tinha acontecido com a porra dos cabos, me levanto novamente e escuto o som de batidas na parte de baixo do veículo. Levanto a pequena portinha que estava bem fechada no chão e arregalo os olhos confusa com a cena que presencio. Sarah Cameron estava bem embaixo de mim, com o rosto vermelho de raiva e agora, com a expressão tão confusa quanto a minha.
Obviamente, saco mais rápido o que está acontecendo do que a imbecil.
━ Eu vou matar vocês ━ rosno. ━ Eu vou cortar a cabeça de cada um, porra! Eu juro!
━ Deixa sua psicopatia pra amanhã, Jessie J ━ a voz de John B diz, já afastada. ━ Tenham uma boa diversão!
Meu irmão também carrega um semblante ridículo de tão divertido. O filho da puta devia estar se sentindo num parque de diversões.
━ Merda, não brinca ━ Sarah se queixa. ━ Nem fodendo que eu fico aqui com você.
Vejo-a se preparar para nadar na direção do barco dos meninos e reviro os olhos, impressionada com sua futilidade. Não tão impressionada. Essa garota divide um neurônio só com o irmão dela desde que nasceram. Quando ele se entope de cocaína, ocasionalmente esse neurônio pifa feito um computador velho.
━ Tá afim de tomar choque de água viva? Garanto que minha presença não é tão ruim quanto. ━ me sento na superfície branca do barco.
Apesar de estar com o sangue fervendo, surtar não adiantaria absolutamente nada e só me deixaria mais evidente a cometer um crime de ódio. Sei bem qual era a intenção dos meninos bolando esse plano que parecia mais uma emboscada do Cascão e do Cebolinha do que qualquer outra coisa. Não quero dar esse gostinho pra eles de forma alguma.
━ Ah, sua presença é pior do que qualquer coisa. ━ sua fala é tão convencida que levanto as sobrancelhas.
━ Certo, princesa ━ abro o meu kit e começo a bolar um baseado. ━ Tenta a sorte. Não estou nem aí.
Sarah revira os olhos e encara o mangue recheado com muitas águas vivas loucas pra marcar aquela sua pele branca igual papel. Ela olha pra mim, olha pra água. Olha pra mim, olha pra água. Olha pro meu baseado, olha em volta do mangue. Depois dessa sequência que durou uns dez segundos, ela bufa se dando por vencida e se senta ao meu lado, um pouco afastada de mim. Claro. Uma hora o cérebro pequeno tem que usar seu pouco mecanismo de defesa.
━ Eles vão voltar? ━ abraçou os próprios joelhos.
━ Não escutou seu namorado? ━ respondo, prestando atenção em passar a língua no meu baseado.
━ Ele não seria infantil à esse ponto.
━ Não confiaria tanto nisso se fosse você. ━ quando termino minha obra de arte, a acendo com um isqueiro que estava abrigado no bolso de trás do meu short.
Ouço seu suspiro exausto. Por um momento, Sarah parece abaixar a guarda. Estou pouco me lixando em como seu humor agirá nas próximas horas. Se ela me tirasse do sério, eu não pensaria duas vezes antes de afoga-la nessa água de rio. Acho que ela sabe bem disso, pois fica em silêncio a maior parte do tempo.
━ Tem mais um?
Sua pergunta me faz tirar os olhos do horizonte para encara-la.
━ Você não sabe ficar em silêncio?
━ Você só tá quieta porque tá chapada, Jungle Jessie ━ força um sorriso. ━ Não aja como se fosse uma pessoa mentalmente estável.
Umedeço meus lábios, ainda olhando pra ela.
━ Você tá insinuando que eu sou louca e me chamando pelo apelido que fez bullying comigo durante todo o colegial e tá esperando que eu divida minha maconha com você?
Sarah fica quieta, respira fundo e coça os próprios olhos. Não sei decifrar qualquer emoção dessa garota. Ela parece oca por dentro, absurdamente vazia.
━ Olha, eu não... ━ quando penso que ela vai dizer qualquer coisa pra me rebater, rapidamente nega com a cabeça. ━ Tá, tanto faz.
Então se levanta e se senta na outra ponta do barco.
Ótimo. Pelo menos não escuto mais sua voz tão de perto.
Ficamos em silêncio literalmente até chegar a noite. Fumo da minha maconha, observo o mangue e os peixes que vez ou outra pulam da água. Quando o céu escureceu, liguei todas as luzes do barco e me aconcheguei na parte estofada do mesmo. O barco dos Carrera não é um qualquer como o HMS Pogue mas também não se parece luxuoso demais como os Cameron fazem questão de esbanjar. Na minha opinião, a família da minha melhor amiga era a mais humilde e maneira do Figure 8.
Eu não me preocupo em qualquer minuto na possibilidade de puxar assunto com Sarah. Não quero ouvir sua voz, não quero ter que lidar com suas ideias e personalidade insuportável. Não gosto da energia dessa garota perto de mim.
Mas como de costume, ela parecia sempre disposta a estragar o meu humor.
━ Eles vão mesmo nos deixar aqui até amanhã? ━ ela cruza os braços. ━ Não faz o mínimo sentido e...
━ Porra, por que está falando comigo? ━ Sarah levanta seus olhos pra mim. ━ Só cala a merda da boca. Eu não quero te escutar.
E então percebo um certo silêncio que até agora não tinha sido tão desconfortável como foi. Vejo Sarah engolir em seco e abaixar a cabeça. Respiro fundo, descanso meus braços nos meus joelhos e fico instantaneamente irritada com o clima que pairou sobre o barco.
━ Eu sempre tive ciúmes de você ━ ela capta minha atenção rapidamente. ━ As pessoas sempre se aproximaram de mim por interesse, uma atrás da outra. Eu nunca soube o que era ter amigos de verdade mesmo que eu me esforçasse e desse tudo de mim. Você sempre teve tudo tão fácil, não era o tipo de pessoa que precisava se esforçar pra que as pessoas te enxergassem de alguma maneira por simplesmente ser quem você é. Eu tinha muito ciúmes disso, da espontaneidade, da atenção que pra mim pareceu injusta. E, sei lá, quando ouvi o primeiro elogio do meu irmão vindo sobre você, eu surtei.
Quase me engasgo com a fumaça do baseado.
━ Que porra? ━ questiono.
Sarah suspirou e abraçou ainda mais seus joelhos de forma angustiada.
━ Ele nunca gostou de você pela péssima relação que sempre tivemos e também porque era irmã do JJ. Mas no dia do acampamento de verão ele viu você jogando bola com alguns meninos da sala e comentou como você era bonita ━ ela morde o lábio. ━ Isso foi no oitavo ano. Eu fiquei transtornada porque pareceu que até mesmo pro meu irmão, você havia vencido de mim.
Imediatamente, a fúria sobe pelo meu corpo. Porra, eu odeio esse papo vitimista. Não tinha nada que eu odiasse mais do que gente filha da puta que se faz de coitada.
━ Por que você tá me contando isso? Tá tentando justificar todos os anos do colegial que você fez um inferno na minha vida e na vida do meu irmão porque tinha ciúmes?
Estou irritada. Estou irritada pra caralho.
━ Eu só não quero que meu relacionamento seja um fardo na sua amizade com o John B ━ ela desvia o olhar. ━ Dá pra ver como ele gosta de você.
Eu nego com a cabeça. Meus olhos se enchem d'água na mesma hora. Quem me dera lhe fossem de tristeza. No momento, a única coisa que bombeia sangue nas minhas veias são os sentimentos de ódio e raiva acumulada.
━ Como você pode me falar isso quando você fez com que eu me sentisse um fardo durante toda a minha adolescência?
Abaixo o baseado e finalmente, o contato visual acontece. E é doloroso. Ao mesmo tempo que sinto estar olhando diretamente nos olhos da minha "agressora", eu consigo ver toda a dor do mundo estampada no fundo das suas pupilas. Quando eu achava que ela era incapaz de sentir qualquer coisa, Sarah me surpreende mais uma vez.
━ Eu sinto muito, Jessica. Eu sinto muito.
Eu realmente sinto meu peito queimar agora. Desde que terminei o ensino médio, nutro a ideia de que os irmãos Cameron odeiam à mim e a qualquer coisa relacionada com a minha família. O sentimento é extremamente mútuo e um simples "sinto muito" obviamente não seria capaz de curar isso com tanta facilidade.
Mas, também, eu não paro de pensar que é a primeira vez que Sarah não me olha como se eu tivesse alguma doença contagiosa.
A raiva ainda é maior do que qualquer coisa.
Eu apago o meu baseado no chão do barco. Me levanto de onde estou e caminho até a parte de dentro do mesmo. Escuto atrás de mim passos e sei que Sarah se levantou.
━ Pra onde vai? ━ pergunta.
━ Dormir ━ abro a porta que dá acesso à parte de dentro. ━ Não aguento ficar mais um segundo convivendo com você.
Sarah não debate. Ela só me deixar ir.
E talvez um dia eu também deixe ir esse rancor e o remorso imenso que eu sinto da minha adolescência. Mas esse dia definitivamente não será hoje, nem tão cedo.
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