━ ❛ Festa de boas-vindas ❜
CAPÍTULO QUATRO
1976, hogwarts
A verdade inegável era que Maelys Malfoy nunca se deixara seduzir pelo encanto efêmero das festas, ainda que por breves instantes fosse irresistível sentir o brilho dos olhares voltados para si, como constelações enredadas em seu magnetismo natural. Havia algo deliciosamente perverso na forma como ela dominava o espaço, onde cada sorriso calculado ou desvio sutil de olhar poderia evocar um espectro inteiro de reações. Entre o ódio ardente e a admiração silenciosa, o desprezo e o fascínio, Maelys jogava com as emoções alheias como quem movimenta peças de um intrincado tabuleiro. Mas, em uma festa como aquela, em meio à multidão ruidosa de estudantes, ela se sentia deslocada, como uma rainha obrigada a vagar em um reino que não era o seu.
A sala pulsava com uma energia desenfreada, uma confusão de cores e sons que pareciam se sobrepor em uma harmonia caótica. Alunos de todas as casas se amontoavam em grupos, as conversas flutuando como murmúrios de marés. Risos explodiam aqui e ali, e Maelys, com sua percepção afiada, rapidamente captou os olhares furtivos dos estudantes mais jovens — do quarto ano, sem dúvida, intrusos no caos das festividades. Suas risadinhas nervosas e olhares admirados denunciavam sua imaturidade diante do frenesi que os cercava.
Por um instante, Maelys hesitou. Algo dentro dela questionava a decisão de cruzar as portas da comunal da Sonserina naquela noite. Talvez tivesse sido melhor permanecer em seu refúgio habitual, longe do turbilhão. Mas Freya Astley, com sua determinação envolta em charme inegável, sempre sabia como dobrar a vontade de Maelys. Havia algo quase magnético no brilho de seus olhos, e Freya, com uma leveza que parecia tirar Maelys do chão, convenceu-a a sair de sua concha. E assim, como um pássaro apanhado pelo vento, Maelys fora arrastada para a festa, ainda que seu espírito relutasse em se entregar ao momento.
As duas andavam de mãos dadas, dedos entrelaçados como uma corda de salvação que as mantinha unidas em meio ao oceano de corpos ao redor. A multidão era uma presença constante e sufocante, empurrando-as de todos os lados, como se quisesse separá-las. No entanto, os passos de Maelys e Freya eram sincronizados, movidos pela mesma impaciência. Estavam à procura de Pandora, cuja presença etérea parecia se esconder em algum canto esquecido da festa. A mesa de bebidas e comidas, onde haviam combinado de se encontrar, permanecia uma miragem inalcançável.
A sala estava imersa em risadas e vozes elevadas, o ar saturado pelo aroma doce das tortas e dos ponches, e no entanto, a busca continuava infrutífera. A luz mágica, flutuando acima de suas cabeças, projetava sombras dançantes sobre os cabelos de Maelys, realçando os traços decididos de seu rosto. Ao seu lado, Freya mantinha os olhos atentos, embora a tensão crescente fosse perceptível. Ambas esperavam que Pandora surgisse a qualquer momento, com seu sorriso radiante iluminando o caminho em meio à multidão.
Entretanto, q situação não era facilitada pela ausência de Régulos. O jovem Black havia se recusado a sair do que as amigas chamavam de seu "ninho", um refúgio mental que ele construíra para se proteger das tensões que o afligiam. Régulos estava visivelmente abatido, a angústia refletida em suas olheiras e no peso que parecia carregar sobre os ombros. Mesmo sob a máscara de indiferença que ele ostentava, Maelys sabia que ele sofria profundamente, especialmente em relação ao irmão. Mas, como era de seu feitio, Régulos levaria tempo para admitir esses sentimentos, se é que um dia o faria. A Malfoy respeitava seu silêncio, embora a preocupação por ele fosse uma sombra constante em sua mente.
Maelys suspirou profundamente, um som que parecia carregar todo o peso de sua irritação, escapando como o vento antes de uma tempestade iminente. Seus dedos apertaram firmemente o braço de Freya, puxando-a para trás com uma determinação silenciosa. O movimento, embora sutil, interrompeu o passo da amiga. Então, os olhos das duas encontraram o que procuravam — ou melhor, quem. Pandora Rosier estava ali, mas para o desgosto da Malfoy, não estava sozinha. Ao seu lado, a figura excêntrica de Xenofílio Lovegood brilhava.
A sonserina mordeu o lábio com força, seus olhos brilhando com uma mistura de exasperação e incredulidade. Pandora, sempre tão doce e generosa, era incapaz de ignorar qualquer alma que parecesse solitária ou deslocada. Sabia disso, é claro, todos sabiam. Mas por que, pelos quatro fundadores de Hogwarts, ela precisava ser amiga justamente de Xenofílio Lovegood? O garoto era uma singularidade que até mesmo os padrões excêntricos da escola não conseguiam conter. Seus cabelos brancos caíam despreocupadamente sobre os ombros, uma curiosa semelhança com os de Maelys, resultado de um parentesco distante, que ela preferia ignorar.
Mas qualquer familiaridade entre eles terminava ali. Os olhos negros de Lovegood, profundos e inexploráveis, carregavam um brilho de estranheza que fazia a pele de Maelys arrepiar. Ele vivia, ou parecia viver, em um mundo completamente alheio ao dela. Suas roupas — hoje uma túnica absurdamente colorida, como se tivesse sido costurada por mãos cegas e sem gosto — destoavam de qualquer ambiente em que estivesse, causando um desconforto silencioso em quem o observava.
— Por que, Pandora? — murmurou Maelys entre dentes, seu olhar perfurando a figura alegre da amiga, que parecia tão envolta em sua própria bolha de felicidade que nem percebia o julgamento sutil ao redor.
— O que foi? — Freya, surpresa com o puxão repentino, arqueou uma sobrancelha enquanto perguntava
— Olha com quem ela está falando. — Maelys respondeu com um leve movimento de cabeça, indicando Pandora e Lovegood. Freya seguiu o olhar e, ao reconhecer o motivo da irritação da amiga, cruzou os braços com um sorriso zombeteiro.
— Ah... Lovegood — disse Freya, a voz tingida de ironia. — Não é o tipo de pessoa com quem eu me sentaria para jantar, mas você sabe como Pandora é.
Maelys revirou os olhos com uma leveza quase graciosa, mas a tensão em seus ombros relaxou ligeiramente, enquanto um sorriso fugaz curvava os cantos de seus lábios. Pandora, com sua bondade implacável, sempre conseguia desarmá-la de uma maneira que nenhuma outra pessoa poderia. Era impossível manter-se irritada por muito tempo quando a pureza de Pandora preenchia o ambiente com aquela luz suave e acolhedora. Mesmo sendo uma Rosier, Pandora parecia navegar acima das preocupações políticas e sociais que enredavam as famílias mais tradicionais. Ela acatava as tradições, mas sua alma era livre, e seu coração, sempre aberto, abrigava qualquer um que cruzasse seu caminho.
As duas sonserinas caminharam em direção à dupla de corvinos, divididas entre a curiosidade e a inevitável resignação. Pandora, percebendo a aproximação delas, abriu um sorriso radiante, que iluminou seu rosto pálido. Sem hesitar, correu ao encontro delas, envolvendo-as em um abraço caloroso, como se quisesse compartilhar toda a alegria que seu coração mal conseguia conter.
— Finalmente! Pensei que nunca fossem me encontrar! — exclamou Pandora com uma animação que parecia banhar o ambiente em uma aura de leveza. Lovegood, ao lado, também sorriu, com uma expressão genuína, mas para Maelys, parecia estranha.
— Você sabia onde estávamos, não sabia? — Freya perguntou, com o olhar desconfiado e uma sobrancelha arqueada, já sabendo a resposta. Pandora riu, um som claro e despreocupado que fazia até o vento parecer mais suave.
— Sabia sim! — respondeu honestamente. — Ah, e Maelys, Nikolai Vyrwel está te procurando. Ele me perguntou se você viria e eu disse que sim!
As palavras de Pandora ainda ecoavam na mente de Maelys quando um gesto familiar a tirou de seus pensamentos. O sorriso que antes adornava seus lábios diminuiu, seus olhos se arregalaram brevemente, e sua postura impecável vacilou, por um instante quase imperceptível. O peso inesperado de um braço descansando sobre seus ombros fez com que o choque inicial se transformasse em uma irritação que queimava sob sua pele. Ela se virou, os olhos faiscando com a centelha de uma raiva contida, apenas para se deparar com o rosto sorridente de Nikolai Vyrwel, seu olhar malicioso pairando sobre ela com uma confiança insuportável.
"Por Merlin, onde está o senso das pessoas?" Maelys pensou, enquanto lutava contra o impulso de empurrar o braço dele para longe. A postura altiva que tanto prezava estava ameaçada, mas ela rapidamente retomou o controle, levantando os olhos e devolvendo o olhar penetrante de Nikolai. Seus cabelos castanhos estavam bagunçados de maneira casual, como se tivessem sido arrumados às pressas, e as bochechas levemente coradas sugeriam que ele tinha vindo apressado de algum lugar. No entanto, o que mais irritava Maelys era aquele sorriso. Um sorriso cheio de presunção, como se ele já tivesse vencido um jogo cujo desfecho apenas ela deveria controlar.
Ele estava bonito.
no entanto, ela não era do tipo que se dobrava à intimidação, muito menos à provocação sutil de Nikolai. Maelys sempre via a vida como um grande tabuleiro de xadrez, onde cada gesto, cada palavra era um movimento estratégico, e ali, sob o braço de Vyrwel, ela já planejava seu próximo lance. Um sorriso afiado e frio surgiu devagar em seu rosto, e aquele brilho em seus olhos, que apenas os mais próximos conheciam bem, indicava que a diversão estava prestes a começar.
— Você está linda, Maelys — disse ele, com uma voz baixa e confiante, enquanto a observava com um olhar intenso, que vasculhava cada detalhe de sua figura.
Ela sabia que estava. O vestido verde esmeralda que ela usava, com mangas longas e o corte impecável que abraçava suas curvas de maneira sutil, era uma escolha meticulosa. A peça contrastava com a pele clara e fazia seus cabelos brancos parecerem ainda mais brilhantes. O colar prateado, com um pequeno "M" pendendo em seu peito, era uma lembrança discreta de quem ela era — uma Malfoy, e tudo o que isso implicava. Seus brincos delicados mal chamavam atenção, mas, ainda assim, davam um toque de sofisticação ao seu semblante, enquanto o salto preto adicionava força à sua presença.
Ela estava deslumbrante.
— Obrigada, Vyrwel — respondeu ela, a voz como seda, suave e controlada. — Mas já não posso dizer o mesmo de você.
A provocação pousou entre eles como uma faísca, brilhante e carregada de significado. Ela sabia que ele estava, de fato, bem-apresentado. Com seu ar natural de superioridade e o porte impecável, Nikolai sempre se destacava, mas onde estava a graça em jogar com palavras óbvias? Maelys preferia o sutil veneno das incertezas, os jogos que deixavam seu oponente confuso, em terreno instável. Nikolai, sem perder o compasso, fingiu colocar a mão no peito, como se tivesse sido atingido por um golpe mortal, o sorriso malicioso apenas se ampliando.
— Ouch, assim você me machuca, Maelys — respondeu ele, com aquele brilho travesso no olhar.
Mas antes que Maelys pudesse responder à provocação de Nikolai, um movimento repentino interrompeu o momento. Michael Zabini surgiu ao lado do amigo, o semblante urgente.
— Nik, você tem que vir! Lily Evans acabou de brigar com Severus, e ele está completamente depressivo agora. — exclamou Zabini, com a voz carregada de uma pressa que não podia ser ignorada. — Aliás, Freya, você está ainda mais bonita do que de costume.
O elogio inesperado caiu como uma pedra na conversa, fazendo com que Freya erguesse uma sobrancelha, mais surpresa do que lisonjeada. Antes que ela ou Nikolai tivessem tempo de replicar, Zabini já puxava o amigo pelo braço, desaparecendo pelas pessoas como um vento que carrega as palavras não ditas. A pressa deles deixou um rastro de silêncio por um breve momento, mas logo foi quebrado por uma risada suave. Maelys, sempre atenta às reações ao seu redor, não pôde conter o sorriso divertido que surgia em seus lábios ao ver a expressão contrariada de Freya.
— Qual é a graça? — Freya perguntou, tentando soar severa, mas falhando miseravelmente ao ver Pandora se juntar ao riso com sua típica leveza. Enquanto o Lovegood estava alheio a aquela situação.
— Nada... — Maelys murmurou entre risos, cruzando os braços. — É só que... foi um elogio tão direto! Você não costuma ouvir isso sem dar uma resposta afiada.
— Calem a boca, as duas. — Freya retrucou, seus olhos brilhando com uma mistura de embaraço e irritação.
A contrariedade da amiga só fez Maelys e Pandora rirem ainda mais. Freya Astley, tão fria e impenetrável quando queria, raramente era pega de surpresa, especialmente quando se tratava de bajulação. Ela sabia exatamente como lidar com elogios e olhares de admiração, mas aquele fora jogado tão de repente que a deixou sem reação.
— Não se preocupe, Freya — disse Pandora, piscando para ela. — Você está ainda mais bonita do que de costume.
Freya revirou os olhos, mas não pôde evitar que um sorriso escapasse.
— Tá, tá... Vou atrás de alguma bebida. Não vou continuar atormentando você. Pelo menos, não por enquanto. — Maelys, ainda com o riso nos lábios, ergueu as mãos em sinal de rendição.
Ela se afastou, os cabelos prateados brilhando diante das várias cores do ambiente, enquanto a risada das amigas ainda ecoava. Freya, por mais que adorasse uma boa provocação, preferia escolher os momentos certos para se deixar envolver por esses jogos. Ela podia ser difícil de conquistar, mas isso não significava que seu coração fosse impenetrável. Maelys sabia disso, e talvez fosse por isso que a amizade entre elas fosse tão inquebrável.
Os risos e a música se espalhavam como um feitiço no ar,cada aluno imerso em sua própria celebração do início de mais u ano escolar. A maioria se entregava à dança, movendo-se de forma desajeitada, mas animada, sob o brilho das luzes mágicas que flutuavam pelo salão. Entretanto, Maelys Malfoy, deslizava pela multidão como uma sombra elegante, observava tudo com uma mistura de desdém e diversão. Cada risada, cada passo descoordenado de seus colegas de casa e das outras parecia ser uma fonte de entretenimento para ela, que ria internamente do caos juvenil à sua volta.
Ela não pertencia àquele lugar, ou pelo menos era assim que se sentia. O espírito leve e festivo que pairava sobre a multidão era uma atmosfera na qual Maelys raramente se via inserida. Mas ali estava, deixando-se arrastar pelo redemoinho social. Ao alcançar finalmente a mesa de bebidas, uma leve satisfação percorreu seu corpo. Ali, afastada da pista de dança, ela podia avaliar com calma as opções de comidas e bebidas que se espalhavam à sua frente.
O requinte da festa não passava despercebido aos olhos críticos da Malfoy. O Vyrwel havia claramente investido uma quantia considerável para garantir que tudo estivesse à altura de suas ambições. As mesas estavam repletas de iguarias exóticas, e o aroma doce e apimentado das bebidas mágicas preenchia o ar ao seu redor. Maelys, no entanto, sabia que o dinheiro gasto naquela noite não fazia diferença para ele. Nikolai Vyrwel, com toda sua fortuna e poder, não sentia o peso da extravagância — e isso a fez soltar um leve suspiro de ironia.
No entanto, enquanto a mente de Maelys vagava despreocupada entre as bandejas repletas de guloseimas e o ambiente ao seu redor uma voz inconfundível a arrancou bruscamente desse devaneio silencioso.
— O que o seu irmão diria sobre você estar numa festa que tem a minha pessoa?
Ela fechou os olhos por um instante, respirando profundamente, tentando se preparar para a irritação que sabia que viria. Claro que ele estaria ali. Era inevitável. Se Lily Evans estava na festa, James Potter não estaria longe, e onde James ia, Sirius Black estava ao seu lado, como uma sombra indomável, pronta para provocar e desafiar o que encontrasse pelo caminho. Maelys soltou um suspiro irritado. Não era surpresa alguma. "Onde um burro vai, o outro segue", pensou com amargura.
"Por Merlin", ela murmurou internamente, lembrando-se das advertências constantes de seu pai e de Lucius. Ela era uma Malfoy, e jamais permitiria que Sirius ou qualquer outro garoto a fizesse perder o equilíbrio. Sua determinação tomou forma, e com um gesto deliberado de indiferença, ela o ignorou, concentrando-se apenas em servir-se da comida, como se ele não fosse nada além de um leve incômodo.
Mas Sirius não se deixou deter. Com aquele sorriso provocador que fazia o sangue dela ferver, ele continuou, apoiando-se casualmente na mesa, como se aquela troca fosse uma simples conversa trivial entre velhos conhecidos.
— Eu arrisco a dizer que ele vai arrombar Hogwarts e puxar você pelos cabelos, gritando para ficar longe de mim — disse ele, num tom despreocupado e ligeiramente divertido, enquanto se encostava na mesa de bebidas, encarando-a com um sorriso provocador.
Maelys semicerrou os olhos, sem desviar-se do objetivo de manter a compostura. Não daria a ele o prazer de vê-la reagir, mesmo que sua paciência estivesse se desgastando rapidamente. Mas Sirius, com aquele ar insolente, não tinha intenções de parar ali.
— Ora, Maelys, eu não mordi a sua língua naquele dia para você ficar assim.
Maelys sentiu os músculos do corpo enrijecerem e seus olhos semicerraram-se em direção a ele. A tensão subia lentamente, uma onda que se formava em seu interior, e por mais que tentasse manter o controle, não pôde evitar o calor súbito que subiu às suas bochechas, tingindo-as de um rubor intenso. Era impossível não sentir o peso da vergonha tomando conta dela. "Pelas barbas de Merlin, onde está o senso das pessoas hoje?", pensou, desesperada para que ninguém tivesse ouvido o comentário absurdo de Sirius. Seus olhos escanearam a sala rapidamente, verificando se algum olhar curioso os observava, mas, felizmente, parecia que todos estavam imersos em suas próprias conversas e danças.
O controle que Maelys tanto prezava parecia escapar de suas mãos e Sirius com seu sorriso insolente, estava no centro disso. Ele sempre sabia exatamente como desestabilizá-la querendo ou nao, e aquilo a enfurecia. "Ele está fora de controle", pensou. Sirius estava fora de controle e um tanto alcoolizado. Voltando os olhos para ele, depois de toda essa provocação, foi um ato de pura incredulidade. Seus olhos encontraram os dele, e ela o encarou com uma mistura de raiva e descrença.
Como ele ousava? Maelys sabia jogar, sabia manipular olhares e emoções, mas agora diante de Sirius, as regras pareciam desmoronar. Ele tinha um jeito único de romper suas barreiras, de arranhar a superfície que ela tão cuidadosamente construía. Talvez fosse isso que a deixava tão desconcertada, o fato de que, por mais que o desprezasse, ele conseguia fazê-la sentir, fazê-la reagir.
Ainda assim, ela não se deixaria vencer. Não ali, não naquela festa. Reajustou a postura, os olhos frios como sempre, e, com uma voz que se esforçava para soar firme, respondeu:
— Não se preocupe, Sirius. Você não é importante o suficiente para Lucius sequer considerar sair de seu lugar para lidar com você.
— Aí, essa doeu. — Sirius colocou a mão sobre o coração, fingindo uma dor que seus olhos claramente desmentiam com um brilho divertido. — Mas enfim, o que Nikolai Vyrwel queria com você, cobrinha?
Maelys franziu o cenho, a pergunta ecoando em sua mente como um incômodo inesperado. Ele estava a observando? Levantou a cabeça devagar, seus olhos procurando decifrar o que o rosto dele revelava, mas tudo que encontrou foi um sorriso maroto, desenhado nos lábios rosados de Sirius. Seu olhar, ao contrário, irradiava pura diversão, como se ele estivesse jogando um jogo onde só ele conhecia as regras.
— Eu não sei. — Ela deu de ombros com indiferença, voltando sua atenção às comidas à sua frente. Sabia muito bem que havia algo entre ela e Nikolai, uma espécie de interesse velado, mas isso certamente não era da conta de Sirius.
O silêncio que se seguiu era quase palpável. Maelys sentiu o peso do olhar de Sirius sobre si, observando seus movimentos enquanto ela colocava os alimentos no prato com uma precisão exagerada. O desconforto a incomodava como uma coceira que ela se esforçava para ignorar, mas permaneceu quieta, determinada a não reagir.
— Esse bolinho de carne é bom. — Sirius quebrou o silêncio, apontando casualmente para um dos pratos na mesa.
— Esse? — Maelys perguntou com uma leve dúvida na voz. Quando ele confirmou com um movimento leve da cabeça, ela provou o bolinho, que surpreendentemente não era ruim. A mordida serviu como uma distração temporária, algo para ocupar sua mente além daquela presença inquietante.
— Então, você pensou na minha proposta? - Mas Sirius não a deixaria escapar tão facilmente. Após mais alguns segundos de uma tranquilidade enganosa, ele retomou a conversa com uma pergunta que a pegou desprevenida.
Maelys parou por um momento, confusa, franzindo as sobrancelhas ao tentar se lembrar do que ele estava falando. Proposta? Ela vasculhou sua memória, até que um estalo a fez recordar. O observatório astronômico da mansão Black. O beijo. A conversa vaga sobre ensinar-lhe a "verdade" sobre os trouxas. A lembrança veio com um peso indesejado, revivendo a sensação daquele momento que ela preferia manter enterrada.
— Não pode estar falando sério, Sirius. — Ela riu, tentando dissipar a tensão com um riso leve e um gesto de descaso.
— É claro que estou. — A seriedade em sua voz cortou o ar, desfez a leveza que ela tentava manter.
A irritação subiu como um calor que percorria seu corpo, apertando seu peito. Aquilo não era algo que ela queria discutir, especialmente com Sirius Black. Ele parecia viver em um mundo de desafios e provocações, sempre tentando puxá-la para uma conversa que ela não estava disposta a ter.
— Não, não está. — Sua voz saiu mais firme do que ela pretendia, uma tentativa desesperada de encerrar a conversa ali mesmo.
— Sim, eu estou, Maelys. — A resposta de Sirius veio rápida, mas firme, carregada de uma convicção que a deixou sem palavras por um instante.
Ele não estava brincando. Pela primeira vez naquele diálogo tortuoso, ela viu que Sirius estava realmente falando sério. E isso a incomodava de maneiras que ela não conseguia descrever. O assunto dos trouxas, da "verdade" que ele queria mostrar, era algo que tocava em uma ferida profunda dentro dela, algo que desafiava o que ela tinha sido criada a acreditar. Mais do que isso, era o fato de que ele, Sirius Black, ousava tentar mudá-la, arrastar seu mundo para o dele, com ideias que ela sabia serem perigosas. Ela respirou fundo, controlando a sua raiva .
— Eu não preciso que você me mostre nada, Sirius. — Maelys finalmente respondeu, o tom frio como uma lâmina, um escudo erguido para se proteger das intenções de Sirius. — Eu sei exatamente quem sou e no que acredito.
— Maelys, por favor! Me escute.
— Quer saber, eu não quero mais comer! — a malfoy declarou irritada, largando o seu pratinho de comida em cima da mesa. Virando-se de costas para ele e ingressando naquele mar de adolescentes.
Ir àquela festa havia sido uma péssima ideia. Maelys Malfoy se sentia como uma marionete em um espetáculo que não desejava protagonizar. A cada risada estridente que ressoava ao seu redor, a frustração crescia dentro dela, fazendo seu estômago se contorcer. Haviam se passado horas desde que ela se arrumara com tanto esmero, e agora tudo parecia em vão. Olhando ao redor, a busca por suas amigas se tornava uma missão fadada ao fracasso, perdida entre uma multidão que pulsava em uma alegria que ela não compartilhava. O calor do ambiente aprimorava sua irritação; estava na hora de ir embora. O frio da comunal da Sonserina prometia um acolhimento que sua alma ansiava.
Ciente de que Sirius Black a seguia, Maelys acelerou o passo, esgueirando-se entre corpos dançantes e risadas despreocupadas. A pressão do ambiente se tornava cada vez mais opressiva, e a determinação a empurrava para fora, longe daquela festa e de suas armadilhas emocionais.
Finalmente, ao deixar a sala iluminada para o corredor vazio da escola, uma onda de alívio a envolveu. O silêncio ali era quase sagrado, um santuário onde poderia respirar novamente. Contudo, sua paz foi interrompida pela voz familiar que ecoou atrás dela.
— Maelys! — Sirius exclamou, alcançando-a e agarrando seu pulso, forçando-a a olhar para ele.
— O que merda você quer, Black? — A platinada respondeu, a irritação transparecendo em sua voz, como um vulcão prestes a entrar em erupção.
— E-eu... — Ele hesitou, a confiança que costumava transparecer em suas palavras escorregando como areia entre os dedos.
— Ah, a coragem fugiu agora? — Maelys disparou com ironia, sua expressão endurecendo. — Porque você não faz o mesmo e me deixa em paz?
O olhar de Sirius, antes brilhante com uma irreverência característica, agora carregava uma vulnerabilidade que a incomodava. Mas ela não podia permitir que a compaixão a dominasse.
— Eu preciso de sua ajuda para conversar com o meu irmão. — Ele finalmente disse implorando. — Régulos está sozinho naquela maldita casa, ele é um garoto bom não merece passar por tudo aquilo que eles vão fazê-lo passar... eu só preciso que que você me ajude a conversar com ele.
Maelys arregalou os olhos ao compreender que Sirius se referia a seus próprios pais. Walburga Black, a mãe de Régulos e Sirius, sempre fora um nome que despertava desconforto. Maelys lembrou-se de sua própria mãe falando sobre ela, com desdém nos lábios. "A senhora Black pode ser da mais alta classe, mas ela possui um apreço incondicional pela crueldade, mesmo com os próprios filhos." Na época, Maelys era apenas uma menina de 11 anos, incapaz de compreender a profundidade dessas palavras. Agora, porém, tudo parecia se encaixar, e a verdade que Sirius trazia à tona revelava mais do que ela estava preparada para enfrentar.
O ar entre eles ficou denso, carregado de uma tensão quase palpável, como se o frio das masmorras da Sonserina tivesse se infiltrado em seus ossos. Maelys era uma garota acostumada ao controle, a ter as rédeas em mãos, a ver os outros se dobrarem sob o peso de sua presença. Mas ali, diante daquele garoto que ela desprezava e que a fascinava ao mesmo tempo, ela sentia-se vulnerável, exposta.
Suspirando cansada, ela encontrou os olhos cinzentos de Sirius, que agora não pareciam cheios da habitual arrogância. Havia um brilho de desespero neles, algo que ela não estava acostumada a ver. Ele, o destemido grifinório, o rebelde que não seguia regras, agora se despia de sua bravura e, de maneira quase patética, suplicava por ajuda.
— Régulos é meu melhor amigo — a voz de Maelys saiu mais baixa do que esperava, como se a dureza de antes estivesse se quebrando. — Eu faria qualquer coisa por ele, você sabe disso. Mas por que você está me pedindo isso? — Ela deu um passo à frente, invadindo o espaço de Sirius. — Você saiu de casa, Black. Você abandonou seu irmão. Não é fácil pra ele, e você sabe que ele nunca admitiria isso.
Sirius mordeu o lábio, desviando o olhar por um momento, como se as palavras de Maelys fossem punhais cortando suas defesas. Ele sabia que ela tinha razão. Cada palavra era um lembrete doloroso de suas escolhas, de seus fracassos. Mas ele não podia deixar Régulos para trás. Não podia permitir que seu irmão se afundasse nas garras de seus pais, na toxicidade daquela casa.
— Eu não tive escolha. — A voz de Sirius estava rouca, quase um sussurro. — Você não entende...
— Eu entendo mais do que você pensa — Maelys o interrompeu, sua voz novamente afiada, mas agora com um tom mais suave. Ela suspirou, fechando os olhos por um breve momento, antes de abrir-se para uma vulnerabilidade que raramente demonstrava. — Eu também estou presa em uma rede de expectativas e obrigações... Eu entendo, Sirius.
Por um instante, o silêncio os envolveu, como se o mundo tivesse parado ao redor. Maelys sentia seu coração acelerar, mas a frieza habitual em sua expressão permaneceu. Ela sabia o que precisava fazer, mesmo que isso a irritasse. Mesmo que significasse se envolver em algo que preferia evitar.
— Farei o que puder por Régulos. — As palavras escaparam de seus lábios antes que ela pudesse reconsiderá-las. — Mas não é por você, Black. É por ele. E saiba que isso não muda nada entre nós. — Ela se virou, preparando-se para seguir em frente, mas parou ao ouvir a voz de Sirius mais uma vez.
— Obrigado. — Foi tudo o que ele disse, mas em sua simplicidade, havia um peso que Maelys compreendeu perfeitamente.
Sem responder, ela voltou a caminhar pelo corredor, o som de seus passos ecoando suavemente nas paredes de pedra. No fundo, sentia que aquele momento havia mudado algo entre eles, mas, como sempre, Maelys Malfoy preferia manter as rédeas firmes. O jogo ainda não tinha acabado, e ela não estava disposta a perder.
MALFEITO, FEITO!
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