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โ›ˆ๏ธŽๅฝก2015.

NUNCA SABEMOS qual รฉ o nosso propรณsito. Isso pode soar filosรณfico, mas, na prรกtica, รฉ mais frustrante do que profundo. Nos dedicamos tanto a algo - ou a alguรฉm - e, no fim, ร s vezes nem sabemos o motivo.

Luther estava na lua. Literal e figurativamente. Achava que cumpria seu propรณsito, que fazia algo grandioso, que deixava Reginald, seu pai, orgulhoso. Mas, na realidade? Estava hรก mais de um mรชs completamente sozinho, isolado, vivendo nas ruรญnas de seus prรณprios pensamentos. E o pior: sem nem entender por quรช.

Qual era o propรณsito daquilo? Ele estava ali para coletar anรกlises? Observar crateras? O que, afinal, a lua tinha de tรฃo especial para seu pai mandรก-lo para lรก - sozinho?

A pergunta ecoava em sua cabeรงa todos os dias, martelando sem piedade. Mas Luther, como um cรฃo fiel ao dono, continuava cumprindo seu papel de filho obediente.

Ligou a cรขmera.

- Bom dia, pai.

Sua voz soou firme, mas a rotina comeรงava a pesar. Olhou o relรณgio. Mais um dia exatamente igual ao anterior.

- Sรฃo sete e trinta e cinco no horรกrio lunar padrรฃo. - Suspirou, ajeitando a postura. - Tรด comemorando o quadragรฉsimo sรฉtimo dia em cima da velha senhora cinza. Minha saรบde tรก boa.

Deu de ombros, olhando ao redor, tentando lembrar o que mais precisava relatar.

- O suprimento de ar tรก... melhor ainda. Hoje vou coletar amostras da cratera Burrell.

Forรงou um sorriso. Queria se convencer de que ainda sentia orgulho do prรณprio trabalho. E, de certa forma, deveria sentir. Nenhum outro filho teria aceitado essa missรฃo.

- Espero que esteja tudo bem aรญ embaixo. E... fim da transmissรฃo.

Com um รบltimo toque, enviou a gravaรงรฃo para a Terra.

Entรฃo, suspirou. Um suspiro carregado.

Virou a cabeรงa e encarou a foto dos irmรฃos. O peito apertou. Sentia falta deles - da bagunรงa, das discussรตes, da sensaรงรฃo de pertencimento. Agora, todos haviam seguido em frente.

Cinco nunca mais voltou.

Celeste se foi, levada pelo peso dos julgamentos. Ele tentou encontrรก-la. Procurou por toda parte, em qualquer canto onde achava que ela poderia estar. Nunca teve sucesso. E, para falar a verdade? Nem sabia como pedir desculpas. Nem mesmo sabia se ela aceitaria ouvir um "oi".

Os outros? Allison era famosa. Diego estava na polรญcia. Klaus... bom, Klaus apenas existia. E Viktor escrevia livros enquanto ensinava violino.

Era engraรงado. Cresceram juntos, mas cada um seguiu um rumo diferente. Luther sรณ queria que as coisas fossem como antes. Se ao menos os irmรฃos ainda morassem juntos, talvez pudessem estar ali com ele. A lua nรฃo pareceria tรฃo vazia.

Mas os dias passaram. Quarenta e sete se tornaram noventa. Depois cem. Depois... incontรกveis.

E, pouco a pouco, a solidรฃo foi se infiltrando em sua mente.

Parou de fazer a barba. Seu cabelo cresceu. Seu reflexo se tornou irreconhecรญvel.

Os relatรณrios continuavam sendo enviados, porque ele era leal. Mas a vontade de voltar para casa crescia como um buraco negro dentro dele.

Todos os dias andava pela lua, buscando algo - qualquer coisa - que desse sentido ร  sua presenรงa ali. E entรฃo, um dia, encontrou.

O veรญculo parou de avanรงar. Algo o impediu de seguir. No painel, a mensagem era clara: "รREA PROIBIDA".

Ele franziu o cenho. Desde quando existia uma รกrea proibida na lua?

Se havia algo escondido ali, precisava descobrir. E, pela primeira vez em muito tempo, sentiu um vislumbre de animaรงรฃo.

Porque, naquele territรณrio esquecido, estava o verdadeiro motivo para sua missรฃo.

Nรฃo se tratava de anรกlises. Nunca se tratou de estudos lunares. Reginald nรฃo enviou Luther para explorar.

Ele enviou Luther para proteger.

E o que precisava de proteรงรฃo era o tubo criogรชnico que guardava o corpo de sua amada esposa.

Luther passou meses achando que sua presenรงa ali tinha um propรณsito maior. E, no fim, nรฃo passava de um vigia solitรกrio, guardando um segredo que nem sequer conhecia.

๏ฝขยท ยท โ€ข โ€ข โ€ข โ›ˆ๏ธŽ โ€ข โ€ข โ€ข ยท ยท๏ฝฃ

โ›ˆ๏ธŽๅฝก๐ƒ๐ข๐š๐ฌ ๐š๐ญ๐ฎ๐š๐ข๐ฌ.

Enquanto o sol da manhรฃ se erguia no cรฉu, os primeiros pensamentos de Cinco eram claros como a luz dourada que iluminava o quarto: "Celeste aceitou meu pedido de casamento".

Por alguns minutos, ele ficou apenas observando-a dormir, e para ele, aquilo nรฃo era nem um pouco entediante. O jeito como seus cabelos ondulados caรญam suavemente sobre os ombros, o brilho suave que o sol trazia aos fios, a serenidade em seus olhos fechados, os lรกbios ligeiramente entreabertos... Ela era magnรญfica.

Na noite anterior, depois de finalmente terem se entregado um ao outro de forma mais รญntima, Cinco contou a ela tudo sobre as trรชs vezes em que voltou no tempo. Nรฃo omitiu nada, nem mesmo os momentos mais vergonhosos - como o fato de ter ficado tรฃo nervoso na primeira vez que suas mรฃos tremiam e ele achou que estava sendo terrรญvel.

Celeste riu, achando graรงa da maneira desajeitada como ele descrevia a experiรชncia. E, de qualquer forma, para ela, tinha sido perfeito. Claro, esse sempre foi o objetivo dele.

Celeste comeรงou a despertar aos poucos. Eles haviam dormido de conchinha, e ela ainda estava aninhada nos braรงos dele, seu corpo encaixado contra o dele, os cabelos soltos roรงando o queixo de Cinco. A realidade ia voltando devagar, mas ele nรฃo queria que aquele momento acabasse. Sem pensar, comeรงou a enroscar os dedos nos fios ondulados dela, um toque tรฃo puro, tรฃo รญntimo de um jeito simples, que fez com que Celeste desejasse ficar assim para sempre.

Mas nรฃo podiam.

Para Cinco, aquela calmaria deliciosa durou sรณ alguns minutos. Logo, o peso do que tinha decidido voltou a assombrรก-lo. Ele se odiava por ter desistido. Sim, essa era a palavra exata para o que ele fez, e Celeste estava certa.

A noite anterior sรณ havia deixado tudo ainda mais evidente: o que sentiam um pelo outro, o quanto se pertenciam... e o quanto ele se desprezava por isso. Queria que ela tivesse uma vida. Nรฃo apenas algumas horas.

E agora, alรฉm de desistir, tinha feito com que ela desistisse tambรฉm. Lembrava perfeitamente da expressรฃo dela no corredor no dia anterior. A decepรงรฃo estava ali, estampada, mesmo que ela tentasse esconder. E รฉ claro que tentaria. Celeste nunca gostou de deixar transparecer esse tipo de coisa.

Ele odiaria dar a ela mais esperanรงas... mas, no fundo, qual era a diferenรงa? No fim das contas, nรฃo havia saรญda. Eles nรฃo podiam impedir o mundo de acabar. Nรฃo existia esperanรงa que ele pudesse dar a ela. Independente do que decidissem, o apocalipse era inevitรกvel.

Um aperto tomou conta do peito dele. Um nรณ sufocante de dor e frustraรงรฃo. Mas nรฃo havia nada que pudesse fazer.

- Consigo quase ouvir seus pensamentos daqui.

A voz de Celeste veio baixa, carinhosa, meio arrastada pelo sono. Ela se remexeu nos braรงos dele, se encaixando melhor, buscando conforto. Mas nรฃo olhou para ele. Os dois ainda estavam presos naquela conchinha deliciosa.

- ร‰? - Ele arqueou uma sobrancelha, suspirando. Apertou-a mais contra si, odiando o quanto era transparente com suas preocupaรงรตes. - E o que eu estou pensando?

- Que nosso amor ontem foi tรฃo bom que... vocรช gostaria de nรฃo ter tido essa objeรงรฃo consciente idiota.

Cinco deu de ombros. Pois รฉ. Ela acertou. De novo. Mas nรฃo era sรณ sobre a noite anterior. Visto de fora, aquilo poderia atรฉ parecer engraรงado, mas, para ele, tudo tinha mudado. Agora, ele olhava para Celeste como sua esposa. Eles tinham se tornado um sรณ, nรฃo tinham?

- Ele disse para nรฃo salvarmos o mundo.

Celeste quebrou o silรชncio, a voz sรฉria. Cinco entendeu de imediato a quem ela se referia. A outra versรฃo dele. Aquele que morreu bem diante dos seus olhos.

- Eu sei. - Cinco respondeu, a voz tรฃo tranquila e aconchegante que, se ela fechasse os olhos, voltaria a dormir. - E ainda tรด tentando decifrar por que ele diria isso.

Celeste estreitou os olhos, pensativa. Para Cinco, aquilo era um enigma. O que poderia ter acontecido de tรฃo terrรญvel para que sua outra versรฃo se arrependesse de tentar salvar o mundo?

Era complicado demais.

Para Celeste, a dรบvida martelava incessantemente em sua cabeรงa: O que a outra versรฃo dele havia sussurrado na cรขmara da Comissรฃo?

Ela sabia que era algo importante o suficiente para que nem ela, nem Lila, nem a Celeste da Sparrow ouvissem. Mas... o que poderia ser tรฃo crucial a ponto de Cinco ainda nรฃo ter compartilhado com ela?

De qualquer forma, nada disso importaria em algumas horas. Eles literalmente morreriam.

- O que vocรช havia se dito? - Ela perguntou, virando-se para encarรก-lo de frente. Seu olhar encontrou o dele, mas Cinco apenas a puxou para mais perto, apertando-a nos braรงos como se nunca quisesse soltรก-la. - Quando... o seu eu de cem anos te puxou para falar algo no seu ouvido.

Cinco franziu o cenho. Para ele, aquilo nรฃo fazia sentido. Nรฃo era importante.

- E isso importa? - rebateu, com um tom cansado. Entรฃo, resmungou, irritado, como se lembrar daquilo o incomodasse. - Ele disse pra mim nรฃo levar algo. E nem falou o que era.

Celeste soltou um riso leve, achando graรงa.

- Vocรช รฉ meio misterioso ร s vezes.

- E finalmente tรด percebendo como isso รฉ ruim. - Ele resmungou, frustrado. - Eu deveria ser direto como vocรช.

Os minutos passaram, os dois conversando sobre qualquer coisa, apenas aproveitando o momento. Mas entรฃo, Celeste decidiu que precisava de um banho. Cinco teve que soltรก-la dos braรงos - e fez isso de forma totalmente relutante, preguiรงosa e com um quรช de tristeza.

Mesmo querendo ficar ali, presa naquele momento, ela conseguiu se levantar. Quando saiu do banho, ainda com os cabelos รบmidos e a pele apenas parcialmente seca pela toalha, Cinco, que estava largado na cama feito um preguiรงoso, se endireitou de repente.

Ele nรฃo queria sair dali... mas, de repente, encontrou um motivo perfeito para levantar.

Celeste estava ali, quase nua, mexendo nas roupas, resmungando algo sobre "esqueci de pegar meu moletom". Mas ele sequer estava ouvindo.

Entรฃo, teleportou-se.

Ela se sobressaltou, levando a mรฃo ao peito, assustada quando ele reapareceu bem atrรกs dela, os dedos tocando suavemente sua cintura. A toalha, antes esquecida, agora era segurada firmemente por ela.

- Cinco! - Ela resmungou, afobada, o coraรงรฃo disparado.

Ele riu. Um riso divertido e levemente perverso. Mas nem se deu ao trabalho de responder. Nem perguntou sobre a roupa que ela usaria, nem puxou assunto. Porque, naquele momento, seus lรกbios estavam ocupados beijando docemente o pescoรงo dela.

Um beijo tรฃo delicioso que Celeste poderia derreter ali mesmo.

As mรฃos dele a seguraram com firmeza, envolvendo sua cintura num abraรงo por trรกs.

- Nossa. - Ele resmungou, franzindo o cenho, meio incrรฉdulo.

Celeste ergueu uma sobrancelha, tentando conter o sorriso que ameaรงava se formar nos prรณprios lรกbios. Mas era impossรญvel. Principalmente com aqueles beijos.

- O quรช? - Ela perguntou, genuinamente inocente. Certamente.

Cinco soltou um pequeno riso, divertido.

Suas mรฃos deslizaram da cintura dela para cima, traรงando um caminho lento e aconchegante pelo corpo dela - ainda encoberto pela toalha. O toque era tรฃo bom que Celeste desejou, por um instante, que o tempo simplesmente parasse ali.

- Acho que bati meu recorde.

Ela franziu o cenho, sem entender de imediato.

Cinco sorriu. Um sorriso travesso, malicioso. E entรฃo, sem pressa, encaixou perfeitamente o quadril contra o dela, pressionando-a.

Foi aรญ que Celeste entendeu. Afinal, ela conseguiu sentir perfeitamente a ereรงรฃo dele bem na sua bunda.

Celeste ficou vermelha no mesmo instante, soltando uma risada nervosa. Ainda nรฃo tinha se acostumado com as cantadas descaradamente diretas dele - e, depois do noivado, parecia que elas estavam mais explรญcitas do que nunca.

Envergonhada, virou-se para encarรก-lo de frente.

- Cinco!

Ele gargalhou, divertido, enquanto ela segurava a toalha com ainda mais firmeza, como se isso fosse protegรช-la do olhar travesso dele. Cinco, รฉ claro, achou graรงa do constrangimento dela - afinal, essa sempre tinha sido a intenรงรฃo. E, para ser sincero? Ver Celeste nervosa era uma das suas cenas favoritas.

Sem hesitar, ele puxou a mรฃo dela, trazendo-a para mais perto. A outra mรฃo dela ainda segurava a toalha com todas as forรงas, como se sua vida dependesse daquilo.

- Eu faria amor com vocรช agora.

A frase saiu tรฃo simples, tรฃo direta, que Celeste sentiu um frio na barriga, uma onda de calor subindo pelo corpo. Seu estรดmago se encheu de borboletas, e ela teve que morder o lรกbio inferior para conter um sorriso.

E, sinceramente? Ela adorava quando ele se referia ร quilo como fazer amor.

Cinco percebeu. E, satisfeito, beijou sua bochecha antes de sussurrar bem perto do ouvido dela:

- Mais uma vez.

Dessa vez, ela nรฃo tentou segurar o sorriso. As lembranรงas da noite anterior ainda estavam vรญvidas na sua mente, frescas como se tivessem acabado de acontecer. E, naquele momento, ela daria tudo para ter a habilidade dele. Para voltar no tempo e reviver aquilo quantas vezes quisesse.

Sem pensar duas vezes. Sem arrependimentos.

Mas entรฃo, do jeito direto e prรกtico que era tรฃo Cinco, ele quebrou o clima.

- Mas vocรช ainda estรก com dor. Claramente.

Celeste soltou uma lufada de ar que nem havia percebido estar prendendo. Olhou para o alto, como se implorasse paciรชncia para alguma entidade divina.

- Mas-

Ele arqueou a sobrancelha, cruzando os braรงos. Nem precisava dizer nada. Ela sabia que nรฃo podia negar.

Derrotada, deixou os ombros caรญrem, soltando um resmungo baixinho. E, de fato, suas pernas ainda estavam fracas - o que, querendo ou nรฃo, era totalmente culpa da noite anterior.

Cinco nรฃo disse mais nada. Apenas se teleportou para o banheiro, indo tomar banho.

Celeste revirou os olhos, ainda amaldiรงoando a prรณpria fragilidade, e finalmente escolheu sua roupa. Optou por uma calรงa jeans preta e uma blusa de manga longa azul, finalizando com um moletom cinza para se aquecer. Nos pรฉs, colocou os mesmos de sempre: o New Balance preto que trouxera consigo dos anos 60 - porque sempre odiou sapatilhas e sandรกlias.

Prendeu o cabelo em um rabo de cavalo e saiu do quarto em busca de comida.

Descendo atรฉ o andar de refeiรงรตes, vasculhou o lugar atรฉ encontrar alguns sanduรญches e serviu-se de um cafรฉ preto forte. Sentou-se para matar a fome, ainda sentindo a leve exaustรฃo no corpo, mas foi sรณ quando olhou pela janela que seu humor mudou para preocupaรงรฃo.

Cinco estava saindo do hotel. Com uma garrafa de bebida alcoรณlica nas mรฃos.

Algo รบnico. Algo errado.

Ele estava comeรงando a se odiar por ter desistido.

Dentro do hotel, Klaus se movia sorrateiramente, sua missรฃo muito clara: convencer cada um dos irmรฃos a ouvir a proposta de Reginald. Como jรก fizera no casamento de Luther e Sloane. Mas dessa vez, tinha um aliado perfeito - o tempo. Ou melhor, a falta dele. O apocalipse se aproximava a passos largos, e todos ali sabiam que tinham apenas algumas horas antes do fim.

E, sinceramente? Depois da noite memorรกvel que tiveram, ninguรฉm queria que aquilo acabasse tรฃo rรกpido.

Foi assim que ele encontrou Celeste, sentada sozinha, pensativa, devorando um sanduรญche de frango.

- Comendo, hm? - Klaus perguntou, puxando uma cadeira e se sentando ร  sua frente.

Celeste ergueu uma sobrancelha, mastigando uma enorme mordida sem a menor cerimรดnia.

- Precisamos nos alimentar, nรฉ? - deu de ombros. - Tudo bem que vamos morrer daqui algumas horas, mas morrer de barriga cheia torna tudo menos pior.

Ele soltou uma risada baixa.

- ร‰. Vocรช tรก certa.

Ela continuou comendo, sem parecer interessada na conversa. Mas Klaus sabia que precisava convencรช-la. O problema era que Celeste tinha um motivo extra para odiar Reginald, mais do que qualquer um ali. Ele nรฃo era apenas um pรฉssimo pai - era o pior de todos, especialmente com ela. Convencรช-la seria um desafio. Mas se conseguisse... talvez Cinco tambรฉm aceitasse. Celeste podia nรฃo perceber, mas era uma influรชncia gigante para ele.

Ele se inclinou um pouco sobre a mesa, forรงando um sorriso manhoso.

- Olha, Celly... - comeรงou, a voz melosa como a de uma crianรงa tentando ganhar um doce.

Celeste imediatamente crispou os lรกbios e ergueu a sobrancelha, desconfiada.

- Eu sei que vocรช odeia o papai com todas as suas forรงas e-

- Ah, nรฃo, Klaus! - Ela resmungou, jogando a cabeรงa para trรกs, exasperada.

Ele suspirou. Okay, nรฃo seria fรกcil.

- Sรณ me escuta, por favor!

Celeste parou de mastigar e o encarou com um olhar fulminante, sobrancelhas franzidas, como se ele tivesse cometido um crime imperdoรกvel.

E com a boca cheia, ainda. Agora ele estava realmente em maus lenรงรณis. Ainda assim, insistiu:

- Eu tambรฉm nรฃo gostava dele. Mas... esse papai รฉ melhor. E ele tem um plano e-

- Eu sei. - Ela cortou, a voz meio abafada pela comida. - E ele continua sendo um manipulador. Tรก usando vocรช como uma marionete, e vocรช sรณ vai perceber isso quando ele te descartar no lixo.

Klaus arregalou os olhos, escandalizado.

- Ei! - levou a mรฃo ao peito, ofendido. Ela nรฃo tinha papas na lรญngua mesmo. Deu um tapinha no braรงo dela, como se dissesse pelo menos tenta ser um pouco gentil. - Pode, por favor, deixar de ser grosseira?

Celeste apenas deu de ombros.

- Estou sendo realista.

O olhar dela era firme. Como se pudesse enxergar a essรชncia de Reginald melhor do que qualquer um ali. E, no fundo, Klaus sabia que nรฃo conseguiria mudar a cabeรงa dela tรฃo fรกcil.

- Tรก, tรก, que seja. - Ele revirou os olhos.

Talvez uma abordagem mais emocional funcionasse melhor.

- Olha, eu sei que vocรช e o Cinco disseram que nรฃo iam ouvir o plano dele e... - Celeste soltou um suspiro pesado, jรก sentindo que a insistรชncia dele estava comeรงando a irritรก-la. - ...que o papai รฉ um desgraรงado, e que ninguรฉm deveria confiar nele.

Ele fez uma pausa dramรกtica, observando-a enquanto ela terminava seu sanduรญche.

E entรฃo, com um sorriso malandro, lanรงou o golpe final:

- Mas seja lรก o que diabos vocรชs dois fizeram ontem, eu sei que vocรช nรฃo tรก pronta pra que tudo acabe.

Celeste travou no lugar, quase engasgando com a รบltima mordida.

Klaus sorriu.

Bingo.

Aquilo atingiu Celeste como um soco no estรดmago. E Klaus havia percebido.

Ela estreitou os olhos, desconfiada. Ele parecia genuinamente empenhado em convencรช-la, o que era raro. Mas fazia sentido - sempre tiveram uma relaรงรฃo especial. Celeste era uma das suas irmรฃs favoritas, aquela que sempre soube da sua homossexualidade e nunca o julgou por isso. A irmรฃ com quem ele podia discutir suas relaรงรตes caรณticas sem medo, mesmo que ela julgasse de vez em quando - e ela tinha esse direito. A irmรฃ que sempre foi racional o suficiente para que, se dissesse que algo era uma pรฉssima ideia, รฉ porque realmente era.

Celeste era uma preciosidade para Klaus.

- Eu percebi. - Ele disse, firme. - Ontem, na sala, eu nรฃo estava. Mas o Luther contou aquela histรณria-furada sobre objeรงรฃo consciente... e eu notei vocรช.

Celeste prendeu a respiraรงรฃo.

- Celly, nรฃo dรก pra se esconder e fingir que รฉ durona a vida inteira.

Ela odiava admitir, mas Klaus a havia descrito perfeitamente. E agora, encarar a realidade do que ele dizia... doรญa. Desistir nunca pareceu tรฃo horrรญvel.

Celeste suspirou fundo e se inclinou sobre a mesa, cobrindo o rosto com as mรฃos, como se buscasse uma inteligรชncia divina para ajudรก-la a lidar com aquilo.

- Se vocรช sรณ ouvir o papai... - Klaus tentou de novo. - Nรฃo precisa participar se nรฃo quiser e-

- Tรก bom. - Ela revirou os olhos, cortando-o no meio da frase.

"Que seja!" pensou, irritada. No fim das contas, que mal faria? Sรณ ouviria. Sรณ isso. Crispou os lรกbios e soltou um suspiro resignado.

- Vou escutar o que aquele idiota tem pra falar.

O sorriso de Klaus se alargou instantaneamente.

- Obrigado! - exclamou, e tรฃo depressa quanto chegou, desapareceu, jรก focado no prรณximo irmรฃo que precisava convencer.

Celeste bufou, apoiando o rosto na mรฃo. Talvez estivesse prestes a cometer a pior decisรฃo da sua vida. Ou talvez sรณ estivesse se entretendo pelas รบltimas horas que lhe restavam. De qualquer forma, Klaus precisava de apoio. Mas e Cinco?

Cinco era um osso muito mais duro de roer.

Lรก fora, ele estava sentado no chรฃo, a uma curta distรขncia do hotel. Restava pouco do mundo ao redor, apenas ruรญnas e um silรชncio que gritava em seus ouvidos.

A garrafa de bebida alcoรณlica girava lentamente em sua mรฃo, enquanto ele observava o nada, perdido nos prรณprios pensamentos.

Ele nรฃo queria desistir de Celeste. Mas tambรฉm nรฃo queria dar a ela uma esperanรงa que talvez nรฃo pudesse cumprir. E, รฉ claro, as palavras de seu outro eu ecoavam incessantemente em sua mente:

"Nรฃo salve o mundo."

"Nรฃo leve-a."

Tรฃo poucas palavras. Tรฃo malditamente enigmรกticas.

Ele suspirou, tomando mais um gole. Ficou sozinho apenas por alguns minutos, atรฉ que um som de passos se aproximando o fez erguer o olhar.

Reginald.

O รบnico capaz de fazer Cinco se afundar na lama.

O velho caminhava em sua direรงรฃo com a precisรฃo de alguรฉm que sabia que seria ouvido. Cinco franziu o cenho, desconfiado. Isso nรฃo cheirava nada bem.

- Reginald. - Cinco o cumprimentou com um olhar estreito, a desconfianรงa estampada no rosto.

- Imagino que saiba por que estou aqui. - Reginald foi direto, sem rodeios.

Cinco soltou uma lufada de ar, um riso seco escapando de seus lรกbios.

- Que tal eu economizar o seu tempo e jรก te dizer um "nรฃo"? - Ele ergueu uma sobrancelha, os lรกbios se crispando em sarcasmo. E, antes que Reginald sequer tentasse qualquer jogo mental, ele cortou o assunto pela raiz: - Nรฃo tรด nem um pouco interessado nessa porcaria de plano que tรก armando. E juro, se vocรช manipular a Celly para ficar do seu lado, em algumas horas vocรช vai estar batendo papo com Deus, e a culpa nรฃo vai ser do Kugelblitz.

Reginald manteve a expressรฃo impassรญvel, mas algo em seu olhar indicava que o comentรกrio o irritou.

- Meu plano nรฃo รฉ, como vocรช disse, uma porcaria. - retrucou, ignorando completamente a ameaรงa. O que parecia tรช-lo incomodado de verdade foi a falta de crรฉdito na sua genialidade.

- Que pena. - Cinco fingiu lamentar. - Porque eu continuo nรฃo me importando.

Reginald suspirou, analisando o garoto por um instante antes de apontar para o espaรงo vazio ao lado dele.

- Posso me juntar a vocรช?

Cinco revirou os olhos.

- Na verdade, eu aprecio a... solidรฃo. - A palavra saiu carregada de ironia. Ele havia fechado qualquer porta para um diรกlogo amigรกvel.

Mas Reginald, sendo quem era, simplesmente ignorou.

- Uhum. - murmurou, e sem esperar permissรฃo, sentou-se ao lado dele.

Cinco lanรงou um olhar de desgosto.

- Mas รฉ claro que vocรช ia atrapalhar. - resmungou, quase para si mesmo.

Percebendo que nรฃo tinha saรญda, apenas estendeu a garrafa que segurava. Reginald, sem hesitar, tomou um grande gole.

E imediatamente fez uma careta de quem tinha bebido รกcido.

- Santo Deus! - Ele engasgou.

Cinco sorriu, divertido.

- Louis XXXVIII.

Reginald limpou a garganta e forรงou um ar de indiferenรงa.

- Jรก bebi piores. - resmungou, dando de ombros.

Por um momento, o silรชncio caiu entre os dois. Eles encararam o vazio ร  sua frente, onde antes existia um mundo inteiro. Agora, sรณ restava o fim inevitรกvel.

- ร‰ impressionante, nรฃo รฉ? - Reginald quebrou o silรชncio.

Cinco soltou um riso amargo.

- De todas as burradas que a gente podia ter feito, essa foi a maior de todas. - murmurou. E entรฃo, como se estivesse tentando enganar a si mesmo, deixou escapar a maior mentira da sua vida: - Na verdade, tรด aliviado. Dessa vez, jรก era. Sem Comissรฃo. Sem saltos no tempo. Nem dรก tempo de ficar desesperado pra ver um rosto familiar.

Reginald o encarou de soslaio, sentindo o peso daquela afirmaรงรฃo. Pegou a garrafa novamente e tomou mais um gole, absorvendo as palavras.

Cinco, por outro lado, se sentia sufocado. Ele nunca foi bom em mentir para si mesmo. Mas, naquele momento, queria tanto consertar tudo que sequer conseguia processar um plano.

E isso o assombrava.

- Eu vi mundos acabarem de jeitos que te deixariam em pรขnico, garoto. - Reginald disse, a voz calma, mas carregada de um peso antigo.

A mente de Cinco se iluminou.

"Vi mundos acabarem."

As palavras martelaram em seu cรฉrebro, trazendo ร  tona o documento de Hale. Ele tentou se lembrar de cada detalhe escrito sobre Reginald ali.

Mas, por enquanto, sรณ conseguia rir.

- Nossa! - Ele soltou um riso nervoso. - Reginald Hargreeves, vocรช nunca deixa de me surpreender.

- Isso serve de consolo. - Reginald replicou, impassรญvel.

No fundo, esperava alguma espรฉcie de empatia. Um "sinto muito", talvez. Afinal, Cinco passou dรฉcadas tentando impedir exatamente aquilo.

Mas tudo que recebeu foi sarcasmo. Reginald suspirou.

- Depois de um tempo, tudo se mistura. Mas vocรช nunca esquece do primeiro. Do seu lar. Do seu pecado original. - A voz dele ficou mais sombria, mais densa. - Vocรช nunca para de se perguntar: "Eu fiz o bastante para salvar as pessoas que amo?"

E, pela primeira vez naquela conversa, Cinco nรฃo teve uma resposta.

- Vocรช fez? - Cinco perguntou, levantando uma sobrancelha. De repente, parecia mais interessado em Reginald do que antes.

- Nรฃo, mas eu esperava que vocรชs, crianรงas, pudessem me ajudar com isso. - Reginald respondeu com um sorriso calculista.

Cinco bufou por dentro. "Claro que esperava", pensou, sabendo que Reginald sรณ estava esperando a chance de convencรช-lo a embarcar em mais um de seus planos malucos.

- Tava demorando - Cinco provocou, pegando a bebida de Reginald sem cerimรดnia e tomando um longo gole. - Foi mal, Reg. Acabei de receber uma mensagem do futuro.

- Qual futuro? - Reginald retrucou, a expressรฃo sรฉria. Nรฃo havia futuro para eles, claro, mas a pergunta ainda saiu como uma provocaรงรฃo.

Cinco olhou para ele, sem pressa de responder.

- O meu eu do futuro. Ele me disse, claramente, pra nรฃo salvar esse mundo.

A verdade era que Cinco nรฃo entendia o motivo. Seu eu do futuro havia se tornado egoรญsta? Porque, naquele momento, o รบnico desejo de Cinco era salvar Celeste e viver ao lado dela.

Reginald riu, sem surpresa, mais divertido do que nunca.

- Vocรช รฉ um filho da mรฃe arrogante, nรฃo รฉ? - Ele estava quase sorrindo, vendo a ironia na situaรงรฃo. Era impressionante como, de algum jeito, eles eram tรฃo parecidos. - "Vocรช do futuro". "Vocรช do presente". O passado รฉ tรฃo misterioso quanto o futuro. Vocรช jรก arruinou a sua vida antes por nรฃo me ouvir. Tรก preparado pra fazer isso de novo? - Ele estreitou os olhos, lanรงando um olhar direto em Cinco. - Preparado para mais... duas ou trรชs horas ao lado dela? Trรชs horas, comparadas com uma vida inteira...

Cinco o interrompeu, sem paciรชncia.

- Eu estou cansado de dar esperanรงas a ela. - Ele disse com um tom de frustraรงรฃo, algo que nunca havia confessado antes. Era a primeira vez que se abria assim, e talvez fosse porque, no fundo, todos iriam morrer logo mesmo. Ele soltou uma risada nervosa, amarga. - Nรฃo sei o que fazer com isso.

Reginald nรฃo perdeu o ritmo, como se jรก esperasse essa resposta.

- Entรฃo me escute e... dรช o que prometeu.

Cinco olhou para ele, ainda relutante. Estava em um impasse, mas parecia refletir sobre as palavras de Reginald. O velho estava, de algum jeito, certo. O que custava ao menos ouvir o plano dele? Se fosse realmente tรฃo absurdo quanto parecia, entรฃo ele teria todo o direito de recusar depois.

Depois de um silรชncio carregado, Cinco suspirou, como se a decisรฃo tivesse saรญdo mais por obrigaรงรฃo do que por vontade prรณpria.

- Tรก bom, eu vou na droga da sua reuniรฃo. - Ele reclamou, como se carregar esse fardo fosse pior do que qualquer outra coisa. Mas, no fundo, havia uma ponta de esperanรงa misturada com desconfianรงa.

- Excelente! - Reginald exclamou, levantando-se do chรฃo como se tivesse acabado de conquistar o maior feito de sua vida. Mas antes que ele pudesse se virar e voltar para o hotel, Cinco estreitou os olhos, decidido a nรฃo deixar tudo ser tรฃo fรกcil assim.

- Se... vocรช me disser o que aconteceu com vocรช na Suรญte do Bรบfalo ontem ร  noite - Cinco disse, com um tom desafiador. Reginald parou de repente, se congelando por um instante, antes de tentar disfarรงar a tensรฃo. Ele franziu o cenho, tentando manter a pose, mas sabia que nรฃo poderia enganar Cinco tรฃo facilmente.

- Com ninguรฉm. Eu estava sozinho. - Reginald mentiu, e Cinco soubera imediatamente que nรฃo havia uma palavra de verdade naquela frase. - Embora duvide que vocรช estivesse em condiรงรฃo de lembrar, considerando que estava ocupando seu tempo com a Celly. - Ele disse, o tom รกcido. Cinco travou o maxilar, mais desconfiado do que nunca. Que conversa estranha poderia Reginald estar escondendo? - Temos que ir. Nรฃo vai querer se atrasar para a reuniรฃo. - Reginald sorriu, mas Cinco o observou com desconfianรงa. - Eu sairia daqui se fosse vocรช.

- Tรก me ameaรงando? - Cinco disse, semicerando os olhos, com o coraรงรฃo acelerado.

Reginald, como sempre, parecia ter o controle da situaรงรฃo. Um instante depois, a plataforma onde Cinco estava sentado se desintegrou, flutuando para o Kugel. Se nรฃo fosse pelo teleporte de Cinco, ele teria sido arrastado junto com o pedaรงo da estrada que sumiu. Reginald apenas deu de ombros, com um ar de quem sabia exatamente o que estava fazendo.

- Vamos - Reginald disse, comeรงando a sair enquanto Cinco ainda o observava, claramente desconfiado. "Como diabos ele sabia que isso ia cair?" Cinco pensou, irritado. Era impressionante como Reginald parecia sempre ter um sexto sentido, como se previsse atรฉ os mรญnimos detalhes.

Cinco sabia que Reginald tinha algo planejado, provavelmente com alguรฉm, mas quando Celly o puxou para o elevador, ele foi impedido de ouvir o que estava sendo discutido. Reginald nunca era confiรกvel.

Deixando a garrafa para trรกs, Cinco seguiu com passos calmos, atravessando a estrada e chegando ao hotel logo depois de Reginald. O velho parecia muito mais animado com a reuniรฃo do que o prรณprio Cinco. Quando entrou, avistou todos os irmรฃos jรก reunidos na sala, conversando animadamente. Era um milagre que todos tivessem concordado em ouvir aquela conversa absurda.

- Cinco! Meu herรณi! - Klaus exclamou, sorrindo e levantando-se para saudรก-lo. Os outros irmรฃos comeรงaram a zoรก-lo, lembrando-se do karaokรช da noite anterior, redescobrindo o talento oculto do irmรฃo.

- Olha ele aรญ!

- Arrasou na mรบsica ontem ร  noite, Cinco!

- Vocรช me fez chorar, eu sou muito molenga!

- Tรก bom, chega. - Cinco resmungou, jรก sabendo que aquele tom de voz indicava que a acidez e o sarcasmo viriam a seguir. - ร€ luz do dia, todos vocรชs sรฃo deplorรกveis, com exceรงรฃo da Celly. - Ele disse ao avistar a garota sentada, com as pernas cruzadas, batendo com a mรฃo no assento vazio ao seu lado, convidando-o para se sentar ali.

Alguns irmรฃos riram da cena, outros fizeram beicinho, fingindo ofensa pelo "deplorรกveis" de Cinco. O clima, no entanto, estava longe de ser leve. Cinco se atirou ao lado de Celly, sentando-se ao lado dela com um ar desafiador. Ali, reunidos, estavam todos: Lila e Diego juntos, Luther e Sloane; Celeste da Sparrow, Benjamin... e, de algum modo, todos estavam prestando atenรงรฃo no plano mirabolante que Reginald estava prestes a expor.

- O dia de vocรชs estรก prestes a piorar - Reginald anunciou, com a voz carregada de uma seriedade sombria que contrastava com a sensaรงรฃo de resignaรงรฃo no ar. - Os noruegueses tinham sete adormecidos. Os Blackfoot, sete estrelas. Quando eu era crianรงa, ouvi falar de uma lenda dos sete sinos. Todas essas histรณrias, no fundo, sรฃo iguais. - Ele continuou, e os olhares de Cinco e Celly se encontraram, ambos atentos, mas com um toque de ceticismo. Celly tinha a sensaรงรฃo de que ele estava prestes a contar uma histรณria de crianรงa. - A vila estรก ameaรงada por uma enchente, pelo fogo, pela noite que nunca termina. Um xamรฃ leva os discรญpulos para uma caverna sagrada. Ele conta que, se puderem tocar os sete sinos mรกgicos, a vila serรก salva e tudo voltarรก a ser como era antes.

- Reggie? - Lila interrompeu, erguendo a mรฃo. Reginald parou de falar, lanรงando um olhar em direรงรฃo a ela.

- Hum?

- A gente pode parar com os contos dos irmรฃos Grimm e comeรงar a falar sobre o que isso tem a ver com a gente? - Lila fez um gesto impaciente, como se nรฃo houvesse mais tempo para histรณrias fantasiosas. Celly, da Sparrow, ergueu uma sobrancelha, desconfiada. Ela jรก tinha ouvido esse tipo de histรณria vรกrias vezes antes e podia atรฉ adivinhar as palavras de Reginald.

- Existe uma verdade nesses mitos - Reginald respondeu, de maneira sincera. Lila soltou um suspiro cรญnico, claramente sem acreditar. - Nenhum de vocรชs pode negar o que estรก acontecendo ao nosso redor. Toda a existรชncia serรก destruรญda no final do dia. Mas alguรฉm, ou algo, que tem manipulado o espaรงo e o tempo, deixou uma maneira de reverter tudo, caso o universo enfrente a aniquilaรงรฃo total. - Ele falou, e Cinco sentiu uma ponta de algo que beirava a esperanรงa.

Mesmo que aquilo fosse uma loucura, um pequeno impulso o fazia querer acreditar. Salvar o mundo. Salvar Celeste. Porque ela era o seu mundo.

- Existe um portal no universo. Eu construรญ este hotel ao redor dele. E do outro lado, estรก a resposta.

- Um... portal? - Celeste perguntou, seu tom de voz mais irรดnico e incrรฉdulo do que pretendia. - Aqui no hotel?

Aquilo explicava, ao menos, por que o hotel estava sendo o รบltimo a ser destruรญdo pelo apocalipse.

- Sim. - Reginald respondeu com total indiferenรงa, sem se importar com a ironia no tom dela.

- Mas รฉ sรณ isso? Entrar e tocar nos sinos? - Celly perguntou, ainda confusa, enquanto os outros tentavam processar a teoria. Tudo parecia uma histรณria absurda, cheia de falhas, criada para alimentar o medo ou a esperanรงa.

- Nรฃo. - Reginald disse, com firmeza, como se estivesse lidando com algo bem mais complexo do que parecia.

- Vocรช quer que a gente faรงa o quรช? Dรช um pulo lรก, toque uns sinos e resolva essa zona? - Luther zombou, levantando uma sobrancelha e lanรงando um olhar para Sloane. "Nem pensar", ele resmungou mentalmente.

- Fora o sarcasmo, vocรช estรก quase certo. - Reginald respondeu, dando de ombros. - Menos pelo guardiรฃo. E, respondendo ร  pergunta de Celly, ele รฉ muito mais perigoso do que vocรชs imaginam.

- Que tipo de guardiรฃo? - Viktor perguntou, levantando uma sobrancelha, claramente interessado. Ele se endireitou na cadeira.

- O tipo de guardiรฃo que faz isso - Diego disse, mostrando a mรฃo. Alguns irmรฃos olhavam com medo, enquanto ele mostrava os dois dedos que perdera na mรฃo esquerda, apรณs ter entrado na estranha porta da Suรญte do Bรบfalo. Agora, ele finalmente entendia por que aquele lugar sempre o tinha incomodado. - Ele tinha uma espada.

- ร‰ uma forรงa a ser temida - Reginald explicou, sem um pingo de emoรงรฃo na voz.

- Viu? Eu sabia que era isso! - Luther resmungou, com os lรกbios crispados, incrรฉdulo. - Foi aรญ que eu desisti!

- Foi aรญ que vocรช desistiu? Eu desisti na parte da caverna sagrada - Lila falou, com sarcasmo, franzindo o cenho. Celeste da Sparrow teria rido, se nรฃo tivesse sido interrompida pelo olhar de repreensรฃo de seu pai.

- Quer mesmo que arrisquemos nossas vidas? - Celeste, da Umbrella, perguntou, a voz carregada de ceticismo e apreensรฃo.

Para ela, tudo aquilo parecia uma loucura, mas nรฃo era nada inesperado. Afinal, esse era o Reginald que ela conhecia, nรฉ? Mesmo sem tรช-los criado, ele ainda era o pai deles. Se รฉ que merecia esse tรญtulo.

Reginald era o tipo de pessoa que nรฃo havia se importado quando Cinco se afastou. Ele era o tipo de pessoa que nรฃo dava a mรญnima se ela estava sofrendo pela perda do melhor amigo, e que sรณ se importava com o desempenho dela na academia. Reginald era aquele que nรฃo suportava alegria, besteiras ou conversas ร  mesa. Ele foi o responsรกvel por mandar Luther, o รบnico filho que restara, para a lua, sem propรณsito algum.

Entรฃo, seria surpresa que ele quisesse que as crianรงas se arriscassem novamente? Por ele? O que ele tinha de tรฃo importante como objetivo, que fazia com que estivesse disposto a sacrificar tudo para encontrar o que quer que fosse do outro lado?

- Arriscaram atรฉ agora, qual seria a diferenรงa? - Reginald perguntou, dando de ombros, como se fosse algo trivial.

Antes que Celeste, da Umbrella, lanรงasse um comentรกrio รกcido o suficiente para comeรงar uma discussรฃo com o pai, Viktor, sempre curioso, fez uma pergunta que ninguรฉm esperava.

- Por que os construtores dessa "porta dos fundos" precisam de um guardiรฃo?

- Pra protegรช-los de pessoas que queiram usรก-los para fins malignos - Sloane explicou com entusiasmo, quase como se jรก soubesse o que viria a seguir. Ela e seus irmรฃos haviam ouvido aquela histรณria tantas vezes que poderiam repeti-la de cor.

- Entรฃo, se formos sem maldade, conseguimos tocar os sinos numa boa? - Celly perguntou, despejando uma boa dose de sarcasmo. - Essa histรณria tรก cheia de furos no roteiro-

- O papai vai precisar da gente pra derrotar a coisa que tรก protegendo os sinos - Allison interrompeu, tentando acalmar a situaรงรฃo. Celeste soltou um suspiro exasperado, como se aquilo fosse uma grande maluquice.

- Tรก mesmo acreditando nesse negรณcio? - Cinco perguntou, erguendo uma sobrancelha, olhando para Allison com desconfianรงa.

- Por que um guardiรฃo e sinos sรฃo mais malucos do que maletas que viajam no tempo e assassinos com mรกscaras de desenho animado? - Allison retrucou com ironia, colocando Cinco em silรชncio. "Ela tem um ponto..." ele pensou, surpreso.

- Na verdade, agora ela te pegou - Luther disse, dando de ombros com aquela tรญpica alfinetada alegre de irmรฃo.

Nos momentos seguintes, Ben se levantou e foi para o lado de Reginald, como se aquilo nunca tivesse sido uma dรบvida para ele. Cinco nรฃo pรดde deixar de desconfiar.

- Eu topo.

Cinco nรฃo pode evitar o pensamento de que Ben poderia ter estado na Suรญte do Bรบfalo, mas suas suspeitas sรณ aumentaram quando Diego tambรฉm se levantou.

- Eu tambรฉm - Diego disse, sem hesitar. Lila, que estava deitada no colo dele, resmungou um "Ai!" quando ele a deixou sem apoio. - Mas alguns de nรณs precisam ficar aqui. Tipo a Lila.

- Ou vocรช pode ficar, e eu vou - Lila rebateu com ironia, se levantando do sofรก. Lila nรฃo era do tipo que deixava todo o trabalho para os outros e a tratavam como se fosse incapaz de fazer algo.

- Nรฃo. Isso รฉ muito maior que todos nรณs. Ninguรฉm pode ficar pra trรกs - Allison respondeu, com seriedade. Ela parecia querer garantir que o plano fosse perfeito, sem nenhum erro. Mesmo que Celly, da Umbrella, nรฃo tivesse ouvido a conversa estranha na Suรญte do Bรบfalo naquela noite, ela sentiu uma sensaรงรฃo instintiva, algo que a fazia acreditar que Allison estava escondendo algo.

- Vocรชs, meus filhos, sรฃo tudo o que hรก entre nรณs e o Oblivion. Estamos prontos? - Reginald perguntou, tenso. Ele sabia que aquele era o plano da vida dele.

- A gente devia votar - Viktor disse, dando de ombros com aquela indiferenรงa que fazia tudo parecer simples, mas ninguรฉm estava realmente preparado para decidir algo tรฃo pesado assim, de รบltima hora.

A decisรฃo envolvia dois caminhos: ceder mais uma vez a Reginald, confiar nele e arriscar a vida em um hotel-labirinto, ou simplesmente descansar e seguir o plano que Cinco havia sugerido antes, com toda a objeรงรฃo consciente de um bom senso.

- Concordo - Celeste falou, balanรงando a cabeรงa afirmativamente. Era raro ela se alinhar com algo tรฃo pragmรกtico, mas tudo o que fosse contra a pressa de Reginald a fazia sentir que estava do lado certo. - Arriscar nossas vidas porque vocรช acha que รฉ a melhor opรงรฃo nรฃo รฉ justo. E quem sabe que tipo de guardiรฃo estรก nos esperando lรก do outro lado? - Ela deu de ombros, mantendo a expressรฃo sรฉria.

- Isso nรฃo รฉ uma democracia - Ben rebateu, com a voz rรญspida, mais impaciente do que o habitual.

- Claro que รฉ! Nossas vidas estรฃo em jogo aqui - Celeste replicou, com os olhos desafiadores.

- Eu tรด com eles. Vamos votar - Cinco falou, tambรฉm aderindo ร  ideia, sua voz grave, mas com um toque de alรญvio por finalmente ter algo em que se agarrar.

- O mundo estรก acabando e vocรชs querem contar votos? - Reginald perguntou, incrรฉdulo. O cenho franzido e a expressรฃo irritada mostravam que ele jรก esperava esse tipo de resistรชncia. Ele sabia onde isso ia parar: cada um puxando para seu prรณprio lado, fazendo joguinhos de influรชncia...

- Tรก pedindo pra gente arriscar nossas vidas, entรฃo รฉ justo que a gente tenha tempo para discutir, nรฃo? - Luther interveio, tentando trazer uma dose de calma ao ambiente, ainda que sua voz carregasse um toque de desconfianรงa. Ele deu de ombros, com a expressรฃo inalterada. Sloane, ao lado, concordou com a cabeรงa.

Reginald soltou um suspiro exasperado, a decepรงรฃo estampada em seu rosto. Ele queria resolver aquilo rapidamente, mas nรฃo podia forรงar a mรฃo. Ele deu uns tapinhas nas costas de Ben, quase como se fosse uma despedida, e saiu, os passos rรกpidos e irritados ecoando pelo salรฃo, criando uma distรขncia que parecia tambรฉm afastar o clima tenso que tomava conta do local.

- Por que a gente nรฃo se encontra aqui em uma hora? - Luther perguntou, tentando aliviar o peso do silรชncio que havia se instalado no grupo.

- Tรก. - Celeste assentiu, quebrando o silรชncio.

- Eu concordo - Cinco completou, mais calmo.

- Depois a gente se encontra - disse Sloane, a decisรฃo tomada, mas ainda com o peso da dรบvida pairando sobre todos eles.

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Quando Celeste e Cinco subiram de volta para a suรญte para refletir sobre a votaรงรฃo, o silรชncio entre eles era pesado, quase ensurdecedor. Os outros irmรฃos tinham se dispersado pelo hotel, e, apรณs trinta e dois minutos de tensรฃo, Celeste e Cinco jรก estavam chegando a um consenso... mas, na verdade, estavam bem divididos em suas opiniรตes.

Para Cinco, a ideia de ver Celeste atravessando aquela porta perigosa era algo que ele simplesmente nรฃo conseguiria aceitar em nenhum universo possรญvel. No entanto, uma parte dele, apesar de tudo, estava comeรงando a questionar sua objeรงรฃo. Afinal, agora ela era sua noiva, e, de alguma forma, ele precisava protegรช-la, dar-lhe uma vida. Se houvesse qualquer chance de salvar o que fosse possรญvel, ele faria, ele realmente faria.

Mas para Celeste, a objeรงรฃo consciente que Cinco tinha imposto sempre a irritou. Ela havia aceitado, sim, para nรฃo vรช-lo triste, mas agora a situaรงรฃo era outra. Algo dentro dela estava chamando. Ela sentia que havia respostas lรก, do outro lado. Havia confusรฃo, claro. Era como se seu sexto sentido estivesse em frangalhos, gritando contraditรณrios: "Entre, hรก respostas" e "Nรฃo entre, รฉ perigoso!". E, no meio disso, ainda havia as visรตes. Aquela que ela tivera poucos dias atrรกs, naquela suรญte, logo apรณs a discussรฃo sobre Harlan. Ela tinha quase certeza de que era uma visรฃo sobre o Oblivion. Entรฃo, por que nรฃo entrar?

Agora, ali estava ela, deitada, olhando para o teto imaculadamente branco, as mรฃos entrelaรงadas sobre a barriga, como se estivesse tentando ordenar os pensamentos. Parada. Calma, mas com um nรณ na garganta. Tensa, mais do que imaginava, sem saber qual decisรฃo tomar.

Cinco estava a poucos passos de decidir o que faria. Ele estava olhando o prรณprio reflexo no espelho do banheiro, com a porta aberta, os dedos batendo levemente na pia de mรกrmore branco. Entรฃo, ele soltou um suspiro profundo.

- Vocรช fica - disse ele, dando de ombros, a voz sรฉria.

Celeste foi arrancada de seus pensamentos, quase sem acreditar no que ouvira.

- Como รฉ? - perguntou, incrรฉdula.

- Isso mesmo que vocรช ouviu. - Cinco saiu do banheiro, parando ao lado da cama, olhando-a com uma seriedade que a pegou de surpresa. Ele nรฃo estava brincando.

- Nรฃo vou ficar, Cinco. Isso nรฃo cabe a vocรช. - Ela falou com firmeza, sem olhar para ele, como se estivesse tomando uma decisรฃo, ainda que o silรชncio pesasse.

- Como nรฃo cabe a mim, querida? - Ele se aproximou, franzindo o cenho, confuso. Quem sabe ela nรฃo havia se expressado corretamente. Deu um passo ร  frente, mais surpreso do que queria admitir. - Somos noivos agora. Nรฃo estou pedindo para vocรช ficar sรณ por um simples gesto de carinho. ร‰ por amor. Porque eu nรฃo vou suportar se algo acontecer com vocรช e...

- Sabia que nรฃo temos tempo? - Ela o interrompeu, finalmente saindo da posiรงรฃo em que estava. Sentou-se na cama e o olhou com aquela calma que beirava o irritante. Cinco soltou um suspiro, sentindo o peso da situaรงรฃo. - Daqui a vinte e sete minutos, a reuniรฃo vai acontecer, e depois teremos mais uma hora e meia de vida. Se vocรชs entrarem... nรฃo vรฃo resolver tudo em tรฃo pouco tempo. Eu vou morrer aqui fora, Cinco! E eu nรฃo... - A voz dela vacilou, e Cinco sentiu o peito apertar. - Eu nรฃo tรด pronta pra acabar.

Naquele momento, algo se quebrou dentro dele. Ele percebeu que nรฃo estava apenas falando da vida dela. Ele sentiu que ela estava falando de algo mais profundo, algo que os envolvia, que os conectava. Algo que ele nรฃo sabia como salvar.

- Mas eu posso consertar tudo lรก dentro e-

- Comigo morta aqui fora? - Ela interrompeu, a irritaรงรฃo comeรงando a transparecer. - Seja no figurativo ou nรฃo, eu vou estar morta ou morrendo de ansiedade. - A seriedade na voz dela era inegรกvel, e Cinco sabia exatamente como ela ficava quando estava decidida. Ela se levantou da cama rapidamente, caminhando em direรงรฃo ao banheiro com a frustraรงรฃo evidente. - Nรฃo vou me separar de vocรช.

Cinco soltou um suspiro exasperado, passando as mรฃos pelo rosto. Antes que ela passasse por ele, ele segurou a mรฃo dela, com forรงa, mantendo-a ali. Ela resmungou, lanรงando-lhe um olhar.

- Ele disse "Nรฃo leve-a". - Cinco falou com a voz carregada, e Celeste sabia exatamente a quem ele se referia: ร  versรฃo mais velha de Cinco. Ele a encarou, procurando algo nos olhos dela, algum sinal de que ela ficaria. - Nรฃo consigo imaginar nada mais importante que vocรช para que eu... tivesse me avisado na hora de morrer.

O coraรงรฃo de Celeste deu um salto. "Ah, ele sabe ser romรขntico", pensou, mordendo o lรกbio inferior, relutante. Soltou o ar que nem sabia que estava prendendo.

- Eu nunca quis ter sรณ uns dias com vocรช. - A voz dela era baixa e intensa, a cabeรงa balanรงando negativamente de forma quase inconsciente. As palavras eram pesadas demais para ela expressar. - Agora รฉ a chance que eu tenho de fazer algo por nรณs. E eu vou fazer. Com seu consentimento ou nรฃo, querido.

Cinco soltou um suspiro resignado. Nรฃo iria adiantar tentar mudar a opiniรฃo dela, ele sabia disso muito bem. Ela era teimosa, e isso era uma certeza.

- Tudo bem. - Ele disse, soltando a mรฃo dela, dando de ombros, mas com um olhar que mostrava o quanto a decisรฃo a frustrava. Nรฃo estava feliz, mas, se nรฃo pudesse convencรช-la, sรณ havia uma escolha: ir contra o desejo dela na reuniรฃo. Se fosse para ela ir, ele tambรฉm nรฃo iria. Faria o impossรญvel para mantรช-la fora do Oblivion. Colocou as mรฃos nos bolsos e soltou outro suspiro. - Vocรช que sabe.

Ele queria que ela tivesse escolha, queria que ela fosse livre, claro. Mas nรฃo podia deixar que ela entrasse naquele lugar.

- Vamos ver o Luther, por favor? - Ele perguntou, mudando de assunto abruptamente. A mudanรงa o fez perceber que Celeste arqueara uma sobrancelha e cruzara os braรงos, claramente desconfiada.

- O quรช? - Ela perguntou, a voz carregada de desconfianรงa. - Por quรช?

- Porque... queria ver meu irmรฃo.

- Ah รฉ? Ver o Luther-

Antes que ela pudesse rir daquilo, os dois reapareceram no corredor do andar superior. Cinco estava impaciente, mas havia algo em seu comportamento que nรฃo passava despercebido: ele estava, de fato, preocupado. Nรฃo queria que ela entrasse no Oblivion. Nรฃo importava o que acontecesse.

- Ei! - Ela resmungou, irritada. Nรฃo havia pedido para ir junto.

- Shh. - Ele pediu, com uma tranquilidade que parecia tentar suavizar o clima. Afinal, estavam prestes a encarar uma possibilidade de morte em algumas horas. Colocou a mรฃo na nuca dela, conduzindo-a suavemente pelo corredor. - Sem fiasco.

Celeste franziu o cenho, um tanto surpresa com a atitude dele. "Que isso, hein?" pensou.

- Vamos sรณ ouvir a opiniรฃo do Luther e depois descemos para a votaรงรฃo. - Ele disse, jรก caminhando pelo corredor, puxando-a para acompanhรก-lo. Celeste deu um suspiro impaciente, dando umas pequenas batidinhas com os pรฉs. Entรฃo, fez uma careta. Para ser honesta, nรฃo estava nem aรญ para a opiniรฃo dos outros. O que ele pensava nรฃo mudaria nada.

- Tรก, tรก. Que seja.

Cinco bateu na porta com leveza, quase sem pressa. Do outro lado, ouviu-se um resmungo, seguido da voz de Luther, dizendo "pode entrar". Celeste girou a maรงaneta e foi a primeira a entrar no quarto espaรงoso, que exalava um leve cheiro de canela.

Luther estava sentado na cama, que ocupava o centro do cรดmodo. Quando ele ergueu a cabeรงa para olhรก-los, parecia surpreso, mas nada que nรฃo fosse esperado.

- Oi - Cinco disse, direto, sem mais nem menos. Celeste apenas balanรงou a cabeรงa, nรฃo se dando ao trabalho de cumprimentar. Para ela, nรฃo havia uma introduรงรฃo ou despedida com os irmรฃos. Era o que era.

- Oi. - Luther respondeu, dando de ombros, mas logo emendou a pergunta de sempre. - Quanto tempo ainda temos?

- Umas duas horas - Cinco respondeu, com um tom despreocupado. Celeste, por sua vez, seguiu para a prateleira e comeรงou a mexer distraidamente nos globos de neve empilhados, como se nada ali fosse realmente importante. - Pode ser mais, pode ser menos.

- Cadรช a Sloane? - Celeste perguntou, erguendo uma sobrancelha, parando de mexer nos globos e mirando Luther, esperando uma resposta.

- Atacando a adega, para a nossa festa do fim do mundo.

- Entรฃo acho que jรก sabem no que vรฃo votar. - Cinco disse, mais como uma constataรงรฃo do que uma pergunta. Ele nรฃo via sentido em entrar no Oblivion, e sabia que Luther e Sloane estavam alinhados com isso. Caminhou atรฉ a grande janela, parando ali por um momento, antes de voltar despreocupadamente para o centro do quarto. Um sorriso pequeno e discreto escapou dele.

Cinco, porรฉm, nรฃo conseguia se colocar no lugar deles. "Como viver mais duas horas รฉ o suficiente quando se pode ter uma vida inteira?", ele se perguntava internamente. E na verdade, ele sรณ nรฃo aceitava o Oblivion por causa da sua interaรงรฃo consigo mesmo na Comissรฃo.

- Vai ser bem-vindo lรก - Luther comentou, referindo-se ร  reuniรฃo. Cinco, na verdade, havia proposto a ideia de nรฃo tentar salvar o mundo desta vez. Nรฃo faria sentido se juntar ร  votaรงรฃo.

- Eu ainda tรด... relutante com a minha decisรฃo - Cinco disse, com um tom calmo, quase como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas palavras. Celeste largou o globo de neve na prateleira e o olhou com o cenho franzido. Cinco, percebendo o olhar dela, fingiu que nรฃo o notou.

- Ele quer ficar porque nรฃo quer que eu vรก. - Celeste explicou para Luther, quase revirando os olhos de tanta irritaรงรฃo. Era impressionante como Cinco conseguia ser adorรกvel e irritante ao mesmo tempo, em um espaรงo de tempo tรฃo curto.

- Eu vi uma coisa ontem ร  noite que eu nรฃo devia ter visto. - Cinco se corrigiu. Luther, claramente perdido, parecia uma crianรงa no meio de uma discussรฃo entre pais. Olhava de um para o outro, sem saber quem apoiar ou o que fazer.

- O Diego e a Lila? - Luther chutou, erguendo uma sobrancelha, quase convencido da resposta. - ร‰, eles se agarram na escada ร s vezes...

- Quanta elegรขncia. - Celeste debochou, soltando uma risada de escรกrnio. Luther deu de ombros, sem se importar. Celeste se afastou do canto onde estava, sem muito o que fazer, e entรฃo se aproximou de Cinco, colocando uma mรฃo em seu ombro, apoiando-se nele.

- Nem me fale. - Cinco concordou, revirando os olhos sรณ de pensar no que vira. - Eu vi o papai. - Ele corrigiu Luther. - Ele estava no quarto dele com alguรฉm. Estava fazendo algum tipo de acordo. E antes que vocรช me pergunte, eu nรฃo sei qual era o acordo, nem quem era a pessoa. - A voz de Cinco ficou sombria e misteriosa. - Tรด tentando decifrar isso ainda.

- Nรฃo sabia sobre isso. - Celeste falou, erguendo uma sobrancelha e fitando-o nos olhos. Cinco crispou os lรกbios, um pouco incomodado.

- Foi na hora do elevador. Vocรช me puxou. - Cinco explicou, como se tentasse esclarecer a situaรงรฃo. Celeste soltou um suspiro, sentindo-se culpada. "ร“timo, estraguei a chance de resolver o mistรฉrio", pensou. Mas Cinco nรฃo parecia culpรก-la nem um pouco.

- Nรฃo era nem eu nem a Sloane. - Luther afirmou, com um sorriso no rosto. Celeste franziu o cenho, desconfiada. "Que isso, meu Deus?". - Nรณs estรกvamos... ocupados com outras coisas ontem ร  noite.

- ร‰, entendi, Luther. Obrigado. - Cinco debochou. - Todo mundo estava transando ontem ร  noite.

- Espera aรญ, vocรชs tambรฉm? - Luther perguntou, surpreso. Ele ficou pensando, esperava um "Todo mundo, menos nรณs", mas nรฃo haviam dito isso. Entรฃo agora, esperava uma resposta tรญpica de "Claro que nรฃo, seu idiota!". Mas, para surpresa dele, Celeste parecia mais envergonhada do que o normal. E isso era praticamente impossรญvel de se ver.

- Isso importa? - Ela retrucou, com firmeza, tentando mudar de assunto.

- Ai, meu Deus. - Luther falou, calmamente, um sorriso irรดnico no rosto. Cinco soltou um suspiro exasperado, passando as mรฃos pelo rosto. - Vocรชs perderam a virgindade- - Ele riu nervosamente, enquanto Celeste engasgava com nada.

- Se concentre, por favor. - Cinco pediu, revirando os olhos e travando o maxilar, claramente irritado. - Estรก deixando minha noiva desconfortรกvel.

- Noiva? - Luther perguntou, erguendo uma sobrancelha, claramente surpreso. - O casamento de ontem foi... meu...?

- ร‰ รณbvio que foi seu, Luther. - Celeste respondeu, meio irritada, com uma expressรฃo de incredulidade. "Tรฃo esperto para algumas coisas, tรฃo burro para outras", pensou, com ironia. - Mas... Cinco pediu. Depois da festa.

- Ah... - Luther ficou boquiaberto, e o casal pรดde ver claramente seu rosto se tingir de um vermelho feliz.

Antes que ele pudesse parabenizรก-los, Cinco, rรกpido como sempre, cortou o momento. Ele percebeu para onde a conversa estava indo e puxou o foco de volta.

- Aquela histรณria sobre os sinos. Tem alguma coisa que o papai nรฃo estรก contando. Pensa nisso. - Seu tom era desconfiado, os olhos se estreitando.

Luther piscou algumas vezes antes de finalmente se situar.

- Quando foi que o coroa foi sincero com a gente?

- Ah, eu nรฃo sei. - Luther deu de ombros, forรงando a memรณria. - Ele era bem grosseiro nas avaliaรงรตes de desempenho.

- ร‰? Ele sempre nos deu cinco estrelas. - Cinco retrucou, franzindo a testa.

Celeste segurou uma risada.

- Sรฉrio?

- Olha, eu sou velho o suficiente pra confiar nos meus instintos, e eles estรฃo me dizendo que isso รฉ uma armadilha. - Cinco declarou, com firmeza.

Celeste percebeu na hora o que ele estava fazendo: tentando fazer Luther desistir da ideia de entrar no Oblivion e, de quebra, trazรช-lo para o plano deles. Seu olhar se estreitou. Ela nรฃo gostou daquilo nem um pouco.

- Pensa no assunto. - Cinco finalizou, antes de pegar a mรฃo dela. - Vamos, amor?

- Pra jรก.

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Alguns longos minutos se passaram apรณs a conversa com Luther. Cinco puxou Celeste atรฉ a suรญte do Bรบfalo para inspecionar o lugar. Vasculharam cada canto, procurando marcas de pegadas, sinais de outro hรณspede ou qualquer pista que provasse que Reginald nรฃo estava sozinho na noite anterior. Mas nรฃo havia nada. Nada alรฉm de um silรชncio frustrante.

Cinco sentiu a irritaรงรฃo crescendo. Estaria enlouquecendo?

Ele tinha certeza absoluta do que vira. Estava completamente sรณbrio na noite passada, entรฃo nรฃo havia erro... certo? Mas e se estivesse perdendo a cabeรงa? Nรฃo seria a primeira vez que via coisas que nรฃo existiam. Depois que saiu do Apocalipse, lembrava-se vividamente da vez em que, por um instante, achou que ainda estava nele. Dentro da van roubada. Na primeira linha do tempo. Com Celly ao seu lado.

Ele respirou fundo. Agora nรฃo era hora para devaneios ou para marcar uma consulta com um psiquiatra. Tambรฉm nรฃo tinha tempo para interrogar cada membro da famรญlia sobre seu รกlibi.

Quando a hora da votaรงรฃo finalmente chegou, Klaus, Ben e Celeste foram os รบltimos a aparecer. Celly estava sentada na escadaria, enquanto Cinco se encostava contra uma das pilastras fluorescentes. Ela jรก tinha sua decisรฃo tomada. E estava certa disso. Sem hesitaรงรฃo.

E ele?

ร‰ claro que queria viver uma vida ao lado dela. Mas as coisas nunca eram tรฃo simples.

O clima de suspense se instalou quando Allison quebrou o silรชncio.

- Acho que todo mundo sabe em que opรงรฃo eu vou votar - comeรงou, a voz surpreendentemente doce, considerando o rancor que guardava da famรญlia inteira. - Nรณs perdemos muita coisa. Todos perdemos pessoas. Mas essas mortes tรชm que significar alguma coisa.

A tensรฃo era palpรกvel. Todos aguardavam, ansiosos, pelo rumo que a votaรงรฃo tomaria. Celeste observava Allison com atenรงรฃo. Algo nela parecia... certeiro demais.

- E รฉ por isso que eu voto em ir com o papai.

No topo da escadaria, Lila se levantou, descendo os degraus com um meio sorriso. Ao passar por Diego, lanรงou-lhe um olhar rรกpido antes de se posicionar ao lado de Allison.

- Eu tรด com ela - anunciou, sem hesitar. - Vamos salvar a droga do universo! - completou, animada.

Celeste, de onde estava, percebeu a troca de olhares entre Diego e Lila. Havia algo ali. Um segredo. Ela era esperta, treinada. Nรฃo tomaria essa decisรฃo levianamente.

- Tรก bom. Jรก que ela disse sim, eu voto nรฃo. - Diego deu de ombros, como se aquilo fosse uma brincadeira.

Lila riu, irรดnica.

"Que uniรฃo", pensou Celeste, a da Sparrow.

- Achou isso legal? - provocou, claramente provocante.

Diego estava armado, o que sugeria que, inicialmente, ele pretendia aceitar a proposta. Mas, no รบltimo instante, algo fez com que mudasse de ideia.

- Vocรช nรฃo tรก falando sรฉrio - Lila retrucou, a frustraรงรฃo evidente em sua voz.

- ร‰ o voto dele, Lila - interveio Allison, como se aquilo nรฃo importasse. Ela ainda estava confiante. Ainda tinha cartas na manga. - Klaus?

- Eu vou com o papai - respondeu, sorrindo, como se nunca tivesse havido dรบvida.

Reginald virou-se para Ben, como se sรณ buscasse uma confirmaรงรฃo. Benjamin nรฃo hesitou, apenas assentiu.

- Tudo bem, sรฃo quatro a um - Allison declarou, soltando um suspiro. Suas mรฃos tremiam levemente. Ela sentia a vitรณria se aproximando. - Viktor.

Viktor hesitou.

- Olha, eu quero acreditar, tรก bom? - comeรงou, visivelmente desconfortรกvel. Ele se sentia culpado. Nรฃo queria se opor a Allison, nรฃo era nada pessoal. Mas ultimamente as coisas estavam tรฃo tensas entre eles... Ele sabia que qualquer "nรฃo" soaria como uma bomba prestes a explodir. - Eu quero muito. Mas eu nรฃo consigo parar de achar que a gente nรฃo sabe no que tรก se metendo.

- Nรฃo, mas jรก sabemos o que vai ser se nรฃo formos - rebateu Allison, firme. Para ela, ficar ali e morrer sem ao menos tentar estava fora de cogitaรงรฃo. - Nรณs precisamos fazer isso juntos, Viktor. Em famรญlia.

Viktor a encarou, sentindo um nรณ apertar seu estรดmago.

- Vocรช nรฃo pode ficar usando a palavra "famรญlia" ร  toa - pediu, desgostoso. Sabia bem o jogo que ela estava jogando. E odiava isso. - Isso nรฃo basta. Eu voto em ficarmos.

O rosto de Allison endureceu.

Ela relutou por um instante, os punhos se fechando com forรงa ao lado do corpo. A raiva queimava dentro dela como um incรชndio prestes a sair de controle.

E, naquele momento, Viktor soube que havia se tornado, mais uma vez, uma de suas maiores decepรงรตes.

- Luther. - A voz dela jรก carregava impaciรชncia.

Ele suspirou antes de responder.

- Eu e a Sloane conversamos e... nรฃo dรก. - Allison sentiu o controle da situaรงรฃo escapar por entre os dedos. - Desculpem. Olha, queremos aproveitar o tempo que ainda temos juntos e nรฃo... - ele resmungou, como se a ideia fosse a coisa mais sem graรงa do mundo. Sloane, ao lado dele, apenas assentiu. - Ficar lutando contra um cara com uma espada e tocando sinos por aรญ.

- Bom, empatou. - Viktor anunciou, dando de ombros. - Quatro querem, quatro nรฃo. Celly?

Celly nรฃo precisou pensar. A resposta era รณbvia, quase instintiva. Nunca hesitara antes e nรฃo hesitaria agora. Se arriscaria, se fosse preciso, para ter uma vida com Cinco. E, sinceramente, nรฃo se importava se ele ia gostar disso ou nรฃo.

- Eu vou. - Ela declarou, firme.

Cinco soltou um suspiro carregado. Ele odiava quando ela era tรฃo teimosa.

- O quรช? - Sua voz saiu decepcionada. Depois de tudo o que dissera, ainda nรฃo era o suficiente para convencรช-la a ficar? - Vocรช pode morrer lรก dentro!

- E daรญ? - Ela rebateu, dando de ombros. - Se eu ficar, vou morrer aqui fora sem nem tentar.

Cinco passou a mรฃo no rosto, sentindo os dedos trรชmulos.

- Bom, nesse caso, eu tenho ainda mais certeza de que vou ficar. - Ele afirmou, mais para si mesmo do que para ela. Odiava parecer um casal caรณtico como Lila e Diego, mas se fosse preciso, faria Celly desistir. - Nรฃo vou deixar vocรช morrer lรก. Eu vi o futuro, e ele me disse para ficar fora disso. Mesmo escapando do Oblivion, ele nรฃo tinha motivos para me dizer "tente". Pelo contrรกrio, ele disse para eu nรฃo salvar o mundo. E eu sinto que se formos, algo ruim vai acontecer com vocรช. Entรฃo... nรฃo posso aceitar isso. "Nรฃo leve-a", foi o que ele disse. E eu tenho a forte impressรฃo de que, na hora de morrer, eu estava falando sobre vocรช.

Celly respirou fundo, lutando contra a irritaรงรฃo que crescia dentro dela. Por que ele simplesmente nรฃo tenta?! Sabia que ele queria protegรช-la, mas, sendo cruel ou nรฃo, ela sobreviveu quase vinte e um anos sem ele. E sobreviveria agora.

- Falta o รบltimo voto. Celeste? - Allison perguntou ร  garota da Sparrow, que estava escorada no corrimรฃo da escadaria, pensativa.

Celeste apenas balanรงou a cabeรงa, negando.

Allison piscou uma, duas vezes. Uma derrota amarga. No inรญcio, tinha tudo sob controle, mas a votaรงรฃo havia virado drasticamente contra ela.

"Nรฃo vale a pena", Celeste gesticulou em Libras, antes de lanรงar um olhar significativo para Cinco. "Eu vi a versรฃo mais velha dele dizendo para desistirmos."

Allison sentiu o sangue ferver. Cerrou os punhos, incrรฉdula, fora de si.

- Vocรชs sรฃo patรฉticos. - A palavra saiu envenenada, carregada de puro desgosto.

Ela girou nos calcanhares e saiu do salรฃo, os passos rรกpidos, o peso da derrota sobre os ombros. A tensรฃo no ambiente ficou quase sufocante. Todos sabiam o quanto ela queria aquilo.

Ben quebrou o silรชncio:

- Por que nรฃo podemos ir sรณ nรณs cinco? - Perguntou a Reginald, ainda se agarrando a qualquer possibilidade.

Celly soltou um suspiro longo. No fim das contas, nรฃo teria escolha.

- Com certeza seria um fracasso. Tem que ser sete. Sete sinos. - A voz de Reginald carregava uma amargura densa. Parecia tรฃo decepcionado quanto Allison, mas lidava com isso de forma muito mais contida.

Ele respirou fundo antes de se virar para encarar seus filhos.

- Crianรงas, nรฃo posso dizer que estou feliz com isso - comeรงou, dirigindo-se ao grupo reunido. Celly trocou um olhar com Cinco, sentindo a decepรงรฃo pesar no peito. Queria que ele lutasse por ela. - Mas agora vejo que a culpa รฉ toda minha. Falhei com vocรชs quando eram jovens e falhei com vocรชs agora. E, ao fazer isso, condenei todo o universo.

O silรชncio se instalou, sufocante.

- Se alguรฉm precisar de mim, estarei no pรกtio... esperando pelo fim - finalizou, a voz carregada de melancolia antes de se retirar.

- Idiotas - murmurou Ben, saindo logo em seguida. O gosto amargo da derrota pairava no ar, embora, do outro lado da moeda, alguns parecessem quase aliviados.

- Aquelas desculpas foram reais? - Viktor perguntou, cรฉtico, arqueando uma sobrancelha.

- Ele nunca pediu desculpa por nada na vida - Luther apontou, dando de ombros. Nรฃo confiava totalmente nas palavras do pai. Mas quem sabe? Talvez a proximidade da morte estivesse tornando Reginald um pouco mais humano.

- Eu tรด sentindo pena dele. - Diego crispou os lรกbios, a voz carregada de hesitaรงรฃo.

- Nรฃo esquenta. Vai passar. - Cinco declarou sem muita emoรงรฃo, afastando-se da coluna onde estava escorado.

Seus olhos rapidamente encontraram Celly. Ele sabia o quanto ela queria aquilo. Sabia que, para ela, desistir era quase pior do que morrer tentando. Mas, ao menos, ela estaria segura.

- E o que a gente faz agora? - Sloane perguntou, enquanto Klaus se afastava, decidido a procurar o pai.

- Esperamos pelo fim. - Cinco deu de ombros. Nรฃo havia muito mais a ser feito.

- Poderรญamos estar lutando contra ele agora. - Celly rebateu, amarga.

Sem mais palavras, levantou-se e saiu. Nรฃo trocou um รบltimo olhar com Cinco nem com os que haviam votado para ficar. Apenas foi, os passos firmes e decididos rumo ร  prรณpria suรญte. Odiava aquela sensaรงรฃo de impotรชncia.

- Atรฉ mais. - Cinco suspirou, observando-a se afastar. - Foi bem interessante.

E entรฃo, seguiu atrรกs dela. Sabia que ela provavelmente nรฃo queria falar com ele. Sabia que, agora, morreriam brigados. Mas tambรฉm sabia que Celly era teimosa demais para se proteger sozinha. Se fosse para partir, ao menos partiria sabendo que garantiu a seguranรงa dela. Que nรฃo precisaria vรช-la morrer na sua frente outra vez. Isso, de certa forma, era um consolo.

Enquanto isso, Luther voltava para seu quarto apรณs cerca de vinte minutos. Ao passar pela suรญte do Bรบfalo, viu, pela fresta da porta, Reginald sentado em uma poltrona. O mais velho estava pensativo. Temendo o inevitรกvel fim.

Luther e Sloane haviam passado aqueles minutos rindo e se divertindo. Mas, em vez de voltar para a esposa, ele sentiu um impulso inesperado. Talvez fosse idiotice. Mas talvez fosse simplesmente... empatia.

Resmungou um "Ai, droga", odiando ver o pai tรฃo melancรณlico, e entrou no quarto sem cerimรดnia.

- Oi, pai.

Luther segurava uma garrafa de champanhe. Quando Reginald o encarou, seus olhos foram direto para a bebida.

- Krug, 1968. Excelente safra. - Comentou, apontando para a garrafa, um raro vestรญgio de camaradagem surgindo entre os dois.

- ร‰. - Luther concordou, sem saber exatamente o que dizer. - Um รบltimo brinde com a Sloane antes de...

- Hum. - Reginald resmungou, desviando o olhar para os prรณprios pรฉs. Havia tensรฃo em cada traรงo de seu rosto.

Luther hesitou.

- A mรกquina de gelo do nosso andar tava quebrada, entรฃo eu... - Ele apontou para a saรญda, jรก ensaiando uma desculpa para sair dali. Mas nรฃo foi. Algo o impediu.

Por mais que odiasse admitir, era esse o seu jeito. Sempre tentando fazer o que achava certo.

Ele respirou fundo antes de perguntar:

- Vocรช tรก bem?

- Esse foi o fracasso da minha vida. - Reginald declarou, sem rodeios. Deu de ombros, como se estivesse apenas constatando um fato. E, de certa forma, estava. Ele havia estudado o terreno, a Terra, adotado crianรงas poderosas, construรญdo um hotel ao redor da entrada... Tudo. E, no fim, nada daquilo havia funcionado. - Estou aqui, observando sรฉculos desperdiรงados, porque um outro eu foi ruim com os filhos.

Luther suspirou, jรก prevendo onde aquele drama iria parar. Deixou a garrafa de champanhe e os cubos de gelo no chรฃo, hesitando por um momento antes de se aproximar do pai. Seus passos vacilaram levemente.

- Escuta, pai, nรฃo รฉ tรฃo simples, tรก bom? - Ele franziu o cenho, tentando conter a frustraรงรฃo que crescia dentro de si. - Vocรช tem ideia de como รฉ difรญcil dizer "nรฃo" pra vocรช? Mas eu precisei.

- Luther, o universo estรก se destruindo-

- ร‰, eu sei, eu sei! - O loiro explodiu, jogando as mรฃos para o alto enquanto andava pelo centro do quarto. Sentia que, se havia um momento para despejar toda a amargura guardada contra o pai, era agora. Afinal, todos estavam prestes a morrer. - Mas sempre tem alguma coisa, sabe? Dediquei toda a minha vida a vocรช. Tudo o que vocรช me pediu pra fazer, eu fiz. Mas nรฃo vou mais fazer.

- E nem devia. - As palavras de Reginald soaram quase... gentis. Se nรฃo estivesse realmente arrependido, entรฃo ele sabia atuar muito bem. Seus olhos carregavam um peso que Luther nunca tinha visto antes. Ou talvez sรณ nunca tivesse prestado atenรงรฃo. - Vocรช รฉ um homem notรกvel, Luther. E, apesar de tudo o que eu fiz vocรช passar, espero que possa me perdoar.

Luther ficou imรณvel. Seu coraรงรฃo acelerou.

- Vocรช pode? - Reginald se aproximou um pouco mais, e a voz ganhou um tom mais grave, quase melancรณlico. - Vocรช pode me perdoar, filho?

A palavra "filho" atingiu Luther como um soco no peito. Ele sempre quis ser notado, reconhecido. E agora... agora seu pai estava ali, pedindo perdรฃo.

Ele hesitou. Algo nos olhos de Reginald parecia errado. Uma fagulha de mentira, talvez. Mas... por quรช?

Ainda assim, Luther queria perdoรก-lo. Precisava disso. Queria morrer em paz com ele.

- Posso. - Ele assentiu, os punhos cerrados ao lado do corpo, tentando ignorar o desconforto que se formava em seu estรดmago. - Posso, รฉ claro.

Entรฃo, sem aviso, Reginald o abraรงou.

Um abraรงo.

Simples para alguns, mas para Luther...

Seus batimentos aceleraram. Nunca havia sentido aquilo antes. O calor, o conforto, a sensaรงรฃo de pertencimento. Era isso o que significava ter o amor de um pai? Porque, se era, entรฃo era incrรญvel.

- Obrigado.

Luther fechou os olhos por um momento, permitindo-se sentir aquele instante. Era como estar em casa. Como preencher um vazio que ele nem sabia que existia.

- Obrigado. - Reginald repetiu, a voz baixa.

Mas havia algo errado.

Se o rosto do velho nรฃo estivesse afundado na curva do pescoรงo de Luther, talvez ele tivesse percebido. Percebido o tom vazio. A frieza camuflada nas palavras.

- Eu sรณ gostaria que a sua realizaรงรฃo pessoal tivesse acontecido num momento melhor pro universo.

- O quรช? - Luther riu, sem entender. Ainda envolvido no abraรงo, ele apertou o pai um pouco mais forte. - Eu nรฃo entendi.

Foi entรฃo que tudo mudou.

Reginald nunca foi de toque fรญsico. Nunca foi de palavras sentimentais. E agora, tudo aquilo fazia sentido.

O jogo de manipulaรงรฃo que ele sabia jogar tรฃo bem...

Luther sentiu uma dor estranha no peito. Seus olhos se arregalaram. Quando olhou para baixo, viu.

Reginald nรฃo era humano.

Uma lรขmina longa e curva emergia de dentro dele. E, antes que pudesse processar completamente... Ele percebeu.

Seu pai estava o assassinando.

Luther nรฃo conseguia ver o rosto do pai. Apenas sentia uma decepรงรฃo esmagadora. A adrenalina pulsava em seu corpo, mantendo-o consciente, mas a realidade era inegรกvel: seu peito estava aberto, o sangue jorrava, e o ar parecia cada vez mais distante, mesmo que ainda houvesse oxigรชnio ao redor.

- Pai...

- Existe um velho ditado, Luther: o melhor jeito de unir uma famรญlia รฉ com um casamento... ou com um enterro. Tentamos um. Agora รฉ hora de tentar o outro. - Reginald declarou, com uma calma assustadora.

E entรฃo, sem hesitaรงรฃo, a lรขmina alienรญgena - que fazia parte dele como se fosse um prolongamento de seu prรณprio corpo - deslizou para fora do peito de Luther. A dor foi indescritรญvel. Ele sentiu sua pele sendo arrastada, cada fibra se rasgando de dentro para fora. Seus mรบsculos enrijeceram em uma tentativa desesperada de se manter de pรฉ. Ele olhou nos olhos do pai.

E entรฃo, suas pernas cederam.

Caiu de joelhos.

- Sloane... - murmurou, a voz vacilante. Lutava contra a morte com tudo o que tinha, mas a adrenalina sรณ conseguiria segurรก-lo por mais alguns instantes.

- Eu sei, eu sei. - Reginald suspirou, quase entediado. - Vocรช acabou de encontrar o amor. Que pena, nรฃo รฉ? Mas nรฃo se preocupe... eu vou cuidar muito bem dela.

- Vocรช... - Luther tentou reagir, mas a frase morreu em sua garganta.

Antes que pudesse juntar forรงas para uma รบltima ameaรงa, Reginald o atingiu novamente. Um golpe final.

O sangue de Luther esguichou para todos os lados. O carpete, o tapete branco, tudo foi manchado com o resultado daquela traiรงรฃo cruel. E ninguรฉm nunca saberia. Ninguรฉm nunca descobriria que ele morreu pelas mรฃos do prรณprio pai. Um momento que deveria ser significativo, talvez atรฉ redentor, foi reduzido a uma mentira brutal.

E Reginald?

Ele sequer hesitou.

Quando os olhos de Luther se apagaram, ele simplesmente saiu dali. Nรฃo havia razรฃo para permanecer na cena do crime.

Enquanto isso, Cinco e Celly discutiam - ou melhor, Celly discutia, enquanto Cinco comia uma tigela de cereal com a paciรชncia de quem jรก previra aquele desfecho.

Ela gesticulava, andando um pouco ร  frente dele, sua frustraรงรฃo evidente. Jรก Cinco mastigava distraidamente, parecendo alheio ao drama que se desenrolava ร  sua frente.

- ...e vocรช deveria ter votado comigo! - ela esbravejou, irritada. A contradiรงรฃo entre o peso das palavras e a tranquilidade dos passos dos dois tornava a cena quase cรดmica.

Cinco continuou mastigando.

- Poderรญamos ter tido uma vida juntos, mas nรฃo... vocรช prefere uns seis minutos ao meu lado a uma vida inteira comigo.

Cinco revirou os olhos, incrรฉdulo.

- Celly... meu Deus. - Ele resmungou, a boca cheia de cereal. - Tรก ouvindo o que vocรช tรก falando?

Ela soltou uma risada seca e parou abruptamente, virando-se para encarรก-lo.

- Querendo ou nรฃo, รฉ assim que eu penso.

- Mas nรฃo foi por isso que eu votei para ficarmos. - Ele suspirou, os ombros baixando em cansaรงo.

- Ah, sim. Vocรช votou para ficarmos porque รฉ um medroso. - Ela retrucou, voltando a andar.

Cinco arqueou a sobrancelha.

- Meu eu de cem anos nรฃo falaria algo que o meu eu do presente interpretaria errado. E vocรช sabe disso. - Ele deu de ombros. - Eu sรณ queria nos poupar de mais sofrimento.

- Que querido. - Ela ironizou, cruzando os braรงos. - Vamos morrer de mรฃos dadas entรฃo, daqui a cinco minutinhos...

- Do jeito que vocรช tinha concordado antes. - Ele rebateu, franzindo o cenho.

- Eu nunca aceitei aquilo de verdade. - Ela admitiu, sincera.

Cinco parou de andar. Sentiu um leve desconforto se espalhar por seu peito. Sabia que, lรก no fundo, ela nunca gostou daquela decisรฃo, mas dizia a si mesmo que estava fazendo aquilo por ela. Para nรฃo lhe dar falsas esperanรงas.

- Nรฃo fez diferenรงa alguma no fim das contas. - Celly bufou, exasperada. - Eu perdi mesmo.

Ela desviou o olhar, os ombros caindo.

- Nรฃo vamos entrar naquele buraco do Oblivion, e em cinco minutos estaremos mortos. Passei vinte anos sem vocรช, Cinco. Vinte anos sem a pessoa com quem eu decidi casar. Aรญ vocรช volta, passa vinte dias comigo e acha que tรก tudo certo.

Cinco ficou em silรชncio por um momento. O cereal, de repente, jรก nรฃo parecia tรฃo bom.

- Nรฃo acho que estรก รณtim-

- O que vocรชs estรฃo fazendo? - Viktor surgiu no corredor, interrompendo a conversa e se aproximando dos dois.

Celly e Cinco pararam de andar no mesmo instante, trocando um olhar cรบmplice. A cena era quase cรดmica - como se tivessem sido pegos no flagra.

- Comendo cereal. - Cinco respondeu casualmente, como se fosse รณbvio.

- Sรณ vocรช tรก comendo. Me tira fora dessa. - Celly rebateu, exasperada.

Cinco ergueu as sobrancelhas, pensativo. "Difรญcil ela".

- Estamos refazendo nossos passos. - Ele esclareceu, corrigindo sua resposta anterior.

Viktor franziu o cenho, sem entender.

- Por quรช?

- O velhote tรก escondendo alguma coisa. - Cinco respondeu, mastigando mais um pouco do cereal.

Celly, aparentemente alheia ร  conversa, ouvia tudo de canto de olho.

- ร‰... parece que tem muita gente escondendo coisas. - Viktor murmurou, enfiando as mรฃos nos bolsos da jaqueta, sem perceber o tom misterioso de suas prรณprias palavras.

Cinco estreitou os olhos, se voltando para ele com mais atenรงรฃo.

- Como assim?

- A Allison me pediu desculpas.

Celly arqueou as sobrancelhas, soltando um riso sarcรกstico.

- Que bom que pediu pra alguรฉm, nรฉ? - ironizou. - ร‰ uma evoluรงรฃo e tanto.

- Por que isso seria suspeito? - Cinco perguntou, confuso.

- Ontem ร  noite, ela tava pronta pra acabar comigo no casamento. E hoje de manhรฃ era tudo "famรญlia", "papai", "amor". Eu sei lรก. - Viktor deu de ombros, claramente desconfiado.

Celly virou-se para ele num estalo, como se tivesse acabado de ver um fantasma.

- Deve ter acontecido alguma coisa... mas eu nรฃo sei o quรช. - Viktor concluiu.

De repente, algo fez click na cabeรงa de Cinco. Ele encaixou as peรงas.

E para sua surpresa, sem nem ter ouvido o diรกlogo inteiro, Celly chegou ร  mesma conclusรฃo no mesmo instante.

Os dois se olharam.

O choque foi tรฃo grande que Cinco simplesmente... largou a tigela de cereal.

O impacto no chรฃo foi dramรกtico. O leite espirrou para todos os lados, manchando o carpete limpo.

E entรฃo, em perfeita sincronia, os dois exclamaram:

- ร‰ a Allison!

O tom de animaรงรฃo decepcionada estava estampado no rosto deles.

- Como nรฃo pensamos nela antes?! - Cinco reclamou.

- O quรช?! - Viktor piscou, perdido. Afinal, ele nรฃo sabia nada sobre o que havia acontecido na Suรญte do Bรบfalo ou sobre as suspeitas que os dois estavam investigando.

Mas antes que Cinco pudesse explicar ou Celly saรญsse correndo para caรงar Allison, um grito cortou o ar.

- NรƒรƒรƒO!

Uma voz feminina.

Os trรชs se entreolharam num reflexo. E entรฃo, sem hesitar, dispararam pelo corredor. O som vinha de um lugar bem especรญfico.

A Suรญte do Bรบfalo.

Ao atravessar a porta, a cena que os aguardava os fez congelar. Sloane estava ajoelhada no chรฃo, com o corpo de Luther em seu colo. Ele estava imรณvel.

Diego e Lila olhavam a cena, aterrorizados. Viktor foi o primeiro a avanรงar para dentro do quarto. Mas ninguรฉm sabia o que fazer.

Celeste ficou boquiaberta, horrorizada. Tentava perguntar o que tinha acontecido, mas as palavras simplesmente nรฃo saรญam. Seu olhar fixou no corte profundo que atravessava o peito de Luther.

Ao contrรกrio dela, Cinco conseguia falar. Ainda que sua expressรฃo estivesse sombria, e claramente nada naquilo o deixasse satisfeito.

- O que aconteceu? - Ele perguntou, o cenho franzido. Tudo era caรณtico demais para formular frases melhores.

- Ele... ele saiu pra buscar gelo. E nรฃo voltou mais... - Sloane soluรงava entre as palavras, a voz embargada. - Eu... Eu nรฃo sei.

- Deve ter sido ele. O Guardiรฃo. - Lila arriscou, a voz carregada de raiva e nojo.

"Mas aqui? O Oblivion estรก fechado." Celeste, a Sparrow, respondeu em Libras.

- Nรฃo importa. Seja lรก quem fez isso, tinha uma lรขmina longa e curvada. - Diego falou, o tom sรฉrio e firme.

Celly soltou um suspiro, inquieta. "Nรฃo hรก outra pessoa que faรงa isso alรฉm do Guardiรฃo... mas por que eu sinto que nรฃo tem nada a ver com o Oblivion?", pensou. Era como se um sexto sentido quase divino quisesse derramar-se sobre ela.

- Como pode ter certeza? - Viktor questionou, desconfiado. Naquele momento, qualquer um ali poderia ser suspeito.

- Eu nรฃo sei muita coisa, mas de faca eu entendo.

Antes que pudessem continuar, passos se aproximaram.

Com todo o burburinho na suรญte - soluรงos, berros e discussรตes - Reginald entrou apressado, seu ar cรญnico intacto.

- Crianรงas, o que estรก havendo?

Ele caminhou em direรงรฃo ao quarto, mas assim que seus olhos pousaram no corpo de Luther, ensanguentado no chรฃo, ele hesitou.

Parou na porta.

Seu olhar se fixou na poรงa de sangue que manchava o carpete.

- Meu Deus... Luther.

- Ele estaria vivo se tivรฉssemos atacado primeiro. - Ben comentou, amargo. E se sua suspeita estivesse certa, talvez Luther ainda tivesse uma chance.

O silรชncio tomou conta da suรญte. Mas sรณ por alguns segundos. Porque entรฃo... o Kugelblitz comeรงou a engolir o hotel.

A esfera flamejante surgiu pelas portas, expandindo-se com voracidade a cada segundo. As paredes tremiam, poeira de concreto caรญa sobre suas cabeรงas, e o chรฃo oscilava como se um terremoto estivesse comeรงando. Viktor chegou a perder o equilรญbrio.

Ben foi o primeiro a reagir. Disparou para fora do quarto, tentando ver o que acontecia no corredor.

Celly, que estava parada perto da entrada, girou nos calcanhares e olhou na mesma direรงรฃo.

Se fosse qualquer outra situaรงรฃo... aquilo atรฉ teria uma visรฃo bonita.

- GENTE! - Ben gritou. Mas ninguรฉm prestava atenรงรฃo. Todos estavam ocupados demais discutindo, tentando achar um culpado.

- Aร, GENTE!

- O Kugelblitz tรก chegando! - Celly, a da Umbrella, berrou, impaciente.

O alerta finalmente quebrou a tensรฃo no quarto.

- O que a gente faz com o Luther?! - Sloane gritou, desesperada. Nรฃo podia simplesmente deixรก-lo ali. Ele merecia algo melhor... algo digno.

- Nรฃo temos tempo! - Ben gritou de volta. - O Kugelblitz tรก aqui do lado!

- TODOS PARA A PASSAGEM! - Reginald ordenou, sua voz carregada com algo que quase soava como... esperanรงa. Era agora ou nunca.

- A gente ia ficar aqui! - Viktor retrucou, indignado. Haviam feito uma votaรงรฃo! Tinham decidido nรฃo ir!

- Eles mataram o Luther! - Diego rosnou, e agora aquilo era a justificativa perfeita para seguir em frente e vingar o irmรฃo.

- Vamos, crianรงas!

- Precisamos ir agora! - Allison disse, puxando Sloane pelo braรงo. Mas Sloane resistia, agarrada ao corpo de Luther.

- Nรฃo! NรƒO! - Ela chorava, aterrorizada.

Ela nรฃo queria deixรก-lo.

Ela queria ficar com ele atรฉ o fim.

Celly entrou na passagem sem hesitar, determinada a vingar a morte do irmรฃo. Cinco, por outro lado, ainda vacilava, claramente desconfortรกvel com toda aquela situaรงรฃo.

- Crianรงas! Rรกpido! - Reginald apressava, ansioso para fechar a porta. Faltavam apenas alguns segundos antes que a esfera flamejante consumisse tudo ao redor.

- Temos que ir! - Allison puxou Sloane, praticamente a empurrando para dentro da porta mรกgica.

- Vamos logo! O que tรก esperando?! - Klaus gritou para Cinco, incrรฉdulo com a indecisรฃo do garoto.

Foi sรณ quando Cinco olhou para Celly, jรก dentro da passagem, esperando que ele seguisse, que percebeu que nรฃo tinha escolha.

- Isso nรฃo acabou! - Ele gritou antes de entrar no estreito corredor, contra sua prรณpria vontade.

"Tudo bem. Perder eu nรฃo estarei perdendo", pensou. Afinal, se entrassem e saรญssem vitoriosos, ele e Celly teriam uma vida juntos. "Se ela sair viva", corrigiu-se mentalmente, amargo.

- Entra no tรบnel! - Klaus empurrou Cinco, irritado com a lentidรฃo dele.

Mas quando fez menรงรฃo de entrar tambรฉm, Reginald o impediu.

- Espera!

Klaus franziu o cenho.

- O que vocรช tรก fazendo?!

Reginald olhou para ele, impassรญvel.

- Vocรช fez um bom trabalho me trazendo de volta pra famรญlia. Mas vocรช nรฃo vale esse esforรงo.

E entรฃo, sem qualquer hesitaรงรฃo, puxou Klaus com forรงa para fora do corredor.

- Desculpe, Klaus.

- NรƒO! PAI!

Mas Klaus nem teve tempo de reagir.

A porta se fechou diante dele, trancando-o do lado de fora. Condenando-o a morrer no Kugelblitz.

E no fundo, era exatamente o que Celeste havia avisado: "Ele vai te descartar como lixo quando nรฃo for mais รบtil para os planos dele."

A traiรงรฃo foi um golpe cruel. Klaus se levantou ร s pressas, socando a porta, tentando abri-la, gritando em frustraรงรฃo. Ele havia confiado em Reginald... e foi jogado fora como se nรฃo significasse nada. E entรฃo, veio o desespero.

A esfera flamejante se aproximava, devorando tudo no caminho. Ele sentiu a vida passando diante de seus olhos, cada erro, cada momento, cada piada idiota.

Num รบltimo impulso, sem alternativa, Klaus correu para os chifres da cabeรงa de bรบfalo na parede.

Virou-se de costas no รบltimo instante.

E tirou a prรณpria vida.

Enquanto isso, do outro lado da porta, Reginald Hargreeves prosseguia com seu plano. Tudo aquilo tinha um รบnico objetivo: trazer Celeste e Abigail de volta.

Uma vida marcada por arrependimentos e obsessรตes. Mas sรณ quando o tempo passou ele percebeu o quanto estava apegado ร  filha adotiva.

Tรฃo desesperado para tรช-las de volta, que nem percebeu...

... que Celeste Hale poderia estar lรก dentro.

MAIS UM!! ESTAMOS SUPER HIPER MEGA NA RETA FINAL GENTE!
Provavelmente serรก sรณ mais uma postagem e depois vamos entrar em hiatus. Espero que tenham gostado, votem e comentem bastante!

E SIM, ISSO ร‰ UMA POSTAGEM EXTRA! MUITO OBRIGADA PELOS 8K DE LEITURAS E PELOS 800+ VOTOS ๐Ÿฅน vocรชs jรก estรฃo tem noรงรฃo do QUANTO isso รฉ gratificante pra mim! ๐Ÿ’–

revisรฃo concluรญda โ˜‘๏ธ๐Ÿ’š

Bแบกn ฤ‘ang ฤ‘แปc truyแป‡n trรชn: Truyen247.Pro