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𝐔𝐍𝐂𝐄𝐑𝐓𝐀𝐈𝐍𝐓𝐈𝐄𝐒

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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐅𝐈𝐅𝐓𝐄𝐄𝐍

𝐔𝐍𝐂𝐄𝐑𝐓𝐀𝐈𝐍𝐓𝐈𝐄𝐒



O SOL ENTRAVA pelas grandes janelas do quarto onde Celeste havia dormido com Cinco. Ele já tinha se levantado: ao acordar, ficou admirando a garota dormir tranquila em seus braços. Mesmo sabendo que precisava acordá-la para ajudar a salvar o mundo, decidiu deixá-la descansar mais um pouco. Quando Celeste acordou, percebeu que estava sozinha. Apenas ela e o cheiro dele no travesseiro.

Por um momento, achou que tudo não passava de um sonho incrível. Mas então, notou que não estava em seu quarto. Tudo havia acontecido de verdade — agradeceu a parte boa: encontrar Cinco, e amaldiçoou a ruim: o encontro com os homens mal-encarados.

Sorriu para si mesma, e depois reclamou do quarto por não ter cortinas que bloqueassem a luz.

Olhou para o relógio: ainda nem eram nove da manhã. Sentindo o cansaço, soltou um bocejo.

Depois de lavar o rosto, ajeitar os cabelos, escovar os dentes e vestir o casaco que trouxera na noite anterior, ela pensou em ficar apenas de chinelos. Mas, lembrando que Cinco poderia teletransportá-la de repente — o que era bem a cara dele —, calçou os sapatos rapidamente e saiu do quarto, indo em direção à sala, onde podia ouvir a conversa entre Cinco e Elliot.

— ...Olha, tem pouco ácido acético. A Biggers Câmeras tá aberta hoje, mas fica a três quilômetros... teria que ir de ônibus. Tem também a Gibson's, a dez quadras, mas eu teria que atravessar o parque, e ele tá infestado de pombos...

— Elliot. — Cinco o interrompeu, chamando sua atenção. Elliot era naturalmente tagarela, e mesmo que Cinco tivesse um certo carinho por ele, estava impaciente.

— Umas cinco, talvez seis horas.

Antes que Cinco pudesse reclamar, o rádio na sala anunciou uma mensagem urgente. Celeste se aproximou sorrateira e pegou a xícara de café da mesa, sem se importar a quem pertencia — estava cansada demais para perguntar.

— Atenção! Código 3 15 no sanatório!

— O que é um código 3 15? — Cinco perguntou, confuso.

Celeste, que fazia parte daquela época havia seis anos, respondeu sem rodeios:

É o idiota do nosso irmão.

Os dois levaram um leve susto com a resposta inesperada, ao notarem a presença dela tão de repente. Mesmo assim, Cinco deu um sorrisinho.

— O Diego? — Cinco perguntou, ainda confuso.

— Sim. Ontem o sanatório deixou escapar mais de cinquenta pacientes.

— Como sabe disso? — Elliot indagou, confuso e com a boca cheia de cereal. Ela deu de ombros.

— E importa? — resmungou Celeste, irritada, desviando o olhar para o lado. Estava preocupada com Diego, que sempre tinha aquela mania de agir por conta própria em busca de reconhecimento. — Se ele está sozinho, solto, longe de um lugar cheio de médicos e seguranças, que por sinal é perfeito pra entender a cabeça daquele maluco, é sinal de que vai fazer besteira.

— Quem é Diego? — Elliot perguntou, perdido no assunto. Os dois falavam tanto dele que ele mal acompanhava.

— Pense no Batman, só que bem pior — explicou Cinco, com um toque de irritação pela bagunça e indiscrição do irmão. — Revela o filme pra mim. Vamos voltar assim que der.

— Vamos? — Celeste questionou, confusa, franzindo o cenho e arqueando uma sobrancelha. Largou o café na mesa, cruzando os braços.

— Sim, você vem junto. — Cinco deu de ombros, quase como se fosse uma ordem. Celeste, ainda de mau humor pela falta de sono, resmungou.

— Você já foi mais cavalheiro, sabia?

Cinco respirou fundo, achando graça. Seus lábios se curvaram em um sorriso, e então ele estendeu a mão para ela, com um ar mais gentil. Elliot observava a cena enquanto mastigava seu cereal.

— Minha querida, linda... não, linda é pouco, excepcional mulher. Pode me ajudar a salvar o mundo?

Celeste fez um bico, ainda relutante.

— Por gentileza. — Ele completou. Aquela palavra mágica fez efeito; Celeste abriu um sorriso vitorioso e estendeu a mão para ele.

— Agora sim.

「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」

Minutos depois, a dupla já estava na Texas School Book Depository. Celeste tinha 90% de certeza de que Diego estava ali, esperando o fim do turno de Oswald para tentar se tornar o herói da nação americana. A certeza ficou ainda mais forte depois que Cinco lhe mostrou uma manchete sobre Diego que havia saído alguns meses antes, confirmando sua suspeita por completo.

— Tem certeza que ele tá aqui? — Cinco perguntou, meio relutante. Ele gostava do jeito que ela sempre sustentava seus argumentos.

— Sabe o que o médico dele me disse quando perguntei sobre o Diego? — Ela questionou, com um sorriso traiçoeiro nos lábios, cheia de ironia. — Que ele tem complexo de herói. Não te soa familiar? É o tipo de coisa que ele faria.

— Tem razão. — Cinco fez uma careta, concordando. Os dois ficaram ali, observando os carros que passavam na avenida, aguardando o momento em que veriam o irmão. Então, Cinco, com aquela curiosidade de sempre, quis saber sobre a vida dela, algo que o fascinava em todos os sentidos. Ele virou-se para Celeste, que estava ao seu lado, admirando o perfil dela. E, curioso, perguntou: — Como foram esses seis anos?

Celeste olhou para ele e sentiu um sorriso começar a surgir. Não responderia se não percebesse que ele estava realmente interessado, e ela sabia que, lá no fundo, Cinco se culpava por tê-la deixado esperando. Desviou o olhar para a estrada.

— Foi bom. Uma experiência diferente, sem dúvida. — Ela começou, com um leve sorriso. — Eu... bem, quando cheguei, estava tão tonta que acabei esbarrando numa garotinha de três anos, acredita?

Cinco a observou, uma expressão de culpa surgindo, mas também um sorriso divertido ao notar a alegria com que ela contava a história.

— Acho que era pra ela ter morrido. — Celeste continuou, e seu olhar se nublou um pouco. — Sabe, eu a derrubei sem querer, e ela teria caído na estrada. Foi questão de um instante, e um caminhão passou.

Cinco a encarou, percebendo o quanto aquilo a afetava.

— Salvá-la foi a melhor coisa que já fiz. — Ela sorriu, e o sol, refletindo em seus olhos, tornou o momento ainda mais encantador. — Não me importo se mudei a linha do tempo. — Ela olhou para Cinco, preparando-se para provocá-lo: — Sério. Ela quase roubou o seu lugar de pessoa favorita.

Cinco ergueu uma sobrancelha, surpreso, cruzando os braços, meio incrédulo.

— Ah, é? Ela é tudo isso, então?

— Sim. — Celeste falou, com um sorriso travesso. — Se você tivesse demorado só um pouquinho mais...

— Quem é ela? — Cinco perguntou, ainda mais curioso.

— Samantha. O pai dela, Tony, ficou tão agradecido por eu tê-la encontrado que me deixou morar com eles. — Celeste sorriu ao falar, sentindo o coração aquecido ao pensar na família que a acolhera. Era incrível como, em poucos anos, eles haviam se tornado sua segunda família. — Acho que nunca vou conseguir compensar o que fizeram por mim.

— Posso adivinhar: Tony acha que você já compensou, salvando Samantha.

— Exatamente. — Celeste sorriu, fazendo uma careta leve. Ainda assim, sentia que devia mais. Um silêncio confortável se instalou entre eles, enquanto ela relembrava suas memórias com uma pitada de nostalgia e Cinco a observava, ansioso e curioso por mais. — Tinha também o Thomas. Hoje ele tem dezoito. E Samantha faz dez em dezembro. Thomas sempre foi muito gentil. A família inteira, na verdade.

— Thomas, hm? — Cinco repetiu, e Celeste captou a leve ponta de ciúme em seu tom.

— Isso. Ele ama carros. Obcecado pelo Buick Centurion 1956.

— Aposto dois dólares que, se eu perguntar qual é o meu carro favorito, você não vai saber responder. — Cinco arriscou, com um toque amargo na voz, que transbordava ciúme e desapontamento. Celeste quase gargalhou, se divertindo com a provocação.

— Ah, é? Você gosta do Corvette Stingray 1970. — Ela respondeu, segura. Cinco fez um bico, como se quisesse dizer "não", apenas para manter o drama. Mas sabia que ela estava absolutamente certa, e adorou isso.

— Quantos dólares vale o meu beijo? — Cinco perguntou, divertido. Celeste riu.

— Não tem dois dólares?! — Ela exclamou, surpresa, com um sorriso largo, se divertindo com a reviravolta que ele havia dado.

— Não.

— Nesse caso, seu beijo vale cinquenta centavos. — Ela respondeu, maliciosa. — Só isso.

— Vou ter que pagar seus dois dólares em beijos, então. — Cinco fez uma careta falsa. — Que pena.

Celly fechou os olhos, esperando a recompensa por ter adivinhado o carro favorito dele. Cinco segurou seu rosto com as duas mãos, com a mesma delicadeza de sempre, e começou a enchê-la de beijos. Era para serem só quatro, mas viraram cinco, seis, sete... de repente, seu rosto inteiro estava coberto de beijos enquanto ela gargalhava.

— Tudo bem! Tudo bem! — Ela ria, enquanto ele beijava até seu nariz e seus olhos, todos os beijos cheios de carinho, da forma mais doce que ela poderia imaginar.

Quando Cinco parou de beijá-la, suas mãos permaneceram no rosto dela. Eles trocaram um olhar intenso, e Celeste se desvencilhou, meio desconcertada, desviando o olhar para os carros, para a avenida, para qualquer coisa que a ajudasse a se recompor.

Senti saudade disso. — Ela murmurou, quase para si mesma, mas Cinco ouviu.

Apesar de sentir um toque de culpa, Cinco sabia que aquele momento havia sido bom para ela, e era isso que importava. Celeste tinha o dom de fazer com que ele se sentisse melhor, mais humano. Na noite anterior, ela lhe dissera que a vida sempre dava espaço para erros, e ao lado dela, essa ideia parecia palpável. Normalmente, ele jamais se perdoaria. Mas, com Celeste, sentia que talvez pudesse. E, mesmo que detestasse a ideia de deixá-la esperando novamente, só podia ser grato. Grato pela bondade que ela lhe trazia. Era como se ela lhe desse permissão para perdoar a si mesmo.

— Não é o Diego ali? — Celeste perguntou, franzindo os olhos para tentar enxergar melhor.

— É, é ele. — Cinco confirmou, apertando o olhar para focar no carro. De longe, Celeste notou que havia uma mulher morena, de cabelos curtos, no banco do passageiro ao lado de Diego.

— Quem é a garota?

— Sei lá. — Cinco deu de ombros, desinteressado, mas apertou a mão dela com delicadeza e deu um beijo suave. — Vamos descobrir agora.

No instante seguinte, eles estavam dentro de um carro confortável. Observadora, Celeste percebeu alguns cacos de vidro no chão, sinal claro de que o carro havia sido roubado — provavelmente, alguém quebrara a janela com uma pedra para destravar a porta.

— Eu não tô tentando ser um herói, tá? — Diego dizia, no meio de uma conversa acalorada com a mulher ao seu lado.

— Então por que tá fazendo isso? — ela perguntou, visivelmente irritada. Os dois pareciam familiarizados um com o outro, trocando falas como velhos conhecidos.

— Porque ele é um idiota — rebateu Cinco, se intrometendo abruptamente. Surgiu do nada, fazendo ambos levarem um susto.

A mulher se virou para o banco traseiro, confusa, e se deparou com Celeste e Cinco lado a lado. Quando Celeste viu o irmão, que ainda processava a situação, deu um pulo para abraçá-lo. Afinal, se ele não tivesse sido internado, ela nunca teria encontrado Cinco tão rápido. "Sou eternamente grata a esse maluco", pensou.

— Diego! — Ela exclamou, com um sorriso iluminando seu rosto.

— Celly? — Diego murmurou, ainda confuso com a aparição repentina. Quando finalmente se deu conta de que estava vendo a irmã depois de meses naquela época, puxou-a para um abraço apertado, soltando uma gargalhada de pura alegria. — Celeste! Sua biruta! Onde você esteve?

— Por aqui, ora! — Ela deu de ombros. — Por incríveis 2.190 dias!

Diego arregalou os olhos, chocado.

— Passou seis anos aqui?! — Ele exclamou, incrédulo, enquanto Celeste, ainda meio jogada no banco da frente, riu da expressão dele.

— Eu falei em dias para "amenizar" o problema. — Ela resmungou, com uma pitada de irritação, enquanto se soltava do braço dele. Diego ainda a olhava, boquiaberto.

— Quem são eles? — perguntou a mulher, claramente confusa. Num momento, discutia com Diego; no outro, dois jovens estavam no banco de trás. Para ela, pareciam um casal.

— Sou a melhor irmã que ele tem. — Celeste respondeu, convencida, acomodando-se no assento.

— E eu, o irmão querido dele. — Cinco acrescentou com um sorriso sarcástico.

— Ah, não! — A mulher murmurou, confusa. — Vocês não são um casal?

Celeste engasgou. "Será que estamos tão óbvios assim?", pensou. Mas Cinco foi mais rápido, respondendo antes que ela pudesse desmentir ou corar de vergonha.

— Claro que somos. Mas também somos todos adotados. Importante frisar-

— Desde quando vocês estão juntos, hein? — Diego interrompeu, ainda perplexo.

— Desde… sei lá. Isso importa? — Cinco rebateu, irônico. Antes que Celeste pudesse responder com um comentário ácido, ele pousou a mão sorrateiramente em sua coxa, por cima do vestido azul.

— Tem razão. — Diego ironizou. — Não importa. Você me deixou apodrecendo com os doidos.

— Pra te proteger de si mesmo.

— Ah, isso é fofo. — A mulher murmurou, comovida. A primeira impressão de Celeste sobre ela foi de que era divertida, ainda que não transmitisse muita confiança.

— Tá legal. Vocês três, fora! — disparou Diego, sem rodeios. — Até deixaria você ficar, já que é a "minha melhor irmã". Mas já vi que tá do lado do Cinco — ele completou, lançando um olhar desaprovador para Celeste. Ela franziu o cenho, ofendida, embora ele estivesse obviamente certo.

— Esquece a maluquete e vem com a gente — provocou Cinco, usando o apelido para irritar a mulher, que imediatamente fez uma careta. Celeste ergueu a sobrancelha com o comentário, mas Cinco continuou sem se abalar. — Nós temos um problemão.

— Eu não vou a lugar nenhum com vocês. — Diego rebateu, determinado.

Celeste revirou os olhos, lembrando-se de quão teimoso ele era.

— E vai fazer o quê? Ficar aqui, esperando pra matar o Oswald? — Ela questionou, cruzando os braços com sarcasmo. A mulher ao lado deu um sorriso malicioso.

— Na verdade, era bem isso mesmo que ele ia fazer. — Ela riu, olhando para Diego com um ar provocador. — Ele queria cortar o dedo do gatilho.

Celeste se virou para Diego, incrédula, e então explodiu em uma risada mordaz. Gargalhava dele, enquanto Diego ficava vermelho, passando a mão pelo rosto e desviando o olhar para a estrada, tentando ignorá-las.

— Porra, Diego! Existem outras maneiras de impedir o assassinato do presidente, sabia?

— Nem dá ideia pra ele. — Cinco pediu, com um tom sério. Ele conhecia bem o irmão e sabia que Diego podia se deixar influenciar por qualquer sugestão inteligente dela.

— Tá bom, vocês passaram dos limites! — Diego resmungou, visivelmente irritado. Ele se virou e lançou um olhar furioso para Cinco, que sorria de maneira cínica, claramente pensando em uma forma de obrigá-lo a cooperar. — EU NÃO vou com vocês. Me deixem fora disso e saiam do carro! Todos! — Por fim, ele se voltou para a mulher ao seu lado, que fez um biquinho, fingindo estar ofendida.

— Então tá legal — Cinco ameaçou, mantendo um sorriso provocador.

Sem pensar duas vezes, ele se inclinou em direção à janela aberta e gritou para um policial que passava na calçada.

— Seu guarda!

— O que você tá fazendo?! — Diego se voltou para ele, puxando-o para longe da janela e segurando-o pela gola da camisa, em choque. Afinal, a fuga do sanatório ainda era um problema para as autoridades.

— Ouvi dizer que tem uma recompensa pra quem pegar vocês. — Cinco sorriu, com aquele mesmo sorriso frio e calculista, seus olhos brilhando com diversão. Parecia tirar prazer em pressionar Diego daquela forma. Para Celeste, a cena era quase cômica; Cinco parecia determinado a tornar as opções de Diego cada vez mais escassas.

Celeste admirava o jeito como Cinco sempre colocava a si mesmo em primeiro lugar, mesmo que ela, no fundo, fosse o oposto. Mas ele sempre compartilhava suas ambições com ela, considerando o bem de Celeste acima de seus próprios desejos e sonhos. Ela o mudava, de alguma maneira.

— Ele tá blefando — a mulher disse, indiferente, um sorriso presunçoso no rosto, incrédula.

Diego encarou Cinco nos olhos, percebendo que ele falava sério. Suspirou, lançando um olhar cansado para Celeste. Sabia que Cinco faria qualquer coisa para manter seu próprio mundo intacto ao lado dela, e se Diego não fosse útil, ele o deixaria para trás sem hesitar.

— Não tá, não — Diego cedeu, sem escolha. — Beleza, eu vou com vocês.

— E eu? — a mulher questionou, fazendo um biquinho magoado, claramente esperando que também a levassem.

— E também vou levar a maluquete. — Diego finalizou, enquanto a mulher exibia um enorme sorriso vitorioso no rosto.

「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」

A viagem de volta para a loja de aparelhos onde Elliot morava foi rápida. Diego, sem ter outra opção, acabou assumindo a direção, abandonando o plano de arrancar o dedo do gatilho de Lee Harvey Oswald naquele dia.

A mulher, que se apresentou como Lila, parecia ser uma companhia divertida aos olhos de Celeste, mas algo na atitude dela despertava desconfiança. Talvez fosse a segurança que exibia por estar ao lado de Diego, ou o fato de, de repente, estar alegre demais na presença deles. Celeste gostava de Lila, mas sabia que não confiava nela completamente.

Assim que chegaram à loja — o improvisado alojamento deles — subiram rapidamente as enormes escadas até o mezanino, onde ficava a bagunçada sala de Elliot. Mal colocaram os pés no ambiente, e Elliot apareceu pelas portas duplas que davam acesso à cozinha estreita, segurando uma espingarda e apontando para eles. Ele suava e parecia completamente descontrolado, quase em pânico.

— Onde vocês conseguiram aquele filme?! — Elliot gritou, a voz estridente o suficiente para fazer Celeste franzir o cenho diante da audácia. Ele apertou ainda mais o cabo da espingarda, apontando a arma alternadamente para os quatro, mas especialmente para Cinco. — O filme dos Frankel! A verdade, dessa vez!

— Vocês conhecem esse maluco? — Diego murmurou, fazendo uma careta para Celeste, que estava ao seu lado.

— Acabei de conhecer — Cinco respondeu, dando de ombros, indiferente.

— Ele é inofensivo — Celeste disse, confiante.

— Tem certeza disso? — Lila perguntou, tentando esconder o nervosismo ao ver a espingarda apontada na direção deles.

Os quatro pareciam tão imersos em seus próprios diálogos que a ameaça de Elliot com a arma quase não parecia relevante.

— Você é ou não é um inimigo do povo?! — Elliot berrou, claramente frustrado por não estar sendo levado a sério.

Lila fez uma careta, enquanto a pergunta estranha parecia provocar um momento de reflexão entre os três irmãos. Elliot, em contraste, parecia cada vez mais deslocado, como se estivesse sendo tratado como uma piada.

— Essa pergunta é um tanto vaga, não? — Diego estreitou os olhos, irônico.

— Depende do ponto de vista. — Celeste deu de ombros.

— Depende de qual povo, né? — Cinco concluiu.

Os três responderam ao mesmo tempo, e suas falas se entrelaçaram em uma breve discussão. Elliot, no entanto, perdeu a paciência.

— Se mexer um músculo, eu estouro os seus miolos! — ele gritou, agora apontando a arma diretamente para Cinco.

— Vocês resolvem... ou eu? — Diego perguntou, dirigindo-se a eles.

Antes que Cinco e Diego pudessem decidir, Celeste tomou a iniciativa. Concentrou energia nas pontas dos dedos, o suficiente para dar um susto em Elliot, sem intenção de machucá-lo seriamente. Uma rajada de eletricidade saiu de sua mão e o atingiu, pegando-o de surpresa. Elliot soltou um grito de dor, a espingarda caiu de suas mãos enquanto ele se curvava, ainda chocado.

Antes que a arma tocasse o chão, Cinco se teleportou para pegá-la, assumindo o controle da situação e garantindo que Elliot não tentasse mais nada. Lila soltou uma risada desconfortável, visivelmente confusa com o que acabara de acontecer.

— Vocês demoram muito combinando. — Celeste resmungou, irritada, soltando um suspiro. Cinco e Diego se entreolharam, dando de ombros. De fato, o jeito direto de Celeste tinha sido mais eficaz.

Minutos depois, Cinco amordaçou Elliot e o prendeu a uma cadeira para evitar novas ameaças. Diego ligou o projetor que havia na sala, e todos se organizaram para assistir à fita dos Frankel, que havia sido revelada horas antes. Lila, agora ao lado de Elliot, pintava as unhas dele com uma calma quase irônica. Cinco estava escorado no projetor; Diego se acomodara em uma cadeira; e Celeste relaxava com os pés apoiados na cadeira à frente. O filme dos Frankel estava prestes a começar.

Anteriormente, Celeste havia perguntado de onde vinha o vídeo, mas Cinco deu uma resposta simples. Ele explicou que, após aterrissar naturalmente uns dez dias depois de onde estavam atualmente, se viu em uma cena caótica, com mísseis russos destruindo o mundo ao redor. Logo em seguida, Hazel o encontrou e o salvou, apenas para ser morto logo depois pelos suecos — agentes da Comissão. Hazel, no entanto, conseguiu colocar o vídeo dos Frankel no bolso de Cinco antes de morrer. A narrativa parecia confusa demais para Celeste, e, embora sua curiosidade estivesse à flor da pele, ela escolheu segurar algumas perguntas.

"— Está filmando?! — uma mulher idosa perguntou ao marido, ajeitando o lenço na cabeça, enquanto ele tentava registrar o momento.

E-eu não sei...

— Como assim, você não sabe?! É só apertar o botão, tem uma coisa ali que-

— Acho que achei! — o homem disse, animado.

— Ali, querido...

— Espera, espera!

— Então me dá aqui, deixa que eu sei como fazer — a mulher insistiu, perdendo a paciência.

— Depressa, depressa!

— Pronto, eu sei!"

— Adoro casais de velhos. Não sei como ainda não se mataram — resmungou Lila, divertindo-se. Celeste também achava graça.

— Por que a gente tá vendo isso? — Diego perguntou, confuso, erguendo a sobrancelha. Não entendia como o vídeo seria útil.

— Quieto — Cinco pediu, impaciente. As interrupções o irritavam; ele queria se concentrar. Sentou-se ao lado de Celeste, olhos vidrados no vídeo.

"— Já entendi, já entendi. Deixa comigo — disse o homem na gravação, impaciente, virando a câmera para si e se apresentando. — Oi, eu sou Dan Frankel.

— E eu sou Edna Frankel. — A mulher sorriu animada quando apareceu na câmera, radiante.

— Estamos em Dallas, Texas, para ver o presidente. A data é 22 de novembro de 1963 — informou Dan Frankel, atraindo de imediato a atenção de todos na sala."

Celeste quase engasgou. Mesmo sabendo que Hazel trabalhava para a Comissão, que lidava com o tempo, aquilo a pegou de surpresa.

— Isso é daqui a seis dias — murmurou Lila, perplexa, endireitando-se na cadeira. De repente, pintar as unhas de Elliot não parecia tão interessante.

— Puta merda, é isso. A gravação no gramado. — Diego falou, se aproximando do projetor, finalmente entendendo. — Kennedy já vai morrer. Como você conseguiu isso?! — perguntou, virando-se bruscamente para Cinco.

— Hazel morreu pra me dar o negativo. Deve ser a chave pra impedir o fim do mundo. — Cinco respondeu com um dar de ombros, como se fosse um detalhe menor.

— Espera aí, Hazel? — Diego perguntou, com a voz incrédula, trazendo à tona um resquício de ressentimento. A morte da amiga Patch ainda o assombrava, e embora o tempo tivesse passado, ele não havia perdoado completamente Hazel e Cha-Cha.

— Longa história.

— O fim do mundo? — Lila perguntou, ainda tentando processar o que ouvia.

— Mais longa ainda.

— O que ele te disse exatamente? — perguntou Celeste, incapaz de conter sua curiosidade. Guardara as perguntas até agora, mas a urgência era maior.

— Ele foi morto antes de poder me explicar. — Cinco respondeu, fazendo uma careta, visivelmente frustrado e impaciente. Olhou para Celeste por um instante antes de se levantar e se escorar próximo ao projetor. — Mas o que ele queria me mostrar tá nesse filme.

"— Isso é muito emocionante — disse o homem, sorrindo. Mas, de repente, um barulho estrondoso ecoou atrás dele, e sua esposa soltou um grito de terror, surpresa pelo que estava acontecendo."

— Oswald — murmurou Diego, quase sem fôlego. Mesmo em uma gravação, pareciam estar presenciando um momento histórico.

"— Ai, meu Deus do céu! O presidente! Meu Deus! — gritava o homem, desesperado. John F. Kennedy havia sido morto."

Celeste sentiu o coração acelerar, uma inquietação tomando conta dela. Jurava que tinha visto algo estranho quando a câmera se moveu e capturou o gramado verdejante de Dallas. Sem pensar, deu um salto e correu para trás do projetor.

— O que você está fazendo? — perguntou Cinco, erguendo uma sobrancelha, intrigado.

— Voltando. — Ela deu de ombros, concentrada. Manipulou a fita, rebobinando o vídeo.

Ela voltou a gravação alguns segundos, congelando a imagem exatamente onde o cenário ficava visível. Ficou parada, confusa e assombrada. Tinha certeza do que viu; não estava inventando.

Arrastou o projetor mais para trás, ampliando a imagem na parede, enquanto os outros a observavam em um misto de curiosidade e confusão, aguardando explicações. Quando a imagem finalmente aumentou, os irmãos praticamente ficaram boquiabertos.

— Puta merda — resmungou Diego, sem conseguir acreditar no que via.

— Não pode ser — disse Cinco, incrédulo, aproximando-se da imagem ampliada, agora perfeitamente nítida. Aquela silhueta era inconfundível para os irmãos.

Diego, que estava sentado no parapeito da janela, levantou-se devagar, chocado com a visão diante de si.

— Eu quero uma explicação pra isso agora. Que merda é essa que a gente tá vendo? — Lila exigiu, atordoada e sem entender nada. Sentia-se completamente fora do contexto.

— É impossível... — murmurou Celeste, ainda atônita.

— É óbvio que não.

— Quem é, quem é?! — Elliot perguntou, a voz abafada pela mordaça, mas a curiosidade brilhando em seus olhos. Quando assistira à fita sozinho, não havia percebido aquele detalhe.

— Pai... — sussurrou Diego, como se o peso da palavra fosse um soco.

— Isso não pode ser verdade! — Celeste exclamou, indignada. Como aquele velho idiota conseguia se enfiar em cada evento desastroso?

A tensão no ar parecia prestes a explodir entre os irmãos. Na imagem, um homem alto, magro, com o cavanhaque característico que eles tão bem conheciam, estava parado no meio do gramado. Trajava roupas pretas e segurava um guarda-chuva preto, em um dia de sol.

— É claro que nosso pai estaria envolvido no assassinato — Diego soltou, incrédulo e com um tom ácido, jogando-se de volta em seu assento, perdido em pensamentos. E se fosse verdade? E se o instinto estivesse certo?

Celeste permanecia paralisada, os olhos fixos na imagem, uma perplexidade quase furiosa tomando conta dela. Sabia que o pai era um homem sombrio, mas envolvido no assassinato de Kennedy? Aquilo era demais.

— Não, você está sendo precipitado.

— Então por que mais ele estaria naquele lugar, com um guarda-chuva em um dia de sol, em Dallas, no exato momento que o presidente leva um tiro?! — Diego rebateu, a irritação evidente na voz. Levantou-se de sua cadeira, apontando para a tela, quase berrando. Parecia mais certo do que nunca.

— Isso não é um bom sinal... — murmurou Celeste, estremecendo.

— É ele quem dá o sinal pra essa merda toda! — Diego explodiu, passando a mão no rosto, tentando manter a compostura, mas falhando.

— Calma, Diego! Fica tranquilo, é sério — pediu Cinco, tentando manter a calma, a voz firme, em um esforço quase visível para evitar que o pânico dominasse a todos.

— Não! É isso que o Hazel tava tentando te contar! — Diego exclamou, aproximando-se de Cinco com uma intensidade quase descontrolada. Celeste o observava, sentindo o desespero dele aumentar de forma quase perturbadora. Diego sempre tinha uma tendência ao pânico, mas agora... estava começando a fugir de qualquer normalidade. — Temos que impedir que o papai mate o presidente!

— Calma aí, justiceiro! — Celeste interveio, colocando uma mão firme no ombro de Diego, que arfava, sem acreditar no que acabara de ver. — Vamos com calma, não vamos exagerar no que estamos vendo, beleza?

— É, calma lá! — Cinco insistiu. — Nosso pai não era nenhum escoteiro, mas assassinar o presidente? Isso não parece o estilo dele. — Ele parecia surpreendentemente calmo. Os três irmãos estavam intensamente concentrados, divididos em seus próprios pensamentos, enquanto Lila e Elliot observavam a situação com um misto de curiosidade e confusão, sem entender muito bem as implicações sobre Reginald Hargreeves.

— Como você saberia? Você se livrou dos melhores anos dele — retrucou Diego, com ironia. Celeste franziu a testa, prestes a intervir, mas Cinco respondeu de forma cortante, pegando-a de surpresa.

— Me livrei?! — Cinco rebateu, incrédulo, o tom cheio de sarcasmo e amargura. — Acha que foi moleza, Diego? Eu fiquei sozinho por trinta anos! — Cinco estava furioso, e sua voz transbordava ressentimento. Teria levado o embate até o fim, mas sabia que o tempo era precioso. — Quer saber? Não temos tempo pra isso agora. Nosso pai tá em Dallas, certo? Vamos falar com ele. Talvez ele nos ajude a consertar a linha do tempo.

— Tá — Diego revirou os olhos, quase parecendo se desculpar. — Dallas é enorme. Temos que encontrá-lo primeiro.

— Vocês sabem que existem dicionários de endereços na época que estamos, não é? — Celeste respondeu, como se fosse óbvio.

Os dois a olharam como se ela tivesse acabado de dar a resposta que precisavam. Em uma pressa incendiária, correram para a prateleira, pegando um velho dicionário de endereços de Dallas coberto de poeira e jogando-o sobre a mesa. Os três pareciam à beira de um colapso, cada um consumido por suas próprias teorias:

Cinco, mantendo uma calma tensa, lutando para acreditar que seu pai poderia mesmo ter algo a ver com o assassinato. Diego, quase fora de si, convicto de que seu pai estava diretamente envolvido no crime. E Celeste, uma mistura dos dois: preocupada, tentando manter a serenidade, mas só os mais atentos poderiam notar a inquietação oculta. Ela sabia que o pai tinha feito muitas coisas erradas, e, no fundo, temia que ele fosse realmente capaz disso.

— Começa pelo mais simples, o sobrenome — Cinco sugeriu, de forma prática. Diego abriu o livro, folheando as páginas rapidamente.

— Não tá aqui.

— Tenta a empresa dele. — Celeste sugeriu, séria.

— D.S. Umbrella Manufacturing — completou Cinco, tentando ajudar. Diego o lançou um olhar fulminante, enquanto um silêncio pesado pairou entre eles.

— É, eu sei o nome — Número Dois retrucou, sarcástico.

Diego continuou a busca nas páginas extensas, até que encontrou o que procurava. Com um sorriso de triunfo, bateu o dedo várias vezes no endereço.

— Puta merda. D.S. Umbrella. Rua Olive, 82 — anunciou, com uma satisfação evidente. Olhou para os dois, como se esperasse uma recompensa, e Celeste deu dois tapinhas no ombro dele.

— Vamos — disse Celeste, determinada. Ela lançou um olhar para trás e percebeu que Lila já não estava tão distraída pintando as unhas de Elliot. Franziu o cenho, um pouco preocupada, mas manteve o foco ao sair da sala, seguida por Cinco, que parecia transmitir uma calma quase contagiante.

— Tá tudo bem deixar ele assim? — Diego perguntou, hesitante, olhando para Elliot, que parecia entediado e desconfortável. Celeste sentia uma ponta de pena.

Afinal, Cinco havia invadido a casa dele, trazido Celeste, seu irmão e até uma "quase-cunhada" de surpresa. E, quando Elliot tentou reagir, foi amarrado e amordaçado à cadeira de dentista e até teve de pintar as unhas à força.

— Sim, ele tá bem — resmungou Cinco, sem dar muita importância. Ele se aproximou de Celeste, passando um braço ao redor da cintura dela num gesto silencioso de carinho e proteção. — E sua garota? — perguntou Cinco, lembrando-se de Lila.

— Droga! — resmungou Diego, de repente. Ele tinha se esquecido. E saiu correndo para procurá-la pela casa.

— Será que ele vai demorar? — perguntou Celeste, impaciente.

— Ele vem logo — assegurou Cinco, tranquilo. Ele a puxou mais para perto, envolvendo-a de forma aconchegante. Ficou atrás dela, e beijou seu ombro. Celeste sorriu, sentindo o rosto aquecer com o toque inesperado.

「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」

A noite estava fresca, tal como na véspera. Diego não demorou para encontrar Lila, que estava escondida na sala vermelha onde Elliot revelava suas fotografias. Quando partiram em direção à rua Olive, Celeste quase soltou um grito ao lembrar dos Blake. Na noite anterior, havia prometido visitá-los à tarde, mas desde que reencontrara Cinco, perdera completamente a noção do tempo. Havia se envolvido na inspeção da filmagem, na busca por Diego, nas discussões familiares... e agora, o peso da culpa caía sobre ela.

Celeste explicou a Cinco que, depois de visitarem a empresa do pai, iria direto para a casa dos Blake. Não queria deixá-los esperando mais. Mesmo com o carinho imenso que tinha por eles, sabia que, se conseguissem impedir o apocalipse — e isso era tudo o que ela mais desejava —, todos voltariam para suas respectivas épocas. Aquilo significava dizer adeus a Tony, Thomas e Samantha.

O prédio baixo, imponente à sua frente, parecia os aguardar. Com uma porta dupla de vidro e várias janelas no andar de cima, dava uma sensação mista de expectativa e tensão.

Diego estacionou o carro, e os três desceram, caminhando lado a lado até a entrada, em silêncio. A tensão entre eles era palpável. Sabiam que poderiam encontrar o pai ali, e, embora Celeste tentasse se preparar, sentia uma ponta de medo. E se ele começasse a criticá-la de novo? Odiava como ele nunca parecia achá-la suficiente.

Ao sair do carro, instintivamente, ela segurou a mão de Cinco, que retribuiu com firmeza. Sentiu no toque que ele também estava nervoso; aquele encontro era a última coisa que ele queria.

— D.S. Umbrella. É aqui — comentou Diego, soltando um suspiro cansado.

Eles atravessaram a calçada e pisaram no gramado que levava até a entrada. Quando estavam próximos da porta, Cinco parou por alguns instantes, hesitante.

— Você tá bem? — perguntou Celeste, preocupada. Ela sabia que as coisas entre ele e o pai haviam terminado de maneira amarga. A última lembrança de Cinco era a do pai mandando que ele não interrompesse o horário de almoço.

— Tô, tô — Cinco disse, voltando à realidade e tentando avançar. — Só que...

— Há quanto tempo não vê o coroa? — perguntou Diego, tentando aliviar o clima. Ele sabia que Cinco costumava guardar seus sentimentos. Abaixou-se em frente à porta, tirando um canivete do bolso para forçar a fechadura.

— Há trinta anos.

— Que loucura... — murmurou Diego, interrompendo o que fazia. Ele suspirou, triste, e parecia absorver a realidade do irmão.

— Fala sério — Cinco continuou, com um toque de ironia. Celeste, ainda segurando a mão dele, prestou ainda mais atenção em cada palavra. — Olha, lá no apocalipse, preso naquele caos, não passava um dia sem que eu ouvisse a voz dele na minha cabeça.

— E o que a voz dizia? — Celeste perguntou suavemente, os olhos castanhos dela brilhando sob a luz da lua enquanto fitava os dele, que pareciam evitar o contato. Cinco hesitou, talvez tentando esconder a mágoa de encarar o pai outra vez.

— "Eu te disse" — ele respondeu com a voz pesada, quase um sussurro.

— É, mas se o papai está aqui, ele nunca te viu na vida — argumentou Diego, com um sorriso sarcástico nos lábios. — Aí não dá pra ele dizer "Eu te disse".

— Eu sei que ele vai arranjar um jeito — retrucou Cinco, fazendo uma careta, as sobrancelhas franzidas enquanto pensava. Após um breve momento, ele soltou a mão de Celeste e se teleportou para dentro do local, abrindo a porta por dentro sem muita cerimônia.

— Ah... — Diego comentou, com um meio sorriso envergonhado agora que a porta estava aberta. — Esqueci que ele podia fazer isso.

Cinco manteve a porta aberta para que Celeste e Diego entrassem. Quando estavam todos dentro, ele fechou a porta com cuidado, sem fazer barulho. Os dois trocaram olhares rápidos, apreensivos.

Eles começaram a explorar o lugar em silêncio, tentando não chamar atenção. O espaço era surpreendentemente simples: um abajur, um quadro, um sofá… uma recepção quase desprovida de personalidade.

Cinco ligou o abajur e olhou para as duas portas em lados opostos da sala, ponderando para onde cada uma levaria.

— Vamos nos separar — sugeriu Celeste calmamente. Mas antes que eles pudessem concordar, o abajur desligou sozinho, de repente. Os dois irmãos a olharam, confusos.

— Foi você? — Diego perguntou. Celeste franziu a testa, ofendida.

— Eu, não.

— Eu einh... — murmurou Cinco, intrigado. O clima entre eles ficou tenso, o desconforto evidente.

Eles avançaram um pouco mais. Diego parecia absorvido em observar cada detalhe da recepção.

— Papai nunca foi muito fã de decoração — comentou Diego, examinando o ambiente.

— Esse quadro aqui... eu já pintei algo estranhamente parecido com isso — disse Celeste, se aproximando do quadro na parede ao lado.

Ela deslizou os dedos sobre a tela, sentindo a textura da tinta a óleo, e então passou pela assinatura do artista: "C.H." O estômago dela deu um nó. Ela assinava exatamente assim.

Celeste havia descoberto a paixão pela pintura entre os dezenove e vinte e dois anos. Era boa nisso. As telas foram uma forma de expressar suas emoções, e esse quadro... era assustadoramente parecido com seu estilo. O uso borrado do preto, os contornos ligeiramente irregulares… poderia facilmente ser uma pintura dela.

"Mas que droga é essa?", pensou, perplexa. Nada daquilo fazia sentido. Era surreal demais.

Cinco deu uma batidinha no sofá, levantando uma nuvem de poeira.

— Parece uma empresa de fachada — concluiu Cinco, franzindo a testa, visivelmente tentando juntar as peças daquele quebra-cabeça.

— Fachada pra quê? — Diego questionou, intrigado. Ele estava tão desconfiado quanto Cinco, mas precisava de respostas.

— Não sei… — Cinco murmurou, irritado.

— Isso é estranho pra caramba — Celeste disse, ainda encarando o quadro, assustada. A assinatura, aquelas iniciais idênticas às suas... era o auge de algo inexplicável.

— Vou pela esquerda — decidiu Diego, finalmente. Cinco e Celeste assentiram, em silêncio. — Qualquer coisa, gritem.

Celeste então abriu a porta lateral direita da recepção. Movia-se com uma calma impressionante, mesmo com o turbilhão interno. Deixou a porta aberta para que Cinco a fechasse. Os dois seguiram pelo corredor estreito e comum que se estendia à frente.

Nenhum dos dois falou enquanto caminhavam pelo corredor, e o silêncio parecia carregado. Na primeira porta, Cinco tentou abrir, mas estava trancada e ele não quis se teleportar; achou desnecessário. Ao chegar a uma porta entreaberta, ele a empurrou, revelando um ambiente escuro que logo se iluminou quando Celeste apertou o interruptor.

O que surgiu foi uma cena inquietante: uma "família" de manequins, todos sentados em sofás, com uma paisagem retratada em um papel de parede atrás, compondo uma atmosfera perturbadoramente artificial.

— O que é isso... — murmurou Celly, franzindo o cenho enquanto a atmosfera se tornava cada vez mais sinistra.

À medida que avançavam lentamente pelos cômodos abertos, cada sala revelava um momento diferente da vida familiar.

Uma família reunida em um café da manhã;
Uma família celebrando um aniversário;
As crianças na escola... e assim por diante.
Todas essas cenas tinham algo em comum: manequins representando famílias e câmeras de gravação dispostas ao redor. Parecia, de alguma forma, que eram usadas para testes.

Quando entraram na última sala, notaram que, embora fosse surpreendentemente parecida com as anteriores, havia uma mesa coberta de papéis amontoados. Celeste foi a primeira a entrar, chamando Cinco, que parecia perdido em seus pensamentos.

Celeste se dirigiu rapidamente até a bagunça, à procura de algo que pudesse ser importante, enquanto Cinco a aguardava na porta.

Enquanto revirava os papéis, ela encontrou uma correspondência com uma letra caprichada que trazia o nome de Reggie:

"𝑴𝑹. 𝑯𝒐𝒚𝒕 𝑯𝒊𝒍𝒍𝒆𝒏𝒌𝒐𝒆𝒕𝒕𝒆𝒓
𝑒 𝑜 𝐶𝑜𝑛𝑠𝑢𝑙𝑎𝑑𝑜 𝐺𝑒𝑟𝑎𝑙 𝑑𝑜 𝑀𝑒́𝑥𝑖𝑐𝑜 𝑒𝑚 𝐷𝑎𝑙𝑙𝑎𝑠.
𝐶𝑜𝑛𝑣𝑖𝑑𝑜-𝑣𝑜𝑠 𝑐𝑜𝑟𝑑𝑖𝑎𝑙𝑚𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑝𝑎𝑟𝑎 𝑢𝑚𝑎 𝑔𝑎𝑙𝑎 𝑞𝑢𝑒 𝑠𝑒𝑟𝑎́ 𝑟𝑒𝑎𝑙𝑖𝑧𝑎𝑑𝑎 𝑛𝑜 𝑪𝒐𝒏𝒔𝒖𝒍𝒂𝒅𝒐 𝒎𝒆𝒙𝒊𝒄𝒂𝒏𝒐, 𝒏𝒂 𝒔𝒆𝒈𝒖𝒏𝒅𝒂-𝒇𝒆𝒊𝒓𝒂, 18 𝒅𝒆 𝒏𝒐𝒗𝒆𝒎𝒃𝒓𝒐 𝒅𝒆 1963, 𝒂̀𝒔 17𝒉."


Sem hesitar, Celeste entregou o convite para Cinco, que o guardou no bolso do blazer após lê-lo.

Ao fundo, pequenos ruídos ecoavam pela vasta sala em que estavam. A garota virou-se cautelosamente em direção ao som. Cinco, por sua vez, parecia ainda mais curioso. Ele saiu do batente da porta e caminhou calmamente em direção à origem do barulho, até que algo chamou a atenção de Celeste.

— Pogo — Cinco sussurrou baixinho, a surpresa transparecendo em sua voz.

Celeste seguiu Cinco até o pequeno animal que emergiu de trás do armário onde estava escondido. Ele parecia tímido e envergonhado.

— Seu danadinho… — Celeste resmungou, um sorriso involuntário surgindo em seu rosto. Ver aquele chimpanzé tão especial para ele, ainda usando fraldas, era quase cômico.

— Oi... — Cinco disse, agachando-se para ficar na altura do pequeno, tentando se comunicar de maneira calorosa, a saudade evidente em sua voz. — Tá tudo bem, amiguinho — falou, com um tom calmo que fez Celeste sorrir ainda mais ao observar a cena.

— Que bom ver você — murmurou Celeste, agachando-se ao lado de Cinco. De repente, a atenção de Pogo se voltou para ela, e o chimpanzé começou a se aproximar timidamente.

Ele se aproximou, cheirando Celeste, e ela estava prestes a gargalhar. Os olhos de Pogo brilhavam, como se já a conhecesse.

— É. Pelo visto, você sempre foi a favorita — Cinco murmurou, com um toque de ciúmes na voz. Celeste levou a mão até o focinho do chimpanzé, acariciando-o suavemente, como em um gesto de carinho.

Quando Cinco tentou arrumar o cabelo da garota, puxando-o para trás da orelha, Pogo se virou abruptamente. Em um instante de estresse e ciúmes, o chimpanzé começou a guinchar, atacando repentinamente o pescoço de Cinco com suas enormes unhas. A dor da surpresa fez o jovem ranger os dentes enquanto se levantava, resmungando.

Celeste rapidamente se levantou, incrédula, e se aproximou de Cinco, que pressionava a mão contra o pescoço. Pogo, antes tão calmo, pulou do vidro, quebrando-o e espalhando estilhaços pelo chão com um barulho ensurdecedor.

— O que vocês fizeram com o Pogo? — uma voz feminina ecoou, chamando a atenção da dupla para a entrada da sala. Uma jovem, com cerca de dezoito anos, estava ali, segurando um livro.

Um frio percorreu a espinha de Celeste. Os dois se viraram bruscamente, atônitos.

Era Celeste. Uma cópia perfeita. Olhando para ela, sentiu como se estivesse se vendo em um espelho. A garota abriu a boca, tentando dizer algo, mas as palavras ficaram presas. Estava enlouquecendo?

— Celly, você tá vendo também? — Cinco perguntou, quase em um sussurro. Seus olhos estavam arregalados, alternando entre a Celeste ao seu lado e a versão na porta.

— Tô... — murmurou Celeste, com a voz baixa.

A jovem tinha exatamente os mesmos traços físicos, mas algumas mudanças de estilo. Os cabelos alisados e mais longos, presos em uma trança, realçavam sua beleza. Mesmo à distância, ela mantinha uma postura rígida, como uma rainha que sabia de sua autoridade.

Era confuso para Celeste. A garota parecia ter por volta dos dezenove anos. Celly já havia vivido essa idade, mas, infelizmente, havia regredido drasticamente desde então.

— Vou pedir uma única vez que coloquem tudo o que pegaram de volta no lugar. Não darei segundas chances para que saiam daqui sem ferimentos — a jovem disse, deixando o livro de lado, referindo-se ao convite que haviam roubado.

— Não pegamos nada – mentiu Celeste, mantendo a calma.

— Não mintam pra mim — a garota respondeu, séria, dando um passo ao lado como um predador cercando sua presa.

— Droga, isso tá sendo interessante — murmurou Cinco, perplexo, sem entender como aquilo era possível. Por um instante, pensou que estava alucinando. — Devolve pra ela o convite.

— Tá louco? Isso é literalmente nossa entrada no evento.

— Não vou pedir novamente — a jovem disse, capturando a atenção deles. Pequenas chamas começaram a dançar em seus dedos.

Fogo? — Celeste resmungou, incrédula. Como era possível? Ela controlava eletricidade. Nunca tinha demonstrado controle sobre o fogo. Quem era essa pessoa que era exatamente igual a ela?

— Meu amor? — Cinco chamou a atenção de Celly, segurando sua mão. — Você está sentindo coceira? Raiva, suor, gases...

— Nada. — Ela respondeu rapidamente. — Eu tô bem.

E estava sendo sincera. Estava apenas completamente confusa. Não havia mais nada. Poderiam ficar se perguntando e tentando descobrir o que estava acontecendo, mas a mulher – seja quem fosse — aumentou a chama em seus dedos, lançando uma rajada em direção a eles. Era forte, mas não intensa.

— Merda. Temos que dar o fora — Cinco falou rapidamente.

Cinco agiu rapidamente, antes que a bola de fogo os atingisse. Num piscar de olhos, estavam fora da empresa, como se aquela ação os tivesse despertado de um transe profundo. Celeste soltou a respiração, que nem percebia estar contida.

— Que porra foi essa? — Celeste perguntou, confusa. A voz saiu tão baixa e fraca que parecia um sussurro dirigido a si mesma.

— Diego! — Cinco gritou, ansioso, esperando que o irmão realmente cumprisse a promessa de ajudar. Ao não obter resposta, ele bufou, frustrado com a irresponsabilidade do irmão.

Recobrando-se do susto, Celeste gentilmente virou o rosto de Cinco para o lado. A ferida que ele tentava ignorar era feia.

— Pode infeccionar — ela disse, fazendo uma careta ao observar o machucado. Cinco voltou a pressionar o ferimento, resmungando em resposta. — A casa dos Blake não é muito longe daqui. Umas quatro quadras e chegamos lá. É mais rápido do que ir até o Elliot.

「· · • • • ⛈︎ • • • · ·」

Pouco tempo depois, Celeste e Cinco estavam em frente à casa que ela sempre considerou um abrigo em Dallas. Sabendo que ela costumava passar mal ou vomitar ao ser teleportada, Cinco decidiu que seria melhor caminhar ao lado dela pelas ruas da cidade, aproveitando a brisa suave que balançava os cabelos dela. 

Celeste estava nervosa. Sabia que teria que contar a eles que não voltaria. Sentia-se horrível por isso; afinal, eles haviam sido sua segunda família. Era como se estivesse morrendo para eles. Isso a deixava angustiada. E o pior de tudo era não poder revelar a verdade. O que diria? Que era uma viajante do tempo? Que precisava voltar para 2019?

Ela levantou a mão para bater à porta, esperando que alguém a atendesse. Alguns segundos se passaram enquanto os dois aguardavam pacientemente, até que Samantha finalmente abriu a porta, com seu habitual ar de sarcasmo. Desta vez, ela estava de pantufas e um roupão colorido, o que poderia enganar sua personalidade forte.

Ao ver Celeste, Samantha sorriu e ergueu as sobrancelhas.

— Celly! — exclamou, sorrindo enquanto se agarrava às pernas da garota.

— Eu estava com saudade da minha parceira número um! — Celeste respondeu, retribuindo o sorriso. Acariciou os cabelos dela, dando um beijo confortante no topo dos cabelos escuros.

— Eu sou sua única parceira — retrucou Samantha, com ironia.

— Mais ou menos.

— Quem é ele? — perguntou, levantando as sobrancelhas ao notar Cinco ao lado de Celeste, que observava a cena com um sorriso. Afinal, ele havia ouvido muito sobre a garota.

— Sou... o melhor amigo dela — Cinco respondeu, hesitante.

Celeste percebeu que ele queria dizer que era algo a mais, mas evitou deixar a situação desconfortável, já que nenhum dos dois tinha rótulos definidos desde o apocalipse.

Thomas apareceu logo atrás, sorrindo e segurando um caderno nas mãos, como se estivesse ajudando Samantha com a lição de casa.

— Celeste! Que bom que você voltou! — ele exclamou, com um sorriso caloroso e acolhedor. Abraçou Celeste de forma um pouco desajeitada, como sempre. — Pode entrar, vem! — Ele olhou para Cinco. Por um breve instante, um olhar de desdém cruzou seu rosto, mas foi rapidamente encoberto. — Ah, e você também pode vir. Fique à vontade — acrescentou, olhando para Cinco. Mesmo que Celeste não visse, sabia que ele estava encarando Thomas com um olhar carregado de ciúmes. — Ele está machucado? — Thomas perguntou, preocupado ao notar a mão de Cinco suja de sangue.

— Sim — Celeste resmungou, olhando para Cinco, que finalmente havia parado de apertar a ferida. O sangue havia cessado, mas a ardência ainda persistia. — Tem curativos?

— É claro. Eu trago em um instante.

Celeste entrou na casa, sentindo o familiar cheiro que a envolvia, e não pôde evitar um sorriso. Cinco, mesmo relutante, acompanhou-a, parecendo um tanto tímido no ambiente. Ele se moveu com a segurança de sempre, mas as mãos estavam enfiadas nos bolsos.

— O Tony já chegou? — perguntou assim que adentrou.

— Ah, sim. Ele acabou dormindo o dia todo, coitado. Não estava se sentindo muito bem. — Thomas fez uma careta. — Sammy, chama o papai para as visitas, por favor. — Ele pediu. Samantha correu para o quarto, resmungando, mas logo obedeceu. — Imagino que você seja o Diego — disse Thomas, estendendo a mão para Cinco.

Cinco franziu o cenho, parecendo ofendido, mas Celeste percebeu que ele estava tentando parecer intimidador.

— Na verdade, meu nome é Cinco — ele finalmente respondeu, apertando a mão de Thomas, que o olhou com uma expressão confusa a respeito do nome numérico.

— Cinco? Tipo os números que aprendemos quando crianças? — perguntou, tentando entender.

Cinco envolveu a cintura de Celeste com o braço e respondeu um "Sim" de forma cínica.

Nesse momento, Anthony saiu do quarto. Seu sorriso e aparência cansada fizeram Celeste perceber que ele havia tido um dia difícil. Ele saiu com um bocejo, mas ao notar as visitas, rapidamente arrumou os cabelos de forma desajeitada.

— Oi, Celeste! — cumprimentou, abraçando-a de lado com um único braço. — Me desculpe por isso, eu tô acabado. — Logo, voltou seu olhar para Cinco, que ele não conhecia. A curiosidade despertou em seu rosto. — Oh... e você é...?

— Cinco Hargreeves. Prazer. — Cinco estendeu a mão rapidamente, parecendo bem mais à vontade com Anthony do que com Thomas.

Enquanto eles apertavam as mãos, Celeste notou que Anthony franziu o cenho. Parecia confuso, como se o nome de Cinco fosse familiar. Como se o garoto fosse a última pessoa que ele desejasse conhecer na vida.

"Estou doida", pensou. Isso estava fora de cogitação.

Mesmo assim, percebeu que o semblante de Anthony mudara de alguma forma. Ele apertou a mão de Cinco com um pouco mais de firmeza do que o normal.

— Bom... eu... — ele murmurou. — Eu sou Anthony Blake. Você pode me chamar de Tony. — A tensão em seu rosto foi rapidamente mascarada por sua típica tranquilidade. — Entrem, entrem. Fiquem à vontade. Imagino que você vá ficar mais uns dias aqui, não? — Tony perguntou a Celeste, erguendo uma sobrancelha. Não queria que ela fosse embora.

Quando ela ia responder, sua voz falhou. Hesitou. Deveria realmente fazer isso na frente de Tom e Sammy? Viu o rosto de Tony desanimar, mas, apesar disso, manteve-se firme: não tinha escolha.

— Bom... Cinco demorou para voltar, mas agora vai ficar mais fácil pra mim. Ele é... da família, digamos assim. — Ela falou, sentindo-se envergonhada ao se referir a ele daquela forma. Apesar de considerá-los sua segunda família, sentia que nunca havia feito o suficiente para compensá-los. — Não quero mais atrapalhar vocês, Tony.

— Atrapalhar?! Nunca, Celly. — Thomas interveio rapidamente, parecendo tão abalado quanto o pai. — Você sabe que poderia ficar conosco por mais seis anos e seria um prazer.

Ele falava com sinceridade, sem dúvida.

— Ora, Thomas. É bom que ela tenha encontrado a família. Sentiremos falta, é claro. — Anthony fez uma careta, como se estivesse magoado. Pôs a mão nas costas de Celeste, puxando-a gentilmente para mais perto da casa. — Não posso mentir dizendo que ficarei feliz com um quarto sobrando.

— A Celly vai embora? — Samantha finalmente se pronunciou, e seus olhos brilhavam, mas todos perceberam que não era de felicidade. Ela segurava seu ursinho com pouca ternura, como se sentisse o peso da despedida.

Celeste sentiu seu coração se apertar com a ideia de deixar a garotinha. Para ela, Samantha era como uma irmã, e a última coisa que queria era magoá-la com sua partida.

— É... eu não pretendo ficar mais, Sammy — respondeu Celeste, sincera. Ela se abaixou para ficar na altura do rosto da menina e deu um suave beijo em sua testa. — Eu não posso prometer que vou te ver novamente. Talvez eu e minha família nos mudemos para um lugar bem longe. — De certa forma, era verdade. Ela estava tentando ser honesta de alguma maneira.

— Mas... agora o Thomas vai ter que me trazer da escola... e... quem vai cozinhar brócolis e cenoura? Eu... não quero que você vá embora, Celly.

Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto da garotinha. Mesmo assim, Celeste não conseguiu evitar um sorriso. "Cenoura e brócolis, hm?", pensou.

— Então você gostava da "porcaria" saudável, sua falsa?

Samantha soltou uma risada, divertida.

— Era… comível. — Ela respondeu, brincalhona.

Celeste abriu a boca, incrédula.

— Você é uma pestinha!

— Você que me ensinou a ser assim. — Samantha deu de ombros, convencida. — Vou sentir saudade. A última lasanha ficou ótima.

O coração de Celeste aquecer. "Um milagre ela não reclamar", pensou, feliz. Aquele momento era realmente especial. Não conseguiu evitar dar um abraço apertado nela. Samantha correspondeu com uma força quase sufocante.

— Vai ficar tudo bem. Vou fazer o Thomas prometer ser gentil quando buscar você na escola, eu juro. De mindinho. — Celeste desvinculou-se do abraço e ergueu o dedo, esperando que ela cruzasse. A garota, um pouco hesitante, limpou a lágrima do rosto e, mesmo assim, cruzou os dedinhos.

Tony, percebendo que a pequena estava manhosa pela partida, se aproximou.

— Celly, eu quero te avisar que você pode pegar suas coisas. Na verdade, compramos várias roupas para você... são todas suas. — Tony falou de forma simples, pegando Samantha no colo para animá-la. — Nossa, você tá grandona.

Celeste sorriu ao ver a cena. A menina realmente estava crescendo, mesmo que ainda fosse mais baixa e franzina do que a média para sua idade.

— Ah... tudo bem. — Celeste respondeu, sabendo que não poderia recusar. — Eu vou pegar algumas peças daqui a pouco. Muito obrigada mesmo, Anthony. — Sua voz ficou mais suave. Agradecer era difícil. — Nunca serei capaz de agradecer o suficiente. Acho que vou sentir saudade de tudo isso.

— Com certeza vamos sentir sua falta também. — Anthony tranquilizou-a. A relação deles era simples, agindo mais como amigos do que como pai e filha, afinal, Celeste não era muito mais jovem do que ele. — Sabe, ficamos muito felizes de você ter feito parte da nossa família todo esse tempo. Foi… um enorme prazer.

— Impossível esquecer de vocês, Tony. Me ajudaram mais do que eu merecia.

— Está brincando? — Tony protestou, incrédulo. Samantha já se enroscava no pescoço dele, cansada. — Eu nem posso imaginar o que teria acontecido com a Samantha se você não tivesse chegado... Você nos deu um susto danado quando apareceu aqui. — Ele falou, cutucando a filha, que estava quase dormindo em seu colo. Seu olhar se nublou por um instante.

— Fico feliz que eu tenha feito alguma coisa por vocês também. — Celeste sorriu, vendo que Samantha estava quase adormecendo, apoiada em Tony.

— A Samantha está quase dormindo. Vou colocá-la na cama antes que ela volte a berrar. — Anthony falou de forma divertida, movendo-se lentamente em direção ao quarto da menina.

Quando Celeste retornou perto de Cinco e Thomas, sentiu que a conversa não estava fluindo bem. Decidiu intervir com um pigarrear, notando como os dois pareciam bicudos um em relação ao outro.

— Tudo bem? — Celeste perguntou, um pouco desconfortável. — Onde você havia colocado os curativos mesmo? — Ela se lembrou de que Cinco ainda estava com o pescoço sangrando e dirigiu a pergunta a Thomas.

— Ah, perdão. — Ele resmungou, quase amaldiçoando a si mesmo. — Estão em cima da mesa.

Celeste se apressou em direção à sala de jantar, pegando os curativos com agilidade. Apenas o necessário, como sempre. Ao voltar para perto das poltronas, percebeu que Thomas já não estava mais ali. Havia uma clara aversão entre os dois, um desejo natural de evitar a presença um do outro. A expressão de Cinco estava fechada, e ele parecia incomodado. Às vezes, lançava olhares de soslaio para Anthony e, em outras, para Thomas, como se estivesse em um ambiente hostil, extremamente desconfortável.

Ela ficou de pé enquanto limpava o ferimento. Cinco inclinou a cabeça para o lado, permitindo que ela trabalhasse na ferida. Com cuidado, ela limpou o corte e o cobriu com o curativo. Ao final, Cinco passou o braço pela cintura dela, num gesto carinhoso. Como ele estava sentado e ela de pé, o único lugar onde conseguiu depositar um beijo de agradecimento foi na cintura dela, fazendo-a sentir-se um pouco desconcertada.

Quando Celeste olhou para o lado, viu Samantha ao lado de Anthony — parecia que a garotinha não havia conseguido dormir. Anthony tinha o talento de acordá-la sem querer. Thomas estava conversando com Anthony sobre assuntos corriqueiros, sem dúvida.

Celeste decidiu se afastar de Cinco; já estava tarde, e era hora de voltarem para descansar. Ao se aproximar, notou que o olhar de Anthony mudava de desgostoso para simpático em milésimos de segundos.

— Vou pegar minhas coisas, se vocês não se importam. Já está tarde, precisamos voltar. — Celeste falou, com um peso nas palavras. Os três podiam sentir que ela não estava feliz em fazer aquilo, e que realmente precisava de um descanso.

— Pode pegar suas coisas no seu quarto. Se quiser, eu te ajudo a pegar a caixa. — Thomas se prontificou.

— Pode deixar que eu ajudo ela. — Cinco se aproximou, posicionando-se ao lado dela. Pareciam quase dois cães em uma disputa por um osso. Celeste achou a situação cômica.

— Obrigada, Thomas.

Celeste não demorou mais. Foi em direção ao seu quarto, pegou uma caixa e começou a colocar dentro apenas o que era essencial: um par de sapatos, um pijama, dois vestidos e algumas calças que havia adquirido, incluindo as roupas da aterrissagem, que antes estavam grandes, mas agora lhe serviam perfeitamente.

Cinco saiu do quarto junto com ela, segurando a grande caixa de roupas organizadas. Thomas a abraçou imediatamente, e o cheiro dele a deixou, de certa forma, confortável. Era a última vez que teria aquele abraço; se Celeste e sua família voltassem para suas épocas, ele envelheceria e teria uma vida ali. Ele era como um irmão para ela, sem dúvida. Sentiria saudade de assistir a filmes horríveis dos anos 60 com ele.

Samantha também veio correndo até Celeste e a abraçou com toda a força que conseguia.

Cinco observava em silêncio, assistindo à cena com calma. Um leve sorriso brotava em seu rosto ao ver Celeste perto de Sammy. O brilho em seus olhos deixava claro o quanto ele gostava de crianças, mesmo que não demonstrasse facilmente seus sentimentos.

— Te amo, Celly — Samantha disse, dando um beijinho no rosto dela. Celeste não pôde evitar o enorme sorriso que surgiu em seu rosto.

— Eu também te amo, Sammy — respondeu, beijando a mão da garotinha e levantando-se, pois estava no chão para poder abraçá-la. — Tchau, Tony — Celeste falou, por fim, dando o último abraço nele. Ele murmurou um "Tchau, Celly".

Cinco se despediu somente da garotinha — a única pessoa que não tinha mau pressentimento. Apenas segurou a caixa com mais firmeza e aguardou que os dois chegassem até a esquina, prontos para teleportá-los juntos, sem levantar suspeitas.


💗 votem e comentem! amo vcs!
Esse capítulo ficou mais longo, talvez os próximos capítulos serão menores.

revisão concluída ☑️ 💚

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