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𝐂𝐇𝐀𝐏𝐓𝐄𝐑 𝐓𝐇𝐈𝐑𝐓𝐘

𝐌𝐎𝐓𝐇𝐄𝐑𝐒 𝐎𝐅 𝐀𝐆𝐎𝐍𝐘

O BREU DA NOITE envolvia a cidade como um manto pesado enquanto Celeste e Cinco surgiam de repente, bem perto de uma gangue de motociclistas. A atmosfera melancólica parecia um reflexo cruel do mundo ao seu redor. Eles haviam se teleportado de esquina em esquina até finalmente chegarem ali. Celeste mal olhava para Cinco. Estava furiosa, uma raiva que a consumia de forma quase palpável. Sim, Harlan havia escapado da morte, mas isso não diminuía a indignação dela por Cinco ter apoiado a ideia de matá-lo.

Ele sempre tocava no mesmo lugar para transportá-la: o ombro. Um gesto cuidadoso, que evitava causar qualquer desconforto desnecessário. As mãos dela, por um milagre, estavam ilesas, mas Cinco sabia que tocá-las seria cruzar uma linha íntima demais, especialmente considerando o quanto ela parecia disposta a estrangulá-lo naquele momento.

Quando chegaram ao destino, Celeste soltou um suspiro, pesado e longo. Soube que haviam chegado porque sentiu a mão dele deixando seu ombro. Virou-se para Cinco, a expressão carregada de emoções conflitantes. Ela sabia que aquele seria o momento da discussão. E, para ser honesta, nem ela aguentava mais ficar tão zangada.

— Celly... — Cinco chamou, num tom suave, quase hesitante, tentando captar sua atenção. Mas bastou isso para que ela explodisse. Não com gritos raivosos, mas despejando as palavras em um ritmo acelerado, como se cada uma delas precisasse sair imediatamente. Era seu jeito. Guardava, remoía, e quando o momento chegava, dizia tudo sem rodeios ou filtros.

— Se você for falar sobre o Harlan, quero que fique ciente de que cooperou para uma ação errada — disse ela rapidamente, as palavras se atropelando. Cinco a observava, tentando entender. Ele sabia que ela defendia Harlan com unhas e dentes, mas ainda assim, não compreendia por quê. Ele passou a mão pelos cabelos, um gesto frustrado, mas seus olhos não deixaram os dela.

— O Harlan seria útil. Poderíamos ter conversado com os Sparrows. Teríamos convencido Celeste a nos ajudar, e ele poderia ser um trunfo. Ele é como o Viktor! Seria ótimo se ele estivesse vivo agora, mas ninguém me ouve, e você não quis me escutar! — A voz dela era trêmula, carregada de emoção, mas não perdia sua força. — Agora, felizmente, Viktor fez a coisa certa, mas se tivesse dado errado, seria um desastre, e você sabe disso. Você concordou em matar uma pessoa, Cinco!

— Celly, para! — pediu ele, exasperado. A tagarelice dela era um ataque direto aos nervos dele, especialmente quando vinha carregada de tanta raiva. Qualquer outro momento, ele seguraria seus braços para fazê-la parar e prestar atenção, mas desta vez, ele hesitou. Ela estava machucada demais. O reflexo de erguer a mão veio, mas foi rapidamente reprimido. Ele abaixou os braços e os deixou ao lado do corpo.

— Isso iria ajudar se Viktor não tivesse estragado o plano — respondeu ele, o tom ficando mais baixo, quase um sussurro para evitar que os pedestres ao redor interferissem.

— Ajudar?! — A incredulidade dela quase fez as palavras saírem como um grito.

— Sim! Nesse exato momento, talvez estivéssemos na Sparrow, terminando tudo com o Kugel! — Ele parecia prestes a explodir, mas se controlava, ainda que sua voz denunciasse a irritação crescente. — Poderíamos finalmente viver nossas vidas em paz!

— E que paz seria essa, Cinco?! — rebateu ela, a voz subindo mais um pouco, carregada de sinceridade. — Não se arrepende de ter virado um assassino? Porque eu me arrependo. — As palavras atingiram-no como um soco no estômago. Ele engoliu em seco, sentindo o peso da acusação. Claro que se arrependia. Mas, para ele, matar uma pessoa seria um preço pequeno a pagar se isso significasse impedir o apocalipse e, no fundo, protegê-la. — Os rostos deles me atormentam quase todas as noites! — continuou ela, a voz trêmula, mas forte o suficiente para mostrar que falava sério. — E a morte do Harlan seria só mais uma. Uma morte que... porra, ele nem precisava morrer.

As palavras dela ecoaram na mente de Cinco, enquanto ambos permaneciam ali, encarando-se no meio da noite, cercados por um silêncio desconfortável que dizia tudo o que não precisava ser dito.

— Olha, eu entendo o seu ponto de vista — Cinco começou, massageando as têmporas e lançando um olhar nervoso ao redor, como se temesse que alguém testemunhasse a discussão. Soltou um suspiro pesado. Era óbvio que Celeste defendia Harlan porque odiava matar. Mas será que ela não podia enxergar pelo menos um pouco do lado dele? Ele estava exausto, e tudo o que queria era a solução mais simples. — Mas agora vamos ter que dar mais voltas pra impedir o apocalipse. Eu estou nessa há vinte dias...

— Eu também, amor! — Celeste rebateu, a voz carregada de compaixão, o que quase desmontou Cinco ali mesmo. O tom dela era tão sincero que o fez engolir em seco. Com as sobrancelhas franzidas, ela parecia genuinamente magoada. — Acha que eu não estou cansada? Mas conseguimos aguentar até agora. Por que não podemos poupar mais uma vida?

— Quem garante que ele não vai desaparecer daqui a algumas horas por causa do Kugel? — Cinco disparou, tentando manter a compostura.

— Não há garantia! Mas o sangue não vai estar nas nossas mãos! — Celeste argumentou, gesticulando com intensidade, como se cada movimento de suas mãos fosse uma extensão da paixão em suas palavras.

— Já está, amor. Nós causamos tudo isso. Nós causamos a droga do Kugelblitz.

— E por isso você não liga para mais nenhuma vida? — Ela retrucou, a ironia cortante acompanhada de uma sobrancelha arqueada em desafio. Cinco crispou os lábios, claramente irritado. — Ótimo. — Celeste não esperou mais. Virou-se e começou a caminhar, mas não foi muito longe. Uns seis ou sete passos, no máximo, até que a voz dele a deteve.

— Celly! — Ele a chamou, com um tom surpreendentemente mais calmo. Ela parou, mas não se virou. Ficou ali, de costas para ele, braços cruzados, ouvindo. — Eu ligo para outras vidas. E... amo a forma como você sempre se importa mais do que eu — Cinco continuou, sua voz carregando uma leve amargura, que a fez encarar o chão. Por que ele tinha esse talento de deixá-la tão vulnerável? — Mas, por favor, podemos encerrar essa discussão? Não quero que a gente se afaste por causa de uma opinião diferente.

— Não é uma opinião simples, Cinco. É a vida do Harlan — Celeste respondeu, girando nos calcanhares para encará-lo. Ele soltou um suspiro pesado, claramente frustrado. — Se fosse a Samantha no lugar dele, você concordaria comigo? — As palavras dela atingiram-no como um golpe. Ele congelou, e a incerteza brilhou em seus olhos. Celeste percebeu. Aquele pequeno momento de hesitação entregou tudo. — Sei que você se importa demais comigo, mas não é justo ignorar o Viktor e os sentimentos dele, quando, se fosse eu na situação, você faria diferente.

O silêncio entre eles era denso, e Cinco parecia estar analisando cada palavra dela. No fundo, ele sabia que, se fosse a Samantha, ele estaria ao lado de Celeste, buscando outra solução. Ele odiaria vê-la sofrendo.

— Tá bom! Eu estou errado — Cinco finalmente cedeu, levantando os braços em rendição e bufando com o estresse. Celeste crispou os lábios, mal escondendo um sorriso de vitória. Ele percebeu, claro que percebeu. — Era isso que você queria ouvir?

— Era! — respondeu ela, triunfante, levantando as sobrancelhas e cruzando os braços com um ar de satisfação.

— Ah, que bom. Okay, eu aceito meu erro. — Cinco finalmente admitiu, soltando um suspiro enquanto desviava o olhar, como se precisasse digerir o sabor amargo da derrota. Ele bufou, a mão indo automaticamente para a cintura. — Eu estava sendo idiota. Não me importei como deveria com a vida do Harlan. Fiquei focado no apocalipse iminente e... na vida que eu quero ter com você depois que isso acabar. Deixei de lado como as coisas estão para o Viktor. — Sua voz soava cansada, mas sincera.

Celeste relaxou os ombros, antes tão tensos, e sorriu. Um sorriso vitorioso que parecia iluminar a noite.

— Obrigada. Agora você foi menos idiota. — A voz dela era carregada de um sarcasmo suave, mas sua expressão era radiante.

Cinco não conseguiu conter um sorriso em resposta. Ele a observou caminhar pela calçada em direção aos motociclistas, aquela aura de alegria quase tangível. Era impressionante como vencer uma discussão podia deixá-la tão feliz. Por um instante, ele cogitou: "Será que eu deveria irritá-la mais vezes só para ter essa visão? Ela não fica assim nem quando eu trago café para ela!" Ele riu consigo mesmo, incrédulo, e se teleportou para o lado dela.

Ele queria provocá-la, mas algo na forma como ela ainda estava machucada o fez hesitar. Mesmo assim, não resistiu a uma alfinetada.

— Você é maligna, sabia? — Ele perguntou, fingindo indignação enquanto a acompanhava.

— Eu sou? — Celeste ergueu as sobrancelhas, genuinamente surpresa, antes de lançar um olhar descontraído para ele. — Não acho.

Eles pararam de andar. Ou melhor, Cinco parou, e Celeste acabou imitando-o, confusa. Ele a observava como se visse algo mágico, mesmo com os cortes no rosto. Ela era linda, e aquele sorriso convencido só a deixava mais encantadora.

— O que foi? — Ela perguntou, inclinando levemente a cabeça, sem entender o olhar intenso dele.

Cinco abriu um sorriso bobo. Como era possível que estivessem brigando há poucos minutos? Nem parecia real.

— Quero te beijar. — Ele declarou com a maior naturalidade do mundo. Celeste ficou desconcertada, olhando para os lados e tentando segurar o riso. "Agora ele é direto, é?", pensou, achando graça.

— Mas você está com a boca cortada — ele continuou, ignorando a reação dela. — E, do jeito que eu te conheço, ainda vai demorar mais um pouquinho para nos perdoarmos completamente pela discussão que tivemos, e...

Antes que ele terminasse, ela o interrompeu. Colou seus lábios nos dele, um beijo rápido e um tanto ardente. Ela fez uma careta por causa do desconforto, mas não recuou. Quando se separaram, respondeu com uma confiança desafiadora:

— Agora vai sarar mais rápido.

Cinco soltou uma risada incrédula enquanto a via se afastar com aquele sorriso convencido que só ela sabia dar. Ela balançava os braços de forma leve, deixando o casaco verde deslizar ligeiramente nas mãos enquanto o vento frio soprava. Notando que ele a observava com um olhar preocupado, ela quase revirou os olhos.

— Nem doeu, seu frouxo — disse ela, sem paciência para o cuidado excessivo dele.

Cinco suspirou, derrotado, mas sorriu enquanto retomava o passo ao lado dela. Celeste, por outro lado, parecia ter enterrado a briga no fundo da mente. Tudo o que importava era o fato de ter vencido, e isso elevava seu astral a níveis quase insuportáveis para ele.

Ainda assim, ambos sabiam que os cortes no rosto dela iriam cicatrizar rápido. Cinco havia feito as suturas com cuidado, e os ferimentos não eram físicos no sentido tradicional. Eram a resposta do corpo dela ao poder que carregava, uma forma de aliviar a pressão. Era eficiente, mas doloroso. Quanto mais cortes surgiam, menos ela sentia a ardência excruciante e os sintomas debilitantes. Mesmo assim, o desconforto ainda era brutal, uma dor que ela não desejaria nem ao pior inimigo.

E ainda assim, ali estavam os dois, caminhando lado a lado, cada um lidando com seus próprios demônios — mas juntos. Como sempre.

A esquina do Mães da Agonia era um pesadelo. O ar estava impregnado com o cheiro de cigarro, bebidas fortes e, de forma perturbadoramente familiar, um leve traço do odor característico de Klaus — o que definitivamente não era um elogio.

As motos enfileiradas à frente do bar eram um aviso claro de que eles estavam no lugar certo. Alguns motociclistas, reunidos em pequenos grupos, fumavam e lançavam olhares avaliativos na direção dos dois. Alguns riram, fazendo comentários maldosos sobre a aparência e, principalmente, a idade deles. Celeste, que até então parecia estar de bom humor, começou a demonstrar sinais claros de irritação. A missão nem tinha começado direito, e ela já queria que acabasse.

Eles pararam diante da entrada do bar. A porta de madeira parecia tão velha e desgastada quanto o lugar em si. No centro, uma estrela desenhada dava um ar quase cômico de ameaça. Celeste soltou um suspiro exasperado e, trocando um olhar com Cinco, resmungou:

— Vamos logo com isso.

Cinco entrou primeiro, abrindo a porta sem hesitar. Ao contrário dela, ele parecia mais curioso do que impaciente. O ar ali dentro era abafado, pesado. Eles subiram o pequeno lance de escadas que levava ao salão principal. O ambiente parecia uma versão mal-acabada de uma boate: lâmpadas amareladas, música alta e um palco onde alguns músicos tocavam. O espaço estava cheio de vozes e risadas, algumas claramente direcionadas a eles. Comentários como "Desde quando tem pirralho por aqui?!" e "Olha só a pinta desses dois!" ecoavam, mas Celeste, mesmo claramente incomodada, se segurou para não responder.

Os dois atravessaram o lugar com passos rápidos. Cinco mantinha os olhos atentos em Celeste, certificando-se de que ninguém a empurrasse ou a machucasse.

Quando chegaram ao outro lado, uma porta chamou sua atenção. Era óbvio que ali dentro estavam as respostas que buscavam. A porta ostentava a inscrição "Acesso Exclusivo" de forma quase caricata, mas eficaz para afastar curiosos. Eles trocaram um olhar breve enquanto Celeste desviava das pessoas bêbadas com uma graça quase cômica, ainda que visivelmente irritada.

— Só membros — ela comentou, erguendo uma sobrancelha e lançando um olhar significativo para Cinco. — Talvez devêssemos esperar o Pogo sair e falar com ele depois...

— O apocalipse não vai esperar o Pogo terminar de sair do trabalho. — A resposta de Cinco foi direta, seca, mas inegavelmente lógica. Celeste deu de ombros, resignada. "Ele tem razão", pensou.

Cinco tomou a dianteira novamente e abriu a porta. O corredor estreito e mal iluminado parecia ainda mais sufocante que o salão. O cheiro de drogas ilícitas era quase palpável. Eles trocaram olhares — Celeste fez uma careta visível de desgosto — antes de seguirem adiante. Ela foi na frente, enquanto Cinco, atento, a seguia de perto.

Ao fim do corredor, um homem, de expressão rígida e intimidante, estava sentado enquanto Pogo, concentrado, traçava uma tatuagem em seu braço. O chimpanzé parecia completamente alheio à presença deles, focado nos detalhes da arte.

— Quem diria que você teria virado tatuador, hein? — Celeste comentou, com a voz carregada de ironia e um pequeno riso ácido escapando de seus lábios enquanto analisava o ambiente.

Pogo levantou os olhos, franzindo o cenho. A voz soava vagamente familiar, mas ele não deu muita importância. O capuz de Celeste cobria parte de seu rosto, dificultando a identificação. Ele voltou à tatuagem, sem pressa.

Cinco, sempre mais calmo, pousou uma mão carinhosa no ombro dela antes de se dirigir ao chimpanzé:

— Estávamos te procurando.

O olhar de Pogo, muito mais rebelde e endurecido do que na outra linha do tempo, pousou neles com uma mistura de desdém e confusão. Ele tirou o cigarro da boca e soltou a fumaça no ar antes de estreitar os olhos, claramente sem lembrar quem eram.

— Não tatuo crianças — Pogo disparou, sem nem tentar soar educado.

— Ótimo — Cinco respondeu, dando de ombros com a indiferença de quem tinha assuntos muito maiores em mente. Mesmo assim, no fundo, ele se perguntou se sua versão mais velha na Comissão tinha sido marcada por aquele chimpanzé.

— Não viemos pra isso — Celeste interveio, sua voz suave, mas carregada de irritação. Seus olhos se estreitaram enquanto observava Pogo. Ele estava absurdamente focado na tatuagem, o que a deixava ainda mais impaciente.

Cinco avançou, decidido:

— Estamos aqui porque você e eu temos um amigo em comum. — Pogo continuou tatuando, sequer levantando os olhos. Cinco prosseguiu: — Reginald Hargreeves.

O nome teve o impacto de um trovão. Pogo parou no mesmo instante. Seu olhar endureceu, como se aquele nome tivesse invocado algum fantasma. Ele reclamou, com desdém evidente:

— Seja lá o que ele quiser, digam a ele que não estou interessado.

Voltou ao trabalho, mas o ar ficou mais pesado. Celeste percebeu que o chimpanzé a observava com atenção crescente, como se tentasse encaixar as peças de um quebra-cabeça absurdo.

— Acho que você não entendeu. — Cinco interrompeu, sério, o tom carregado de um suspense quase teatral. Deixou o silêncio pairar antes de continuar: — Somos filhos adotivos dele. De outra linha do tempo.

Pogo finalmente olhou para os dois, com uma expressão que oscilava entre a descrença e a curiosidade. Ele parecia ponderar, sua mente correndo em direções contraditórias.

— Outra linha do tempo? — murmurou, confuso, como se tentasse processar a informação.

Celeste suspirou, impaciente. Com um gesto decidido, abaixou o capuz que cobria seu rosto. A luz amarelada da sala revelou suas feições, e a reação de Pogo foi imediata. Ele recuou um pouco, murmurando:

— Mas o quê...?

Ela avançou, seu olhar fixo nele.

— Reginald cometeu duas vezes o ato de recriá-la, e você sabe exatamente de quem estou falando.

O chimpanzé engoliu em seco. Era impossível negar que sabia. A memória de Hale era um peso que ele nunca conseguira ignorar. Crescera ao lado dela, sabia o que Reginald havia feito para alcançar seus objetivos. Não queria falar sobre isso, sobre o homem que se tornara obcecado pelo poder de Celeste.

Pogo levantou-se lentamente, começando a guardar seus materiais de tatuagem. Mas antes que Cinco pudesse avançar para insistir, um grupo de capangas que aguardava no local deu um passo à frente, cercando os dois. Para eles, era óbvio que Cinco e Celeste eram apenas encrenqueiros atrapalhados.

Cinco nem piscou, mas Celeste franziu o cenho, irritada, recuando um passo. Bufou, exasperada.

— Por mais louco que pareça, nós dois já nos conhecemos! — Cinco tentou, sua voz firme cortando o burburinho. Ele precisava que Pogo ouvisse, mesmo com os capangas se aproximando. — Em 1963. Você era um chimpanzé de fraldas que precisava de uma manicure! — Pogo arqueou as sobrancelhas, mas continuou a se afastar, impassível. Cinco, desesperado, puxou a gola da camisa para mostrar as cicatrizes no pescoço. — Tenho a cicatriz pra provar!

Pogo parou por um instante, olhando com o mesmo desdém de antes.

— Se o que está dizendo fosse verdade, eu estaria falando com pessoas de mais de sessenta anos. Ele guardou os últimos itens e colocou os óculos escuros no rosto, seu ar irritantemente indiferente voltando. — Seja lá qual for a pegadinha maluca de vocês, não tenho tempo para isso. Tive um dia muito longo.

Com isso, ele se virou e começou a sair, atravessando o grupo de capangas que agora cercava Celeste e Cinco. Enquanto o chimpanzé se afastava, o clima ficava cada vez mais tenso. Celeste lançou um olhar para Cinco, como quem dizia: "E agora?".

— Pogo, você tem que me escutar! — Cinco gritou, mas a voz dele se perdeu no caos que já começava a se formar.

— Tá na hora de voltar pra mamãe, moleque — um dos homens debochou, bloqueando a saída com um sorriso cínico.

O grupo estava perigosamente próximo agora, e Celeste sentia o desconforto crescendo a cada segundo. Mas o estopim veio quando um dos homens agarrou seu braço com força absurda. Ela deixou escapar um gemido surpreso, quase esganiçado, enquanto ele apertava exatamente onde um de seus cortes estava. A dor foi aguda e instantânea.

Cinco viu aquilo, e foi como acender uma bomba. Ele avançou com fúria. Num piscar de olhos, estava diante do homem, e antes que alguém pudesse reagir, desferiu um soco certeiro no rosto dele.

— Ela está machucada, seu imbecil! — Cinco rugiu, sua voz carregada de raiva.

Mas o golpe foi o gatilho que o resto do grupo precisava. Eles se aproximaram, os rostos já exibindo intenções claras de vingança.

— A gente tem que ir agora! — Celeste gritou, irritada, tentando ser racional no meio da confusão, puxando o braço dele. — Isso não foi nada! Vamos!

Sem perder tempo, Cinco agarrou Celeste pela cintura, e em um instante, eles desapareceram.

Reapareceram do lado de fora, a respiração dos dois acelerada. Celeste segurava o braço onde o homem a havia machucado. A dor latejava, e ela sabia que talvez um dos pontos tivesse se rompido, mas não havia tempo para pensar nisso.

Do outro lado da rua, Pogo já estava longe, sua moto rugindo enquanto ele se afastava rapidamente. Celeste soltou um palavrão baixo, frustrada, enquanto seus olhos buscavam desesperadamente uma solução.

— Droga... — ela murmurou, pensando rápido, mas sua mente parecia um borrão. Então, algo chamou sua atenção: as motos encostadas próximas a eles. Ela apertou os lábios. Não era uma escolha ideal, mas era tudo o que tinham. "Bem, não temos escolha", ela pensou, e então, saiu correndo em direção às motos.

— O que você está...? — Cinco começou, o tom carregado de confusão. Ele franziu o cenho, observando Celeste mexer na moto. Só entendeu o que ela fazia quando viu as faíscas dançarem entre seus dedos, e uma descarga elétrica pulsar pelo veículo, fazendo o motor roncar com vida. — Bem pensado.

Sem mais perguntas, Cinco se teleportou até ela, subiu na moto com agilidade, claramente decidido a seguir o plano improvisado. Foi tudo muito rápido. Ele se ajeitou no assento e, em seguida, Celeste subiu atrás dele, envolvendo a cintura dele com os braços para se segurar.

O motor rugiu alto, e o caos começou. Os homens próximos gritaram, furiosos ao perceberem o roubo, mas foram completamente ignorados.

No segundo seguinte, Cinco girou o acelerador e a moto disparou. O solavanco inicial quase tirou Celeste do assento, um frio intenso subindo por sua espinha.

— Você já dirigiu uma moto antes? — ela perguntou, a voz quase engolida pelo barulho do motor e o vento cortante.

— Nunca! — Cinco respondeu, meio preocupado, mas determinado. — Mas isso não deve ser muito difícil, né?

A moto ziguezagueava um pouco nos primeiros metros, enquanto Cinco se ajustava à direção, mas rapidamente ele conseguiu estabilizá-la. Celeste segurou-se mais firme, tentando não pensar no fato de que a vida deles estava literalmente nas mãos de alguém que nunca havia pilotado uma moto antes. Mesmo assim, ela confiou no potencial dele. "Cinco aprende rápido".

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Cinco dirigiu pela madrugada inteira, seguindo a moto de Pogo pelas estradas secundárias até os primeiros raios de sol começarem a iluminar o céu. O cenário ao redor, com árvores altas cercando a estrada e animais selvagens se movimentando pela floresta, trouxe uma atmosfera quase tranquila à jornada, apesar do cansaço crescente. Quando finalmente chegaram a uma trilha de terra seca, o trajeto ficou mais áspero, e as pedras sob os pneus fizeram a moto tremer desconfortavelmente.

Durante a viagem, não houve muitas conversas, apenas alguns gritos ocasionais de Cinco, como: "Você está bem?".

Celeste respondia com um aceno ou um resmungo qualquer. Ela não estava assustada; confiava plenamente na habilidade improvisada de Cinco em conduzir. Na verdade, queria que ele fosse mais rápido, mas ele claramente evitava qualquer coisa que pudesse colocá-la em risco.

Quando finalmente pararam, Pogo já estacionava sua moto diante de um trailer rodeado por árvores. O lugar tinha um charme simples e aconchegante, embora a recepção não fosse exatamente calorosa. Uma mulher, sentada em um banco próximo, lia um livro enquanto fumava. Ao notar a dupla, ela levantou os olhos e franziu o cenho, claramente incomodada com os novos visitantes.

Tirando o cigarro da boca, a mulher observou com um olhar crítico enquanto Celeste descia da moto, ajeitando suas roupas amarrotadas. A viagem longa e desconfortável havia deixado seus cortes ainda mais doloridos, e ela mal conseguia esconder o incômodo. Cinco, por outro lado, desceu ignorando a situação e os amassados nas próprias roupas.

A mulher não demorou a cortar o silêncio.

— Posso ajudar? — perguntou, com uma voz rouca e nada acolhedora.

— Precisamos falar com o Pogo — Cinco respondeu direto, sem rodeios.

Ela estreitou os olhos, blefando com uma expressão cínica.

— Não tem nenhum Pogo aqui, amor.

Celeste revirou os olhos e soltou um suspiro de pura impaciência antes de disparar:

— Com todo o respeito, seguimos ele a noite inteira. Tô sentindo a energia dele daqui de fora, sua mentirosa-

Mas antes que pudesse terminar, Cinco a interrompeu, puxando-a para evitar que a discussão escalasse.

Eles começaram a caminhar em direção ao trailer, ignorando a mulher. No entanto, ela se levantou, largando o livro de lado e segurando o cigarro com firmeza nos dedos.

— Eu sugiro que vocês saiam da minha propriedade antes que eu chame o conselho tutelar — ameaçou, cruzando os braços enquanto tragava calmamente.

O ambiente ficou ainda mais tenso, mas, para a sorte dos dois, Pogo apareceu na porta do trailer, sua voz grave e calma cortando o clima hostil:

— Tá tudo bem, Tammy. Deixe eles entrarem.

Tammy suspirou alto, claramente contrariada, e olhou para Pogo como se dissesse "você vai se arrepender disso".

Cinco e Celeste trocaram um olhar cúmplice e cheio de ironia. Cinco abriu um sorriso debochado, enquanto Celeste balançou a cabeça em provocação, ambos claramente se divertindo com a situação.

Sem mais delongas, atravessaram o quintal, triunfantes, mas ainda tensos. Mesmo tendo superado os desafios da viagem e a resistência inicial de Tammy, sabiam que o verdadeiro teste ainda estava por vir. Pogo não era exatamente uma figura previsível, e aquela linha do tempo continuava a surpreendê-los com suas reviravoltas.

Cinco abriu a porta do trailer — que Pogo havia fechado assim que entrou — e fez um gesto para Celeste passar primeiro. O interior do local era simples, mas aconchegante. A luz natural entrava pelas pequenas janelas, iluminando o revestimento de madeira e as plantas decorativas espalhadas perto da pia. Ainda assim, o espaço estreito e o cheiro forte de drogas pairando no ar fizeram Celeste torcer o nariz. "Definitivamente, eu odiaria morar num lugar assim", pensou.

Os olhos dos dois logo se fixaram na mesinha no canto, perfeitamente instalada para caber no espaço reduzido do trailer. Pogo estava sentado ali, com um copo de whisky na mão e um olhar curiosamente avaliador, como se tentasse decifrar os dois intrusos.

Celeste se sentou à frente dele, escolhendo o assento próximo à janela. Cinco tomou o lugar ao lado dela, enquanto Tammy entrava novamente no trailer. Sem dizer uma palavra, a mulher fechou a porta atrás de si e afundou-se no sofá, voltando a folhear seu livro com indiferença ensaiada, como se fosse apenas mais um dia comum.

O silêncio era desconfortável, quase sufocante. Um pequeno "clique" quebrou a tensão, fazendo os dois viajantes trocarem um olhar rápido e apreensivo. Pogo estava armado. Era óbvio que ele mantinha uma arma escondida sob a mesa, um aviso silencioso de que não estava para brincadeiras.

— Ou vocês são burros, ou estão desesperados — declarou o chimpanzé, com a voz grave e carregada de curiosidade desconfiada. Ele estreitou os olhos, enquanto Celeste soltava um suspiro tenso. — Qual dos dois?

Cinco bufou baixinho e, sem dizer nada, retirou a pele tatuada do bolso do paletó. Jogou-a sobre a mesa com toda a delicadeza de quem não estava disposto a perder tempo.

— Me diz você.

— Provavelmente a segunda opção — Celeste resmungou, irônica, enquanto se ajeitava no assento e soltava uma lufada cansada.

Pogo pegou o pedaço de pele com uma expressão enojada, franzindo o rosto ao constatar o que era. Ele alternou o olhar entre Celeste e Cinco, visivelmente confuso.

— Isso parece ser um trabalho meu — murmurou, largando o pedaço de pele de volta na mesa com um dar de ombros despreocupado. — Mas eu nunca fiz essa tatuagem.

— Ainda não fez — corrigiu Celeste, com a voz firme.

Pogo estreitou os olhos para ela, antes de Cinco completar, com sua habitual seriedade:

— Eu arranquei do meu eu de cem anos.

O chimpanzé soltou uma risadinha cínica, balançando a cabeça como se achasse a história absurda demais.

— Ah, então vocês são desesperados — concluiu, com aquele tom de desdém misturado com um toque de diversão. Ele puxou a garrafa de whisky para perto. — Whisky?

Cinco e Celeste se entreolharam. O garoto deu de ombros e arrastou um copinho para si. Celeste, por outro lado, recusou discretamente. Não tinha ânimo para beber naquela situação.

— Você também estaria, se soubesse que o universo todo está em risco — Cinco retrucou, lançando um olhar incisivo para Pogo.

O chimpanzé ficou em silêncio por um momento, balançando o whisky em seu copo enquanto sua expressão endurecia.

— Então aconteceu — murmurou, com a voz carregada de uma melancolia que ninguém esperava. Ele respirou fundo, guardando a arma que segurava sob a mesa, como se admitisse que não havia sentido em ameaçá-los mais.

Celeste ajeitou-se, apoiando os braços na mesa com cuidado para não agravar a dor de seus cortes. O clima continuava tenso, mas havia uma sensação no ar de que, finalmente, estavam começando a se entender.

Pogo, percebendo que aquele casal sabia muito mais do que aparentava e que não estavam brincando em serviço, decidiu ajudá-los. O chimpanzé começou a remexer em uma pilha de quinquilharias ao lado da mesa, claramente irritado com a bagunça que dificultava sua busca.

— Ah, aqui está — murmurou, como se estivesse se repreendendo. Com um gesto brusco, puxou um livro de desenhos e o jogou na mesa, bem em frente aos dois. Ele folheou rapidamente até encontrar a página certa. — Parece familiar? — perguntou, girando o livro para que pudessem ver.

Cinco pegou o pedaço da tatuagem, colocando-o ao lado dos desenhos. Seus olhos analisaram cuidadosamente a tatuagem e os rabiscos. Eram símbolos desconexos, mas que, unidos, formavam algo peculiar. Estranho, para dizer o mínimo.

— Reggie era obcecado por esses símbolos — explicou Pogo, dando de ombros com uma expressão casual. — É um selo. Um símbolo que, supostamente, teria poderes mágicos.

Cinco arqueou uma sobrancelha, e Celeste deixou escapar um riso abafado, claramente debochada.

— O papai acreditava em ciência, fatos — Cinco rebateu, revirando os olhos. — Eu não respeitava muito o velhote, mas respeitava isso. Ele detestava qualquer tipo de palhaçada. Para ele, tudo tinha que ter uma explicação racional.

— Pode ser, mas ele chamava isso de Projeto Oblivion — continuou Pogo, com outro dar de ombros, como se estivesse apenas jogando as informações na mesa. Informações que, por sorte, eram exatamente o que o casal precisava. Celeste lançou um olhar significativo para Cinco antes de perguntar com cautela:

— E o que exatamente isso significa? O que sabe sobre esse projeto?

— Precisamos de mais detalhes — Cinco insistiu, a voz carregada de urgência. Para ele, aquilo era como encontrar uma pista crucial em um quebra-cabeça impossível. Depois que sua outra versão se recusou a ajudar, restava torcer para que Pogo completasse as lacunas.

O chimpanzé suspirou, sua expressão ficando sombria. Olhou para suas mãos, pensativo, antes de falar:

— Era uma missão kamikaze. Ele estava treinando as crianças da Sparrow, sabendo que talvez nunca mais voltassem. E ainda teve a… Celeste. — O nome foi pronunciado com um peso que gelou o ambiente. Ambos sabiam que ele se referia à versão da Sparrow, não à garota que estava ali com eles. — Todas aquelas cirurgias desnecessárias… Por isso dei os remédios para as crianças. Para protegê-las dele — completou Pogo, o tom agora quase melancólico.

Cinco, incrédulo, soltou uma risada sarcástica.

— O meu irmão zé-droguinha conseguiu manter ele sóbrio. Vai entender.

Celeste, ainda processando tudo, murmurou, sua voz carregada de emoção:

— Então… o papai nunca nos falou disso porque… estávamos separados. Ben morreu, você foi embora, e crescemos revoltados. A Sparrow foi a união que nunca tivemos. Nossa visitinha em 1963 fez com que ele tentasse consertar tudo o que deu errado conosco. Só para dar continuidade ao projeto.

— Bingo! — Cinco exclamou, com um misto de ironia e desgosto. O sarcasmo não escondia o incômodo com todas aquelas verdades amargas.

Pogo fechou o livro com um estrondo, encarando-os com seriedade.

— O Projeto Oblivion está recomeçando. E todos vocês estão em perigo.

A voz do chimpanzé era firme, implacável, mas não havia traço de hesitação. Era a verdade nua e crua, e eles teriam que lidar com ela.

Cinco permaneceu em silêncio por alguns segundos, fitando a mesa enquanto levava o copo de whisky aos lábios. O silêncio era denso, quase dramático, enquanto Pogo fazia o mesmo. Celeste, por sua vez, observava os pequenos cortes em seus dedos, perdida em pensamentos. O pai deles era definitivamente um lunático. Cinco desviou o olhar para ela, notando sua expressão séria. Inconscientemente, fez um leve bico enquanto refletia sobre o que estava prestes a fazer e como ela reagiria.

— Então, eu devia... — começou, quebrando o silêncio e atraindo de imediato a atenção dela. — Fazer a tatuagem e completar o loop.

Celeste arregalou os olhos e instintivamente colocou a mão no braço dele, a voz saindo firme, embora seu coração implorasse para ele mudar de ideia.

— Você tem certeza disso? — perguntou, tentando esconder o nervosismo. — Achei que não quisesse repetir toda a história da sua outra versão.

Cinco deu de ombros, levantando-se do assento com uma tranquilidade irritante.

— Seja lá o que aconteça, eu só vim até o Pogo por causa da tatuagem. Se isso vai ajudar de alguma forma, melhor deixar uma pista para minhas futuras versões passadas que passarão por aqui — explicou, como se fosse óbvio.

Celeste franziu o cenho, exasperada. Bem, pelo menos a tatuagem não era tão horrível... e, convenhamos, não tinha como deixar ele mais feio.

Pogo, já acostumado com o caos, levantou-se, pronto para o trabalho. Tammy, que até então estava concentrada em um livro no sofá, se moveu silenciosamente para dar espaço. Cinco caminhou até o lugar recém-desocupado e se sentou com a confiança de quem sabia exatamente o que estava fazendo — mesmo que não soubesse.

Celeste não conseguiu tirar os olhos dele. Primeiro, ele tirou o blazer com um movimento casual, depois o colete, a gravata e, por fim, a camisa social branca. A cada peça que saía, era como se o ar ficasse mais denso. Ele percebeu os olhares dela, mas simplesmente ignorou. E Celeste... bem, de repente, a ideia da tatuagem parecia incrivelmente interessante. Talvez até demais para não ser apreciada.

｢· · • • • ⛈︎ • • • · ·｣

A viagem de volta ao hotel foi surpreendentemente tranquila, especialmente se comparada à perseguição alucinada a Pogo pelas estradas. O dia estava claro, e, embora Cinco estivesse visivelmente tenso com os carros ao redor, conseguiu dirigir muito bem. Talvez até bem demais, considerando o histórico de caos.

Quando chegaram ao hotel, estavam exaustos. Celeste, apesar dos cortes pelo corpo, sentia-se um pouco melhor. Claro, doía sempre que algo encostava nos ferimentos, mas agora a dor era suportável.

Logo na entrada, deram de cara com Diego, que estava estranho. Falou algo com: “O Stan sumiu. Nos ajudem a procurar”. Ele parecia... preocupado? Para alguém que vivia dizendo que Stanley não era seu filho biológico, Diego estava, no mínimo, empenhado demais em encontrá-lo.

Celeste mal teve tempo de processar essa preocupação inesperada porque notou algo alarmante: a mão esquerda de Diego estava toda enfaixada, e, mesmo com as bandagens, era evidente que ele havia perdido os dois últimos dedos. Aqueles mesmos dedos que, durante o ataque de Viktor à Umbrella, ela tinha esmagado.

Ela até chegou a perguntar, curiosa, o que havia acontecido com os dedos dele. Diego, porém, ignorou a pergunta, desviando o assunto com a urgência de quem tinha coisas maiores em mente. Sua prioridade era encontrar Stanley, e qualquer outra conversa parecia irrelevante.

Agora, todos — Celeste, Cinco, Diego e Lila — estavam na Suíte do Búfalo Branco, a mais extravagante do hotel. Era um espaço peculiar: paredes cor-de-rosa, tapetes brancos, uma quantidade absurda de quadros, e, claro, o destaque da decoração, uma cabeça de búfalo presa à parede. Mas o que realmente chamava atenção era uma porta colorida, lacrada como se guardasse um segredo perigoso. A suíte era infinitamente melhor do que os quartos simples e abarrotados de quinquilharias que o grupo vinha ocupando.

No entanto, ninguém estava ali para admirar a decoração. Todos procuravam Stanley, que parecia ter evaporado.

— O que você tá fazendo?! — Lila exclamou, em puro desespero, observando Diego vasculhar o quarto com uma intensidade descontrolada. — O Stanley já era! A gente tem que aceitar! — ela gritou, tentando trazê-lo à razão. 

— Olha a chaminé! — Diego respondeu, ignorando-a completamente enquanto procurava nos lugares mais improváveis.

— Ele não tá na droga da chaminé! O Kugelblitz pegou ele! — Lila rebateu, praticamente berrando.

Os dois discutiam como se fossem crianças brigando por algo perdido, enquanto Cinco e Celeste se entreolhavam, perplexos com o estado emocional de Diego. Ele estava quase irreconhecível, tomado por um misto de desespero e culpa.

Mas o que tinha realmente acontecido? Bem, tudo girava em torno daquela porta colorida. Horas antes, ela estava entreaberta e irresistivelmente tentadora. Quando Diego e Lila entraram, encontraram um corredor iluminado e surreal. Parecia o próprio hotel, mas com tudo virado de cabeça para baixo.

"Exatamente como o Segundo Mundo de Coraline", Diego explicara mais cedo, referindo-se a um filme infantil, para o alívio de Celeste, que valorizou a simplicidade da comparação.

Lá dentro, ao tocar o sino da recepção, uma criatura apareceu do nada, e o resultado foi a perda de dois dedos de Diego. Quando finalmente saíram daquele lugar e trancaram a porta, encontraram Stanley, calmamente bebendo milk-shake, alheio ao caos que os outros haviam enfrentado. Mas a tranquilidade durou pouco. Outra onda do Kugelblitz atingiu o hotel com força, desintegrando o garoto diante dos olhos deles.

— E de quem é a culpa?! Foi você que trouxe ele pra cá! — Diego gritou, apavorado, enquanto apontava para Lila.

No chão da suíte, o milk-shake de Stan era tudo o que restava dele.

Desde que chegaram, Celeste e Cinco mal conseguiam lidar com o nervosismo sufocante de Diego. Não era comum vê-lo tão abalado, ainda mais por alguém que ele afirmava não ser seu filho.

Enquanto os outros discutiam e procuravam pistas, Celeste se viu hipnotizada pela porta colorida. Era exatamente como em suas visões. Tocando os detalhes da superfície, um calafrio percorreu sua espinha. Algo naquela porta parecia conectado a ela de uma maneira inexplicável. Loucura ou não, era impossível ignorar a sensação.

Por que ela teria uma visão daquilo? Da morte de Stan? Suas visões geralmente eram sobre coisas realmente importantes — não que ela estivesse menosprezando a morte do garoto, claro. Mas, seguindo essa lógica, ela precisaria ter uma visão para cada pessoa engolida pelo Kugelblitz. E isso definitivamente não fazia sentido.

— Parabéns. Vocês dois são pais mais ou menos horríveis — Cinco alfinetou, com o tom levemente irônico enquanto tentava acalmar a discussão entre Diego e Lila, que parecia cada vez mais caótica. Apesar de estar, aparentemente, alheio à bagunça, Cinco sabia exatamente o que estava acontecendo. Celeste havia contado a ele sobre sua visão, mas, como sempre, ele ainda parecia não ter assimilado completamente a gravidade do que ela descrevera. — Dá pra focar aqui agora? Ótimo. Como essa porta abriu antes?

— Eu não sei. Já estava meio aberta — Diego respondeu, com um dar de ombros despreocupado, embora seu cenho franzido denunciasse alguma tensão.

— Meio aberta, Didi? — Celeste rebateu, carregando sarcasmo em cada sílaba e deixando escapar um risinho debochado. — Isso parece a gente tentando escapar das broncas do papai quando éramos crianças.

— Sério, Diego. Você devia ter sido engenheiro. Um talento desperdiçado. — Cinco acrescentou, ainda mais ácido, enquanto Celeste se desencostava da porta e se aproximava lentamente dos irmãos.

Lila, exasperada, os interrompeu:

— Por que vocês dois querem ir lá? — perguntou, olhando para Cinco e Celeste, claramente alarmada. — Só tem sushi e morte lá dentro!

— Duas coisas maravilhosas pra nossa situação atual — Celeste ironizou, erguendo as sobrancelhas com um olhar falso de empolgação.

Cinco, sempre o pragmático, estreitou os olhos antes de dar de ombros e começar sua explicação:

— Quando encontramos o futuro eu no bunker da Comissão, ele me avisou sobre o Oblivion. E o Pogo-

Essa foi a deixa para Diego, que, como esperado, perdeu o fio da meada.

— Espera aí! O Pogo tá vivo? — Ele se aproximou abruptamente, a voz carregada de confusão e um toque de incredulidade, como se tudo estivesse se transformando em um caos ainda maior do que já era.

— Um Pogo diferente, mas sim — Cinco respondeu, sem se abalar, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

— Traficante, tatuador e muito malvado — Celeste acrescentou, balançando a cabeça com seriedade teatral. Cinco apenas fez um gesto discreto, indicando que ela estava absolutamente certa, e continuou:

— O macaco disse que o papai passou anos treinando os Sparrows — ele apontou com o polegar para a porta colorida — pra algum tipo de missão super secreta em...

— Oblivion? — Lila completou, erguendo uma sobrancelha. Apesar de estar familiarizada com as pistas da Comissão, o quebra-cabeça ainda era nebuloso para ela.

— Exatamente. E aí a gente volta pra cá e descobre que vocês dois, ISTs ambulantes, já estiveram lá dentro. Tudo aponta para Oblivion. Temos que entrar. — Cinco finalizou com determinação, a voz carregada de excitação, como se a ideia de explorar o desconhecido fosse irresistível.

Mas Celeste não estava nem um pouco convencida.

— Não, Cinco. Espera aí! — ela exclamou, a incredulidade estampada no rosto. A curiosidade a corroía, claro. Se fosse necessário, ela entraria sem hesitar. Mas deixar Cinco entrar? Fora de questão. — O seu próprio eu disse que no Oblivion você perde o braço, e você está disposto a entrar lá mesmo assim? Você tá maluco?!

Ele ergueu uma sobrancelha, soltando um suspiro resignado, já antecipando o sermão de preocupação. Afinal, era tão previsível quanto inevitável.

— É, de jeito nenhum! — Lila cortou, balançando a cabeça com firmeza.

— Não vai rolar! — Diego reforçou, a determinação queimando em sua voz.

Cinco soltou um suspiro pesado, claramente cansado da resistência. Por dentro, ele já começava a planejar entrar lá sozinho, só para provar que conseguia se virar sem ninguém.

— A gente mal escapou com vida! — Lila exclamou, incrédula.

— Ah é? E daí? — Cinco respondeu, com um dar de ombros tão indiferente que era quase irritante. Sua falta de preocupação com o fato de Diego ter perdido dois dedos por causa de uma criatura bizarra já estava começando a incomodar Celeste. — Isso vai além dos dois bonitinhos.

Diego bufou, não conseguindo segurar o sarcasmo.

— Falou o cara que tem todos os dedos. Não fiquei assim por "bater umazinha" — ele rebateu, gesticulando exageradamente com a mão enfaixada, cheio de ironia. — Eu fui pra lá e perdi os dedos pra uma coisa com uma faca numa corrente!

— Ai, que dó — Cinco debochou, o tom tão despreocupado que quase dava vontade de socá-lo.

— Preocupante… — Celeste murmurou, franzindo o cenho enquanto tentava processar a descrição surreal de Diego.

Lila, por sua vez, não perdeu a chance de provocar:

— O Diego pode ser 90% mala e 10% gostosinho, mas ele tá certo sobre o Oblivion. — A piada escapou com aquele tom inconfundível dela, e Celeste não conteve um sorrisinho discreto, embora tenha arqueado as sobrancelhas em surpresa com a classificação.

— A gente não vai pra lá só porque você quer, Cinco — Lila concluiu, cheia de atitude, como se tivesse fechado a discussão.

Mas, antes que pudesse saborear a vitória, Luther apareceu à porta, de mãos dadas com Sloane. A entrada dele foi dramática e, no mínimo, inesperada.

— Que bom, porque vocês vêm com a gente. — Sua voz tinha uma convicção calma, mas inegável.

Celeste piscou, confusa, observando as mãos entrelaçadas de Luther e Sloane. "Ué...?", pensou, tentando entender o que tinha perdido para os dois estarem tão… próximos?

Luther se apoiou no batente da porta, parecendo satisfeito por ter chegado no momento perfeito para virar o jogo.

— Ah, isso deve ser interessante — Cinco resmungou, revirando os olhos, enquanto cruzava os braços. Ele parecia tão surpreso quanto Celeste ao ver o novo casal. Celeste, sem pensar muito, se aproximou e cruzou o braço ao de Cinco, de forma quase instintiva. Ele não se mexeu, ciente dos cortes dela e tentando, inconscientemente, garantir que ela ficasse o mais confortável possível. — Pra onde? — Cinco perguntou, o tom carregado de desconfiança e tédio, como se já soubesse que a resposta ia ser mais uma bagunça.

— Pra Sparrow Academy.

— Por qual motivo? — Celeste perguntou, arqueando uma sobrancelha, o tom carregado de curiosidade e um leve ceticismo.

— Não importa, Celly. — Luther suspirou, parecendo já cansado da necessidade de justificar tudo. — O mundo tá acabando. Tá na hora de deixarmos essa palhaçada de lado e trabalharmos juntos contra o Kugelblitz.

O argumento de Luther pairou no ar, enquanto os quatro dentro da Suíte do Búfalo Branco estreitaram os olhos, processando o que ele acabara de dizer.

— É? E se não rolar? — Diego retrucou, levantando uma sobrancelha em desafio, como se quisesse testar a confiança de Luther.

Mas Lila, surpreendentemente, parecia mais resignada do que o habitual. Ela deu de ombros, com uma expressão quase impassível.

— O Stanley não vai ser o último de nós a sumir — afirmou, o tom misturando aceitação e um toque de amargura.

Cinco, como sempre, foi o primeiro a agir. Ele deixou o quarto sem nem olhar para trás, rompendo o contato com o braço de Celeste de forma prática e direta. Mas antes de ir totalmente, lançou a ela um olhar significativo, como se dissesse: "Vamos logo."

Celeste suspirou. Não tinha grandes problemas com os Sparrows. Claro, eram insuportáveis na maior parte do tempo, mal-educados e extremamente egocêntricos. Mas, com um pouco de paciência e simpatia, talvez fossem mais toleráveis. Além disso, sua outra versão vivia lá — uma versão que, para sua surpresa, ela achava genuinamente interessante e... legal.

Sem muito debate interno, ela foi a segunda a seguir Luther, dando de ombros para o resto enquanto decidia que, se o mundo ia acabar, ela pelo menos faria parte do time que tentava evitar o desastre.

｢· · • • • ⛈︎ • • • · ·｣

Estar novamente na casa onde cresceram era um misto de nostalgia e dor para os Umbrellas. A estrutura física era familiar, mas faltava alma. Não havia traços das memórias que carregavam consigo. Cada canto parecia zombar deles, lembrando de um passado que, naquela linha do tempo, jamais existiu.

A lareira evocava os aniversários compartilhados ao redor de seu calor. A mesa fazia lembrar dos jantares silenciosos, cheios de tensão e olhares furtivos. E o corrimão? Esse era uma cápsula do tempo, trazendo de volta risadas enquanto desciam escorregando, desafiando as regras rígidas do pai. Mas, agora, tudo aquilo parecia apenas uma miragem, um eco distante de um tempo que só existia em suas lembranças.

Grace andava pela sala oferecendo biscoitos. Seu estado, no entanto, chamou a atenção de todos. O vazio no lugar de um dos olhos e sua postura frágil eram perturbadores. Era difícil não pensar: a falta de amor dos Sparrows a transformou nisso? Para os Umbrellas, Grace sempre foi mais do que um robô. Ela foi uma figura materna em meio ao caos de suas infâncias. Agora, vê-la reduzida a uma simples governanta era doloroso.

— É um prazer te conhecer. — Lila quebrou o silêncio, enchendo as mãos de biscoitos com a casualidade de quem não sentia o peso daquele momento.

Enquanto isso, Celly estava inquieta. Celeste, a da Sparrow Academy, ainda não havia aparecido. Era difícil não se perguntar como ela estaria lidando com as mortes dos irmãos. Celly sabia que não tinha culpa, mas o desconforto permanecia.

Diego, no entanto, não conseguia tirar os olhos de Grace. Ele fez um gesto em direção ao próprio olho, tentando, sem palavras, entender o que havia acontecido. Luther, sentado próximo, inclinou-se e sussurrou:

— Ela arrancou o próprio olho.

— Como?! — Diego reagiu, mas antes que pudesse se aprofundar no assunto, a chegada de outra figura desviou o foco.

— Bem-vindos. — Fei entrou na sala, carregando sua aura usual de desdém. Para Celly, Fei era a segunda mais rabugenta entre os Sparrows, ficando atrás apenas de Ben. Ainda assim, toda aquela educação e cortesia soavam suspeitas. — Fiquem à vontade.

Allison, no entanto, não estava interessada em cordialidade. Amargurada desde que retornaram ao futuro, murmurou, cheia de irritação:

— Vadia, essa casa é nossa.

Celly sentiu o impulso de revirar os olhos. A falta de educação dos irmãos era quase embaraçosa. Fei, obviamente, não ia deixar aquele comentário passar batido. Já preparava-se para uma resposta à altura quando Luther, em sua típica ingenuidade, tentou desviar a tensão:

— Jujuba? — Ele ofereceu com um sorriso desajeitado, erguendo o pacotinho como se fosse um presente de paz.

Celly não conseguiu segurar o sorriso. Sentada ao lado de Cinco, sentiu o braço dele envolver seus ombros num gesto casual e protetor.

— O Luther tentou evitar uma briga oferecendo uma balinha. — Cinco sussurrou no ouvido dela, o tom carregado de ironia.

— Me admiro que tenha funcionado. — Ela respondeu no mesmo tom, contendo uma risadinha.

Diego, tentando mudar de assunto, ergueu uma sobrancelha:

— Cadê o Viktor e o Klaus?

— Com sorte, o Kugelblitz pegou os dois. — Cinco respondeu com a mesma ironia cortante que lhe era característica.

Celly o encarou, repreendendo-o:

— Cinco!

Mas o sorriso travesso dele só cresceu, e, para ser justa, ela também estava rindo baixinho da piada.

— Você é muito negativo às vezes. — Diego resmungou, cruzando os braços, mas o olhar de todos acabou recaindo sobre sua mão enfaixada, que continuava chamando atenção.

— O que aconteceu com a sua mão? — Fei perguntou, curiosa. Os óculos escuros escondiam seus olhos, mas as sobrancelhas franzidas entregavam sua inquietação.

— A gente não tem tempo pra conversinha — Ben interrompeu, sério, cortando o momento. O ambiente, que já estava carregado, ficou ainda mais tenso. Conversas paralelas em cochichos cessaram imediatamente. — Todo mundo sentado.

— Um "por favor" seria legal — Diego retrucou com um sorriso debochado, levantando as sobrancelhas.

Ben, é claro, respondeu com um sorriso cínico, sem hesitar:

— Não.

— Esse Benzinho é um poço de gentileza — murmurou Celeste, com a voz carregada de sarcasmo, alta o suficiente para todos ouvirem. Ben a encarou com olhos estreitos, claramente ponderando uma resposta ácida. Porém, ao notar Cinco sentado próximo a ela, pareceu reconsiderar.

A contragosto, todos se sentaram. Todos, menos Luther, que vagava pelo cômodo, claramente desconfortável. Ele estava tentando juntar as palavras certas — o que era quase cômico, considerando sua falta de jeito natural. Afinal, foi ele quem convenceu os dois grupos a colaborarem para impedir o fim do mundo. Quem diria que conseguiria algo assim?

— Então... é... isso aqui é legal, né? — arriscou, apontando com um gesto vago para todos. Seu sorriso nervoso contrastava com a tensão da sala. — Todos nós aqui… juntos. Uma grande família feliz. — Fez uma pausa, limpando o suor da testa, inquieto. — Tô com calor. Eu tô suando? — perguntou, se voltando para Sloane.

— Não, tá tudo bem. Senta. — Ela respondeu com um sorriso tranquilizador.

Luther obedeceu de imediato. Como sempre, sua habilidade com palavras deixava a desejar.

— Olha, eu sei que tivemos desavenças — Ben começou, seu tom direto, mas casual. Ele parecia quase indiferente à perda de dois irmãos. — Enfim, águas passadas, né?

Diego levantou a mão enfaixada, interrompendo o discurso. Com uma sobrancelha arqueada, parecia estar alheio a toda a gravidade da situação.

— Pergunta? — Ben indagou, com uma estranha gentileza, incomum para ele.

— Sim. — Diego respondeu, mantendo o mesmo tom despretensioso. — Se eu te matar, conseguimos o nosso Ben de volta? Hipoteticamente falando, claro.

O comentário arrancou gargalhadas de Fei, que parecia achar a cena hilária. Antes que Diego pudesse continuar, Celly da Sparrow pegou uma jujuba do pote ao lado e lançou com força contra ele, como quem repreende um irmão imaturo. Diego riu, aparentemente mais animado do que arrependido.

— Fala mais, e a sua mão não vai ser a única coisa sangrando — Ben ameaçou com um tom sombrio, mas Diego apenas sorriu, divertido com a própria pergunta.

Nesse momento, uma figura familiar entrou na sala. Era a Celeste da Sparrow, e a dor estava estampada em seu rosto. Suas cicatrizes já conhecidas agora estavam cobertas por curativos, como se ela também tivesse enfrentado algo terrível. "Talvez outra visão?", Celly da Umbrella estreitou os olhos, intrigada. Vestindo um moletom vermelho, jaqueta jeans e com os cabelos presos, Celeste sentou-se casualmente no braço do sofá, ao lado de Fei.

— Onde é que você tava? — Fei sussurrou para ela.

Celeste respondeu em Libras: "Limpando os cortes".

— Se os dois machões já terminaram, eu gostaria de voltar pro plano-  — Cinco começou, irritado, mas foi interrompido abruptamente por uma nova chegada.

Viktor apareceu correndo, a urgência transbordando em seus passos.

— Cadê ele? — Ele perguntou em voz alta, ofegante, enquanto seus olhos buscavam respostas em cada um dos presentes. Finalmente, seu olhar encontrou Allison.

— Viktor — Allison o interrompeu, sua voz firme e cortante, como uma lâmina. Ela estava tentando impedir que a situação explodisse, mas Viktor não estava nem um pouco disposto a ouvir. Sua preocupação era maior do que qualquer outro sentimento naquele momento.

— O que fizeram com o Harlan? — ele perguntou, encarando os Sparrows com um olhar acusatório. Ele sabia muito bem que os Sparrows só se uniriam a eles se Harlan estivesse morto. E agora, ali estavam todos reunidos, uma verdade cruel.

— Eles não fizeram nada — Allison se defendeu, elevando a voz, forçando-o a calar a boca. Todos olharam para ela, e Celly, com a sobrancelha erguida, parecia completamente confusa. Allison, no entanto, não vacilou, baixou a voz, mas não mostrou arrependimento algum. — Fui eu. Eu matei o Harlan.

A expressão de Viktor se fechou instantaneamente. Celly, observando a cena, não pôde deixar de se perguntar o que ele estava sentindo. Ela sabia que se fosse Samantha no lugar de Harlan, a reação de si mesma seria muito diferente da dele. O que ele estava vivendo agora era uma dor profunda e uma traição cruel. Harlan tinha sido importante demais para ele, e a ideia de que Allison pudesse tê-lo matado parecia insuportável. Mas por quê? Até agora, Allison nunca estivera contra Harlan, pelo menos não parecia estar.

Quando Celly soubera que Viktor havia protegido Harlan, ela só podia torcer para que ele não acabasse pagando com a vida por isso. Afinal, mesmo com todos os erros de Harlan, ele carregava o peso de poderes que nunca deveria ter. Era culpa deles que os Sparrows haviam sido atacados. Mas agora, ao ver que Allison já havia perdido o pouco de amor que ainda restava, Celeste não pôde evitar a decepção. Ela engoliu em seco e se endireitou no sofá, completamente atenta e incrédula.

— Eu não... Eu não tô entendendo — Viktor finalmente falou, a decepção evidente em cada palavra. Ele girou a cabeça, incapaz de processar o que acabara de ouvir. — Por que?

— Porque ele não merecia viver. — Allison respondeu com um simples dar de ombros, como se aquela decisão fosse a coisa mais certa do mundo.

— O quê? Porque eles queriam isso? Você não tinha que ouvir eles! — Viktor respondeu, sua voz carregada de incredulidade, enquanto olhava com raiva para os Sparrows. Aquilo era demais para ele. Allison havia estado ao lado de Harlan o tempo todo, e agora… ela o matara? Ele mal conseguia acreditar.

Ben, sentado ao lado de Cinco, parecia mais interessado na própria diversão do que na discussão que se desenrolava. 

— Vinte pratas no baixinho — ele disse casualmente, enquanto começava a mastigar jujubas.

Cinco levantou uma sobrancelha, claramente gostando da ideia. 

— Tá, eu também aposto. — Ele deu de ombros, sem se importar com a gravidade da situação. Nenhum deles tinha percebido que aquela discussão estava prestes a tomar rumos ainda mais extremos.

Celeste, boquiaberta, olhou para Cinco com um olhar de repreensão. Não conseguia acreditar que ele estava quase se divertindo com a situação, mas, de alguma forma, ele parecia estar achando graça em tudo aquilo.

Viktor, tentando manter a calma, falou suavemente, ainda tentando entender o que estava acontecendo. 

— Você podia ter conversado comigo. A gente pensava em outra coisa. — Ele olhou diretamente para sua irmã, esperando alguma explicação que fizesse sentido.

— Pra você mentir pra gente de novo e ficar do lado dele?

— Não foi isso que aconteceu. — Viktor retrucou, sério, ajeitando a postura e cerrando os punhos.

— Ah, não! Foi exatamente isso que aconteceu. — Allison respondeu, um sorriso traiçoeiro dançando em seus lábios. Ela olhou para Viktor com um brilho de vitória nos olhos, como se tivesse acabado de desferir um golpe fatal. — Eu sei que o Harlan matou todas as nossas mães.

Os irmãos da Umbrella ficaram atônitos, os olhos arregalados de surpresa. Celeste se inclinou para frente, completamente incrédula. Como Viktor havia escondido isso deles? A verdade era inaceitável, e o silêncio pesado que se seguiu era uma prova disso.

— O quê? — Cinco perguntou, atônito, ao lado de Celeste, que ainda estava tentando processar o que acabara de ouvir.

— Ah... — Luther bufou, claramente frustrado. Ele parecia estar sufocando a raiva. — Merda.

— Que reviravolta, hein? — Lila comentou, mastigando uma jujuba, completamente alheia ao clima tenso que se instalava.

— Quem te disse isso? — Viktor perguntou, agora visivelmente preocupado. O chão parecia estar se desfazendo sob seus pés, e tudo o que ele havia construído estava começando a desmoronar. Allison, no entanto, parecia mais satisfeita do que nunca por ter revelado a verdade.

— O Harlan. — Ela deu de ombros, como se fosse algo trivial. — Depois de você mentir pra mim na minha cara.

— Isso é verdade, Viktor? O Harlan começou tudo isso? — Diego perguntou, estreitando os olhos, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Desde que descobriram o Paradoxo do Avô, a busca por respostas os havia levado a diversas hipóteses. Até cogitaram que fosse o Reginald, seu pai adotivo, mas Harlan...? O mistério estava bem diante deles, e Viktor nunca contou.

— É... mas ele não queria machucar ninguém. Ele... eu conhecia ele — Viktor respondeu, a voz embargada de pesar. Ele engoliu em seco, como se cada palavra fosse difícil de sair. — Ele era fofo e gentil até eu transformá-lo em um de nós. Tá bom? Eu estraguei ele. Então, se alguém precisa de alguém pra culpar, eu tô bem aqui-

— E quem disse que eu não culpo? — Allison interrompeu, estreitando os olhos e sorrindo de maneira maliciosa. Ela parecia completamente à vontade, mais ainda quando percebeu o desconforto de Viktor. Havia prazer em envergonhá-lo.

— Ei! Allison, isso não é só sobre você! — Celly se meteu, com firmeza. Ela não podia mais deixar aquilo passar. A história era sobre Harlan, sobre o homem que havia matado todas as suas mães e criado o Paradoxo que ameaçava a existência humana. Mas Allison não estava pensando nisso. Estava apenas tentando fazer tudo girar em torno dela.

— Ah, e é sobre quem? Você, Celly? — Allison respondeu com deboche, e a tensão na sala aumentou ainda mais. Cinco olhou de um para o outro, completamente perplexo. "Elas estão discutindo...?". — Não perdeu nada desde que voltou pra cá.

— Mas venho correndo junto com o Cinco, nos últimos vinte dias, só pra salvar sua pele! — ela retrucou, sentindo um incômodo crescente em seu peito. Ela falou rápido, quase sem pensar. 

Allison revirou os olhos, como se aquilo não fosse nada importante.

— Ah, como ela é uma boa irmã — Allison alfinetou, desdenhosa. Os Sparrows pareciam até estar se divertindo com a cena, mas a Celeste da Sparrow não parecia achar graça alguma. Ela estava quase desconfortável ali, com a intensidade de tudo.

Viktor suspirou, e seu tom de voz ficou mais baixo, mais pesado de decepção.

— Isso não teve a ver com salvar o mundo. Isso foi só pra me magoar — Viktor concluiu, sua voz quase inaudível, cheia de incredulidade. Ele estava exausto. Havia algo de profundamente errado ali, e os dois estavam errados de formas diferentes. — Vingança pela...

Allison se levantou de repente, interrompendo-o e se aproximando de Viktor. Ela o olhou com intensidade, sua postura ameaçadora.

— Continua — ela desafiou, ficando em frente a ele, mais alta, com um olhar implacável. — Fala o nome dela.

— Eu acho que a gente devia parar um pouco e... — Luther começou, tentando apaziguar a situação, mas foi interrompido pelo olhar mortal de Allison, que se virou rapidamente para ele, fazendo questão de calá-lo. — Tá bom.

O clima na sala estava ficando insuportável. Celly batucava os dedos no sofá, tentando aliviar a ansiedade crescente. Estava mordendo a bochecha por dentro, e sua mente estava cheia de pensamentos pessimistas sobre tudo o que estava acontecendo. Cinco, claro, começou a se acomodar mais ao lado dela, sentindo a tensão no ar. Todos pareciam absorver o peso daquela conversa.

— Vocês querem parar? — Celly perguntou, tentando interromper a discussão, ainda sentada, com o semblante sério e os olhos nublados. Ela não estava mais tão calma. — Isso não é só culpa do Viktor. Se tivéssemos sido bons irmãos desde o início, ainda estaríamos na nossa linha do tempo. — Ela suspirou, parecendo mais madura, mas também desiludida. — Você ainda teria a Claire. Mas todos nós erramos, tá legal? Não pode colocar a culpa só nele.

— A Celly tá certa — Cinco interveio, ajeitando-se no sofá. Ele parecia estar buscando uma saída para a tensão crescente.

— Desde quando você apoia ela? Achei que queria matar o Harlan — Allison disparou, desconcertada com a mudança de Cinco.

— É, mas seria só mais uma morte. — Cinco respondeu com uma calma surpreendente. Allison revirou os olhos, visivelmente irritada com a mudança repentina de opinião. Ela parecia genuinamente enojada. — Não vê que isso não alterou absolutamente nada?

— Matar o Harlan trouxe a Claire de volta? — Viktor perguntou, tentando trazer uma lógica à situação. Mas quando Allison virou os olhos para ele, a discussão esquentou ainda mais.

— Proteger ele trouxe a Sissy de volta? Porque isso foi tão pessoal-

— Eu não matei ninguém! — Viktor tentou se defender.

— Botou em risco todo mundo! — Allison gritou, sua voz rouca de estresse, carregada de emoção. — Sabe qual é a sensação? Ver você se esforçar mais pra proteger o homem que ajudou a destruir a minha vida do que pra trazer ela de volta?!

— Eu não sei como trazer a Claire de volta, tá bom? Ninguém sabe. Mas eu fiquei do seu lado. Eu tentei. Eu… — Viktor tentou se explicar, mas a raiva de Allison o interrompia constantemente.

— Tentou o quê?! Me ajudar no luto? Cara, essa família toda veio me dizer pra engolir a dor, mas tá querendo acabar com a sua!

— Ninguém mandou você engolir sua dor, Allison! — Celly respondeu, já perdendo a paciência. Ela ainda estava sentada, mas seu rosto mostrava incredulidade. — Bem pelo contrário, estamos tentando consertar tudo. Estamos tentando acabar com esse apocalipse para resolvermos tudo! Para que você tenha a Claire de volta!

— Se esforçando? — Allison escarneceu, soltando um riso de desdém. — Como?

— Começando por impedir a morte do Harlan! — Celly lembrou, visivelmente irritada. — Mas você conseguiu estragar isso porque não consegue controlar a sua raiva! Ele poderia nos ajudar! Talvez os Sparrows não o aceitassem, mas se ele estivesse vivo, seria mais uma cabeça pensante pra te levar de volta pra casa!

— Então isso é sobre eu controlar a minha raiva? — Allison retrucou, incrédula, como se não conseguisse acreditar no que estava ouvindo. — Alguém teve que pagar, porque o Viktor nunca paga. Destruir o mundo, matar o Pogo, quase me matar, e pra quê? Pra gente ter que sair por aí limpando a bagunça dele? Eu cansei disso!

— Pega leve, Allison — Cinco pediu, tentando mediar a discussão, mas ela estava completamente cega de raiva, nem sequer ouvindo o que ele dizia.

— Shh — Ben disse, interrompendo, querendo que a conversa não se estendesse ainda mais.

— Tá bom-  — Viktor tentou retomar a fala, tentando juntar as peças do quebra-cabeça emocional em que se encontrava, mas então, algo estranho aconteceu.

— CALA A BOCA! — Allison gritou, a raiva em seus olhos transbordando. Os olhos dela ficaram completamente brancos, como se seu poder imperativo tivesse se manifestado, mesmo sem ela dizer as palavras mágicas.

Viktor, de repente, ficou sem ar. Ele lutava para respirar, enquanto Celly franzia o cenho, chocada com a atitude de Allison. Todos na sala estavam confusos, e um tanto desesperados. Como diabos ela havia usado seus poderes sem dizer "eu ouvi dizer que..."? Não fazia sentido. Era como se ela tivesse evoluído, de alguma forma.

— Allison! — Luther gritou, tentando acalmar a situação, mas sua voz saiu fraca diante do furor da garota.

— Já chega, Allison! — Celly também gritou, quase se levantando do sofá. O clima estava completamente tenso, e alguns Sparrows até pareciam divertidos com o espetáculo da briga.

Celeste, a Sparrow, observava tudo com as sobrancelhas arqueadas. Ela gostava de ver como as coisas aconteciam nas outras linhas do tempo, mas aquela discussão já estava saindo de controle. Ela se sentia incomodada, como se fosse uma espectadora de um espetáculo indesejado. Fei cochichava ironias em seu ouvido, como "Parecia conosco antes de você quase morrer". Fei estava certa, a família deles sempre fora mais desunida antes da quase morte de Celeste nas cirurgias que ninguém entendia.

— Toda vez que eu construo uma vida nova pra mim, você acaba com o mundo e TIRA ELA DE MIM! — Allison gritou para Viktor, sua voz cheia de rancor. Ela então se virou abruptamente para Celly, que ainda estava sentada no sofá. — E você, vive concordando pra que a minha vida fique um lixo!

— Eu concordo?! Tá brincando? — Celly retrucou, incrédula. Ela franziu o cenho, o golpe no estômago foi inevitável. Ver tudo o que ela estava tentando fazer ser ignorado daquele jeito a fazia sentir uma dor crua. Ela odiava isso. — Nem sequer pude conhecer a Claire, e só Deus sabe o quanto eu gostaria de conhecê-la. Eu quero o seu bem, Allison! Mas você precisa ser paciente e aprender a lidar com o tempo! — Ela estava cansada de esperar que a irmã compreendesse. — Não tem como conseguir tudo de um dia pra noite. Estamos tentando lidar com o apocalipse há tempos, e uma hora vamos conseguir. Mas até lá, você precisa se acalmar!

— Já chega. Para de abusar do seu poder, Allison. — Luther se intrometeu, a voz grave e séria. — Isso não é legal!

Imediatamente, Allison cessou seus poderes. Viktor, que estava se recuperando do susto, começou a tossir violentamente. Ele parecia ter ficado sem ar por uma eternidade. Celly se levantou rapidamente, se aproximando dele, preocupada. Ela perguntou se ele estava bem, enquanto ele balançava a cabeça positivamente, mas Celly sabia que não estava. Ela tocou suas costas, tentando acalmá-lo.

E então, com uma expressão de desdém, Allison se aproximou de Viktor e se curvou, ficando perto de sua orelha.

— A gente devia ter deixado você lá no porão. — Ela sussurrou, a voz carregada de nojo.

Diego ouviu e gritou, tentando intervir. "Ei! Allison, já chega!"

A raiva de Viktor explodiu. Ele se virou rapidamente e deu um tapa forte no rosto de Allison, fazendo-a girar com o impacto. Ela colocou a mão no local dolorido, surpresa.

— Ah, meu Deus. — Luther murmurou, em choque, enquanto Allison, agora com o rosto virado, olhava Viktor com os olhos cheios de fúria. O sangue escorria de seu nariz.

Celeste ficou paralisada, observando a cena com os olhos arregalados. O que estavam se tornando? Não era assim que se comportavam, não com a família deles. Ela olhou para Allison, e seus olhos estavam frios, distantes, como se não reconhecesse mais a irmã. Viktor, por sua vez, saiu rapidamente, com passos pesados, claramente abalado.

Cinco, sentado no sofá, observava a situação com um semblante de total incredulidade. Os outros Sparrows pareciam estar se divertindo com o drama, mas a tensão era palpável.

— E você — Allison olhou para a garota, deixando escapar um sorriso de prazer. — Você nunca deveria ter voltado. — Allison falou, a voz baixa, com um tom de raiva concentrada.

Aquelas palavras fizeram o ambiente congelar. Celly, completamente desorientada, parou de se mover. Cinco, por instinto, se levantou rápido e se colocou entre as duas, tentando impedir que a discussão chegasse ainda mais longe.

— Agora já chega! — Cinco gritou, a incredulidade em sua voz. Ele parecia completamente fora de si, chocado com a direção que a briga estava tomando.

Mas Celly não parecia nem notar a intervenção de Cinco. Ela balançou a cabeça lentamente, visivelmente desiludida. Seus lábios se curvaram para baixo, e ela parecia completamente enojada com tudo aquilo. Como se tivesse perdido a paciência de vez.

— Não. — Ela resmungou, como se quisesse cortar qualquer possibilidade de intromissão de Cinco. Ele estreitou os olhos, completamente incrédulo. "E ela ainda quer discutir?!", pensou, a incredulidade evidente em seu rosto. — Eu não deveria ter voltado? — Ela ergueu as sobrancelhas, deixando escapar um pequeno riso, quase como se estivesse enlouquecendo. Cinco, ainda entre as duas, soltou um suspiro profundo, tentando manter a calma. — Por que, Allison? Fala.

Allison soltou um suspiro, um sorriso irônico surgindo em seus lábios. Ela olhou para os lados, o clima na sala ainda fervendo. A tensão que já havia explodido agora parecia quase palpável. Ela sorriu de forma ácida, mordendo a parte de dentro da bochecha antes de soltar as palavras com veneno.

— Por que? Porque você matou o Ben. Matou a Claire. O Ray. E vocês dois — ela lançou um olhar cheio de desprezo para Cinco, sua voz carregada de repulsa — não vão parar até nos ver todos mortos.

Cinco, surpreso com a intensidade da acusação, deu um passo para trás, ficando sem palavras. Ele abriu a boca, prestes a retrucar, mas antes que pudesse, Celly interveio, com um sorriso sarcástico que fez o sangue de Allison ferver ainda mais.

— Tenho certeza que o Ray adoraria saber que o lema de vocês — ela ergueu as sobrancelhas, o tom de zombaria claro. O rosto de Allison se transformou, e ela ficou perplexa com as palavras que seguiam. — "Honra e dignidade" foi pro ralo, igual seu respeito pela sua família. Você é a pessoa mais ingrata que eu conheci em toda minha vida-

Celly não conseguiu terminar a frase. Antes que ela pudesse concluir, Allison se lançou para a frente, replicando o movimento de Viktor momentos antes. Cinco sequer teve tempo de perceber o que estava acontecendo. No instante seguinte, Celeste estava caída, cuspindo sangue, após levar um soco violento no rosto. Seus lábios estavam roxos, e ela mal conseguia manter o equilíbrio.

— NÃO FALE DO RAY DESSA FORMA! — Allison berrou, a voz rouca de fúria. Foi como uma explosão. Cinco arregalou os olhos, empurrando Allison para longe dela, com força. — SAI!

— VOCÊ ESTÁ MALUCA! Presta atenção, Allison! — Cinco gritou, irritado, segurando o antebraço de Allison contra seu corpo, afastando-a de Celly. Sua expressão era de total frustração.

Para Celly, aquilo estava além de qualquer limite. O maxilar travado, ela simplesmente não acreditava no que a irmã havia se tornado. Mas, no fundo, ela sabia que tinha suas razões para agir daquela forma. Afinal, ela... ainda era só a Allison, certo?

Celeste a olhou nos olhos, as palavras de Cinco se tornando um eco distante. Ele estava gritando para que Allison se recompusesse, para parar de destruir tudo ao seu redor, mas Celly mal conseguia ouvir. Seus olhos estavam se enchendo de lágrimas, a dor e o cansaço se tornando insuportáveis. Ela se sentiu como se todo o esforço tivesse sido em vão. E o pior de tudo era que ela sempre soubera que eles jamais haviam superado a perda de Ben. Estava óbvio. Estava ali, na sua frente, o tempo inteiro. Eles ainda a culpavam.

— Obrigada por ser tão sincera... — Celeste falou, sua voz baixa, quase irreconhecível. Allison sentiu o peso das palavras, mas fingiu que ainda estava no controle. Celeste, então, cuspiu quase a palavra, como se ela fosse veneno. — Irmã.

E, sem mais palavras, ela saiu dali, caminhando apressadamente, poucas lágrimas escapando, mas ela engoliu o choro. Não havia tempo para isso. O Kugelblitz estava evoluindo demais, e os segundos pareciam mais valiosos que nunca. Na sala, Allison não parecia nem um pouco abalada com a cena. Cinco, por sua vez, parecia ser completamente ignorado, como se nada do que ele tivesse dito ou feito tivesse importado.

— ...para salvar vocês! E não é de agora que você não percebe isso!...

— Eu tô bem. — Allison disse, com a voz calma, como se a conversa estivesse acabada. Cinco parou de falar, incrédulo. Ela não está ouvindo nada?! O sangue dele ferveu de frustração. — Vamos continuar. — Allison afirmou, voltando a se acomodar na poltrona. Cinco ficou ali, no meio da sala, sem saber como reagir. Ele passou as mãos nos cabelos, soltando um suspiro cansado, a sensação de impotência tomando conta dele.

— Que show. Vocês brigam igual a gente. — Ben comentou com um sorriso, tentando aliviar a tensão. Ele parecia até um pouco divertido, mas um tanto aliviado por estar vendo aquilo à distância.

— Não, cara. A gente não briga assim. — Diego respondeu com um tom de tristeza, como se aquilo fosse mais do que uma simples briga. Para os Umbrellas, aquela cena havia ultrapassado todos os limites possíveis. A coisa toda estava fora de controle.

Cinco, não sabendo mais o que fazer, se teleportou rapidamente, procurando por Celly para tentar consolar a garota. Mas a verdade era que Celly não estava nem aí. Ela queria ajudar, não importava o que pensassem. Ajudar a impedir o apocalipse para eles era o que importava, mesmo que eles não entendessem o porquê.

E sobre Allison? Bem, aquela mesma sensação de sexto sentido aguçado, que ela tivera antes — a que dizia que tudo iria piorar — agora sussurrava outra coisa: Allison se arrependeria amargamente de ter dito aquelas palavras.

Mais um capítulo! Tentei fazer com que desse ladaia entre eles KKKKKKKKKKKKK amo vocês! Votem e comentem💗

revisão concluída ☑️💚