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*β’.β§β½*:βοΈβ§β.β’*
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EM UM INSTANTE, os quatro reapareceram no meio de uma paisagem branca e gelada. O vento cortante lanΓ§ou flocos de neve contra seus rostos, e Celly encolheu-se instintivamente, abraΓ§ando o prΓ³prio corpo. O frio repentino e a mudanΓ§a de cenΓ‘rio os deixaram confusos, e Cinco nΓ£o demorou a soltar uma crΓtica amarga.
β Que ideia brilhante, Lila! β disparou, com sarcasmo venenoso. Em sua mente, o pensamento ecoava: "Eu sabia que isso ia dar errado!". β Bem-vinda Γ Era do Gelo.
Celly, ainda tremendo, bateu o queixo e cruzou os braços, claramente arrependida de não estar melhor preparada. Seus olhos se estreitaram enquanto ela olhava ao redor, algo no fundo de sua mente lhe dizia que havia algo de errado ali.
β Erramos mesmo? β perguntou, arqueando uma sobrancelha. β Talvez eu tenha gerado energia demais...
Enquanto os outros reclamavam e resmungavam, Lila, com um olhar astuto, notou algo Γ frente. Um sorriso vitorioso iluminou seu rosto enquanto ela se virava para os companheiros.
β Calem a boca e olhem!
Os trΓͺs seguiram o olhar de Lila, e, atravΓ©s da tempestade de neve, a silhueta de uma estrutura imponente comeΓ§ou a emergir. Mesmo desgastada, ainda era reconhecΓvel.
β A ComissΓ£o β sussurrou Cinco, incrΓ©dulo. Sua mente fervilhava: "Isso estΓ‘ erradoβ¦ muito errado."
β Γ normal ela ter esse clima? β perguntou Celly, intrigada.
Sem esperar uma resposta, a outra Celeste, da Sparrow, disparou pela neve como se algo a puxasse. Cinco, sem pensar duas vezes, tirou o blazer e o entregou a Celly.
β Aqui. β Sua voz era breve, mas o gesto falava por si.
Enquanto ele tremia sob o frio cortante, os quatro começaram a avançar, lutando contra a neve fofa que afundava sob seus pés. Celly, agora protegida pelo blazer, murmurou um agradecimento abafado, e então, pequenas esferas de fogo começaram a dançar em suas mãos, ajudando a combater o frio.
Sem dizer nada, a Sparrow liderava a corrida com determinação, incentivando os outros a seguirem. Assim que alcançaram a entrada, passaram pela enorme porta envidraçada, enquanto Lila ria triunfante.
β Funcionou! β exclamou ela, mas o sorriso logo sumiu.
Por dentro, o prédio da Comissão era um cenÑrio de destruição. As paredes antes elegantes estavam deterioradas, as janelas quebradas, móveis destroçados, e o ar carregava o peso do abandono.
β NΓ£o esperava vΓͺ-la assim na minha primeira visita β murmurou Celly, com um tom de ironia que tentava mascarar o desconforto. Ainda assim, seus olhos subiram atΓ© a cΓΊpula de vidro, tentando imaginar como aquele lugar deveria ter sido antes de cair em ruΓnas.
β Puta merda! β xingou Lila, girando nos calcanhares para absorver o estrago. β Eu saΓ faz pouco tempo... Por quanto tempo eu fiquei fora?
A outra Celeste, incapaz de falar, respondeu em Libras: "Acho que nΓ£o muito." Seu olhar traΓa sua frustração. Toda esperanΓ§a parecia se desmanchar no vazio.
β O Paradoxo do AvΓ΄ deve estar afetando tudo β Cinco disse, franzindo o cenho. Sua preocupação agora era palpΓ‘vel. β AtΓ© os lugares fora do tempo.
β Isso Γ© possΓvel? β Lila questionou, incrΓ©dula, com uma sobrancelha erguida.
β Parei de anotar o que Γ© possΓvel faz um tempΓ£o β respondeu Celly, tentando esconder sua crescente apreensΓ£o.
Os olhares trocados entre Lila e Cinco apenas reforçavam a gravidade da situação. A Sparrow, que jÑ havia trabalhado ali, entendia parcialmente o problema, mas isso não tornava a visão menos impactante.
β O apocalipse Γ© muito pior do que vocΓͺs imaginam, nΓ£o Γ©? β Celly perguntou, sua voz tremendo levemente. Ela odiava aquela sensação de impotΓͺncia. Sempre que parecia haver um momento de trΓ©gua, tudo desabava de novo.
Antes que Cinco pudesse responder ou pegar a maleta que largara no chão, um estrondo ecoou pelo espaço. Pedaços do teto começaram a despencar, gerando um som agudo ao colidirem com o chão.
β Cuidado! β gritou Lila, jΓ‘ se movimentando.
Cinco agarrou as maletas rapidamente, e todos correram para a frente, desviando dos escombros que caΓam pesados no centro da recepção.
β AlguΓ©m me lembra por que a gente achou que isso era uma boa ideia? β murmurou Celly, com um resmungo cansado.
Cinco colocou uma mΓ£o firme em seu ombro.
β Acredite, eu tΓ΄ me perguntando a mesma coisa. β Ele resmungou, a voz carregada de exasperação. β Γ melhor a gente continuar. β completou, resignado. Lila e a Sparrow lanΓ§aram-lhe olhares rΓ‘pidos, enquanto Celly mantinha os olhos presos nos detalhes do prΓ©dio ao redor. Havia algo incΓ΄modo naquela arquitetura; nΓ£o pela decadΓͺncia evidente, mas pelo que representava. Dentro daquelas paredes, ordens para assassinatos eram emitidas como se fossem memorandos comuns.
β Vamos checar o Painel de Controle Infinito.
"Vamos?" pensou Celly, arqueando uma sobrancelha. NΓ£o reclamou, embora a escolha de palavras a fizesse questionar. Enquanto isso, Lila e a Sparrow jΓ‘ formavam uma dupla sem cerimΓ΄nias.
β Eu e a Charmander vamos na sala do Herb. β Lila declarou com um dar de ombros despretensioso. Celeste, a da Sparrow, assentiu, como se fosse Γ³bvio. β Aquela barata sobrevive a qualquer coisa.
β Tentem nΓ£o matar ele. β Cinco pediu, recebendo um joinha casual como resposta.
Celly e Cinco subiram as escadas em silΓͺncio. Apesar da calma aparente, a tensΓ£o era palpΓ‘vel. Os olhos da garota percorriam cada parede desgastada, enquanto os dedos deslizavam distraidamente pelas superfΓcies frias. Ela imaginava como a ComissΓ£o deveria ser nos seus dias de glΓ³ria β provavelmente deslumbrante. Quando ela estava prestes a virar o corredor errado, Cinco agarrou sua mΓ£o, puxando-a na direção certa.
β Esse lugar Γ© estranho β resmungou, franzindo a testa. Cinco apenas sorriu de lado, mantendo a mΓ£o em sua nuca, em um gesto brincalhΓ£o que conseguiu suavizar o peso do momento.
β Γ muito melhor quando estΓ‘ normal. β Cinco comentou, sua voz sΓ©ria destoando da leveza do toque. β Com sol, calor eβ¦ cheio de gente.
Os olhos dele pareciam carregados de algo mais profundo. NΓ£o era exatamente vazio, mas tambΓ©m nΓ£o era cheio. Uma exaustΓ£o constante se misturava com a felicidade contida de estar ao lado dela. Celly podia ler tudo isso como se fosse um livro aberto. Sempre foi boa observadora, mas com Cinco era ainda mais fΓ‘cil. Sentiu a necessidade de desviar seus pensamentos para longe do apocalipse que pairava sobre ambos.
β VocΓͺ gostava de trabalhar aqui? β perguntou, casual, enquanto deslizava a mΓ£o atΓ© a prΓ³pria nuca, onde a dele ainda repousava. Em um movimento espontΓ’neo, puxou o braΓ§o dele para que envolvesse seu pescoΓ§o em um meio abraΓ§o. Cinco arqueou as sobrancelhas, surpreso. Ela raramente demonstrava interesse pela ComissΓ£o, e agora estava ali, curiosa.
β O lugar era bom. β Ele deu de ombros, sincero. β Era organizado. E... o pessoal era atΓ© suportΓ‘vel.
β Como era? β insistiu, genuinamente curiosa. Ele sorriu de leve, e algo na expressΓ£o dele parecia se aquecer.
De repente, ele se soltou dela, avançando alguns passos como se fosse uma criança contando sobre sua antiga escola.
β Ah! Aqui, as paredes eram pintadas de amarelo. β Ele apontou para o corredor Γ frente. Celly nΓ£o conseguiu conter um sorriso ao vΓͺ-lo tΓ£o envolvido. β Eβ¦ bem ali naquela sala β indicou uma porta Γ esquerda β era onde assinavam as ordens para os agentes temporais. E no terceiro andar, tinham um mural com os agentes mais parabenizados... Eu sempre estava lΓ‘! β falou com um toque de orgulho. EntΓ£o o sorriso se desfez, dando lugar a uma expressΓ£o melancΓ³lica. β Era legal ser parabenizado quase todo dia.
Celly sentiu um nΓ³ na garganta. Entendia como isso devia ser confuso para ele: amar a estrutura, mas odiar o propΓ³sito; tolerar as pessoas, mas desprezar suas atitudes. Cinco desviou o olhar, como se quisesse fugir de suas prΓ³prias memΓ³rias.Β
β Sabe, foi bom aqueles dois dias em que achΓ‘vamos ter impedido o mundo de acabar. β A voz saiu quase como um sussurro.
β Tem razΓ£o. Gostaria que tivΓ©ssemos tido mais tempo. β Ela falou, a tristeza evidente no tom, enquanto ambos continuavam a caminhar lado a lado.
ApΓ³s um breve silΓͺncio, Celly perguntou, quase para si mesma:Β
β Cinco, o que aconteceria se a gente achasse que o fim do mundo estava impedido? Quem sabe... talvez nem tivΓ©ssemos ligado para o desaparecimento das lagostas. Ou das vacas.
Ele ergueu uma sobrancelha, o semblante levemente divertido.Β
β Eu adoraria ter feito o apocalipse esperar quando vocΓͺ tava em cima de mim.
Celly soltou um riso baixo e sorriu, balanΓ§ando a cabeΓ§a.Β
β SΓ©rio? β provocou, convencida. "Cinco, desistindo de salvar o mundo por minha causa?", pensou, radiante.
β Sim. β Ele respondeu, tΓ£o sincero que a pegou desprevenida. β Eu quase rezei para que vocΓͺ continuasse no meu colo aquela hora e-
Ele não terminou. Antes que pudesse concluir a frase, Celly jÑ estava com os braços ao redor do pescoço dele, seus lÑbios se encontrando em um beijo intenso. Não era apenas paixão; havia algo mais profundo, algo que palavras não poderiam traduzir.
As maletas caΓram no chΓ£o com um baque surdo, mas Cinco nem notou. Suas mΓ£os instintivamente envolveram a cintura dela, como se quisessem segurΓ‘-la ali para sempre.
As lΓnguas se entrelaΓ§aram em um beijo carregado de intensidade, enquanto os braΓ§os de Cinco a puxavam para ainda mais perto. Havia uma conexΓ£o quase surreal entre eles. Apesar do frio que fazia o corpo dele tremer, naquele momento, isso nΓ£o importava. Para Cinco, havia algo adorΓ‘vel em vΓͺ-la usando aquele blazer de alfaiataria que era visivelmente maior do que o necessΓ‘rio para ela.
Quando se afastaram, ela desviou o olhar, encarando o chΓ£o com uma expressΓ£o melancΓ³lica. Cinco, por outro lado, manteve os olhos fixos nela, tentando decifrar aquela confusΓ£o interna que ela parecia carregar. Ele sabia o que estava por vir, mas preferia nΓ£o ouvir.
β Devemos mesmo salvar o mundo? β perguntou, a voz baixinha, quase um sussurro carregado de medo e dΓΊvida. β PoderΓamos estar fazendo issoβ¦ nos amando atΓ© que o mundo acabasse.
Por um instante, a ideia soou tentadora atΓ© mesmo para ele.Β
β Seria bom. β Sua resposta veio em um tom igualmente baixo, quase como se ele quisesse acreditar nisso. Mas nΓ£o podia. β SΓ³ queβ¦ eu trabalhei minha vida toda para impedir o apocalipse. NΓ£o vai ser hoje que vou desistir, querida.
As palavras dela cortaram como uma lΓ’mina.Β
β Quem garante que vamos conseguir?
Finalmente, seus olhos se encontraram, e aquele castanho intenso, profundo, quase o derrubou. Ele podia ver o peso daquelas dΓΊvidas nela, mas a verdade era que ele tambΓ©m carregava as mesmas incertezas.
β NinguΓ©m. β A sinceridade crua na voz dele era cruel, mas necessΓ‘ria. Era a ΓΊnica resposta que podia dar. Ela suspirou, frustrada, desviando o olhar para tentar processar aquilo. β Mas vamos nos esforΓ§ar. β Ele insistiu, num tom quase suplicante. β Por favorβ¦ vamos tentar sΓ³ mais essa vez.
Por um momento, o silΓͺncio reinou. Ela crispou os lΓ‘bios, lutando internamente, atΓ© finalmente ceder com um aceno de cabeΓ§a. Cinco nΓ£o pΓ΄de deixar de sentir alΓvio, ainda que breve. Olhando ao redor, notou algo importante.
β Γ aqui. β Ele anunciou, indicando com um gesto para a porta decorada ao lado.
Celly soltou-se dele e entrou na sala com passos cautelosos, o olhar curioso analisando cada detalhe. Cinco a seguiu, carregando as maletas com ele.
A sala estava destruΓda, um eco do que provavelmente jΓ‘ fora um ambiente organizado e funcional. PainΓ©is de controle cobriam as paredes atΓ© o teto, com diversas telas, botΓ΅es e alavancas espalhados. Celly passou os dedos por um balcΓ£o, levantando poeira e sujeira enquanto explorava o espaΓ§o.
β Belezaβ¦ β Cinco murmurou para si mesmo, o cansaΓ§o evidente na voz. Deixou as maletas no chΓ£o, prΓ³ximas Γ porta, e se aproximou diretamente do painel.
O painel era imenso, um emaranhado de telinhas, cabos e mecanismos intrincados, um monumento à tecnologia que controlava literalmente qualquer ação na linha do tempo.
β Tomara que esteja funcionandoβ¦ β Ele resmungou, hesitante. Se aquilo nΓ£o trouxesse respostas, Cinco sabia que estariam sem saΓda.
Celly observou sua tensΓ£o e deixou escapar um pequeno sorriso. Ela sentia a energia da mΓ‘quina.
β EstΓ‘. β Ela afirmou com uma calma que parecia deslocada naquele caos. Aproximou-se, ficando ao lado dele.
Cinco respirou fundo e clicou em um botão. Quase imediatamente, uma imagem tremulou na tela. Era Herb, aparecendo como uma gravação desesperada. Sua voz ressoou pela sala.
β Houve um rasgo no continuum espaΓ§o-tempo que estΓ‘ engolindo tudo! Ah, minha doce Dot! A Iris... todos se foram! Eu jΓ‘ tentei de tudo. Eu nΓ£o sei mais o que fazer. A linha do tempo tΓ‘ desmoronando. Isso... Γ©... o-
Antes que pudesse terminar, a figura de Herb desapareceu em uma explosΓ£o de luz. Era como se ele tivesse sido desintegrado em um piscar de olhos.
Celly e Cinco trocaram um olhar carregado de entendimento e temor. NΓ£o precisavam dizer nada para saber o que aquilo significava. Sabiam que era o fim.
Cinco fechou o semblante, o peso do fracasso e da incerteza esmagando-o. O que fariam agora? Como poderiam lutar contra o Paradoxo do AvΓ΄, que agora ameaΓ§ava consumir atΓ© mesmo o prΓ³prio tempo? Ele nΓ£o sabia a resposta β e isso o aterrorizava mais do que qualquer outra coisa.
O som de passos ecoou pela sala, interrompendo o breve silΓͺncio. Lila e a Sparrow apareceram, trazendo consigo a leveza cΓ΄mica que parecia sempre acompanhΓ‘-las.
β Eu daria tudo por uns ovos mexidos agora β anunciou Lila, enquanto cruzava a sala com desdΓ©m pelo ambiente decadente. AtrΓ‘s dela, Celeste espirrava com o pΓ³ que flutuava no ar, causando uma cena quase teatral. Comparadas ao clima tenso entre Cinco e Celly, a dupla parecia estar em uma sitcom.
Cinco engoliu em seco, tentando manter a compostura.Β
β Isso Γ© maior do que a linha do tempo, Lila β murmurou, a voz baixa e carregada de seriedade.
β O que Γ© maior do que a linha do tempo? β Lila arqueou uma sobrancelha, intrigada.
β O universo inteiro.
Lila e a Sparrow trocaram um olhar e deram de ombros, como se aquilo fosse apenas mais um detalhe do dia.
β Saqueiβ¦
β Os cachorros e as pessoas que sumiramβ¦ β Cinco comeΓ§ou a juntar as peΓ§as em voz alta, o tom incrΓ©dulo enquanto o raciocΓnio se formava. β Isso Γ© o oposto do Big Bang.
Celly inclinou a cabeΓ§a, uma sobrancelha levantada.Β
β Ou o oposto da criação divina, depende do ponto de vista.
β Independente do ponto de vista, querida β Cinco disse, olhando diretamente para ela com uma expressΓ£o sΓ©ria β, em vez de o universo se expandir, ele estΓ‘ desmoronando sobre si mesmo.
β Como um prolapso retal β murmurou Lila, casualmente.
O comentΓ‘rio pairou no ar como um balde de Γ‘gua fria. Celly franziu a testa, claramente tentando entender de onde aquilo tinha vindo, enquanto a Sparrow fez uma careta que parecia dizer: "SΓ©rio?".
β Γ uma analogia estranha, mas faz sentido. β Cinco deu de ombros, como se tentasse manter a sanidade no meio daquela conversa absurda.
"VocΓͺ Γ© muito esquisita", a Sparrow sinalizou em Libras, recebendo apenas um encolher de ombros de Lila como resposta. EntΓ£o, como se lembrasse de algo, Celeste ergueu um livro verde, segurando-o como um trofΓ©u improvisado.
β Ah, isso β Lila lembrou, enquanto a Sparrow balanΓ§ava o livro. β Pode ter respostas.
Celly foi mais rΓ‘pida que Cinco e pegou o livro, examinando-o com curiosidade. Ela leu o tΓtulo em voz alta, o tom carregado de ironia.Β
β O Manual Mestreβ¦? A pessoa que criou esse tΓtulo claramente nΓ£o tinha criatividade.
β Eu teria dado esse tΓtulo β retrucou Cinco, franzindo o cenho, ofendido pela crΓtica inesperada.
β Γ o primeiro e ΓΊnico! β exclamou Lila, como se fosse algo digno de um prΓͺmio.
Enquanto isso, a Sparrow acendeu uma pequena esfera de fogo em sua mΓ£o, o calor irradiando o suficiente para trazer algum alΓvio ao frio gelado. Lila, distraΓda, encontrou alguns lΓ‘pis no balcΓ£o e os posicionou entre os dedos, imitando garras β estilo Wolverine.
β Pra que serve isso? β perguntou Celly, levantando uma sobrancelha, sem esconder a curiosidade. Enquanto isso, ela folheava o Γndice do manual com rapidez, procurando algo ΓΊtil. β VocΓͺs nΓ£o estudaram todos os manuais? β perguntou, sem tirar os olhos do livro.
β Esse tem mais informaçáes β Cinco respondeu, ajudando-a a procurar, embora claramente desconcertado com a crΓtica.
Não demorou muito para Celly encontrar o que buscava. Era algo tão crucial que dedicaram uma seção inteira a ele. Ela apontou com firmeza para a passagem que tratava dos paradoxos.
β Belezaβ¦ Manual Mestre: "No improvΓ‘vel caso de um Paradoxo do AvΓ΄, o fundador e todos que forem essenciais devemβ¦"
β "...ser imediatamente remanejados para o bunker operacional." β Cinco completou a leitura, a voz carregada de incredulidade enquanto Lila se inclinava para espiar a pΓ‘gina.
β O fundador? β Lila repetiu, confusa. β Que fundador?
β Eu nΓ£o sei β Cinco admitiu, pensativo. Enquanto isso, suas mΓ£os esbarraram nas de Celly, ambas tΓ£o gΓ©lidas quanto o ambiente ao redor. Sem pensar, ele segurou as mΓ£os dela entre as suas, num gesto quase instintivo para buscar calor.
Celly, ainda segurando o livro com uma mΓ£o, encontrou o olhar dele. Eles nΓ£o precisaram trocar palavras. Havia um entendimento silencioso: tinham uma nova missΓ£o.
β NΓ³s temos que achar esse bunkerβ¦ β Cinco comeΓ§ou.
β Agora! β responderam em unΓssono, Lila, Cinco e Celly, enquanto a Sparrow olhava para eles com uma expressΓ£o magoada, como se dissesse: "SΓ³ eu nΓ£o pude falar? SΓ©rio?"
Lila, claro, nΓ£o perdeu a oportunidade de transformar o momento em uma piada.Β
β Toquem no verde!
Cinco apenas balançou a cabeça, frustrado, enquanto ele e Celly se afastavam da sala. A garota ergueu as sobrancelhas, achando graça da brincadeira, enquanto a Sparrow soltava uma risadinha discreta.
β NΓ£o tocou no verde β Lila comentou em tom de lamento, mas com um sorriso travesso. β Se ferraram!
Cinco suspirou, jΓ‘ cansado antes mesmo de comeΓ§ar. β VocΓͺ sΓ³ pode estar brincando.
β NΓ£o pode falar! β Lila retrucou, rindo, enquanto os seguia.
ο½’Β· Β· β’ β’ β’ βοΈ β’ β’ β’ Β· Β·ο½£
β Isso aqui Γ© um monte de porcaria burocrΓ‘tica. NΓ£o tem nenhuma diretriz clara sobre como gerir uma crise β Cinco reclamava enquanto subia as escadarias, o Manual Mestre ainda aberto em suas mΓ£os. Desde que saΓram da sala do Painel de Controle Infinito, ele nΓ£o havia encontrado nada que realmente ajudasse. β Olha, gente, eu nem devia estar aqui. Eu tava fora. Eu tinha parado, mas aqui estou eu, arrastado de volta para o caos. Por que eu nΓ£o consigo escapar desse inferno?!
β Porque vocΓͺ adora β Lila deu de ombros, com um sorriso maroto. β E por que vocΓͺ ama a Super-choque.
β Foi mal β Cinco percebeu as reclamaçáes e parou por breves segundos, soltando um suspiro exasperado enquanto tentava recuperar a paciΓͺncia.
Eles retomaram a caminhada pelos corredores sem teto, onde a neve invadia o local, tornando a passagem difΓcil e escorregadia.
β Problemas apocalΓpticos e a Celly sΓ£o as ΓΊnicas coisas que fazem o seu coração acelerar β Lila afirmou, dando de ombros. Ela e a Sparrow trocaram olhares cΓΊmplices e deram risadinhas silenciosas.
β Eu nΓ£o sei por que as pessoas ficam falando isso β Cinco se irritou, franzindo o cenho. Durante todo o trajeto, ele continuava reclamando, enquanto Celly, ao seu lado, ouvia atentamente. β A Celly eu entendo, isso Γ© Γ³bvio. Eu amo ela. β Ele falou, sincero. Celly ergueu as sobrancelhas, confiante. β Mas apocalipses? Na verdade, eu nΓ£o gosto do caos. NΓ£o quero desordem. Eu... quero me aposentar.
β TΓ‘, e ter uma vida normal fazendo compras e pagando imposto? Junto com ela? VocΓͺ ia morrer de tΓ©dio.
β Ei! β Celly retrucou, ofendida. A outra Celeste, da Sparrow, observava a cena, achando graΓ§a de todo aquele diΓ‘logo.
β NΓ£o tΓ©dio por vocΓͺ, Celly. TΓ©dio da vida que pessoas normais levam. β Lila explicou, revirando os olhos. Depois, sorriu maliciosa para os dois. β Com vocΓͺ ele ia adorar.
Os quatro β Lila e a Sparrow atrΓ‘s, e Cinco e Celly Γ frente β finalmente encontraram a porta do piso inferior. Cinco colocou a mΓ£o na maΓ§aneta e abriu a porta com naturalidade.
β Lila, vocΓͺ tambΓ©m nΓ£o nasceu pros prazeres domΓ©sticos, nΓ©? β Cinco debochou. As trΓͺs passaram primeiro, com ele ficando por ΓΊltimo. Celly liderava o grupo, seguida por Lila, Celeste e, por fim, o garoto.
β Claro que eu nΓ£o nasci β Lila falou pensativa. EntΓ£o, ergueu as sobrancelhas. β GraΓ§as a Deus.
Todos desceram as escadas, onde as luzes frequentemente falhavam, forΓ§ando Celly a ligΓ‘-las novamente. O ambiente era aconchegante, com todos juntos, tagarelando enquanto procuravam pelo Bunker. Conversas desconexas e baboseiras β muitas vezes iniciadas por Lila β faziam os outros se entreolharem para segurar o riso. Celeste, da Sparrow, deixava um "rastro de fogo" por onde passava, suficiente para aquecΓͺ-los em meio ao frio.
β Olha sΓ³. Pode ser sΓ³ uma questΓ£o de tom, mas, sei lΓ‘, cara. β Lila resmungou, atΓ© parando para olhar mais de perto o rosto de Cinco. β VocΓͺ podia melhorar o jeito que fala, sabe? Γ muito irritante.
β O que tem de errado com o tom de voz dele? β Celly perguntou, erguendo uma sobrancelha. Cinco franziu o cenho, murmurando para si mesmo: "Eu que pergunto".
β Sei lΓ‘. Mas sΓ³ tΓ΄ falando porque vocΓͺ pode melhorar isso no futuro β Lila continuou, dando de ombros.
Eles passaram pelo corredor estreito e saltaram sobre algumas caixas velhas que atrapalhavam o caminho. Enquanto Lila e Sparrow tagarelavam entre si, Cinco foi o primeiro a perceber uma grande porta pesada. Um sorriso triunfante se formou em seu rosto.
β TΓ‘ sorrindo por quΓͺ, hein? β Celly perguntou, erguendo uma sobrancelha. Ela estava tΓ£o ocupada tirando o pΓ³ do blazer que usava que nΓ£o percebeu onde estavam. Cinco deixou o sorriso se alargar ainda mais.
β Por causa daquilo.
"BUNKER DE OPERAΓΓES", escrito em letras fluorescentes que brilhavam no escuro. Celeste ficou boquiaberta, imaginando que teriam de caminhar ainda mais. A Sparrow soltou um resmungo impaciente. Ela havia vindo atΓ© ali apenas para recuperar a voz, mas a descoberta parecia ter capturado sua atenção demais para deixΓ‘-la de lado.
"Tenho quase certeza de que vamos encontrar no mΓ‘ximo um cadΓ‘ver", a Sparrow gesticulou em Libras, apressando-se para abrir a porta. Sua curiosidade e impaciΓͺncia falavam mais alto. Celly e Cinco trocaram olhares cΓΊmplices, apenas dando de ombros antes de segui-la.
β GraΓ§as a Deus β Lila resmungou assim que a porta foi destrancada. β JΓ‘ tava cansada de caminhar.
Os trΓͺs apressaram o passo e passaram pela entrada. Lila foi a segunda a atravessar, entrando com um "com licenΓ§a", como se realmente esperasse encontrar alguΓ©m ali dentro. Era um misto de alΓvio e expectativa. Afinal, isso significava que estavam mais perto de uma resposta concreta.
Mas o que encontraram foi⦠nada. Apenas corredores. Extensos, iluminados e absurdamente monótonos. Celly soltou um longo suspiro, jÑ desgostosa.
Sem hesitar, Lila seguiu o corredor à direita, aparentemente guiada por alguma intuição inabalÑvel. Os outros não protestaram. Se não fosse o caminho certo, voltariam e tentariam a outra direção. Simples assim.
β Que lugar esquisito β Celly murmurou, observando as paredes perfeitamente conservadas. Apesar de entediante, o ambiente parecia intacto, como se tivesse escapado do desgaste e do caos que tomaram o resto do local.
β O bunker de operaçáes... β Lila murmurou para si mesma, com entusiasmo crescente.
Enquanto isso, Cinco analisava o corredor com uma expressΓ£o inquieta. Por que aquele lugar parecia tΓ£o... familiar? Ele sempre sentiu uma conexΓ£o com a ComissΓ£o, mas aqui havia algo diferente. Algo mais profundo, quase desconcertante.
"Parece nΓ£o ter sofrido a deterioração pelo paradoxo", a Sparrow comentou em Libras, ecoando os pensamentos de todos. Havia algo estranhamente intacto naquele lugar, algo que os mantinha em um silΓͺncio reflexivo, como se temessem quebrar a aura enigmΓ‘tica que os envolvia.
Até que, finalmente, eles se depararam com uma porta pesada, parecida com um cofre. Era maciça, feita de ferro, com um sensor de reconhecimento ocular bem ao centro. Celly ergueu as sobrancelhas, soltando uma risada sem humor.
β Maravilha β ela resmungou. β Tem alguΓ©m importante aqui?
Lila sorriu de forma prepotente, quase como se estivesse se preparando para um desfile de ego.
β Eu sou a filha da Gestora, queridinha. β Ela se vangloriou, espremendo-se entre eles e inclinando-se para o sensor. O dispositivo captou seus olhos, enquanto o restante do grupo esperava em silΓͺncio. Cinco, por outro lado, parecia mais nervoso que o habitual, suando como se estivessem sob um sol escaldante em vez daquele frio gΓ©lido.
Uma voz robΓ³tica ecoou pelo ambiente, interrompendo a tensΓ£o.
β Acesso negado.
O constrangimento foi imediato, e Lila recuou com uma expressΓ£o que oscilava entre incredulidade e vergonha.
β Estamos ferrados. β Sua voz soou abatida. β Se nem eu consigo entrar, quem vai?
β Que droga.
β Merda.
Celeste se aproximou, tocando o braço de Cinco de forma encorajadora, sugerindo que ele tentasse também. Mas, ao notar a mão dele absurdamente suada, mesmo sem estar usando o blazer, sua expressão passou de incentivo para um misto de choque e nojo.
β VocΓͺ tΓ‘ suando?! β Ela exclamou, incrΓ©dula. β Devemos estar com menos de cinco graus Celsius aqui embaixo!
Lila riu, mas seu olhar era de pura aversΓ£o.
β Caramba, vocΓͺ tΓ‘ suando feito um camarΓ£o velho no gelo. β Sua voz carregava uma pitada de deboche. AtΓ© a Sparrow fez uma careta de confusΓ£o. β O quΓͺ que houve?
Cinco franziu o cenho, tentando processar o prΓ³prio estado. SΓ³ havia uma explicação plausΓvel: a psicose do paradoxo. Mas... nΓ£o havia nenhuma outra versΓ£o dele por perto. Exceto, talvez, dentro daquele cofre.
"NΓ£o, isso Γ© loucura", ele pensou, tentando afastar a ideia. Respirando fundo, decidiu arriscar. Talvez sua prΓ³pria marca ocular fosse a chave para entrar. Talvez, sΓ³ talvez, houvesse algo ali dentro que explicasse tudo.
Cinco deu um passo hesitante à frente, ignorando os resmungos enojados das garotas sobre o estado lamentÑvel de sua sudorese. Com o coração batendo mais rÑpido do que gostaria, inclinou-se até que seu olho azul ficasse alinhado com o sensor. Aquele momento parecia um teste de nervos, e, como se o universo tivesse decidido brincar com ele, a voz fria e robótica ecoou:
β Acesso permitido.
As trΓͺs se entreolharam, surpresas. Celly arregalou os olhos, enquanto Lila lanΓ§ou um olhar divertido.
β Acho que vocΓͺ nΓ£o Γ© pouca coisa nΓ£o, hein? β provocou Lila, enquanto a versΓ£o da Sparrow permanecia de sobrancelhas erguidas, impressionada com o ocorrido.
A porta pesada deslizou lentamente, revelando o interior do bunker. Lila e a Sparrow foram as primeiras a entrar, tomadas pela curiosidade. Cinco, por sua vez, ficou parado, a tensão estampada no rosto. Celly percebeu e colocou uma mão firme em seu ombro, como quem diz: "EstÑ tudo bem". Ela entendia o que estava passando pela cabeça dele. Seja lÑ o que estivesse ali dentro, havia uma chance de ser uma das suas versáes.
β Vamos lΓ‘. β Ela deu dois tapinhas nas costas dele e entrou com determinação.
A sala revelou-se como algo saΓdo de um filme de ficção cientΓfica: o piso preto e reluzente refletia as luzes de LED azul que corriam verticalmente pelas paredes. O teto brilhava com painΓ©is de energia, amplificando a luminosidade. No centro do ambiente, uma cΓ‘psula solitΓ‘ria chamava atenção.
β Nossa... β Lila murmurou, atΓ΄nita, enquanto seus olhos vagavam pelo local.
β Quanta decoração... β Celly comentou com ironia, arqueando as sobrancelhas.
Cinco estava tenso, mas algo curioso aconteceu assim que atravessou a porta: a sensação de suor e coceira desapareceu quase instantaneamente. Como se aquele lugar tivesse apagado sua ansiedade. Agora mais calmo, ele começou a explorar o local, aproximando-se de Celly, que parecia bastante interessada... em outra coisa.
Havia um pequeno canto com trΓͺs cadeiras arredondadas e confortΓ‘veis, uma mesinha ao lado e algumas garrafas de bebidas alcoΓ³licas. Os olhos de Celly brilharam.
"Meu Deus, o Ñlcool me persegue", pensou, enquanto se servia disfarçadamente, assobiando para parecer inocente. Mal começou a encher o copo quando sentiu uma mão pousar em seu ombro.
"Isso deve estar vencido", a Sparrow gesticulou com uma expressΓ£o sΓ©ria, mas levemente divertida.
Celly riu e deu de ombros, segurando o copo como se fosse um trofΓ©u.
β O que pode acontecer? β respondeu com um sorriso travesso. β Pra mim, toda bebida alcoΓ³lica segue a lΓ³gica do vinho: quanto mais velho, melhor. Quer um pouco?
A Sparrow estreitou os olhos, avaliando a situação.
"Eu nΓ£o bebo".
Celly quase engasgou, chocada com a revelação.
β TΓ‘ brincando?!
A outra balançou a cabeça negativamente. Perplexa, Celly levou alguns segundos para processar.
β Realmente somos muito diferentes uma da outra... β murmurou para si mesma, saindo de perto e segurando firme o copo.
Enquanto isso, Cinco e Celly jÑ estavam no fundo da sala, próximos à cÑpsula que dominava o espaço. Cinco apontou para ela, os olhos estreitos e cheios de preocupação.
β Γ ele, nΓ©? O fundador.
A cÑpsula era feita de metal e vidro, dentro dela repousava o corpo de um idoso, incrivelmente bem conservado. Até mesmo sua respiração podia ser ouvida, amplificada pelos aparelhos ao redor. Lila chegou antes dos outros e olhou para aquilo com uma careta de puro desdém.
β Parece uma lata de sardinha. Eu esperava um homem, nΓ£o uma... lata β disse, batendo levemente na estrutura metΓ‘lica.
Celly finalmente se aproximou, com o copo de bebida na mΓ£o. Ao olhar mais de perto, ficou boquiaberta, quase cuspindo o que estava bebendo. Ela e Cinco se entreolharam, e ele parecia ainda mais confuso do que ela.
β Eu nΓ£o tΓ΄ acreditando nisso... β murmurou Celly, chocada.
β NΓ£o pode ser... β Cinco completou, incrΓ©dulo.
β O que foi? β Lila perguntou, arqueando uma sobrancelha. Era evidente que sΓ³ eles entendiam o que estavam vendo. A outra Celeste se aproximou, curiosa, para inspecionar o corpo na cΓ‘psula.
β Sou eu β Cinco sussurrou, como se mal pudesse acreditar no que dizia.
Por alguns segundos, o silΓͺncio reinou na sala, atΓ© ser quebrado pela gargalhada escandalosa de Lila.
β EntΓ£o durante todo esse tempo vocΓͺ reclamou da ComissΓ£o, mas foi vocΓͺ quem fundou ela?! β Ela estava incrΓ©dula e nΓ£o parava de rir. β ClΓ‘ssico!
Cinco permaneceu em silΓͺncio, a confusΓ£o evidente no rosto. Celly, por sua vez, parecia mais interessada na aparΓͺncia do homem na cΓ‘psula.
β VocΓͺ nΓ£o envelheceu mal β disse ela, abaixando-se para examinar o rosto dele mais de perto.
A pele do homem na cÑpsula era tão pÑlida que parecia nunca ter conhecido o sol. Algumas manchas de idade começavam a despontar, mas o rosto quase sumia sob a barba longa e descuidada, crescida durante anos de hibernação. Celly inclinou a cabeça, avaliando a cena como se fosse um projeto a ser restaurado.
β SΓ³ precisa de uma repaginada, sabe? Pegar um pouco de vitamina D e dar um pulo numa barbearia. β Ela batucou levemente na cΓ‘psula, tentando aliviar o clima, mas Cinco parecia completamente alheio Γ tentativa de humor.
β Se eu realmente fundei isso, por que nΓ£o consigo me lembrar? β murmurou ele, confuso, franzindo o cenho como se tentasse juntar peΓ§as de um quebra-cabeΓ§a impossΓvel.
β Γ porque ainda nΓ£o aconteceu β respondeu Celly, como se fosse a coisa mais Γ³bvia do mundo. Cinco a olhou, desconfiado, como se quisesse perguntar: "Mas como eu, do passado, estaria vivendo em algo construΓdo no futuro?". Ela suspirou com impaciΓͺncia e continuou: β A ComissΓ£o vai alΓ©m do tempo, nΓ©?
Lila aproveitou a deixa para entrar no debate com seu tom sempre provocador:
β Eu aqui, achando que vocΓͺ era um rebelde, mas no fundo, Γ© sΓ³ um engravatado da cabeΓ§a aos pΓ©s. β O riso zombeteiro escapava enquanto ela balanΓ§ava a cabeΓ§a. β VocΓͺ nΓ£o consegue nem respirar sem esse lugar, hein?
Cinco ignorou o comentÑrio, mas seu desconforto só aumentava. Ele esfregou as mãos nervosamente antes de passÑ-las pelo pescoço.
β Tem algo errado... β disse ele, com a voz trΓͺmula. β LΓ‘ fora eu sentia o paradoxo me corroendo, mas aqui dentro... nada.
Antes que pudessem continuar debatendo, um som metΓ‘lico ecoou pela sala. A cΓ‘psula comeΓ§ou a soltar vapor pelas laterais, enquanto a maca do homem idoso deslizou lentamente para fora, expondo apenas sua cabeΓ§a. O resto do corpo permanecia escondido, conservado dentro do mecanismo. Quando o vapor finalmente dissipou, o homem abriu os olhos, a voz rouca cortando o silΓͺncio:
β NΓ³s nunca fomos muito espertos, nΓ£o Γ©?
O tom cansado e vagaroso era acompanhado por uma leve tosse, como se ele precisasse relembrar como usar as cordas vocais. Seus olhos, embora vagos, tinham algo de familiar e enigmΓ‘tico.
β O bunker de operaçáes Γ© Γ prova de paradoxos. Eu o projetei como um quarto do pΓ’nico, para o caso de um colapso no continuum espaΓ§o-tempo. β Ele olhou ao redor, respirando com dificuldade. β Nesse espaΓ§o, todas as suas permutaçáes podem coexistir. VocΓͺ estΓ‘ aqui por causa... do Kugelblitz.
β Isso Γ© nome de queijo? β perguntou Lila, arqueando uma sobrancelha.
β Γ "bola de eletricidade" em alemΓ£o β explicou Cinco, tentando organizar os pensamentos. β Um tipo bem estranho de buraco negro.
β Buraco negro? Causado pelo paradoxo do avΓ΄? β Celly deu mais um gole na bebida enquanto observava.Β
O idoso, no entanto, pareceu notar sua presenΓ§a de forma especial, mas muito respeitosa. Seus olhos brilharam como se estivessem vendo uma velha conhecida, e ele esboΓ§ou um sorriso gentil. Cinco, ao lado dela, percebeu o olhar e levantou uma sobrancelha. "SΓ©rio isso? Mais uma versΓ£o minha interessada nela?!" pensou, jΓ‘ um tanto enciumado.Β
β Mais ou menos isso, Celly β respondeu o homem, com um tom sereno que carregava anos de cansaΓ§o.
A voz dele soava fraca, claramente pouco usada, e cada palavra parecia exigir um esforço monumental. Celly sentiu um peso no peito. Ele estava sozinho ali por tanto tempo... Onde estaria ela, sua versão daquele futuro? Morrera antes dele? As perguntas começaram a martelar em sua mente.
β Ele pode sugar outras linhas do tempo? β Lila perguntou, sua curiosidade atiΓ§ada.
β Bingo! β respondeu o idoso, soltando um sorriso fraco.
Cinco, no entanto, estava perdendo a paciΓͺncia.
β TΓ‘, e como consertamos isso? β perguntou, tentando conter o tom exasperado.
β Γ, viemos atΓ© aqui. Precisamos de respostas. β Celly completou, dando um passo Γ frente.
O homem tossiu repetidamente antes de responder, a voz quase zombeteira:
β NΓ£o consertem.
O silΓͺncio na sala foi quebrado apenas pelo suspiro longo e frustrado de Cinco. Ele cruzou os braΓ§os e falou entredentes, sua impaciΓͺncia comeΓ§ando a transparecer.
β Se vocΓͺ criou tudo isso, entΓ£o tambΓ©m deve ter criado uma solução.
O idoso inclinou levemente a cabeça, como se estivesse ponderando, e respondeu com esforço:
β Tudo o que vai restar Γ©... o Oblivion.
Os quatro se entreolharam, as expressΓ΅es confusas se refletindo no silΓͺncio desconfortΓ‘vel que tomou conta do lugar. Celly colocou a mΓ£o no ombro de Cinco, estreitando os olhos como se tentar decifrar o enigma que acabavam de ouvir pudesse trazer algum alΓvio.
β Oblivion? β Lila quebrou o silΓͺncio, a confusΓ£o escancarada na voz.
β Isso Γ© o quΓͺ, hein? β Celly perguntou, franzindo o cenho. β VocΓͺ criou isso tambΓ©m? Pra resolver paradoxos?
O velho soltou um riso curto e sombrio, que logo se transformou em uma tosse cansada. Quando voltou a falar, sua voz soava amarga, quase como um aviso:
β Aquilo Γ© o inferno. β Ele fez uma pausa para recuperar o fΓ΄lego e lanΓ§ou um olhar fixo para sua versΓ£o mais jovem. β Pode ser sua salvação... ou o lugar onde vocΓͺ vai sofrer mais do que imagina.
Cinco franziu o cenho, a confusΓ£o misturando-se com um leve desconforto. Afinal, o Oblivion era uma saΓda ou uma armadilha?
β Enquanto a linha do tempo nΓ£o for restaurada... β continuou o velho, o tom sombrio aumentando a tensΓ£o na sala. β O Oblivion sΓ³ trarΓ‘ pΓ©ssimas lembranΓ§as.
De repente, as travas da cÑpsula emitiram um estalo mecÒnico. A maca interna deslizou para fora, revelando o corpo completo do homem. O ambiente pareceu escurecer por um instante. E então, o detalhe chocante: ele estava sem um braço, cortado quase na altura do cotovelo.
β Isso Γ© sΓ³ uma das coisas que esperam vocΓͺ lΓ‘ dentro. β O velho declarou com gravidade, seus olhos pousando em Celly por um momento.
Mas a tensΓ£o atingiu o Γ‘pice quando Cinco, o mais jovem, finalmente explodiu.
β Escuta aqui, seu babaca! β Ele deu um passo Γ frente, sua voz entrecortada por raiva e frustração. β Eu passei os ΓΊltimos vinte dias correndo por aΓ, salvando o mundo de apocalipses, sΓ³ pra poder ter uma vida ao lado da MULHER QUE EU AMO! β Ele apontou para Celly com a mΓ£o trΓͺmula. β E agora, estou preso nesse corpo adolescente, com os hormΓ΄nios Γ flor da pele, e tudo o que eu quero Γ© sair daqui, comprar um Corvette Stingray 1970 e rodar o mundo com ela!
O velho o olhou com uma expressão que misturava cansaço e diversão amarga, mas Cinco não parou.
β Quero realizar exatamente o sonho que vocΓͺ tem, ou tinha, sei lΓ‘! Uma casa, com a varanda do tamanho que ela quiser, e um monte de animais pra gente cuidar! VocΓͺ sabe, porque vocΓͺ Γ© eu!
Lila tentou intervir, tocando o braço de Cinco com uma expressão preocupada.
β Pega leve com ele, Cinco.
Mas Celly nΓ£o disse nada. Apenas ficou ali, observando em silΓͺncio. Conhecia Cinco o suficiente para saber que ele precisava colocar aquilo para fora. "Deixa ele surtar", pensou, terminando sua bebida em um ΓΊnico gole enquanto Cinco continuava.
β Isso Γ© entre mim e eu mesmo, Lila! β Ele berrou, afastando-a sem cerimΓ΄nias. β Esse Kugelblitz nΓ£o Γ© um furinho que dΓ‘ pra costurar com uns alfinetes, Γ© UM COMPACTADOR DE LIXO GIGANTE QUE VAI ENGOLIR O UNIVERSO TODO! β Ele respirou fundo, as mΓ£os tremendo. β EntΓ£o agora eu quero que vocΓͺ me diga, bem claramente, como consertar isso!
O silΓͺncio que se seguiu foi sufocante. O velho, com sua expressΓ£o cansada, pareceu refletir por um momento antes de responder, a voz quase sumida:
β FaΓ§a o que fizer... β Ele tossiu, o som Γ‘spero quebrando o silΓͺncio. β NΓ£o salve o mundo.
A sala inteira ficou paralisada. Cinco engoliu em seco, encarando sua versΓ£o mais velha com uma mistura de incredulidade e desespero.
β O que vocΓͺ disse? β perguntou, sua voz mais baixa, mas cheia de tensΓ£o.
Cinco engoliu em seco, o peso das palavras atingindo-o com força. O velho continuava a tossir, seu corpo fraco e marcado pelo tempo. Então, num último esforço, ele ergueu o braço com uma energia esgotada e puxou Cinco para mais perto. O garoto resistiu, mas foi arrastado para o toque, sem opção. A boca do mais velho estava quase encostada no seu ouvido, e a tosse era tão insuportÑvel que o som da respiração Ñspera preenchia o espaço entre eles. Finalmente, o velho sussurrou, tão baixo que só Cinco poderia ouvir:
β NΓ£o leve-a.
Cinco ficou imΓ³vel, seu ouvido colado Γ boca do mais velho, absorvendo aquelas palavras que soavam como um enigma. Ele estava atΓ΄nito, tentando processar o que significavam, mas nada fazia sentido. "O que ele quer dizer com isso?", pensou, sem conseguir desviar o olhar da versΓ£o mais velha, cuja respiração jΓ‘ estava mais pesada. EntΓ£o, enquanto o silΓͺncio tomava conta do momento, os olhos do velho se fecharam. A tosse cessou. O corpo relaxou.
O silΓͺncio se estendeu, profundo e aterrorizante, como um manto de escuridΓ£o caindo sobre tudo. Cinco, com o coração apertado, percebeu que a versΓ£o mais velha de si mesmo havia morrido, ali, de forma tΓ£o sΓΊbita e silenciosa. O choque lhe roubou as palavras. Ele se afastou lentamente, ainda tentando entender o que acabara de acontecer, o que ele deveria fazer com aquela informação.
β Droga... β Celly murmurou, o som de sua voz quebrando o clima de tensΓ£o que se espalhou. Ver a pessoa que vocΓͺ ama morrer diante de seus olhos era uma experiΓͺncia cruel. Uma tristeza sΓΊbita tomou conta dela. Ela sentiu a perda, mas de uma forma distante, como se fosse algo impossΓvel de processar.
Cinco, por outro lado, parecia mais perplexo do que qualquer outra coisa. NΓ£o parecia irritado com a morte da sua versΓ£o mais velha, como seria de se esperar. Na verdade, ele estava tΓ£o confuso quanto o resto de todos ali. O que realmente acontecera?
β Como assim "nΓ£o salve o mundo"?! Cinco! COMO EU RESOLVO ISSO?! β Ele gritou para o corpo inerte. β EU PRECISO DE RESPOSTAS, SEU IMPRESTΓVEL!
Celly tocou levemente o braço dele, sua voz baixa e calma.
β Ele tΓ‘ morto, Cinco. β Seus olhos encontraram os dele, sΓ©rios, mas suaves. β Se foi.
Cinco ficou parado, olhando para seu outro eu morto. Era uma cena difΓcil, sem dΓΊvida, mas, no fundo, a raiva de si mesmo era o que mais o consumia. Ele estava irritado, e pensava consigo: "NΓ£o leve-a?! Mas que diabos! Levar quem?! Esse merda nΓ£o sabe nem ajudar direito!". A frustração queimava dentro dele. Mas, Γ medida que o tempo passava, aquela raiva foi dando lugar a algo mais pesado: a tristeza. A tristeza de saber exatamente como seria o seu fim.
β Podem nos deixar a sΓ³s? Por favor. β Cinco pediu, sua voz grave e cansada. A Sparrow e Lila olharam para ele, soltando um suspiro, mas nΓ£o disseram nada. Celeste deu-lhe um tapinha reconfortante no braΓ§o, e as duas saΓram em silΓͺncio, sem palavras, mas com aquele olhar frustrado que sΓ³ quem estava ali podia compreender.
Celly, que ficara ao lado dele, apertou o braΓ§o de Cinco com mais forΓ§a, tentando oferecer algum conforto, mesmo que as palavras nΓ£o fossem suficientes. Quando a porta metΓ‘lica se fechou atrΓ‘s delas, Cinco soltou um suspiro profundo, e em um murmΓΊrio raivoso, disse: "Esse filho da putaβ¦"
Celly suspirou, exasperada.
β Γ uma merda, nΓ©? β Ela perguntou, sua voz baixa, cheia de empatia. β Ver vocΓͺ morrer assimβ¦
β VocΓͺ morreu antes. β Cinco falou de forma seca, quase amarga. Ele sabia que ela provavelmente pensava que ele estava tΓ£o focado em seu eu mais velho que nem havia notado, mas ele prestara atenção. Ele sempre prestara. β Quantas vezes eu te vi morrendo, hein? Euβ¦ β A voz dele vacilou, e, por um momento, ele ficou vulnerΓ‘vel, mais do que jamais esperaria ser. Celly franziu o cenho. Ele nΓ£o estava falando apenas da morte dele, mas de algo mais profundo, mais pessoal. β β¦queria que fΓ΄ssemos de outra linha do tempo. Uma onde eu morro primeiro e vocΓͺ nΓ£o sofre porque nΓ£o se lembra.
β Quer que eu tenha Alzheimer? β Celly perguntou, uma risada leve escapando de seus lΓ‘bios. Ela nΓ£o conseguiu evitar. E, para sua surpresa, Cinco riu junto com ela, ainda que fosse um riso curto. Ele se achou ridΓculo de repente.Β
β Ah, Γ©. Isso foi idiotice. NΓ£o pensei nisso. β Ele admitiu, com um suspiro.
β Mas seria ΓΊtil sΓ³ para esse caso. β Ela deu de ombros, mas havia uma leve brincadeira no seu olhar. E entΓ£o, fez um bico triste. β Mas eu esqueceria de todo o resto.
β Acha isso? Eu jΓ‘ vi casos de casais que se lembraram um do outro. β Cinco comentou, o tom descontraΓdo voltando. Era engraΓ§ado como conseguiam sair do tema pesado com tanta naturalidade. β Se um dia vocΓͺ tiver isso, eu vou cobrar que vocΓͺ se lembre de mim, viu?
β Eu espero que eu nΓ£o tenha. Γ sΓ©rio! E, se eu tiver, posso apostar que vou lembrar do nascer do sol e das suas gentilezas.
Cinco sorriu, o sorriso genuΓno e reconfortante, como se, de alguma forma, ela fosse a Γ’ncora que o mantinha firme. Mesmo naquele momento sombrio, vendo a morte de sua versΓ£o mais velha, com Celly ao seu lado, tudo parecia mais suportΓ‘vel. Ela tinha esse poder sobre ele, de tornar tudo um pouco mais leve.
Ela sorriu de volta, apoiando a cabeΓ§a no ombro dele, e, enquanto o silΓͺncio preenchia o espaΓ§o entre eles, Cinco notou algo estranho: uma tatuagem no peito do corpo morto. Ele franziu o cenho e se aproximou para ver melhor, os olhos buscando entender o que era. Ali, ele encontrou uma sequΓͺncia de sΓmbolos. Era um padrΓ£o complicado, com algo que se assemelhava a uma rosa dos ventos, estrelas e sΓmbolos que ele nΓ£o conseguia decifrar.
β Que tatuagem fajuta, hein? β Celly reclamou, fazendo uma careta.
β Nem me fale. Que porcaria de rabiscos. β Cinco resmungou, incrΓ©dulo. Ele tocou na pele tatuada, deslizando os dedos por ela. β Se eu quiser fazer isso aqui, faΓ§a-me o favor de impedir.
β Ah, eu vou. Nem se preocupe. β Ela disse, com sinceridade, dando-lhe dois tapinhas no braΓ§o. Ela percebeu a expressΓ£o dele e viu quando ele ergueu uma sobrancelha, um misto de curiosidade e desafio nos olhos.
Ele nΓ£o respondeu, mas tirou uma faca do bolso do blazer e comeΓ§ou a cortar a pele tatuada. Celly nΓ£o ficou para ver. O estΓ΄mago dela estava fraco pela bebida velha e mal conservada que ela havia tomado, e ela nΓ£o queria mais presenciar aquela cena. Mas, lΓ‘ estava ele, retirando aquela pele, como se acreditasse que isso o guiaria para algum lugar β talvez para a verdade, ou talvez para uma saΓda.
Enquanto isso, em algum lugar distante, no entrelaçamento do tempo e do espaço, Viktor começava a entender a causa do Paradoxo do Avô. Harlan, jÑ avançado em idade, revelava como tudo se desenrolara. O garoto de 1963 havia matado suas mães. Ele era a chave para todo esse desastre.
A culpa deveria recair sobre ele, teoricamente. Mas seria isso verdade se ninguΓ©m tivesse viajado no tempo? Claro que nΓ£o. Mas essa era a ironia da vida β pequenos detalhes, quase imperceptΓveis, podiam causar catΓ‘strofes gigantescas. E a relação de Viktor com o garoto de 1963 custaria, no final, nΓ£o apenas a existΓͺncia dele, mas a de toda humanidade.
Oi leitores! Obrigada a todos que me acompanharam durante todos esses capΓtulos. Cada dia que passa eu me emociono mais ao ver o nΓΊmero de leitura e votos crescendo! VocΓͺs nΓ£o tem noção do quando isso muda meu dia para melhor!
Amo vocΓͺs, votem e comentem! π
revisΓ£o concluΓda βοΈπ
BαΊ‘n Δang Δα»c truyα»n trΓͺn: Truyen247.Pro