003 ┋ ❝ marcas que não se vêem
✧.* Heather Avery se aproximou com sua usual elegância descontraída, o uniforme impecável e o cabelo dourado refletindo a luz do sol que se filtrava pelas árvores. Ela cruzou os braços, lançando um olhar avaliador para Stella, como se estivesse inspecionando uma amiga que claramente precisava de supervisão. Stella percebeu o gesto e revirou os olhos, já antecipando o que viria a seguir.
— Só vim checar se você ainda está inteira, Scarpim. — Heather comentou, com um tom quase desinteressado, embora o brilho de preocupação em seus olhos fosse evidente para quem prestasse atenção.
Ela olhou rapidamente para Regulus, como se buscasse alguma confirmação de que tudo estava sob controle.
Regulus apertou Stella mais firme contra si, uma resposta silenciosa à intromissão da mais velha. Stella suspirou, o movimento quase imperceptível em sua tentativa de ignorar o gesto intrusivo de Heather, embora soubesse que a amiga estava preocupada com ela e tinha boas intenções.
— Estou bem, Avery. — Stella retrucou, o tom levemente ácido, mas brincalhão, o suficiente para arrancar um sorriso de canto dos lábios de Regulus.
Heather ergueu uma sobrancelha, como se duvidasse, mas decidiu não insistir.
Antes que pudesse responder, no entanto, James Potter, que até então estava entretido em uma discussão com Sirius, decidiu que era sua deixa para entrar na conversa.
— Ora, ora, se não é a senhorita Avery. — ele começou, a voz carregada de sarcasmo. — Surpreso que você conseguiu encontrar o caminho até aqui sem alguém para carregar sua coroa de ouro.
Heather virou-se lentamente para encarar James, seus olhos estreitando com um misto de exasperação e desafio. A animosidade entre os dois era antiga, uma chama que nunca se apagava, sempre alimentada por provocações como aquela.
— Ah, Potter, sempre tão espirituoso. — Ela respondeu, a voz doce, mas afiada como uma lâmina. — É um milagre que você consiga pensar em algo inteligente enquanto está tão ocupado seguindo Lily como um cachorrinho perdido.
A provocação foi certeira e James bufou, visivelmente afetado. Sirius gargalhou alto, incapaz de conter o riso diante da troca de farpas. Peter, por outro lado, apenas revirou os olhos, murmurando algo como "E lá vamos nós de novo".
Regulus, que até então permanecera quieto, suspirou baixinho. Ele não tinha paciência para as disputas infantis entre Heather e James.
Sua prioridade era Stella, e ele sentia o desconforto dela crescer a cada segundo. Ele beijou o topo da cabeça dela suavemente, como se quisesse lembrá-la de que ele estava ali, um porto seguro em meio à confusão.
— Já terminou, Heather? — Ele perguntou finalmente, sua voz calma, mas carregada de um sutil tom de cansaço.
Heather lançou um último olhar desdenhoso para James antes de se virar para Stella.
— Sim, só queria ter certeza de que a nossa pequena Stella está em boas mãos. — Ela lançou um sorriso para Regulus, mas este não respondeu.
Heather finalmente se afastou, deixando James com o olhar de quem ainda tinha muito a dizer, mas estava tentando se conter.
Stella suspirou novamente, murmurando algo ininteligível enquanto se recostava mais profundamente contra o peito de Regulus, como se aquele pequeno gesto pudesse afastar o incômodo.
James bufou, incapaz de conter a irritação que fervia sob a pele, e lançou o primeiro golpe verbal:
— Avery é uma completa idiota. Sempre foi e sempre será.
Peter, que ainda estava rindo da troca anterior, decidiu provocar:
— Relaxa, Prongs. Aposto que gosta de você e é péssima em demonstrar.
— Isso é loucura, cara! — James respondeu indignado, gesticulando exageradamente. — Se ela gosta de alguém, é do espelho dela ou do Malfoy. Eu seria a última opção no mundo dela.
Remus, que até então observava a discussão com um sorriso contido, finalmente falou, em um tom reflexivo:
— Você pode não gostar dela, mas tem que admitir... Heather Avery é bonita. — Ele deu de ombros, como se a beleza da jovem fosse um fato inquestionável.
Peter concordou com a cabeça e James o encarou como se Remus tivesse acabado de sugerir algo absurdamente herético.
— Bonita? Ela é uma Sonserina arrogante, metida e insuportável! — Ele retrucou.
Sirius gargalhou, mas o tom de sua risada tinha um fio de escárnio.
— Claro que é, e muito mais. Supremacista, fria, manipuladora... Ela deve ter um retrato de Salazar Sonserina ao lado da cama pra se inspirar todos os dias. E você ainda está dizendo que ela é bonita, Moony? Ela pode até ser, mas a beleza dela não esconde o fato de que é uma cobra de sangue-puro até os ossos.
Stella, que estava entre as pernas de Regulus e ouvia a conversa em silêncio, revirou os olhos discretamente. Ela sabia que Heather tinha suas falhas — muitas delas, aliás — mas não conseguia evitar o desconforto crescente ao ouvir Sirius falar daquela forma.
Heather podia ser arrogante e elitista, mas ela também tinha seus momentos de vulnerabilidade, momentos que poucos, como Stella, tinham o privilégio de ver.
Regulus, por outro lado, apertou levemente a cintura de Stella, como um lembrete silencioso de que ele estava ciente de sua inquietação.
— Você já acabou de cuspir veneno sobre ela, Sirius? Ou vai continuar atacando pessoas que não estão aqui para se defender? — Ele perguntou calmamente, embora houvesse um tom afiado em sua voz. Afinal, Heather ainda era da casa dele e amiga de Stella.
Sirius arqueou as sobrancelhas, mas antes que pudesse responder, Stella finalmente falou, a voz mais firme do que o usual:
— Heather só veio ver se eu estava bem. Ela pode ser muitas coisas, mas é uma boa amiga.
A atmosfera leve que antes pairava sobre o grupo começou a se dissolver. Sirius, incapaz de resistir à oportunidade de provocar mais, disparou, o tom agora mais cortante:
— Uma boa amiga? Uma boa amiga que provavelmente vai te entregar à próxima oportunidade que tiver. Gente como a Avery não é confiável, Stella. Ela se importa com sangue puro e status, e só por isso se importa com você.
Os olhos de Stella se arregalaram, tanto pela intensidade das palavras quanto pelo veneno nelas. Sentindo o calor subir até o rosto, ela se afastou ligeiramente do abraço de Regulus, sentando-se mais ereta e cruzando os braços.
— E você acha que a conhece tão bem, Sirius? — retrucou, a voz trêmula com uma mistura de incredulidade e raiva. — Heather pode ser arrogante, mas ela nunca me tratou mal. Ela esteve ao meu lado quando precisei. E honestamente, ela não merece ouvir essas coisas, ainda mais sem estar aqui para se defender.
— Eu não preciso conhecê-la tão bem para saber o que ela é. — Sirius retrucou, o tom provocador. — Vocês Sonserinas são todas iguais. Falsidade em primeiro lugar, manipulação em segundo.
Remus franziu a testa, levantando a cabeça do livro que segurava.
— Sirius, por que você está tão bravo? — perguntou, o tom calmo, mas carregado de curiosidade genuína.
James, para a surpresa de todos, pigarreou, parecendo incomodado com a intensidade da conversa.
— Eu não acredito que estou dizendo isso, mas... talvez o Sirius esteja exagerando um pouco. — Ele desviou o olhar para Stella e depois para Sirius. — Avery é insuportável, claro, mas... sei lá, ela não parece uma ameaça de verdade.
Sirius bufou, uma risada seca escapando de seus lábios.
— Claro, Prongs, defenda a princesinha da Sonserina. Talvez se você tivesse se esforçado tanto assim com a Evans, ela não tivesse dito que só te vê como um amigo.
O comentário cortante fez James abrir a boca, indignado, mas antes que ele pudesse retrucar, Sirius se virou de volta para Stella, os olhos brilhando com algo mais sombrio do que o usual.
— Não estou dizendo que gosto dela, mas, sinceramente, essa implicância toda não faz sentido.
— Claro que faz sentido! — Sirius disparou, mas havia algo mais em seu tom, uma raiva que parecia deslocada, errada. Ele girou os olhos para Stella, como se buscando um alvo mais próximo. — Mas você sabe como é, não é, Stella? Sempre tão ocupada protegendo sua amiga "leal".
Stella franziu a testa, confusa e ofendida.
— O que você quer dizer com isso, Sirius?
— Quero dizer que talvez você devesse se perguntar o que significa lealdade quando você vive tão confortável na companhia de gente como ela. Ou, quem sabe, se a lealdade dela é igual à sua.
A insinuação mal-disfarçada pairou no ar como uma faca suspensa, cortante e mortal. O sorriso normalmente despreocupado de Sirius foi substituído por uma expressão amarga e o silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor.
Stella encarou Sirius, o olhar congelado entre incredulidade e ferida. Ela abriu a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu. Ao redor, ninguém ousou intervir; até James, que normalmente se jogava de cabeça em qualquer discussão, parecia atônito.
— Você fala como se fosse alguma autoridade moral, Sirius, mas talvez devesse prestar atenção na sua própria vida. Ou melhor, na escolha de companhia que faz. Porque, francamente, sua própria "namorada" não é nada mais do que uma... sangue-ruim insignificante que jamais deveria ter saído do seu devido lugar.
O silêncio que se seguiu foi absoluto. James arregalou os olhos, incapaz de esconder sua surpresa, enquanto Remus e Peter pareciam presos entre a descrença e o pesar.
Sirius, por outro lado, congelou, seu rosto assumindo uma máscara de completa incredulidade, como se não conseguisse acreditar que Stella, sua melhor amiga, cunhada e quase irmã, havia cuspido algo tão visceralmente cruel.
Stella não disse mais nada. Apenas se virou, o tecido de sua capa esvoaçando dramaticamente enquanto ela deixava o grupo, cada passo ecoando uma raiva contida e um pesar profundo.
James quebrou o silêncio com um assobio baixo, ainda chocado:
— Santo Merlin... nunca achei que fosse ouvir isso dela.
— Nem eu. — Remus cruzou os braços, os olhos pousando em Sirius, que permanecia estático, com as mãos cerradas em punhos. — O que deu em vocês dois? Vocês eram...
— Não importa o que éramos. — Sirius finalmente falou, a voz rouca, quase irreconhecível. — Se ela quer agir como uma Black, então que seja.
Regulus ergueu os olhos de onde estava sentado, e havia algo glacial em seu olhar que fez até mesmo Sirius vacilar por um instante.
— Não fale do nosso sobrenome como se fosse uma maldição que carrega sozinho, Sirius. E, principalmente, não fale sobre Stella como se tivesse o direito.
O silêncio que se seguiu era tão espesso quanto a tensão que pairava no ar. James, sempre pronto para se intrometer, dessa vez ficou quieto, trocando um olhar de alerta com Remus.
Sirius respirou fundo, os ombros erguendo-se em uma postura defensiva, mas ele não respondeu. Pela primeira vez, parecia que as palavras de Regulus haviam realmente perfurado alguma barreira de sua resistência.
Regulus não esperou por mais nenhum comentário. Sem olhar para os outros, virou-se e seguiu o mesmo caminho que Stella havia tomado, deixando o grupo para trás.
James soltou um assobio baixo e murmurou:
— Merlin, os Black têm um jeito especial de destruir qualquer atmosfera, não é?
— Não acho que seja hora para piadas, James. — Remus suspirou, cruzando os braços. — Isso foi... pessoal demais até para eles.
Sirius permaneceu quieto, olhando para o ponto onde Regulus havia desaparecido, uma mistura de raiva e arrependimento brilhando em seus olhos.
✧.* A sala comunal da Sonserina estava mergulhada em um silêncio quase reverencial, quebrado apenas pelo ocasional crepitar das chamas na lareira e pelo suave deslizar de penas sobre pergaminhos. Regulus atravessou o espaço com passos medidos, os olhos escaneando cada canto até que os avistaram: os cabelos loiros de Stella, caídos como um véu reluzente sobre o pergaminho à sua frente.
Ele a encontrou no canto mais recôndito da sala, onde a luz das lanternas parecia hesitar em chegar. Stella estava sentada em uma poltrona de couro verde-escuro, o semblante tenso e concentrado enquanto seus dedos deslizavam sobre um pergaminho.
As palavras fluíam de sua pena em uma pressa quase angustiante, mas, assim que percebeu sua presença, ela moveu-se com a rapidez de um animal acuado, dobrando o papel e empurrando-o para dentro de um dos bolsos da capa.
— Stella. — O tom de Regulus era baixo, mas carregado de uma intensidade que não precisava de volume para ser audível.
Ele parou a poucos passos dela, observando-a enquanto ela se endireitava na poltrona, a expressão agora cuidadosamente neutra, mas os olhos traindo um resquício de culpa.
— Regulus. — Sua voz soou controlada, mas o modo como ela evitou seu olhar dizia mais do que qualquer palavra.
Ele inclinou a cabeça levemente, a mandíbula apertada enquanto estudava cada detalhe do comportamento dela. A distância, emocional e física, parecia crescer entre eles, e isso o corroía.
— O que você estava escrevendo? — Ele perguntou, tentando manter o tom casual, mas falhando miseravelmente.
Stella desviou os olhos, suas mãos repousando no colo como se quisessem impedir qualquer movimento que pudesse traí-la.
— Nada importante. Só... pensamentos.
— Pensamentos que precisam ser escondidos assim que eu chego? — A resposta foi rápida, incisiva. Regulus deu um passo mais perto, a preocupação vazando através de sua compostura. — Stella, não somos assim. Você sabe disso.
A Scarpim soltou um suspiro curto, quase exasperado e cruzou os braços como uma barreira entre eles.
— É para os meus pais. — Sua voz soou firme, mas havia uma hesitação nas palavras que não passou despercebida por Regulus.
— Para os seus pais? — Ele arqueou uma sobrancelha, o tom de descrença evidente. — E por que esconder de mim, então?
— Foi um reflexo. Só isso. — Ela desviou os olhos, mordendo o lábio como se estivesse escolhendo as palavras com cautela.
Regulus balançou a cabeça, a descrença crescendo. Ele deu mais um passo, encurtando a distância entre eles, a mão estendendo-se em um gesto que parecia tanto um pedido quanto uma exigência.
— Então, me deixe ver.
— Não. — A resposta dela foi rápida, cortante, e Regulus congelou, como se a palavra tivesse o poder de paralisá-lo.
— Não? — Ele repetiu, a dor e a frustração transparecendo em sua voz. — Stella, o que está acontecendo? Você está me escondendo algo.
Ela apertou os braços contra o corpo, o olhar finalmente encontrando o dele. Havia fogo nos olhos dela agora, um brilho defensivo que ele raramente via.
— Eu não estou escondendo nada, Regulus. Mas, pelo visto, você não confia em mim o suficiente para acreditar nisso.
As palavras dela foram como um golpe no estômago, e ele deu um passo atrás, machucado e desesperado.
— Não é sobre confiar, Stella. É sobre o que nós temos, o que sempre tivemos. E agora... — Ele passou uma mão pelos cabelos, a voz quebrando por um momento. — Agora, parece que você está me afastando e eu não entendo por quê.
— Talvez você não precise entender tudo. — Ela retrucou, a voz carregada de uma tensão mal contida. — Talvez eu só precise de um pouco de espaço.
— Espaço? — Regulus repetiu, como se a palavra fosse um insulto. — Desde quando existe espaço entre nós? Desde quando você precisa esconder coisas de mim?
Stella o encarou, os olhos cheios de uma mistura de exaustão e frustração. Ela arqueou uma sobrancelha, a tensão ainda palpável entre eles e tentou mudar de assunto para não ter que responder a pergunta.
— E por que você está me procurando, Regulus?
O Black a observou, o olhar penetrante, buscando por alguma pista, algo que lhe desse respostas. A angústia em sua voz se tornou mais evidente quando ele respondeu:
— Eu procurei porque... — Ele hesitou, mas se forçou a continuar. — Porque depois da briga com Sirius... você... você agiu de uma maneira que não deveria, Stella. Chamou Athelina de sangue ruim. Isso não é quem você é. Não é como você age.
— Eu estava apenas defendendo a Heather. Ela é minha amiga, Regulus. Você sabe disso. Sirius estava sendo um idiota e não ofendendo apenas ela, mas eu e você também.
— Heather não é exatamente conhecida por medir palavras, Stella. Ela provavelmente disse algo para Athelina e Sirius e por isso ele estava bravo. Além disso, sinceramente, não acho que você precise se abaixar a esse nível para defendê-la. O que aconteceu com você?
— Eu não ataco ninguém, Regulus. Você está vendo só o que quer ver. — Stella deu um passo para trás, a expressão dela se endurecendo.
Ele sentiu sua paciência se esvaindo, mas tentou manter a calma. A verdade, no fundo, era que não entendia o que estava acontecendo com ela. Não entendia por que ela estava tão distante, tão... diferente. E isso o deixava ainda mais vulnerável.
— Eu só... — Ele suspirou, seus dedos apertando as palmas das mãos. — Eu só quero entender o que aconteceu, Stella. Por que você está agindo assim? O que está acontecendo com você?
— Assim como? — A loira perguntou com a voz baixa e quase inaudível, mas o tom era de certa forma cortante.
Regulus não respondeu de imediato. Ele fechou os olhos por um breve momento, reunindo forças para controlar a tempestade crescente em seu peito. Quando os abriu novamente, os olhos dele estavam sombrios e o tom em sua voz, normalmente suave e paciente, agora estava pesado, implacável. Ele puxou seus próprios cabelos para trás, num gesto de frustração silenciosa.
— Você está me afastando, Stella. — Ele disse, cada palavra impregnada de uma dor que ele não queria admitir. — Está escondendo algo de mim, se escondendo de mim. Está... está quieta demais, distante. Evita meu olhar, evita qualquer tipo de conexão. Eu não sou cego.
A declaração o atingiu como uma lâmina afiada, mas não o quebrou. Ela o encarou, seus olhos desafiadores e cautelosos ao mesmo tempo.
— É coisa da sua cabeça, Regulus. Você está exagerando. Não há nada acontecendo. Nada que precise ser discutido.
Ele deu um passo à frente, o ar entre eles tornando-se ainda mais denso, como se o espaço ao redor se contraísse em resposta ao que estava sendo dito. Sua voz, antes calma e cheia de compreensão, agora soava firmemente decidida, cheia de uma intensidade que ele raramente usava com ela.
— Então me diga, Stella... — Ele forçou as palavras através de um olhar que parecia perfurar a alma dela. — Você tem outra pessoa?
O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. O mundo pareceu se estancar, e o tempo, esse tirano impiedoso, se estirou, suspendendo os dois em uma tensão que os engolia. Cada palavra que ele havia dito parecia reverberar na sala, ricocheteando nas paredes do coração dela.
Stella, incapaz de controlar a onda avassaladora de emoção, sentiu os olhos se encherem de lágrimas. A acusação de Regulus cortou-lhe profundamente, rasgando qualquer vestígio de confiança que ela pensara estar intacto. Ela piscou rapidamente, tentando conter as lágrimas que se formavam, mas não conseguiu evitar que uma delas caísse, deslizando por sua bochecha.
— É claro que não. Como você pode pensar isso de mim? — Sua voz falhou por um instante, mas as palavras saíram com a força da dor e do desespero.
Regulus viu o brilho de suas lágrimas, a sinceridade crua de seu rosto, e algo dentro dele se partiu. Ele sempre soubera que Stella era, acima de tudo, honesta, e naquele momento, a verdade estava estampada em cada linha de sua expressão. Ele a viu, a dor em seus olhos, e soube que havia cometido um erro terrível.
No entanto, a vergonha de sua acusação ainda estava ali, sufocando-o e ele não soube como se desculpar. O arrependimento não bastava para apaziguar a ferida que ele acabara de infligir.
Mas, antes que o silêncio o consumisse novamente, ele foi tomado por uma nova dúvida, algo mais sombrio, mais desesperador.
— Então... você está trabalhando para Voldemort? — As palavras saíram em um tom mais baixo, mas ainda carregado de uma tensão desconfortável. O medo, agora claro, se insinuava em sua voz, embora ele tentasse mascará-lo com a frieza de quem não se permite ser fraco.
A pergunta ecoou no ar como uma ameaça silenciosa, e mesmo que Regulus não quisesse parecer tão vulnerável, a necessidade de saber a verdade o consumia. Ele não sabia o que esperar da resposta de Stella, mas as dúvidas agora o afligiam de uma maneira que ele não poderia ignorar.
Stella arqueou uma sobrancelha, os olhos impassíveis fixos nos de Regulus enquanto limpava as lágrimas teimosas que escorriam silenciosamente por seu rosto. A pergunta dele – uma indagação tão abrupta sobre servir a Voldemort – parecia ter surgido do vazio, como se ele tivesse conjurado a ideia do éter.
Mas a dor e a confusão a envolviam como um manto opressivo, dificultando qualquer tentativa de compreender o raciocínio dele.
— De onde você está tirando essas ideias, Regulus? — inquiriu, com a voz trêmula enquanto seus lábios vacilavam, enquanto a expressão de Regulus oscilava entre a perplexidade e o conflito interno. — Já debatemos isso antes. Concordamos que nos manteríamos à margem desta guerra. Que jamais nos tornaríamos Comensais, mesmo sob a pressão de nossas famílias.
Regulus recuou alguns passos, os olhos contraídos em uma mescla de frustração e inquietação. Ele desviou o olhar, como se buscasse refúgio em pensamentos turvos, lutando para conter o turbilhão de emoções que ameaçava transbordar.
As palavras claras e resolutas de Stella pareceram atenuar sua turbulência por um instante, apenas para que uma nova onda de dúvidas emergisse logo em seguida.
— Mas você tem agido de forma estranha, Stella. Desde aquela disputa com Sirius, você está mais... reservada, distante. E agora essa reação... — ele gesticulou de forma dispersa, como se tentasse abarcar a vastidão da guerra e a ameaça inominável de Voldemort. — Essa urgência em me convencer de que não está envolvida... com isso.
Stella suspirou profundamente, erguendo-se de onde estava sentada. Distanciou-se um pouco de Regulus, os olhos vagando até o teto da sala comunal. Sentia o peso esmagador das palavras dele, mas sabia que havia razões legítimas para suas mudanças de comportamento.
Ambos haviam travado discussões e debates complexos sobre a guerra iminente e as tensões crescentes no mundo bruxo. Por mais que devido a suas criações, as vezes fossem levemente inclinados aquilo que o lorde das trevas pregava, eles tinham decidido, em uníssono, que jamais cederiam às tentações da servidão às trevas.
— Você é quem está agindo estranho, Regulus. Está me acusando de ser alguém que não sou, de ser um Comensal, de... de estar com outra pessoa! — Stella se aproximou, seu tom cada vez mais incisivo, a frustração tomando conta de seu corpo. — Isso é o que você pensa de mim agora? Que eu...
Antes que ela pudesse concluir, Regulus deu um passo à frente, seu olhar feroz e penetrante. A raiva e a preocupação que se misturavam em seu rosto eram quase palpáveis. Ele se aproximou ainda mais, a voz agora quase inaudível, mas cheia de uma tensão insustentável.
— Mostre o braço, Stella. — As palavras dele saíram de forma quase cortante, como um comando.
— O que? — ela perguntou confusa.
— Se você não está escondendo nada, então não há razão para não mostrar. A Marca Negra pode estar ali, e se está, eu preciso saber.
Stella virou-se abruptamente, o olhar fulminante, e se aproximou dele com passos rápidos. Ela o encarou com uma intensidade que parecia fazer o ar entre eles se solidificar.
— Eu não vou mostrar nada. — Sua voz saiu baixa e controlada, mas carregada de desdém. O olhar dela, agora cheio de algo entre dor e raiva, não cedeu. — Eu não sou uma maldita Comensal, Regulus. E você sabe disso.
A tensão entre eles estava palpável, e a sala parecia silenciosa demais, como se o universo tivesse se calado ao redor deles.
— Eu preciso ver seus braços, Stella. — A voz dele era fria, quase desumana, e as palavras saíam com uma autoridade que ele nunca havia usado com ela antes. — E quero ver a carta também. Se não tem nada a esconder, não há razão para resistir.
A Scarpim o encarou, e foi como se um véu de choque caísse sobre ela. A dor nas palavras dele a atingiu como uma lâmina afiada, e ela ficou em silêncio por um momento, tentando processar o que ele estava dizendo, tentando entender por que ele achava que ela estava escondendo algo.
Eles, que haviam compartilhado tudo, que se conheciam com uma intensidade quase mística, que eram almas gêmeas de alguma forma intransigente e indiscutível, agora estavam ali, à beira de uma ruptura irreparável.
A loira respirou fundo, suas mãos trêmulas, o impulso de pegar sua capa e tirá-la de uma vez, como se essa fosse a única coisa que ela poderia controlar naquele momento. Com um movimento brusco e raivoso, ela tirou a capa, o tecido caindo no chão com um som suave, mas pesado. Ela não olhou para Regulus, seus olhos agora focados no vazio à sua frente.
Stella ergueu as mangas de suas vestes, revelando os braços limpos, a pele pálida e intocada, sem nenhum sinal da marca negra que Regulus temia ver.
Ela fez um gesto seco, como se desafiando a observá-los com mais atenção, sem mais palavras. A dor de estar sendo acusada daquela forma ressoava em cada fibra de seu ser, mas ela não deixou que isso transparecesse em sua postura.
Com um movimento impassível, ela então retirou a carta de dentro de sua capa, segurando-a por um momento entre os dedos, como se fosse uma prova irrefutável de sua inocência. Ela a entregou a Regulus, seus olhos nunca deixando os dele.
A carta era simples, casual, quase rotineira – uma atualização sobre sua chegada segura a Hogwarts, com um tom reconfortante, familiar. Nada mais. Nada que justificasse a dúvida que ele havia lançado sobre ela.
Regulus, com a carta em mãos, a leu em silêncio. As palavras dela eram delicadas, e o conteúdo, incrivelmente inofensivo, fazia suas suspeitas parecerem tolas, pequenas demais frente à realidade simples daquilo que estava diante dele.
Ele levantou os olhos lentamente para Stella, o semblante pálido e um tanto constrangido, a raiva e a desconfiança murchando diante da clara evidência de que ele havia errado. Mas ele não sabia como voltar atrás. Não sabia como desfazer a mentira que ele havia tecido ao redor dela.
— Eu... — A voz dele falhou, e Regulus abaixou a cabeça por um momento, como se estivesse tentando encontrar palavras que não soubessem amargar o momento ainda mais. Quando olhou para ela de novo, havia uma hesitação dolorosa. — Eu não deveria ter duvidado de você, Stella.
O silêncio que se seguiu foi carregado de peso, mas também de uma vergonha silenciosa que ele não sabia como dissipar. Ele segurava a carta, ainda na mão, como um lembrete de seu erro.
O rapaz queria puxá-la para perto, queria consertar o que havia feito, mas sabia que a ferida que ele causara não seria curada com meras palavras.
— Stella, eu... — Sua voz falhou, e ele a forçou a continuar, sua garganta apertada com o peso de um arrependimento profundo. — Eu não queria te ferir. Eu errei. Me desculpa, por favor.
Ela o olhou com olhos que não carregavam mais amor, mas uma tristeza silenciosa, uma dor cortante que o atravessou. E, então, suas palavras saíram, frias e afiadas, como lâminas de gelo.
— Vai para o inferno, Regulus. — A voz dela estava calma, mas a intensidade do que dizia fazia as palavras ecoarem com um peso devastador. Ela o olhou uma última vez, o olhar como se o estivesse sepultando ali mesmo, entre os dois.
Regulus estremeceu, sentindo as palavras dela rasgando-lhe a alma. Ele nunca imaginara que chegaria a esse ponto.
Nunca imaginara que, depois de tantos anos, depois de tantas batalhas internas, de tantas promessas e confiança, eles chegariam a esse impasse. Pela primeira vez, em todos os anos de amizade e romance ele tinha a sensação de que algo que era precioso estava quebrado de forma irreparável. O Black passou a mão pelos cabelos, como se estivesse tentando impedir que a realidade o engolisse.
— Minha estrela... — sussurrou, a voz embargada pela dor. Ele deu um passo em sua direção, como se o impulso fosse mais forte do que qualquer razão que pudesse ter.
Stella, no entanto, não hesitou. O olhar dela, antes tão afetuoso, agora estava frio e distante, e a expressão em seu rosto foi como um espelho partido. Ela deu um passo atrás, quase instintivamente, e suas palavras cortaram o ar como uma lâmina afiada, a decisão clara em sua voz.
— Eu não posso mais, Regulus... Acabou. — Stella pronunciou a última parte com a voz trêmula e lágrimas nos olhos, enquanto reprimia um soluço.
Ela não olhou para trás enquanto se virava, seus passos decididos ecoando na sala silenciosa, afastando-se dele como se estivesse deixando para trás não apenas um momento, mas uma parte inteira de sua vida. Regulus, por sua vez, ficou ali, imóvel, paralisado, sentindo o peso da perda arrastá-lo para um lugar sombrio que ele nunca imaginou que alcançaria.
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