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— É um livro da Paris. — Tristan respondeu, ainda que não olhasse diretamente em seus olhos.
Era irônico. O loiro sempre a provocou até que acabasse completamente com a sua paciência, mas ver Tristan Dugray desconcertado por ela era, de certa maneira, fofo. O garoto deu a volta no carro, abaixando-se para juntar os materiais esparramados pela morena, que acompanhava cada movimento do loiro. Seus olhos focados no perfil de Tristan eram mais fortes do que qualquer reação, afinal, de fato estavam mais próximos do que nunca, ainda que não agissem assim. Porém, não era isso que revirava sua mente agora, pois estava mais interessada na descoberta de que Tristan Dugray realmente era um garoto sensível. No final, era impossível não se lembrar de quantas vezes sua mãe o elogiou e a quis perto dele. Judy ficaria feliz ao saber do beijo?
Não se importou de ser pega no flagra enquanto o encarava, não enquanto Tristan sustentava o olhar, levantando-se do chão. A corrente de olhares os conectava mais do que qualquer coisa, afinal, não havia espaço para vergonha naquele momento. O que era aquilo? Viagem no tempo? Uma volta ao passado? Lembrava bem desse olhar; foi o mesmo que ele a deu após o beijo. Era como se estivesse vulnerável. O Dugray estava indefeso, sem ao menos conseguir falar uma palavra ou usar suas piadinhas e cantadas baratas como escudo. Beatrice com certeza sabia como prender a atenção de um homem, ainda que gostasse de se esconder da maioria dos olhares. Bem, ainda que não fosse claro para ela, Tristan não poderia ser mais devoto à Beatrice Mary Otinger.
Inevitável era não pensar em sua conversa com Michael, pois ainda que o garoto dissesse que tentava o afastar, não conseguia. Finalmente interpretou a frase de outra forma, se dando conta de que talvez não fosse Tristan que não desistia, mas talvez fosse ela que não o deixava ir. Será que ele já pensou em desistir dela? Dois anos é tempo demais para que alguém continue correndo atrás de uma pessoa. Talvez fosse Beatrice que, com suas ações de nunca o afastar definitivamente, o manteve perto de si. Talvez o prisioneiro, de fato, nunca tivesse sido ela. Embora sempre se sentisse intimidada com sua atenção, quem passou anos com os olhos presos a ela foi o Dugray.
— Pode me devolver meu livro? — O garoto cortou o silêncio.
— Seu livro, Dugray?
— O livro da Paris! — Se corrigiu, desviando o olhar.
— Ah, sim... Por um momento pensei que você estivesse lendo livros de romance enquanto imaginava nós dois.
O garoto travou o maxilar. Se perguntou se era esse o constrangimento que causava em Beatrice, se ela se sentia desconcertada e ao mesmo tempo ficava feliz em ouvir a palavra "nós" vindo da sua boca. Acho que jamais poderia negar o quanto a garota sempre o teve nas mãos, mas nunca imaginou que ela realmente passasse a usá-lo contra si. Tristan não só estava lendo aquele romance como também tentava viver um... Isso se tivesse a completa certeza de que a morena o queria ao seu lado. A Otinger era, de fato, uma pessoa confusa e difícil, mas por algum motivo aquilo o atraía ainda mais. Ainda que as circunstâncias atuais não mostrassem a Beatrice tímida, brava e até mesmo fria que costumava ver, adorava quando a garota mostrava sua personalidade sarcástica e divertida. "Droga!", pensou. Como era possível que se apaixonasse mais a cada dia?
— Penso em nós todos os dias, Beatrice. Não preciso de um livro de romance para isso. — Respondeu a olhando nos olhos.
Suas falas eram tão firmes e o mais alto a olhava tão intensamente, que a baixinha não soube distinguir se estava brincando ou não. O garoto estendeu a mão e a mesma devolveu o livro, tentando formar uma resposta o mais rápido possível. Tristan guardou os materiais e trancou o carro, vendo que faltavam apenas quatro minutos para a aula começar. Colocou a mão nas costas da baixinha, aliviado por conseguir a deixar sem palavras, afinal, não saberia o que mais falar. Quando se tratava de Beatrice, o loiro não tinha respostas apenas perguntas e flertes idiotas. A garota suspirou, andando ao seu lado, torcendo para que chegasse a tempo na aula. Poderia o agradecer pela carona, mas da última vez acabou sendo um pouco constrangedor. Mordeu o interior da bochecha, criando coragem para olhar seu perfil.
— Tristan...
— Sim?
— Não sei como contar para a minha mãe sobre o beijo. — Falou de uma vez só, desviando o olhar para o chão do corredor.
— Está planejando contar? — Ele sorriu. — Isso foi bem fofo.
— Tudo bem, estou indo para a minha aula. — A garota cortou o assunto antes que o garoto começasse com as suas gracinhas.
— Se você for para a minha mesa no intervalo, a gente pode discutir sobre.
— Meu Deus... — Ela negou com a cabeça enquanto fazia uma careta. — Você está lendo romance demais. Continue sonhando, Dugray.
— Pode deixar, Mary.
• ⭒ •
Os dedos doloridos de tanto que a garota os batia contra a mesa na aula de biologia a distraía. Sua intenção nunca foi atrapalhar a aula, mas sua ansiedade estava atacando mais do que qualquer coisa. Era a soma completa do medo de Paris Geller não estar bem, do nervosismo de esconder o beijo de sua mãe e a forma com que Tristan a olhava a cada dez minutos, sentado no lugar ao seu lado. Encarou o loiro, vendo a forma em que o garoto não notava seu olhar. A morena perguntou sobre Paris Geller de novo, afinal, nunca imaginou que fosse da sua conta saber o porquê o Dugray dava carona para a loira todos os dias, mas e daí? Precisava pensar em algo para se distrair, antes que voltasse a atrapalhar a aula do professor, mesmo que involuntariamente.
Talvez fosse o curto tempo para a aula acabar, a deixando cada vez mais pensativa e com vontade de ir embora logo. Tristan virou o rosto para a baixinha, apoiando o queixo no punho e a olhando de cima a baixo, sorrindo logo em seguida, fazendo Beatrice desviar o olhar. Como ele conseguia ficar tão calmo sabendo sobre Paris? Como ele pensava em flertar enquanto Paris havia escolhido não ir ao colégio? Como Tristan Dugray conseguia ser tão calmo e paciente? No final, acreditava que jamais compreenderia o que se passava em sua mente. Porém, mesmo que tivesse esse pensamento, isso não a impedia de tentar. Beatrice o olhou mais uma vez, arregalando os olhos ao ver as anotações no caderno. Ainda que o loiro se distraísse com facilidade, isso não o impedia de gostar de uma matéria. Pelo menos era isso o que parecia, enquanto ele tinha o rosto voltado para o professor novamente. Geralmente era ele que tentava aprender sobre ela, mas de repente se viu tão interessada sobre a vida do loiro, que mal pôde deixar de notar os olhos fixos no quadro enquanto mordia a caneta de click.
A baixinha foi uma das primeiras a se levantar quando o sinal tocou. Estava louca para ir embora, ficar mais pensativa do que nunca. Porém, em casa, a garota tinha total liberdade para se perder no mundo dos seus pensamentos, sem precisar interagir socialmente. O loiro ao seu lado guardava os materiais de forma rápida, enquanto Beatrice esperava o garoto à sua frente andar e sair da sala. A garota saiu da sala, mas se seu plano era fugir de interações sociais, não havia funcionado muito bem. Tristan Dugray a alcançou rapidamente, afinal, não deixaria a garota escapar dessa maneira. A baixinha arregalou os olhos, já sentindo suas bochechas esquentarem quando foi segurada pela mão. Somente uma pessoa teria audácia e coragem o suficiente para agir daquela maneira. Surpreendente era que a garota ainda se surpreendesse.
— Eu vou te levar para casa, Mary.
— O que está fazendo, Dugray? Estamos no meio do corredor. — Foi uma pergunta tola. O fato é que isso jamais impediu Tristan Dugray de fazer alguma coisa.
— Já disse. Eu vou te dar carona.
Suas bochechas estavam coradas quando virou frente a frente com Dugray, enquanto o garoto continuava segurando sua mão. Foi preciso manter a coragem para o encarar nos olhos, afinal, precisava agir para que não demonstrasse seu nervosismo. O que aquele garoto tinha? Obsessão por introvertidos? Gratificação por deixá-la tímida? Um sorriso incrivelmente lindo... Meu Deus, por que estava pensando nisso agora? As pessoas passavam pelo corredor e ela não era capaz de fazer um simples movimento para que saísse daquele estado constrangedor. O mais alto sorriu enquanto começava a caminhar com a garota, que franziu as sobrancelhas. Por que estava deixando isso acontecer? Por que estava o seguindo? Por que pegaria uma carona com o Dugray? Carona...
— Tristan, por que Paris sempre vem ao colégio com você? — Olhou para o chão enquanto andavam. Era mais fácil ignorar suas mãos dadas e seus pensamentos sobre ele.
— Por que, Mary? Está com ciúmes?
— Tristan Dugray, não aja como um babaca.
— Tudo bem, tudo bem. — O garoto suspirou. Beatrice o sentiu segurar sua mão um pouco mais forte. — Costumo dormir na casa da Paris. — A baixinha franziu as sobrancelhas. — Sabe... Gosto de ter certeza de que está tudo bem.
— Ela estava bem quando você saiu de lá?
— Claro, Beatrice. — O loiro olhou para as mãos dadas, suspirando antes de continuar: — Acha que eu sairia de lá se não estivesse tudo bem?
— Bem, certo. Eu mereci. — Tristan sorriu com a boca fechada. — Como seus pais reagiram? — Ela passou a olhá-lo.
— Foi de boa. — Ele a respondeu, desviando o olhar para a porta do carro, que abriu para a baixinha.
Quando Beatrice se sentou no banco do passageiro, o garoto fechou a porta. Mal teve tempo de processar a informação de Paris quando o garoto apareceu no banco do motorista. A morena virou-se de lado no banco, com curiosidade genuína sobre o loiro. Era assustador, realmente estava interessada na sua vida. A garota encostou a bochecha no banco, ainda o observando. Ele realmente era uma boa pessoa. Pelo menos era isso o que demonstrava quando Michael o defendeu tão bem, afinal, o Roberts não parece ser o tipo de pessoa que defenderia alguém que não merecesse. Tristan colocou o cinto, passando a olhar para a garota ao seu lado, que, com as sobrancelhas franzidas, continuava o encarando.
— O que foi? — O garoto sorriu, vendo a forma em que os olhos da Beatrice estavam focados nele.
— Nada, estou só pensando...
— Pensando no que? — Ele perguntou, levantando as sobrancelhas. — De repente ficou interessada em mim? — A provocou, vendo a garota ficar vermelha pelo duplo sentido da frase.
— Idiota.
— Achei que a fase do idiota já havia passado.
— Me diga você.
— Jamais. — O loiro se virou para frente, girando a chave do carro e o ligando. — Eu sei que você gosta.
A garota suspirou, passando a olhar para frente. Não sabia mais dizer se a comunicação que sempre tiveram voltou a ser a mesma, não quando a maneira que se sentia em relação ao Dugray já não era mais a mesma. Não que estivesse apaixonada pelo Tristan, não poderia estar... nunca esteve apaixonada por ninguém, não sabia qual era o sentimento. Só pensava sobre o quanto algumas pessoas se aproximavam de si e finalmente se sentiu incluída. De qualquer forma, o garoto ao seu lado era um dos maiores culpados por isso acontecer, mesmo que por muito insistisse em ficar sozinha. Se sentiu boba em tentar afastá-lo. Foi ele que fez Rory e Beatrice se falarem, foi ele que aproximou ela de Paris e foi ele que a ajudou a socializar. O que aconteceria se tivesse o cortado de uma vez por todas? Tristan desistiria dela? A garota continuaria sozinha? Continuaria se sentindo invisível?
— Por que ficou tão calada de repente? — Dugray cortou seus pensamentos.
— O que eu deveria fazer?
— Continuar falando. — A baixinha o olhou. — Gosto quando você faz isso.
— Quando eu falo? — Franziu as sobrancelhas.
— Quando não finge que me odeia, porque convenhamos Beatrice, você não odeia.
— Lá vem...
— Estou falando sério. Você não me odeia... não quando foi assistir meu jogo, não quando deixou que eu te abraçasse, não quando deixou que eu segurasse a sua mão, não quando respondeu ao meu beijo e desistiu de fugir de mim, não quando planeja contar à sua mãe sobre o beijo.
— Eu... — Ela se cortou, abrindo e fechando a boca diversas vezes. — Mas que droga, Tristan Dugray, o que espera que eu fale agora?
— Admita. — O loiro estacionou o carro em uma rua aleatória.
— Qual é, Dugray... — Beatrice desviou o olhar. Tristan continuava a olhando, quase que sem esperanças e incerto sobre o que a garota iria falar. — Ok, ok. Eu não te odeio. — Ela cruzou os braços.
— Eu também não te odeio. — Bea levantou uma das sobrancelhas olhando para o mais alto, que riu e se inclinou para a garota.
— Sem beijo na bochecha. — A baixinha colocou as mãos nos seus ombros o afastando. — Estamos parecendo um casal de velhos.
— Estamos parecendo um casal, Beatrice Mary Otinger?
— Tristan Dugray, chega! Não pense que eu vou esquecer sobre o livro de romance tão cedo.
"I know I'm just a fool who's willing
To sit around and waiting for you
But baby, can't you see there's nothing else for me to do?
I'm hopelessly devoted to you"
HOPELESSLY DEVOTED TO YOU - OLIVIA NEWTON-JOHN
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