
𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟑𝟎)
Decisões ruins deveriam ser tomadas naquele momento. Greg fechou o notebook devagar, os olhos demorando-se por alguns segundos sobre Vera, que cochilava profundamente na cama do hotel. Ele tinha a certeza de que ela não acordaria, não enquanto ele estivesse fora. Com o coração pesado, levantou-se e saiu sem fazer barulho. A madrugada estava envolta em uma densa neblina, o silêncio era quebrado apenas pelo som abafado dos seus passos. Ele parou no meio de uma rua vazia e escura, hesitando por um instante. Com um corte profundo, ele abriu a palma da mão e deixou o sangue pingar sobre o asfalto frio, murmurando palavras em latim — o encantamento que Lilith o ensinara, mantindo bem escondido em uma parte secreta da sua mente, seguro de vampiros bisbilhoteiros. Um fogo vermelho e negro subiu de seus pés, rápido e voraz, consumindo-o por completo. Greg fechou os olhos, sentindo o calor abrasador invadir sua pele, e, quando os abriu novamente, já não estava mais na Terra.
Ele reconheceu imediatamente o local. Estava na rua onde morava, mas algo estava errado. O céu estava coberto por nuvens pesadas de sombras, a luz do sol ausente, e a rua familiar estava distorcida, com casas derretidas como cera de velas. As árvores secas, retorcidas como dedos esqueléticos, balançavam suavemente com o vento inexistente. Ele sabia onde estava. Aquela era a versão sombria de Toms River — o inferno, moldado por Lilith para lhe receber. Greg respirou fundo e seguiu em frente, cada passo o aproximando de algo que o fazia sentir mais fraco, mas ele precisava continuar. Finalmente, ele parou diante de "sua casa", ou pelo menos o que restava dela. As janelas estavam quebradas, e a porta rangia ao vento. Ele empurrou a porta lentamente, ouvindo o ranger das dobradiças e, do outro lado, lá estava ela.
Lilith o aguardava na sala de estar, sentada em uma cadeira de couro escuro. Sua presença era hipnotizante. Ela tinha a pele morena e quente, contrastando com o ambiente ao redor, e seus cabelos longos e ondulados caíam pelos ombros como uma cascata escura. Seus olhos eram penetrantes, quase pretos, profundos o bastante para conter todo o inferno em que estavam. Lilith possuía uma elegância ameaçadora, vestida em um longo vestido vermelho de seda que envolvia seu corpo esguio com perfeição, delineando suas curvas sem esforço. O sorriso nos lábios de sua boca cheia era sedutor, porém predatório.
— Eu estava sentindo falta do meu criado preferido — ela murmurou com a voz carregada de malícia. — Greg... você sempre sabe como fazer uma entrada dramática. Gostou do que fiz para você?
Greg parou à frente dela, o olhar firme, ignorando o desejo que borbulhava por dentro. Ele não estava ali para os jogos de Lilith, nem para as insinuações que ela tão habilmente lançava. Muito menos para reparar no que ela preparou a ele.
— Eu não vim por isso, Lilith — ele disse com uma firmeza que mal disfarçava o medo que corria por suas veias. — Vim pelo paradeiro de Natalie. Preciso da localização exata dela. Você sabe, então me diga.
Lilith arqueou uma sobrancelha, divertindo-se com a súbita seriedade de Greg. Ela cruzou as pernas lentamente, observando cada movimento dele como um predador. Então, inclinou-se para a frente, apoiando o queixo delicadamente nas mãos.
— Ah... sua preciosa Natalie. — Lilith riu de leve, a risada baixa e perigosa. — Às vezes me esqueço que ela é importante para você. Mas será que você é importante a ela?
Greg deu um passo à frente, o rosto tenso e os olhos brilhando de raiva.
— Você tem mascarado tudo até agora. Você sempre soube quem ela era, não é? A Lily... — Ele cuspiu o nome com desprezo. — Você sabia que Cynara estava ali o tempo todo e nunca disse uma palavra. Nenhuma pista, nenhum aviso. — Ele apertou os punhos, a frustração crescendo. — De que lado você está, Lilith? A quem você pretende ajudar aqui? Cynara? Charlotte? Ou Sebastian?
Lilith manteve o sorriso, levantando-se da poltrona com a mesma graça letal que sempre a envolvia. Sem responder imediatamente, ela estalou os dedos, e o ambiente ao redor deles mudou. A casa em ruínas se transformou em um salão refinado, com paredes de mármore e móveis luxuosos, tapetes macios adornando o chão e lustres pendurados no teto, irradiando uma luz dourada. Um contraste absoluto com o inferno sombrio de poucos segundos antes. Greg bufou, cruzando os braços com impaciência. Ele odiava os truques dela, ainda mais naquele momento. Cada manipulação, cada ilusão, parecia uma afronta à seriedade da situação, ao caos que se espalhava na vida de todos eles. Lilith soltou uma gargalhada profunda, rica, que ecoou por todo o ambiente. Mas não parou ali. O som da risada reverberou, ecoando por cada parede, como se estivesse dentro da cabeça de Greg, envolvendo-o de maneira perturbadora.
— Ah, Greg... — ela começou com diversão e malícia. — Você realmente acha que estou do lado de alguém? — Ela deu um passo em sua direção, seus olhos escuros penetrantes. — Eu não estou do lado de ninguém... exceto do meu próprio. Sempre foi assim. Sempre. — Sua voz carregava um tom de verdade absoluta, inescapável. Ela continuou, dando voltas ao redor dele como uma pantera, os olhos nunca desviando dos dele. — Cynara, Charlotte, Sebastian... são apenas peças. E assim como você, estão todos jogando o mesmo jogo... só que comigo no comando.
Greg cerrou os dentes, lutando para não ceder à pressão que ela exercia sobre ele. Ele sabia que Lilith gostava de manipular a todos ao seu redor, e, mesmo estando envolvido com ela, ele nunca confiara completamente nela. Agora, mais do que nunca, estava claro que ela só tinha um interesse — o próprio poder.
— Isso não responde à minha pergunta — ele disse, tentando manter a calma. — Você sabia da Cynara, e me deixou de fora. Se está tão preocupada em jogar esse jogo, por que não me disse nada?
Lilith parou à sua frente, os olhos faiscando com algo perigoso e indecifrável.
— Porque você não precisava saber, Greg. E, francamente... — Ela inclinou-se, os lábios quase tocando os dele — ...não queria estragar a diversão.
Greg balançou a cabeça, incrédulo. A raiva borbulhando dentro dele quase o sufocava, mas ele sabia que confrontar Lilith diretamente só a alimentaria ainda mais.
— Diversão? — Ele repetiu, com desprezo. — A vida de Natalie está em jogo, e você fala de diversão. Eu não vim até aqui para seus joguinhos, porra. Preciso da localização da minha amiga. Agora!
Lilith sorriu, um brilho cruel nos olhos, enquanto passava a mão delicadamente pelo rosto de Greg. E agora parecia tão maduro e diferente do garotinho assustado de antes.
— Oh, eu sei disso, meu querido. Mas tudo tem um preço... mesmo para você.
Greg sentiu a raiva crescer dentro de si, mas manteve o olhar firme nos olhos de Lilith. Ele não podia perder o controle ali, não com ela. Ainda assim, a menção de um preço já fazia seu estômago revirar. Ele conhecia bem os termos de qualquer acordo com Lilith — nada vinha de graça, e o que ela cobrava sempre era muito mais do que qualquer um estava disposto a pagar.
— Qual é o preço, então? — Greg perguntou, a voz dura, ainda que controlada. — Você quer mais sangue? Ou será que prefere outra alma ou um sacrífico enorme em seu nome?
Lilith deu uma risada leve, o som soando quase como um canto. Ela deslizou os dedos pela sua própria garganta, o gesto sutil, mas cheio de promessa e ameaça.
— Oh, Greg... Eu já tenho tantas almas e ainda vou ganhar tantas outras. — Ela deu um passo mais perto, seus lábios quase tocando o ouvido dele. — O que eu quero de você... é algo muito mais interessante.
Greg virou o rosto, encontrando o sorriso sinistro dela.
— E o que seria? — Ele perguntou, sabendo que a resposta poderia ser o fim de qualquer esperança que ele tivesse de sair ileso daquela situação.
Lilith deu alguns passos de volta, lentamente, deixando um rastro de fumaça escura no ar ao seu redor, enquanto seus olhos faiscavam como brasas.
— Quando tudo isso acabar, Greg... quando Sebastian for derrotado e Natalie estiver a salvo, você vai vir comigo. — Ela sorriu, um brilho lascivo e vitorioso no olhar. — Ficara comigo no inferno... por toda a eternidade.
Greg recuou um passo, sentindo o chão se desestabilizar sob seus pés. Ele já sabia que Lilith faria um pedido absurdo, mas isso...
— Você está louca? — Ele respondeu, a voz cheia de desdém e incredulidade. — Você quer que eu desista da minha vida por você? Viver no inferno para sempre?
Lilith inclinou a cabeça, o sorriso nunca deixando seus lábios.
— Não é tão ruim quanto parece. — Ela disse, com uma leveza que só tornava o momento ainda mais sinistro. — Você já esteve aqui antes. De certa forma... você já faz parte disso. — Ela parou, observando cada nuance da expressão dele. — Pense nisso, Greg. Apenas você... e eu. Pelo resto dos tempos.
Greg sentiu uma onda de náusea passar por ele. Mas a ideia de se prender à Lilith por toda a eternidade era uma sombra que pesava demais. Ele precisava de Natalie, precisava salvar sua amiga, sua antiga paixão, mas a que custo? Será que Natalie faria realmente tudo isso por ele?
— Isso é loucura. — Ele murmurou, tentando organizar seus pensamentos. — Você realmente acha que vou aceitar isso?
Lilith ergueu uma sobrancelha, provocante.
— Ah, querido... Eu sei que você não é tolo. Sei que vai pensar... e pensar... até perceber que não tem outra escolha. E quando chegar a hora... você vai vir até mim.
Ela parou na frente dele, o olhar penetrante como uma lâmina.
— A escolha é sua, meu querido. Salve Natalie... e venha comigo. Ou fique aqui... para sempre tentando se redimir de pecados que você jamais poderá apagar.
A tensão entre eles era grande. Greg fechou os olhos por um momento, processando a armadilha em que estava. Ele abriu a boca para responder, mas as palavras morreram antes de sair. Sabia que estava sem saída, e Lilith sabia disso também.
— Então... o que vai ser? — Lilith perguntou, a voz cheia de doce veneno.
Greg deu um longo suspiro, encarando o chão por um momento antes de voltar os olhos para ela.
— Eu aceito... — Ele disse, com um peso no peito, sabendo que aquela decisão o selava em um destino do qual ele não poderia escapar.
Lilith sorriu, satisfeita, enquanto dava um passo à frente e acariciava o rosto de Greg, seus dedos frios como gelo.
— Bom menino.
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Charlotte caminhou pelas ruas com passos firmes, o rosto inexpressivo, mas os olhos atentos a cada pequeno movimento. O vento da madrugada soprava suave, trazendo o cheiro úmido da cidade, misturado a fumaça e o perfume noturno de flores murchas. Ao seu lado, Cynara andava em silêncio, observando Charlotte com uma mistura de curiosidade e respeito. A determinação da vampira era algo que Cynara raramente via em outros. A cidade começava a se transformar, as ruas movimentadas do centro dando lugar a becos escuros e estreitos, onde a luz dos postes piscava esporadicamente. O asfalto irregular e as calçadas quebradas davam um ar ainda mais sombrio ao ambiente, e as pessoas ao redor pareciam evaporar à medida que as duas vampiras se afastavam da agitação. Restavam poucos transeuntes agora, a maioria bêbados ou desorientados, mas ainda assim, chamavam atenção.
— Ei, gatinha... — Um homem com uma garrafa de cerveja nas mãos gritou de um canto mal iluminado, tentando atrair a atenção delas.
Charlotte ignorou o comentário, mantendo o foco à frente, o olhar fixo na escuridão, como se estivesse farejando algo invisível. Cynara, por sua vez, lançou um olhar de desprezo e seus dentes afiados na direção do homem, que cambaleou antes de desaparecer em um beco. Enquanto caminhavam, Cynara não pôde deixar de admirar a resiliência de Charlotte. O modo como ela seguia incansavelmente, com um foco absoluto em encontrar Natalie. Aquilo era mais do que simples preocupação; havia uma ligação profunda, uma força que lembrava Cynara de si mesma.
Aquela determinação, aquela fúria silenciosa de Charlotte, a fazia lembrar da própria busca incansável que fez por seu amor, por vingança, e pelo desejo de fazer justiça. Ela sabia exatamente o que Charlotte estava sentindo agora — o peso da culpa, da urgência e do medo de perder alguém para sempre. As duas continuaram andando, o silêncio apenas quebrado pelo eco de seus passos na calçada vazia. Cynara olhou brevemente para o céu, vendo que a escuridão da noite já começava a dar lugar ao tímido brilho da madrugada. Ainda tinham um pouco de tempo, mas não muito.
Foi então que Charlotte parou de repente, inalando o ar ao seu redor. Cynara franziu o cenho, observando a vampira.
— O que foi? — Perguntou Cynara, mais por hábito do que por curiosidade real. Ela sabia que Charlotte havia captado algo familiar a ela.
Charlotte não respondeu de imediato, seus olhos fechados enquanto focava nos sentidos aguçados, tentando identificar o cheiro que acabara de alcançar suas narinas. Não era Natalie, disso ela tinha certeza. O perfume frutado e doce de sua namorada era inconfundível. Este cheiro, porém, era de sangue misturado com algo... familiar.
— Christine — murmurou Charlotte, abrindo os olhos de repente.
Cynara parou ao lado dela, surpresa.
— Está perto — disse Charlotte, a voz baixa, mas com urgência. — E não está bem.
Elas seguiram o rastro com velocidade, entrando em um beco estreito, cercado de muros grafitados e latas de lixo viradas. E então, viram. Encostada numa parede, Christine tremia, os olhos fechados, a respiração pesada e descontrolada. Ela estava em péssimas condições — seu rosto pálido, a pele suada, e os dentes à mostra, lutando contra a fome. Aquela cena não precisava de explicações.
— Christine? — A voz de Charlotte saiu em um sussurro de surpresa.
Christine levantou o olhar, a princípio sem foco, mas logo seus olhos se fixaram em Charlotte. Havia uma mistura de alívio e desespero em seu rosto. Charlotte realmente estava viva. Ela deu alguns passos trôpegos na direção delas, mas parou, o controle sobre sua fome se esvaindo rapidamente.
— Lottie... — Christine começou, a voz rouca e vacilante. — Eu deixei ela... eu tinha que...
— Onde está a Natalie? Ela está bem? O que estão fazendo com ela? — Charlotte disparou as perguntas, a urgência apertando cada sílaba.
Christine balançou a cabeça, os olhos dilatados de desespero enquanto suas palavras saíam trêmulas.
— Ela está... por enquanto, sim. — Seus olhos selvagens vagaram pela rua, focando em cada pessoa próxima como um possível alvo para sua fome. — Sebastian... ele a prendeu naquela casa. Está tirando o sangue dela.
Cynara manteve-se em silêncio, os braços cruzados e os olhos observadores, como se já tivesse previsto aquilo. Charlotte sentiu o estômago revirar — odiava admitir que a teoria de Cynara estava certa.
— E por que deveríamos confiar em você agora? — Cynara perguntou, avançando um passo, a voz carregada de desconfiança. — Como sabemos que você não está trabalhando para Sebastian?
Christine se virou para ela, o rosto expressando uma mistura de raiva e exaustão, mas rapidamente voltou a olhar para Charlotte, quase implorando por compreensão.
— Eu não estou com ele. — Sua voz tremeu. — Estou tentando salvar Natalie. Charlotte, você precisa acreditar em mim. A Natalie me pediu para sair, encontrar vocês... eu prometi a ela que traria ajuda.
Charlotte encarou Christine, lutando com as emoções. Parte dela queria acreditar na amiga, mas o instinto dizia que aquilo não era tão simples. Cynara, por outro lado, não parecia disposta a baixar a guarda.
— Onde está Sebastian? — Cynara pressionou, a voz fria.
Christine franziu o cenho, percebendo a presença de uma estranha no meio da conversa.
— Quem é você? — A vampira perguntou, desconfiada.
— Não importa agora — Charlotte interrompeu, fechando os olhos por um segundo, sentindo a pressão ao redor. O sol nasceria em poucas horas, e Christine estava à beira de um colapso. — Você não tem se alimentado?
— Faz dias... talvez semanas. — Christine admitiu, a voz um fio de arrependimento.
— Você precisa comer. Mas antes, me diga onde Natalie está. — Charlotte manteve o olhar fixo na amiga, tentando encontrar vestígios da lealdade de outrora.
Christine hesitou, os olhos distantes, como se tentando se localizar na própria memória. Então apontou para o lado de onde veio.
— Ele está numa mansão... longe da cidade. Próximo das colinas.
— Sabe o caminho de volta? — Cynara perguntou, avaliando cada palavra com cautela.
Christine fez que sim, mas logo depois sacudiu a cabeça, confusa. O caminho era longo, a cidade lhe era estranha, e a escuridão da noite tornava tudo ainda mais nebuloso.
— O que acha? Vamos agora? — Cynara virou-se para Charlotte, esperando que ela tomasse a decisão. Charlotte se viu presa entre a urgência de salvar Natalie e a necessidade de ajudar Christine, que claramente estava no limite.
— O sol vai nascer em algumas horas. Christine não sobreviverá aos primeiros raios. — Charlotte encarou a velha amiga, a decisão clara em seus olhos. — Precisamos levá-la ao hotel. Depois planejamos a ida até Sebastian com mais clareza. Já sabemos onde ele está.
— Tem certeza disso? — Cynara questionou, arqueando uma sobrancelha. — Não temos uma localização exata, e sua amiga parece completamente fora de si. Não temos tempo para traições. Se ela estiver mentindo...
— Ela não está! — Charlotte a interrompeu, com um tom que não admitia mais dúvidas.
Cynara bufou, mas cedeu.
— Tudo bem, mas se ela mostrar qualquer sinal de traição, eu mesma vou acabar com isso. — O olhar de Cynara era cortante, carregado de ameaça.
— Agora não é hora para falarmos de espiões mentirosos, Cynara — Charlotte retrucou, a voz cansada.
Sem mais palavras, as três vampiras seguiram pelas ruas escuras da cidade. A sombra da noite ainda lhes oferecia algum esconderijo, mas o tempo estava contra elas. Com o sol prestes a surgir, Christine estava a um passo de perder o controle completamente, e Charlotte sabia que precisava agir rápido para evitar o pior.
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Vera despertou do pesadelo com um sobressalto, o corpo coberto de suor frio. O quarto de hotel estava escuro, silencioso, sem ninguém ali, mas a imagem de Natalie ainda pulsava em sua mente — o rosto pálido e exausto, os olhos suplicando por ajuda. Seu coração batia frenético, mas algo dentro dela mudara. Ela não podia mais permitir que a culpa a paralisasse. O tempo de hesitação havia terminado. Respirando fundo e fechando os olhos, ela decidiu que era hora de confiar em seu dom. Aquele que sempre a assustou, mas que agora poderia ser a chave para salvar sua filha. Saindo na cama, Vera sentou-se no chão, cruzou as pernas e começou a meditar, como fazia nos tempos em que tentava bloquear as visões, mas desta vez, o objetivo era diferente. Agora, ela queria se abrir, sentir, deixar que o espírito de Natalie a alcançasse.
Uma sensação familiar, um arrepio subiu pela espinha, o ar à sua volta pareceu vibrar. No entanto, não era Natalie quem ela sentia. Um som suave, quase um sussurro, ecoou pela escuridão da sua mente. Um espírito estava ali... mas não era Natalie. Quando abriu os olhos, Vera a viu. Anelise. Sua filha morta. Ela estava ali, parada à sua frente, mas não como Vera lembrava da última vez que a viu. Não. Agora, Anelise tinha o mesmo rosto que Vera via todos os dias em Natalie, exceto pelo cabelo castanho escuro que caía em ondas até os ombros. Ela parecia ter dezoito anos, a mesma idade que teria se estivesse viva.
— Mãe — disse Anelise, sua voz suave, mas firme, um eco da filha que Vera jamais teve a chance de conhecer na vida adulta. — Você não pode mais se prender ao que aconteceu comigo.
Vera sentiu um nó na garganta, as lágrimas inundando seus olhos.
— Eu sinto tanto, Anelise. Eu deveria ter feito algo. Eu vi aquilo acontecer antes, eu...
— Não foi sua culpa. — Anelise interrompeu, seus olhos profundos fixos nos de Vera. — Não podemos mudar o passado, mãe. Mas você pode ajudar a Natalie agora. Ela precisa de você, e você é mais forte do que pensa. Sempre foi.
Aquelas palavras atravessaram Vera como um choque. A culpa, os medos, tudo parecia se dissipar diante da presença da filha perdida. Anelise não a culpava... então por que ela ainda se agarrava à culpa? Vera respirou fundo, deixando a aceitação tomar conta. Era hora de seguir em frente.
— O que eu faço? — Vera perguntou, a voz trêmula, mas cheia de determinação renovada.
Anelise sorriu, um sorriso triste, porém encorajador.
— Confie em si mesma. Use o dom que você sempre evitou, mãe. Ele pode te guiar até Natalie e destruir o que a prende. Eu acredito em você.
Antes que Vera pudesse responder, uma batida suave na porta ecoou pelo quarto. Ela piscou e, num piscar de olhos, o espírito de Anelise se dissipou. A conexão foi quebrada. O som da porta se abrindo trouxe Vera de volta à realidade. Greg entrou com uma latinha de cerveja na mão, o rosto sombrio e distante e o perfume forte pairando pelo ar ao ponto de fazer a mais velha espirar com a irritação nas narinas. Ele parecia diferente, a energia ao seu redor era pesada. Ela olhou para ele, notando cada detalhe — a postura reclusa, o olhar esquivo.
— Você por acaso tem idade para beber isso? — Vera perguntou, tentando aliviar a tensão no ar com um comentário casual, mas a preocupação era evidente em sua voz.
Greg sequer levantou os olhos para ela, e deu um gole na cerveja antes de responder
— Não, eu tenho apenas dezoito anos. E vou ter dezoito para sempre. — A voz dele soou amarga, quase fria, o que fez Vera se endireitar, em alerta. Algo estava errado.
— Greg... querido... — Ela começou, hesitante, mas antes que pudesse terminar a frase, ele virou-se para sair outra vez, ainda evitando contato visual. Como se não suportasse está no mesmo quarto que ela.
Vera o observou, uma sensação de desconforto crescendo dentro dela. Algo havia mudado em Greg, e não era apenas o vampirismo. Ela sentia que havia mais, algo que ele não estava dizendo, algo que ele estava escondendo. Determinada, ela se levantou, indo atrás do jovem vampiro. Vera adentrou no corredor, seguindo os passos de Greg. Ele estava diferente, isso era evidente. E a sensação de que algo maior o incomodava a preocupava mais do que ela gostaria de admitir. Ao alcançá-lo, o som de seus passos ecoou no silêncio do hotel. Ele não havia se afastado muito; estava parado perto da porta do lobby, ainda com a latinha de cerveja na mão, olhando para fora como se esperasse alguma coisa.
— Greg — Vera chamou com cuidado, aproximando-se dele. Ele virou-se devagar, tomando outro gole da cerveja, mas o olhar distante não se dissipava.
— Não tem gosto de nada, sabe? — Ele comentou, levantando a latinha como se estivesse analisando o objeto. — Acho que beber essas coisas agora é inútil.
Vera olhou para a cerveja e suspirou. Sabia que vampiros não podiam consumir alimentos ou bebidas humanas, mas a amargura na voz de Greg ia além do desgosto físico. Ele estava fugindo, evitando algo, e ela sentia isso.
— A cerveja realmente não tem gosto bom... e as coisas humanas não são mais para você. — Ela falou gentilmente, parando ao lado dele, olhando a rua escura lá fora. — Mas, Greg... o que vai acontecer quando tudo isso acabar?
Greg olhou para o lado, evitando o olhar de Vera, e deu outro gole, mesmo sabendo que não fazia diferença. Havia algo de muito errado em sua postura, e ele sabia disso, mas não queria falar.
— Eu... não sei. — Ele mentiu, fingindo indiferença. — Talvez eu siga por aí, vendo o mundo, quem sabe? Tenho toda a eternidade pela frente, certo?
Vera observou o rapaz, percebendo o peso em suas palavras. Havia algo oculto ali, algo que ele não estava dizendo. Mas, por ora, ela decidiu não pressioná-lo. Estava cansada de segredos e omissões, mas sabia que cada um carregava suas próprias batalhas e nem tudo deveria ser contado em voz alta.
— E você? — Ele perguntou, mudando de assunto. — O que você pretende fazer quando tudo isso acabar? Quando Natalie estiver segura?
Vera pensou por um instante, olhando para a rua. Lá fora, a vida comum seguia, alheia ao caos sobrenatural que envolvia suas vidas.
— Eu quero ir embora de Toms River — ela confessou, a voz tranquila, mas firme. — Começar de novo, longe de tudo isso. Eu e Natalie... talvez uma vida diferente, sem essa dor. Eu não quero mais ser apenas a dona de casa que eu fui.
Ela deu um suspiro, soltando os pensamentos que há muito a acompanhavam.
— Eu gostaria que Natalie se interessasse por algo. Talvez a faculdade, ou até mesmo o futebol. Ela sempre foi talentosa... e eu quero que ela tenha opções, escolhas. Mas também tem a Charlotte... — Vera parou um instante, pensando em como a presença de Charlotte havia mudado tanto. — Eu vejo Charlotte quase como uma filha também. E se elas estão juntas, eu vou apoiar isso. Quero que as duas sejam felizes... pelo tempo que puder, mesmo sabendo que Charlotte vai viver para sempre.
Greg franziu o cenho, sua mente se embaralhando com as palavras de Vera. Ela falava de futuro, de planos, de uma vida feliz. Mas ele... não tinha isso. Havia prometido algo que, quando chegasse o momento, mudaria seu destino para sempre. Ele sabia que, após tudo, não haveria planos de viagens ou de viver a eternidade em paz. Estaria destinado a acompanhar Lilith no inferno.
— Parece um bom plano — ele comentou, disfarçando os próprios pensamentos. — Você quer ver elas felizes... e você também merece isso, Vera. Mas eu... eu não tenho grandes planos, sabe? Acho que só vou seguir o fluxo da vida, fazer o que der vontade. Talvez aprender uma coisa ou outra, afinal, tenho tempo para isso, né?
Havia uma leveza falsa em sua voz, e Vera percebeu, mas não o questionou diretamente. Ao invés disso, apenas o observou em silêncio por alguns segundos, absorvendo a tensão velada naquelas palavras. Algo sobre Greg estava errado, mas ela respeitou o espaço dele. O silêncio se instalou entre eles, um silêncio confortável e ao mesmo tempo inquietante, como se ambos soubessem que aquele momento de calma logo se esvairia. Do lado de fora, as luzes da rua tremulavam, e Vera sentio que algo estava para acontecer.
Foi então que eles ouviram o som de passos se aproximando. Greg levantou a cabeça primeiro, sentindo algo familiar no ar. Vera também se virou para a rua, o coração apertando. Charlotte apareceu na escuridão, com Cynara logo atrás dela, e uma garota que Vera não reconheceu de imediato. Christine. Ela parecia cansada, faminta e exausta, mas havia algo nos olhos dela que a fez parar e observar. Greg ficou em silêncio, os pensamentos voltando à realidade ao ver aquele trio chegar. O destino que ele tentava ignorar continuava a se aproximar.
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A mansão era uma relíquia abandonada de uma era passada, e ficava isolada das luzes e do som da cidade. Suas janelas estavam quebradas, e o jardim outrora bem cuidado havia sido tomado pelo mato. O casarão parecia se esconder na escuridão, sua arquitetura gótica elevando-se como uma sombra contra a paisagem deserta. As paredes, rachadas pelo tempo, ainda guardavam resquícios da antiga glória de uma família antiga, mas agora eram apenas testemunhas silenciosas de atrocidades. Sebastian havia escolhido aquele lugar propositalmente. Inicialmente, Toms River seria o epicentro dos sacrifícios, mas os planos mudaram. Muito estava em jogo, e ele precisava de um local longe dos olhos curiosos, onde poderia finalizar seus rituais sem interrupções. A mansão fora invadida por ele, visto precisar se isolar de qualquer um que pudesse localizá-lo. Ali ninguém o encontraria, nem mesmo se ele quisesse.
Dentro da mansão, o ambiente era úmido e pesado. Paredes desbotadas, pisos rangentes, e móveis cobertos de poeira criavam uma áurea de decadência. No meio desse cenário, Natalie estava amarrada a uma cadeira na cozinha. Sua pele estava pálida e sem vida, contrastava com o sangue que escorria lentamente de uma bolsa pendurada ao seu lado. A segunda bolsa já estava cheia, pronta para alimentar o ritual de Sebastian. Seus olhos pesaram. O esforço de resistir, de lutar, havia deixado Natalie exausta. A dor de sentir sua vida sendo drenada aos poucos era sufocante, mas ela se recusava a mostrar fraqueza. Só que agora, a cada segundo que passava, ela sentia suas forças se esvaindo ainda mais.
Sebastian entrou na cozinha outra vez, suas botas ecoando no chão de madeira apodrecida. Ele se aproximou lentamente de Natalie, os olhos examinando sua presa com um misto de curiosidade e prazer. Aproximando-se de onde a bolsa de sangue estava pendurada, ele deu uma olhada rápida no nível do líquido.
— Muito bem, Natalie. — Ele murmurou, sua voz suave, porém cheia de cinismo. — Você está sendo muito... colaborativa.
Natalie tentou levantar o rosto, mas sua visão estava borrada. Ela queria, com todas as forças, lançar algum comentário sarcástico, mas até isso havia se tornado impossível. O cansaço e a dor eram mais fortes do que qualquer palavra. Tudo que ela conseguiu foi uma respiração curta, enquanto seus olhos semicerrados tentavam focar em Sebastian.
— Christine deveria ter voltado já... — Ele comentou casualmente, começando a andar ao redor dela, os olhos estreitos em uma expressão pensativa. — Ela tem demorado muito, considerando que não autorizei sua saída.
Sebastian parou atrás de Natalie, inclinando-se para perto de sua orelha.
— Eu me pergunto... será que Christine mudou de ideia? Ou será que você tem algum plano que eu ainda não percebi?
Natalie tentou balançar a cabeça, mas até esse movimento parecia uma tortura. Suas mãos presas ao apoio da cadeira tremiam, seus pulsos quase sem vida. Não havia resposta. A mente dela, antes afiada e rebelde, estava se apagando, sendo lentamente envolvida por uma névoa escura. Sebastian, ainda sem resposta, suspirou. Ele estendeu a mão e passou os dedos pelo cabelo de Natalie, quase como se estivesse oferecendo algum tipo de consolo. Um gesto que seria carinhoso, se não fosse aterrorizante.
— Não importa. — Ele sussurrou, sua voz afiada como uma lâmina. — Tudo está indo conforme o planejado. Agora... descanse um pouco. Eu ainda preciso de você desperta para a fase final.
Mas Natalie não ouviu. A escuridão já havia consumido sua visão e sua mente. O cansaço, o medo, a dor, tudo se misturava em um silêncio profundo enquanto seu corpo finalmente cedia. Ela desmaiou, seus músculos relaxando enquanto Sebastian a segurava nos braços, como um predador cuidando temporariamente de sua presa. O vampiro olhou para ela, a cabeça tombada, a respiração fraca. Ele a segurou por um momento, o suficiente para saborear a fraqueza dela antes de soltá-la e puxá-la para seu colo. O vampiro entrou em um dos quartos da mansão, carregando o corpo desacordado de Natalie com cuidado. O quarto, tão decadente quanto o resto da casa, tinha uma cama de dossel que já vira dias melhores, mas servia ao propósito. Ele a deitou ali, certificando-se de que as janelas estavam trancadas o suficiente para que ela não escapasse quando acordasse. Ele olhou para ela mais uma vez, seus olhos predatórios avaliando o quão frágil ela estava.
— Ainda há mais para você, minha querida — murmurou com uma tranquilidade perturbadora antes de se retirar do quarto, fechando a porta atrás de si.
A mansão estava silenciosa, exceto pelo som dos próprios passos de Sebastian ecoando nos corredores vazios. Ele subiu alguns lances de escadas e entrou em uma sala nos fundos, onde Rory o aguardava com um brilho nervoso nos olhos. Uma caixa grande e sinistra estava no centro do cômodo, coberta de terra fétida de cemitério. Rory estava agitada, mexendo as mãos com expectativa. Ela sabia que desta vez seria diferente. Desta vez, a transformação seria completa. Sebastian havia prometido, e ela havia seguido todas as instruções à risca.
— Está quase no fim — Rory sussurrou, quase como se estivesse falando sozinha, seus olhos fixos na caixa. — Eu posso sentir.
Sebastian se aproximou dela, seus olhos calmos, mas alertas, observando a caixa coberta de terra.
— Fique pronta — ele disse, a voz fria. — O momento final está chegando, e ela virá com fome... e confusa.
O silêncio na sala parecia crescer mais denso, até que um som sutil de movimento veio de dentro da caixa. A terra começou a se mexer, sacudindo de leve, e Rory segurou a respiração, suas unhas cravando na palma das mãos de tanta expectativa. Então, de repente, a caixa começou a tremer mais violentamente, como se algo estivesse lutando para escapar. Um grito abafado ecoou de dentro, seguido de uma mão emergindo da terra, suja e tremendo. A garota que ele havia raptado das ruas estava de volta do inferno, renascida como vampira.
Ela se levantou com dificuldade, ofegante, os olhos arregalados, o corpo coberto de terra, sua pele pálida contrastando com a escuridão ao redor. O cheiro de morte e decadência ainda estava nela, enquanto a memória de tudo o que havia sofrido no inferno preenchia sua mente com fragmentos terríveis. Gritos, risadas macabras, as sombras que a cercavam, abusos mentais e físicos, e o tormento contínuo... mas o pior era a sensação de impotência. Ela havia sido presa em um ciclo de dor interminável, até aquele momento. Agora, a dor era substituída por uma nova sensação: sede. Uma sede insuportável, que queimava sua garganta e a deixava tonta.
A garota abriu os olhos, confusos e selvagens, enquanto tentava processar o que estava acontecendo. Ela viu duas pessoas, um homem bem jovem e outra garota que provavelmente não passava de uma adolescente, mas a princípio, não os reconheceu. Tudo era uma névoa de sensações e instintos.
— Onde... o que...? — Ela balbuciou, sua voz rouca, sua garganta tão seca que as palavras mal saíam.
Sebastian deu um passo à frente, seus olhos fixos nos dela, cheio de autoridade e charme.
— Calma... — disse ele com uma voz sedutora, mas cheia de poder. — Você está segura agora. Você passou pelo pior... e agora você renasceu. Como é seu nome?
A garota piscou, tentando entender, mas tudo que sentia era medo e uma fome avassaladora. Ela deu um passo para trás, seus olhos saltando de Rory para Sebastian, sem saber em quem confiar.
— Kate... eu não sei o que está acontecendo... — Ela ofegou, sua mão tremendo enquanto a levava à própria garganta, como se pudesse aliviar a sede insuportável que sentia. — Estou... com fome...
— Eu sei — Sebastian disse suavemente, aproximando-se dela como um predador se aproximaria da presa. — Mas você não precisa ter medo. Eu vou cuidar de você... como cuidei de todas as outras.
Ele estendeu a mão e puxou uma bolsa de sangue de uma mesa, cheio com o sangue de Natalie. O cheiro do sangue fresco preencheu o ar, e os olhos de Kate imediatamente se fixaram nele, sua nova natureza vampírica respondendo à promessa de saciedade.
— Aqui, Kate — Sebastian ofereceu a bolsa, a voz como mel envenenado. — Isso vai saciar sua fome. Vai te dar forças. Beba.
Kate hesitou, o medo e a confusão ainda visíveis em seu rosto. Ela não queria se render tão rápido, mas o cheiro era irresistível. O estômago dela revirava de fome, e a garganta queimava como se estivesse em chamas.
— Eu... — Ela começou, tentando resistir, mas a dor era demais. Seus instintos assumiram o controle, e ela pegou a bolsa de sangue com mãos trêmulas.
Sebastian sorriu levemente, percebendo a batalha interna de Kate, e então colocou uma mão suave em seu ombro, tranquilizando-a.
— Isso é natural. Você precisa disso para sobreviver agora. Deixe-se levar... tudo vai ficar mais fácil depois disso.
Com essas palavras, Kate cedeu. Ela mordeu a bolsa com seus novos dentes afiados e o sangue fluiu pela sua boca, extinguindo o fogo em sua garganta e revivendo seu corpo como nunca antes. O gosto era diferente de tudo que ela havia experimentado; era vida, era poder, era controle. E por mais perturbador que fosse, aquilo a fez sentir-se... viva. Sebastian a observou, sua mente já tecendo planos enquanto Kate dava seus primeiros passos como vampira. Kate terminou de beber o sangue, assim como os últimos vestígios de humanidade desapareceram de seus olhos, agora substituídos por algo mais perigoso: a fome insaciável. Ela era uma vampira recém-nascida, cheia de energia descontrolada e emoções confusas, que precisavam ser lapidadas e moldadas. Ele sabia que ela só seria útil por um curto período antes que seu destino final chegasse, mas por ora, servia ao propósito.
— Muito bem — ele murmurou, satisfeito com o progresso. — Rory, cuide dela enquanto eu estiver fora.
Rory deu um passo até ele. Ela era impulsiva e cheia de vontade de provar seu valor, especialmente aos olhos de Sebastian.
— O que vai fazer? — perguntou, tentando esconder a inquietação na voz.
— Ainda precisamos de mais garotas — ele respondeu, já começando a se afastar. — Quando Natalie acordar, alimente-a. Depois, retire mais sangue. Entendeu?
— Certo. — Rory acenou, os olhos fixos nele, uma mistura de devoção e algo mais ardendo por trás de sua aparência inocente. — Eu consegui transformar uma pessoa — disse ela, com a voz carregada de expectativa. — Mereço um prêmio, não?
Sebastian parou, seu olhar lentamente se virando para encontrar o dela. Um sorriso surgiu em seus lábios, mas por trás da máscara de suavidade havia uma ponta de desgosto que ele habilmente escondia. Ele sabia exatamente o que Rory queria, a forma como ela o olhava, buscando mais do que apenas aprovação. Ela queria proximidade, algo carnal, uma conexão mais íntima que ele jamais poderia oferecer. Ela era jovem, apenas dezoito anos, com uma beleza crua e sedutora, como a luz do fogo que atraía as mariposas para a destruição. Rory tinha a pele morena, cabelos cacheados que caíam pelos ombros e olhos castanhos intensos, cheios de uma ingenuidade que ele considerava trágica, mas útil. Seus traços delicados, a curva suave de seu rosto e a forma como ela o olhava com adoração faziam dela uma criatura manipulável, e por isso, Sebastian permitia que ela se mantivesse por perto.
Ele se virou para ela, aproximando-se de forma lenta e calculada. Seus dedos longos e frios seguraram o queixo pequeno e delicado de Rory, inclinando levemente o rosto dela para cima, seus olhos escuros prendendo os dela com intensidade. Ele a avaliou por um momento, o rosto inexpressivo, como se considerasse sua proposta. Rory, com a respiração entrecortada, parecia quase se derreter sob o toque dele. Sebastian a achava bonita, em sua juventude efêmera, e se tivessem vivendo em outro contexto, talvez ele se deixasse levar por esses desejos que ela depositava nele. No entanto, seu destino já estava traçado. Ela era a oferenda que Lilith exigia, e envolver-se com ela dessa forma seria não apenas imprudente, mas também perigoso.
— Você merece — disse ele, sua voz suave, carregada com um tom de falsa ternura que fez Rory suspirar, cheia de esperança. — E vou trazer algo para você, draga mea.
Ele se inclinou ligeiramente, os lábios a centímetros dos dela, o calor do momento aumentando a tensão. Mas, no último segundo, ele desviou, seus olhos frios como gelo enquanto a soltava.
— Mas não agora — completou, virando-se abruptamente, deixando Rory ali, confusa e frustrada, sem saber se havia conseguido algo ou se havia sido, mais uma vez, manipulada por ele.
Sebastian deixou a sala, os passos ecoando pela casa, enquanto Rory ficava para trás, seu coração acelerado pela proximidade com ele, e sua mente cheia de confusões e desejos.
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No quarto de hotel, o ambiente estava denso com a chegada de Christine. O ar estava carregado de tensão e incerteza, embora a presença dela fosse um alívio para Charlotte. Vera estava sentada ao lado da janela, observando tudo com atenção. Greg, no canto, segurava outra cerveja, mas o gosto metálico e sem graça apenas o lembrava de que ele não era mais humano.
— Precisamos reavaliar nossos planos — Charlotte disse, seu olhar varrendo o grupo. — Agora que Christine está aqui, podemos encontrar Sebastian mais facilmente. Ela pode nos ajudar a rastrear onde ele está escondido.
— Certo, e como exatamente vamos atacar? — Cynara perguntou com a voz carregada de desdém. — Não temos um exército, e Sebastian está claramente mais preparado do que imaginamos.
Christine ergueu a cabeça. Seus olhos tinham um brilho determinado, embora o cansaço e a fome ainda pesasse em seus ombros.
— Eu posso lutar — ela disse, a voz firme, porém rouca. — Não vou ficar de lado enquanto Natalie está correndo perigo. Vou enfrentar Sebastian se for preciso.
Charlotte assentiu, satisfeita com a resposta, embora sua preocupação fosse evidente em seu olhar.
— Precisamos de uma distração forte — continuou Charlotte. — Algo que faça Sebastian se focar em outra coisa enquanto entramos. Ele conhece cada um de nós e vai antecipar nossas ações.
Vera observou, silenciosa. Ela ainda estava absorvendo sua recente conexão com Anelise, e as palavras de encorajamento que a fizeram redescobrir sua confiança com seu dom. Agora, sentia que precisava fazer mais do que simplesmente observar. Ela se levantou, chamando a atenção do grupo.
— Vou ajudar da forma que puder — disse ela, sua voz tranquila, mas firme. — Não posso lutar como vocês, mas posso usar meu dom. Se conseguir me conectar com Natalie, posso guiá-los até ela. Eu só quero que tudo termine bem — disse Vera. — Que todos saiam disso vivos e inteiros, especialmente minha filha. E, Charlotte... — ela hesitou por um momento, antes de tocar o ombro da vampira com carinho. — Quero que saiba que você já faz parte da nossa família, apesar de todas as... particularidades que nós temos e as suas. Quero que saiba que sempre terá um lugar conosco, seja qual for o nosso real destino.
Charlotte sentiu um aperto súbito no peito quando ouviu as palavras de Vera. Não era algo que esperava. A aceitação sempre lhe escapara por entre os dedos, como se estivesse destinada a vagar sem nunca pertencer a lugar algum. No entanto, agora, ali, ouvindo Vera dizer que a considerava parte da família, algo se quebrou dentro dela. Ela tentou engolir a emoção que subia, mas foi em vão. Seus olhos encheram de lágrimas, e ela piscou, lutando para manter a compostura. Era um gesto simples, mas para Charlotte, aquilo significava o mundo. Família era algo distante, perdido na sua memória de quando ainda era humana. Ela não se lembrava da última vez que alguém a acolhera de verdade, sem medo, sem mentiras.
— Eu... — sua voz vacilou por um segundo, e ela limpou a garganta, tentando afastar a vulnerabilidade que ameaçava transbordar. — Obrigada, Vera. Eu...
Ela não terminou a frase, mas não precisava. Vera sorriu suavemente, como se compreendesse tudo o que Charlotte não conseguia expressar. Sem conseguir evitar, uma lágrima vermelha silenciosa escorreu pelo rosto da vampira, e ela rapidamente a limpou, mas o gesto não passou despercebido. Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentiu menos monstro e mais... humana. Vera a acolhera como filha, mesmo sabendo de suas "particularidades". E naquele momento, Charlotte finalmente percebeu que talvez houvesse um lugar para ela, afinal.
Cynara observou tudo em silêncio, como sempre fazia, analisando cada detalhe, cada reação. A cena entre Vera e Charlotte a surpreendeu, mas também trouxe à tona algo inesperado dentro dela. Por nunca ter conhecido a própria mãe, pois essa morreu durante o parto, ela cresceu ao lado de dois homens e longe de qualquer tipo de afeto e carinho. Por isso, para Cynara, familia sempre foi um conceito distante, algo que existia apenas para os outros e não para ela que muito já havia perdido e sacrificado. Ela estreitou os olhos, vendo Charlotte baixar a guarda com o brilho da emoção em seus olhos. Algo naquilo a incomodava. Não por inveja, mas porque, em algum nível, Cynara sabia que Charlotte poderia se machucar ainda mais. A vulnerabilidade era uma fraqueza que o mundo – e especialmente vampiros como Sebastian – sabiam explorar sem piedade. Mas, ao mesmo tempo, outra parte dela, aquela que escondia até de si mesma, sentia um desconforto ao assistir àquela cena. Uma parte que lembrava de como, há muito tempo, havia amado e perdido alguém também. Ela disfarçou o sentimento, afastando-o como sempre fazia, e cruzou os braços, mantendo sua expressão indiferente.
— Isso é bonito e tudo mais... — Cynara disse, a voz ligeiramente sarcástica, mas sem a mesma intensidade habitual — mas não podemos nos dar ao luxo de ficar emotivos agora. Temos um trabalho a fazer.
Ela lançou um olhar a Charlotte, que ainda secava as lágrimas, e por um breve segundo, algo não dito passou entre elas. Uma compreensão silenciosa. Cynara desviou o olhar, endurecendo novamente seu exterior. Não era hora de pensar nessas coisas. Não quando a vingança estava tão perto. Virando-se para a amiga, Charlotte prosseguiu.
— Christine, tente se lembrar do lugar que Sebastian está. Precisamos que se esforce um pouco mais para nos guiar pelo caminho certo. Qualquer pista é útil agora.
Christine franziu o cenho, tentando puxar da memória algo que pudesse ajudar. Havia corrido tanto desde que escapara das garras de Sebastian, que o medo quase a apagou tudo.
— Era uma mansão, longe de tudo... mas não tenho certeza exatamente do lugar. O caminho era escuro, deserto, quase sempre escondido por árvores densas...
Greg levantou a cabeça, interrompendo Christine com um tom de convicção.
— Não precisa se preocupar com isso — disse ele, chamando a atenção de todos. — Eu sei onde Natalie está.
Charlotte estreitou os olhos, intrigada.
— Como você... — Charlotte começou, mas Greg a interrompeu com um gesto firme. O vampiro deu um suspiro curto, mantendo a calma enquanto escolhia cuidadosamente suas palavras.
— Pelas pesquisas que fiz. Consegui rastrear alguns dos lugares novos que Sebastian adquiriu recentemente com o nome falso que ele tem usado. Uma dessas propriedades é uma mansão isolada, recém-adquirida ao norte de Edgewater. É lá que ele a está mantendo Natalie. — Disse ele, improvisando a desculpa e mantendo cuidado para não ter a mente invadida.
O grupo permaneceu em silêncio, assimilando a revelação. Cynara o encarou com desconfiança, mas Charlotte finalmente assentiu.
— Se é verdade, então precisamos agir rápido — disse Cynara, sua expressão voltando a ser determinada.
O ar no quarto parecia vibrar com a tensão, como se a simples menção de Sebastian tivesse trazido consigo o cheiro de sangue. Todos sabiam o que estava por vir, e ninguém ali tinha certeza de que veriam ao amanhecer. Cynara, em especial, sentia o peso desse momento de maneira única. Anos de planos, de mágoa, de uma fúria que consumia seu ser como brasas acesas. Sebastian era o responsável por tudo que ela havia perdido – por Isotta, pelo futuro que nunca teria, pela própria humanidade que ela desprezava. Ela olhou ao redor, vendo os rostos apreensivos. Vera, tão determinada em sua dor, pronta para sacrificar tudo por sua filha. Greg, sempre escondendo algo nas sombras de seu olhar. E Charlotte... aquela que um dia havia sido a maior criação de Sebastian e que agora estava ali, frágil e lacrimejante, acolhida por um amor que Cynara sabia que nunca teria. Um suspiro longo e imperceptível escapou de seus lábios, mas seu foco voltou ao que importava: vingança.
Seu coração martelava no peito, mas não de medo – era a adrenalina de saber que o fim estava próximo. O coração do irmão, o sacrifício que entregaria à Lilith, estava cada vez mais próximo de suas mãos. Ela poderia quase sentir o calor do sangue dele entre seus dedos. Por séculos, Cynara se preparou para esse momento, sua mente calculando cada movimento, cada estratégia. Mas agora, de frente ao precipício final, um sentimento inquietante se aninhava dentro dela. Não era dúvida. Não era arrependimento. Era algo mais primal. A simples certeza de que, ao arrancar o coração de Sebastian, ela estaria finalmente libertando-se de tudo que a mantinha viva até agora. Não havia espaço para felicidade, para paz, nem mesmo para alívio. Apenas o vazio da missão cumprida, da vingança conquistada quando tudo acabasse.
Vera adotando a Lottie era tudo que ela precisava agora 💖
CAPITULO ATUALIZADO: 15/02/2025 - NÃO REVISADO
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