
𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟐𝟔)
A sala de estar dos Clark estava mergulhada em silêncio, e o ar denso carregado com a tensão que pairava sobre Vera e Lily. A Scatorccio sentia o peso do que não podia controlar; cada respiração sua era uma tentativa de romper a escuridão que também existia dentro dela. A ausência de Charlotte e Greg, que estavam fora em sua caçada, apenas acentuava o vazio. Ali, naquele ambiente sufocante, Vera enfrentava os fantasmas de seu passado, revivendo cada momento em que escolheu ignorar seu dom, temendo o que poderia descobrir. Agora, diante da necessidade de encontrar sua filha, ela sabia que não poderia continuar fugindo. Respirando fundo, Vera tentou se acalmar e silenciar os pensamentos invasivos que a chamavam de burra. Durante a adolescência, recusou-se a aprofundar em seu dom. O medo sempre a cercara, a sensação de que sua habilidade era mais uma maldição do que uma bênção. Mas havia uma razão mais profunda, mais dolorosa, que ela evitava encarar diretamente: a morte de Anelise.
Anos atrás, Vera teve um sonho. Anelise, afogava-se nas águas escuras de um lago. Ao acordar, Vera ignorou aquilo, preferindo acreditar que era apenas mais um pesadelo ou teve que acreditar nisso. Horas depois daquele mesmo dia, Anelise estava morta. Afogada. Desde aquele dia, o peso da culpa a esmagava, uma lembrança constante do quanto ela falhara em usar seu dom. Devido a isso, Vera mergulhara em uma depressão profunda, que a afastou de Natalie, deixando sua filha sozinha para lidar com a dor. E agora, aqui estava ela, enfrentando mais uma vez a possibilidade de perder outra filha.
— Precisa se concentrar, Vera — Lily disse, sua voz soando quase impaciente. Ela não entendia por completo os fardos de Vera, ou talvez só não se importasse. O que interessava a Lily era encontrar Sebastian e cumprir seus próprios interesses ocultos.
Vera fechou os olhos, tentando silenciar o turbilhão de emoções dentro dela. Tudo o que conseguia sentir era uma barreira intransponível, uma parede invisível que a separava da verdade. A imagem de Anelise morta e a lembrança de sua negligência com Natalie a impediam de se conectar completamente com seu dom. Mas ela sabia que precisava superar isso, precisava tentar, por Natalie.
— Eu... não sei se consigo. Não depois de tudo.
Lily a encarou, seu olhar quase cruel caindo sobre a outra mulher.
— Você não tem escolha. Natalie está correndo perigo, e só você pode senti-la. Use isso. O medo dela, a dor, qualquer coisa que possa te guiar até ela.
Vera respirou fundo novamente, tentando encontrar forças dentro de si. Seu corpo estava tremendo levemente. Não era apenas medo, mas também uma sensação de que estava prestes a cruzar uma linha que evitara por tanto tempo.
— Está com medo, Vera — Lily observou, sem piedade. Vera reparou como a garota parecia bem diferente agora do que quando chegou, menos impaciente e mais rígida. Como se fosse outra pessoa. — Mas esse medo é uma fraqueza. Não deixe que ele a consuma, ou você nunca encontrará Natalie.
A frieza nas palavras de Lily fez com que algo dentro de Vera se acendesse, um misto de raiva e determinação. Vera fechou os olhos novamente e, desta vez, permitiu que sua mente vagasse. Por longos momentos, o silêncio da sala foi interrompido apenas pelo som de suas respirações. Aos poucos, Vera começou a sentir algo. Era sutil, como um eco distante. Medo. Um pavor sufocante que não era seu, mas que pulsava em algum lugar da escuridão.
— Eu... eu sinto algo... — ela sussurrou, sua voz quase inaudível.
— O que você sente? — Lily se aproximou, sua postura tensa e alerta.
— O medo dela. Ela está com tanto medo... — As palavras escapavam de Vera enquanto uma visão se formava em sua mente: flashes de uma sala escura e o som abafado de gritos. Natalie estava lá, apavorada e lutando para manter a esperança viva.
Vera tentou se aprofundar mais na conexão, mas, de repente, a visão ficou distorcida, como se algo estivesse bloqueando seu acesso.
— Não! — Vera gritou, sentindo a conexão se quebrar. Ela abriu os olhos, ofegante, frustrada com sua própria incapacidade.
— O que houve? — Lily perguntou, sua expressão imperturbável, mas seus olhos traindo uma pontada de curiosidade.
— Eu... senti-a. Mas não consegui ir mais longe. Algo... ou alguém... está bloqueando. — Vera passou a mão pelo rosto, exausta. — Acho que não sou forte o suficiente para romper isso.
— Claro que é — Lily retrucou, com uma frieza cortante. — Você simplesmente só não está permitindo que isso aconteça. Está se segurando. Sente medo e isso te limita.
Vera abaixou a cabeça, tentando segurar as lágrimas que ameaçavam transbordar. Talvez Lily estivesse certa. Talvez fosse ela mesma quem estivesse sabotando sua própria tentativa de encontrar Natalie, com medo do que poderia descobrir, ou de falhar novamente.
— O medo é uma âncora — Lily continuou. — E se você não cortar essa corrente, Vera, perderá sua filha de verdade desta vez.
Essas palavras penetraram fundo, como uma faca. Vera ergueu o rosto, respirando fundo para se recompor. Ela precisava lutar contra seus próprios demônios se quisesse salvar Natalie. Mas mesmo que tivesse conseguido sentir o medo e o pavor de sua filha, ela sabia que ainda estava longe de ser a médium que deveria ser. Lily olhou para Vera com um misto de desaprovação e leve compreensão.
— Você está começando a sentir, mas isso não é suficiente. — Sua voz era mais suave desta vez, quase como se ela soubesse o que Vera estava passando, mas não quisesse demonstrar qualquer sinal de fraqueza.
— O que eu faço agora? — Vera sussurrou, exausta. Lily a encarou por um longo momento antes de falar.
— Charlotte voltará alimentada e forte, então ela poderá ajudar. Enquanto isso, vou fazer um chá para nós duas, acho que aqueles dois não irão demorar lá fora.
Vera balançou a cabeça, ainda se sentindo um fardo, mas determinada a continuar, mesmo que seu coração estivesse em pedaços. Ainda que ela estivesse fraca e assustada, o amor por Natalie e da redenção era a única coisa que a impulsionava para seguir adiante.
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O vento frio da noite acompanhou os vampiros a medida que se aproximavam da civilização outra vez. Por hora, tudo parecia estar seguro, embora ainda ao longe pudessem ouvir galhos quebrando e um cheiro indescritível nas narinas. A tensão entre Charlotte e Greg era nítida, mas nenhum dos dois tinham vontade de comentar o que haviam vivido na floresta há poucos minutos. O ar estava pesado, e as folhas secas do outono se agitaram ao redor dos vampiros quando seus pés deslizaram sutilmente até a porta da casa dos Clark. O uivo do lobo ainda escoava em suas mentes, e seria dificilmente esquecido. Agora quilo ficaria marcado como um lembrete de que Lily estava certa quando disse que a cidade de Toms River estava cercada de seres sobrenaturais. Pararam na porta, e se encararam. Ambos estavam sujos de sangue e algumas vísceras, além de galhos e folhas. Charlotte passou a mão pelo cabelo escuro e longo, mantendo-se o mais alinhada possível, enquanto Greg não fez tanto esforço para se limpar. O vampiro ergueu o pé para entrar, mas foi impedido pela garota, que o encarava com uma expressão tensa.
— O que foi? — Perguntou ele.
— Nada de falar sobre o lobisomem com Vera, na verdade, nem temos certeza de que realmente era um.
— É sério, você tem uma explicação melhor para o que seguiu a gente? Porque tenho certeza que era um lobisomem.
— Não importa. Não agora. Já temos problemas demais e ela também. — Charlotte declarou.
— Espera. Você acha que a morte do pai da Natalie pode ter sido um lobisomem?
— Quem sabe — Charlotte deu de ombros. — mas, primeiro, precisamos localizar a Natalie, antes de chegar ao assassino do Joe, que francamente, não faço questão de achar.
Greg assentiu, havendo algo mais em seu olhar que só a concordância de focar na localização de Natalie. Uma parte sua também estava agitada, algo que Charlotte percebeu, mas optou não questionar. Atravessando as portas, encontraram a sala da mesma forma que deixaram, mas dessa vez, Vera se encontrava sentada no sofá com um chá em mãos, com olhos cansados e rosto pálido. Lily voltava da cozinha, com outra caneta fulminante e com um semblante de que suas buscas não haviam sido vantajosas. O ambiente era sufocante, algo que fez Charlotte separar os lábios imediatamente.
— O que aconteceu? O que descobriram? — a voz cortou o ar quando a vampira parou no centro da sala.
— Não, não conseguimos nada. — Lily respondeu, sua voz baixa, mas firme. — Fizemos o que foi possível com o que tínhamos.
— Na verdade, eu senti algo, bem pouco... — começou Vera, a voz trêmula. — Não conseguimos um local exato, mas eu senti a Natalie. Ela estava com medo, tanto...
Charlotte apertou os punhos, frustrada. Não era a resposta nem os resultados que queria. Cada minuto que passava, Sebastian estava mais perto de completar o sacrifício, e eles ainda estavam às cegas.
— Então o que fazemos agora? — Greg perguntou casualmente, desviando o olhar para a janela, se certificando de não foram seguidos por uma certa criatura peluda que andava sobre patas.
— Continuamos tentando — Lily respondeu secamente. — Agora a Charlotte está mais bem alimentada, ela pode tentar novamente, talvez tenha mais sucesso dessa vez.
Vera engoliu seco, imaginando que tipo de alimento havia deixado a vampira Matthews mais forte. Pela primeira vez, Charlotte não declarou nada venenoso a Lily, porque em parte, estava cansada das provocações, por isso, apenas buscou o velho local para se concentrar. Dessa vez, ela só iria parar quando finalmente encontrasse a garota que amava.
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Natalie desceu os degraus da escada velha com Christine logo atrás, enquanto o eco dos gritos femininos preenchia o ar abafado e sinistro do casarão. As duas trocavam olhares tensos, seus passos lentos e cautelosos. Ao chegarem ao primeiro andar, o cenário que se desenrolava diante delas era um lembrete cruel do horror que Sebastian trazia consigo. Rory estava de pé, os olhos fixos em uma jovem mulher que parecia completamente fora de lugar ali. Ela tinha cabelos loiros desgrenhados e o olhar apavorado de quem sabia que não havia escapatória. Suas roupas provocantes indicavam sua profissão, mas, naquele momento, ela era apenas mais uma vítima presa na teia de um predador sanguinário. Ao lado de Rory, Sebastian observava a cena com um sorriso de satisfação fria, as mãos nos bolsos, os olhos predadores.
— Nossa, Sebastian, seus padrões caíram um pouco, não? Agora pegando qualquer uma da rua? — Natalie soltou, tentando disfarçar o nojo que sentia com uma camada fina de sarcasmo.
Sebastian virou a cabeça lentamente para encará-la, um sorriso se formando nos lábios, mas não a respondeu. Ao lado, Rory estava nervosa, mas também tomada por uma excitação estranha. Seus olhos brilhavam de adoração enquanto ela olhava para Sebastian. Natalie percebeu o desejo não dito, a maneira como antiga goleira praticamente tremia ao lado dele. O desejava. Era óbvio que estava disposta a fazer qualquer coisa para ganhar sua aprovação, até mesmo matar suas colegas ou pessoas inocentes.
— Rory... — Sebastian murmurou, dando um passo à frente e estendendo a mão para a jovem vampira. — Está na hora de você mostrar o que aprendeu.
A garota loira começou a tremer visivelmente, lágrimas escorrendo por seu rosto enquanto Rory se aproximava dela. Natalie sentiu um frio na espinha. Aquela cena era um reflexo distorcido da própria experiência dela; embora estivesse aprendendo a se proteger nesse mundo de monstros, ver Rory se entregar à escuridão, tão completamente, a enojava.
— Rory, você não precisa fazer isso — sussurrou Natalie, mas a vampira sequer a olhou.
Rory se inclinou sobre a garota, os olhos fixos no pescoço exposto dela, os dentes crescendo em sua boca, prontos para perfurar a pele. A jovem mulher soltou um grito de puro terror, mas ninguém fez nada. Rory a mordeu, e o sangue jorrou. A garota estremeceu sob o ataque, a vida se esvaindo lentamente. A vampira sugou com avidez, os olhos semi cerrados, perdida no êxtase do ato. Natalie virou o rosto, o gosto amargo da impotência e da raiva subindo em sua garganta. Era óbvio o quanto Rory estava perdida, e o pior: ela parecia gostar disso. O som do sangue sendo drenado era quase insuportável, e Natalie sabia o que viria a seguir. Quando Rory se afastou, o sangue escorrendo pelo canto da boca, ela ergueu o próprio pulso e, sem hesitar, abriu um pequeno corte com os dentes afiados.
— Beba — ordenou ela, colocando o pulso contra os lábios da garota quase inconsciente.
Natalie observou, o estômago revirando, enquanto a jovem mulher, agora tão fraca que mal conseguia manter os olhos abertos, engoliu o sangue da vampira. Era o começo da transformação. Rory parecia cheia de orgulho, e assistia à cena com um brilho doentio nos olhos. Quando o corpo da garota finalmente caiu no chão, sem vida, Sebastian deu um passo à frente, satisfeito.
— Muito bem, Rory. Prossiga com a transição, e deixe que ela desperte na escuridão, como todos nós fizemos um dia.
Natalie sentio o estômago se contrair de nojo. Mas, de repente, um calafrio percorreu sua espinha. Era uma sensação familiar, uma presença invisível que ela não conseguia entender completamente, mas que despertava algo profundo dentro dela. A loira virou a cabeça lentamente, seus olhos fixando-se no espaço vazio à sua direita. Algo... ou alguém estava ali.
E então, ela sentiu. Um toque. Um toque frio em seu braço.
Natalie congelou, o coração acelerando em seu peito. O toque era leve, quase imperceptível, mas estava lá, e não era fruto da sua imaginação. Ela virou-se lentamente, os olhos arregalados de surpresa. Nada. Ninguém estava ao seu lado. Mesmo assim, ela sabia. Charlotte...? Pensou, sem entender como sabia disso, mas sentindo, em seu âmago, que era ela. O frio se espalhou pela sua pele, uma espécie de alívio desconcertante em meio ao caos. Era como um último suspiro de esperança em um ambiente que parecia devorar toda a luz.
Charlotte, ficou surpresa ao ver que Natalie havia de fato sentido sua presença. Ela sabia que não poderia se manifestar fisicamente, mas de algum modo, seu toque frio havia atravessado as barreiras entre os planos. "Estou aqui", pensou Lottie, sem conseguir se comunicar diretamente. Ela observou, impotente, enquanto o horror da transformação acontecia diante seus olhos. Era uma visão que fazia sua raiva crescer, uma raiva silenciosa e gelada, mas que não poderia resolver nada naquele momento. Tudo o que a vampira Matthews podia fazer era observar e tentar consolar Natalie com sua presença.
Natalie sentiu a pele formigar devido ao toque, então uma lágrima solitária desceu por seu rosto. Ela não conseguia ver Charlotte, mas sabia que a vampira estava ali, de alguma forma. Mesmo invisível, Charlotte era a única coisa que a mantinha conectada ao mundo exterior, à esperança de ser salva. Sebastian, no entanto, não percebeu nada. Seus olhos estavam fixos na jovem caída aos seus pés, um olhar de orgulho macabro em seu rosto. Para ele, cada vampiro criado sob sua ordem era mais que um soldado, seu valor era maior que uma peça no tabuleiro de seu jogo ambicioso. Enquanto Rory se ajoelhava ao lado do corpo da garota, pronta para levá-la para a próxima etapa da transição, Natalie tentou esconder o pavor que tomava conta de seu ser. Ela sabia que o tempo estava correndo, e Sebastian não iria esperar muito mais antes de tentar realizar o ritual final.
Ela só esperava que Charlotte conseguisse fazer algo antes que fosse tarde demais.
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TOMS RIVER
Charlotte respirou fundo, sentada e imóvel no meio da sala. Seu olhar se manteve fixo em um ponto indefinido pelos segundos que seu copo absorvia o sangue humano. Cada célula do seu corpo se sentia revitalizada, e a força que há tempos sentia perdida parecia ressurgir. Fechou os olhos, concentrando-se completamente em um único objetivo: encontrar Natalie. O sangue de Natalie ainda corria nela, a conexão entre elas era intensa, mas por algum motivo, fragmentada. Por mais que tentasse antes, não conseguia sentir a garota com clareza, os traços de suas visões eram nebulosos, distorcidos por uma fraqueza que Charlotte jamais admitiria em voz alta. Agora, sentindo-se renovada, ela mergulhou em seu dom, deixando-se levar pela presença que só o sangue pode revelar.
As primeiras imagens começaram a aparecer em sua mente — flashes de uma sala escura, teias de aranha pendendo do teto, móveis velhos espalhados como restos de um passado longínquo. O cheiro de mofo e sangue impregnou seu olfato.
— Ela está aqui. — Um sussurro frio percorreu a espinha de Charlotte. Era como se o ambiente ao seu redor estivesse puxando-a para a consciência de Natalie.
— Está vendo a Natalie? — Vera perguntou, mas Greg emitiu um chiado a silenciando.
Com um esforço quase sobrenatural, Charlotte permitiu que sua essência se desprendesse do corpo físico, materializando-se no espaço onde Natalie estava. O lugar era tenebroso. Ela podia sentir o medo no ar, como uma neblina densa. À sua frente, viu Natalie ao lado de Christine, ambas olhando em direção a Sebastian e Rory, que cercavam uma jovem aterrorizada. A garota parecia uma prostituta, assustada demais para sequer entender o horror que estava prestes a acontecer.
— Natalie está vendo tudo isso... — Charlotte falou.
— Vendo o quê? — Dessa vez Greg não conteve a curiosidade.
— Uma garota, provavelmente uma prostituta. Acho que vão matá-la ou transformá-la.
Charlotte aproximou-se mais, movendo-se na forma de um espectro, observando com precisão vampírica cada detalhe. Rory olhava para Sebastian com adoração, pronta para cumprir suas ordens. Rory... sempre tão cega e burra. O pensamento de Charlotte ecoou em sua mente, enquanto Rory afundava os dentes na garganta da jovem, alimentando-se como uma criatura faminta e descontrolada. Mas o foco de Charlotte estava em Natalie.
— Vejo a Natalie. — Havia algo mais profundo no olhar de Natalie, um conflito interno entre a desesperança e a coragem. Era isso que Charlotte precisava.
Ela se aproximou ainda mais, estendendo uma mão translúcida. "Natalie... você consegue sentir... estou aqui." Charlotte não tinha esperança de que o toque funcionasse. Não nessa forma. No entanto, a necessidade de tentar era avassaladora. Quando seus dedos frios tocaram o braço de Natalie, um arrepio percorreu o corpo da garota. Natalie se virou abruptamente, seus olhos grandes e assustados percorrendo o vazio.
Charlotte congelou, surpresa com a reação.
— Ela sentiu. — Charlotte declarou em voz alta. Por um breve momento, o tempo parecia ter parado. Natalie franziu o cenho, olhando ao redor com desconfiança. Sabia que algo estava ali, mas não conseguia ver. — Ela me sentiu! Ela sabe que estou aqui.
Charlotte quis gritar, quis segurar Natalie, sacudi-la e dizer que estava fazendo o impossível para salvá-la. Mas tudo o que conseguiu foi permanecer naquele limiar entre a presença física e o invisível.
— Eu estou perto, Nat... vamos tirá-la desse lugar.
No entanto, antes que pudesse fazer algo mais, o mundo ao redor pareceu estremecer. Charlotte viu Rory cortar o próprio pulso, oferecendo o sangue à garota. Enquanto Natalie assistia aquela cena com horror e Charlotte pode sentir todo o desespero de sua protegida sem poder fazer muito. — Droga, Sebastian...
— O que ele está fazendo? — Vera quis saber. Charlotte balançou a cabeça. A vampira manteve-se na forma espectral, resistindo ao impulso de retornar imediatamente para o mundo físico.
— Eu preciso saber onde eles estão. Não posso sair daqui sem essa informação. — O sacrifício se aproximava, e o tempo corria contra eles. Cada segundo contava. Natalie estava próxima, mas o verdadeiro desafio seria localizar o covil de Sebastian no mundo real.
— Isso, procure por um quarto ou escritório, busque o nome de qualquer cidade. — Dessa vez foi a voz de Lily que se presente.
Com a respiração quase inexistente, Charlotte se afastou de Natalie. Ela sabia que a garota estava sob vigilância constante, mas, naquele momento, a preocupação imediata era descobrir a localização do esconderijo. Movendo-se pelo local, ela seguiu pelo corredor mal iluminado, com as paredes cobertas de um papel de parede horrível. O cheiro de umidade e sangue impregnava o ar. Um lugar antigo, ela pensou. Mas onde exatamente?
O corredor parecia se estender para além da visão, um labirinto de portas fechadas e escadas empoeiradas que pareciam levar a lugar algum. Charlotte desceu uma escada em espiral que levava a um andar mais profundo do covil, passando por mais corredores até chegar a uma porta de madeira maciça, diferente das outras. Ela atravessou a entrada sem hesitar, sua forma pairando pelo escritório escuro e abafado. As janelas estavam seladas com cortinas pesadas e tapeçarias ancestrais. Havia um ar de sofisticação e decadência ali, mas o que chamou sua atenção foi a grande mesa no centro da sala. Papéis e mapas estavam espalhados, como se alguém estivesse planejando algo meticuloso.
— Acho que vou encontrar algo aqui. — Disse ela em voz alta.
— Onde você está exatamente? — Greg perguntou.
— Um escritório, pelo que parece. — Respondeu a vampira.
Charlotte aproximou-se da mesa e começou a examinar os papéis, embora soubesse que não podia tocá-los diretamente. Seu olhar caiu sobre um mapa detalhado dos Estados Unidos, com várias marcas de cidades e pontos estratégicos.
— Sebastian planeja algo realmente grande. — A vampira falou. — Ele marcou alguns lugares no mapa dos Estados Unidos.
— Lugares para dominar, talvez. — Greg de ombros. — Que metódico.
— Ou talvez sejam só lugares por onde ele passou. — Charlotte deu de ombros. Um dos papéis que estava rabiscado com uma caligrafia conhecida chamou sua atenção. Ela estreitou os olhos e leu o que conseguia:
"Toms River... próximos... Edgewater..."
Edgewater. A cidade ficava ao norte de Toms River, a uma distância razoável.
— Acho que eles estão em Edgewater! — Falou a vampira.
Vera soltou a respiração presa no pulmão. Greg correu para o notebook e Lily sumiu ao subir os degraus para o segundo andar segurando o pulso que começava a abrir um corte de dentro para fora. Charlotte passou os olhos pelo restante dos papéis, verificando se havia alguma outra informação crucial. Mapas, textos em um idioma estranho, desenhos horríveis e brutais. Sacrifícios detalhados.
Quando estava prestes a sair, algo a mais chamou sua atenção – um grimório com um texto estranho escrito. Era provavelmente o invocamento de Lilith. As palavras breves, mas poderosas, indicavam um ritual, algo que daria a Sebastian poder sobre todos os outros vampiros. Ele realmente quer se tornar o rei dos imortais. Isso confirmava o que já suspeitavam. Com um último olhar para a sala, Charlotte se desmaterializou novamente, retornando a sala de estar de onde nunca sairá, sabendo agora para onde deveria ir: Edgewater.
— Natalie está em Edgewater — começou Charlotte, em voz calma, mas urgente. — Parece um lugar antigo, talvez um armazém ou uma casa abandonada. Mal decorado, decadente...
— Charlotte! — Vera chamou o nome, atraindo a atenção da vampira. — Você tem certeza disso?
— É uma pista. — Ela deu de ombros.
— Edgewater — Greg repetiu a medida que digitava o nome no notebook. — Vou procurar por ruas ou bairros mais antigos, com casas que se encaixam nessa descrição. — Suas mãos chegaram a voar pelo teclado. Vera olhou para Charlotte com uma mistura de esperança e medo.
— Se realmente for esse lugar, então temos que sair agora! — Vera falou, mas antes que a vampira tivesse a chance de dizer algo, foi interrompida por um som que imediatamente a colocou em alerta. Do andar de cima, veio um ruído abafado, seguido por algo caindo com um baque. — O que foi isso? — Vera ergueu o rosto.
— Onde está Lily? — Charlotte olhou em volta.
— Lily? — Greg chamou, abandonando o notebook. — Acha que foi ela?
Charlotte franziu o cenho até sentir o odor metálico de sangue invadir suas narinas. Seu olhar encontrou o de Greg, e ambos encararam juntos as escadas. Então ouviram um som perturbador de algo macio indo a chão, como se alguma coisa tivesse trocando de pele. Se entreolharam mais uma vez, provavelmente o lobisomem da mata o havia seguido.
— Vera, entre no armário e só saia quando dissemos que é seguro. — Charlotte ordenou. O olhar da mais velha pousou no dos vampiros. — Vai logo! — Gritou a vampira, percebendo que a Scatorccio ainda se mantinha parada. Vera correu até a porta sem questionar nada, apenas com o coração acelerado imaginando o que mais aconteceria naquela noite.
— Primeiro as damas. — Greg apontou para a escada. Charlotte revirou os olhos.
— Nem sempre o cavalheirismo é necessário, Greg. — A vampira revirou os olhos, começando a subir as escadas, enquanto Greg continuava de perto.
Conforme subiam, o cheiro de sangue começou a invadir o ar, e as manchas vermelhas nas paredes confirmaram o pior: algo ou alguém havia se ferido gravemente. A cada passo, o rastro de sangue se tornava mais espesso com pedaços de pele, quase como se alguém estivesse se desfazendo, se espalhavam por todo o lugar. Charlotte enrugou o nariz, aquele sangue era podre. Morto. Ela encarou a sua frente, vendo uma trilha nojenta de restos mortais se acumularem em frente a porta do banheiro.
— Lily? — Charlotte chamou outra vez, somente por precação. Um barulho novo colidiu em sua audição sensível. O chuveiro do banheiro fora ligado e agora alguém parecia banhar.
Charlotte olhou por cima do ombro, vendo Greg a motivar ir em frente. Seus passos foram mais rápidos que suas mãos em girar a maçaneta e entrar no pequeno comodo. Ela parou bruscamente, separando os lábios com o cenário de horror. Havia sangue por toda parte – respingado nas paredes, espalhado no chão, formando poças espessas. Pedaços de pele e tufos de cabelo estavam espalhados pelo local, como se uma criatura tivesse se despedaçado ali. O vapor do chuveiro preenchia o espaço, criando uma neblina sufocante. Charlotte abandonou uma das mãos na frente do rosto, enquanto a outra tocou em uma superfície macia. Seus olhos colidiram com um pedaço de pele bronzeada com lábios rosados. Se não tivesse acostumada a esses tipos de coisas, provavelmente gritaria. No entanto, a vampira apenas largou o tecido humano nos chãos e encarou a silhueta que se esfregava sob o chuveiro. Não conseguia ver muita coisa. O vidro estava embaçado, mas podia notar claramente uma forma humana e feminina.
— Que porra tá acontecendo, Lily? — Charlotte quis saber, sem paciência para todo mistério.
Então, o chuveiro foi desligado e a porta do box se abriu lentamente, e uma figura emergiu do vapor. A primeira coisa que Charlotte notou foi a pele. Era perfeita, sem imperfeições, como se tivesse sido recém-regenerada. O corpo alto possua uma forma atlética e curvilínea. Os longos cabelos negros caíram soltos, ainda úmidos, e os olhos, de um azul profundo e penetrante, encontraram os de Charlotte com um ar frio e diabólico. Um sorriso cruel se formou nos lábios da jovem mulher, que em nada lembrava Lily.
Havia algo de predatório nela, uma inteligência fria que parecia sondar tudo ao redor. A mulher que estava diante de Charlotte tinha traços delicados, mas firmes, com um ar gélido e pele branca. Provavelmente não tinha mais que vinte e cinco anos. Seus lábios estavam curvados em um sorriso pequeno, mas ameaçador. Uma semelhança atingiu a vampira Matthews em cheio. Aquela mulher que estava diante dela tinha uma familiaridade incomum, embora nunca a tivesse visto antes. Charlotte deu um passo para trás, enquanto a outra garota saía completamente do box, a água escorrendo por sua pele recém-revelada e nua. Havia uma crueldade tranquila em seus movimentos, como se ela tivesse estado esperando o momento certo para aparecer.
— Surpresa? — murmurou a outra, com sua voz baixa e um sutil sotaque também familiar.
— O que... Quem... — Eram muitas perguntas para Charlotte processar de uma só vez. A mulher em sua frente encarou o ambiente ao redor, com nojo no olhar, enquanto envolvia uma toalha limpa em volta do corpo, finalmente se cobrindo.
— Quem... diabos é você? — Greg questionou, quebrando o silêncio pesado no ar ao entrar no banheiro. — Cadê a Lily?
— Ah, Lily... — A jovem disse quase com um toque de melancolia. — Ela era apenas uma fachada. Uma máscara que eu precisava para ficar por perto e conseguir o que queria. Mas a máscara já não serve mais, porque os planos mudaram. — Seu olhar caiu para os dedos, movendo-os como se por muito tempo não fizesse esse movimento. — E também já estava ficando apertado demais ficar dentro dela por todo esse tempo. O corpo já estava me rejeitando. — O olhar acinzentado ergueu-se para os vampiros, que estavam confusos. — Mas não importa quem eu era. Mas vocês devem querer saber quem eu sou. Bem, meu nome é Cynara Dascălu.
Alguém aí acertou a teoria sobre a Lily?
CAPITULO ATUALIZADO: 21/12/2024 - NÃO REVISADO
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