
𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟐𝟏)
O tempo era realmente inimigo daqueles que tinham urgências. Natalie concluiu isso ao entrar novamente na cozinha, desta vez encarando o pequeno relógio amarelo que disputava espaço na apertada prateleira de condimentos. Já passava das duas da madrugada, e era justamente isso que a incomodava. Charlotte estava fora há tempo demais, sem dar nenhum sinal desde que atravessara as portas rumo à mansão dos Matthews. Algo ruim havia acontecido, e, embora Natalie tentasse esconder o pressentimento que se alastrava em seu peito cada vez que imaginava o que a vampira estava fazendo, era evidente que estava fracassando. Sua boca estava seca, mesmo já tendo bebido mais copos de água naquela noite do que em uma semana inteira. Os calafrios também a perturbavam, mas talvez fosse apenas a aflição crescente diante de toda aquela situação.
Puxando o celular, tentou mais uma ligação, mas, para sua infelicidade, foi novamente desviada para a caixa postal. Se antes o coração estava acelerado ao descobrir o destino que Sebastian tinha traçado com Charlotte, agora parecia à beira de explodir. E se ele a tivesse capturado? Natalie respirou fundo e bebeu mais um copo de água, mesmo já se sentindo cheia de tantos outros. Voltou para a sala, onde varreu o ambiente com o olhar. Lily e Greg também pareciam tensos, exatamente como um cão e um gato ficariam se fossem colocados juntos em uma sala.
— Nenhum retorno? — Greg perguntou. Natalie negou com a cabeça.
— Não, estou começando a achar o pior... — murmurou a garota.
— A Charlotte sabe se virar, Nat! — Greg deu um leve sorriso, mas isso não diminuiu a preocupação no olhar da amiga.
— Deixe-me ver se eu entendi, você é um vampiro, Greg? — Lily umedeceu os lábios.
— Graças a você... — O garoto caminhou até ela. Lily prendeu a respiração quando ele se inclinou sobre ela, apoiando-se com as mãos em cada lado da poltrona. Ela virou o rosto, sentindo o calor da respiração dele tocar sua pele exposta. — Você me deu a chance de uma vida melhor quando me esfaqueou no velório.
— Eu sinto muito. — Ela lamentou.
— Não sinta. Quer dizer, você terá muito tempo para sentir tudo que pretendo fazer com você quando não for mais útil para nós. — Greg se afastou, saboreando a maldade de suas palavras.
— Essa é quem você é, Natalie? — Lily encarou a loira, que ainda olhava fixamente para o celular, com o semblante preocupado. — Se aliando aos vilões? Você é um desperdício tão grande de poder.
— Não é você quem decide o que é certo ou errado aqui. — Natalie marchou até a garota, que sorriu de lado. Ela parou de repente, quando percebeu a última palavra dita pela caçadora. — Poder?
— Sabe, crianças, esse mundo é muito dividido. Há o bem... — Lily encarou Natalie, mas logo desviou o olhar para Greg. — E o mal. As histórias de terror são verdadeiras. Realmente há monstros escondidos nos armários e embaixo da cama, disfarçados de anjos... E há também aqueles que conseguem não ser nenhuma dessas coisas, mesmo fazendo parte desse mundo, sendo simplesmente... pessoas especiais.
— Onde quer chegar? — Natalie perguntou.
Lily a encarou com um brilho desafiador nos olhos, suas palavras carregadas com uma confiança que fazia o ar entre elas parecer mais denso.
— Quando cheguei a essa cidade, sabia o que poderia encontrar. Pensei que lidaria apenas com vampiros, mas Toms River é uma espécie de... encruzilhada para o sobrenatural. Há muitos seres escondidos por aqui, mais do que você imagina. Eles preferem o silêncio, assim torna tudo mais fácil. — Sua voz abaixou como um sussurro conspiratório, enquanto seus olhos analisavam cada reação de Natalie. — Você é uma dessas coisas. Fica fácil notar o que não é normal depois que se perde alguém importante e criar mais interesse no sobrenatural. Você sabia disso?
Natalie sentiu a pele arrepiar, um formigamento inquietante subindo por sua espinha. Era como se, de repente, o ar ao redor estivesse carregado, denso. Ela tentou respirar fundo, mas o peso das palavras de Lily parecia apertar sua garganta.
— Então você é uma bruxa? — Natalie lançou a pergunta, a descrença tingindo suas palavras, mas algo na tensão crescente em sua espinha revelava que a dúvida já começava a corroer suas defesas.
— Bruxa? Que ideia antiquada, Natalie. — Lily soltou uma risada baixa e desdenhosa, seus olhos parecendo sondar a mente da loira. — Mas... se soubesse quem você realmente é, talvez você já teria aceitado tudo isso.
O coração de Natalie pulou um batimento, e ela piscou várias vezes, como se as palavras de Lily tivessem ativado algo profundo e enterrado.
— O quê? — A incredulidade estava clara, não só nas palavras de Natalie, mas em seu interior.
— Qual é, Natalie? Você nunca sentiu que algo estava errado? Não falo daquela intuição comum, mas algo mais visceral... mais afiado. Começa com coisas pequenas. Sonambulismo, sombras que não deveriam estar lá, sonhos que se tornam realidade, visões que parecem mais nítidas que a vida ao seu redor. E não me diga que não reconhece isso.
A mente de Natalie vagava. Ela se lembrou das noites em que encontrava sua mãe de pé na janela, murmurando para si mesma, olhando para algo que Natalie não conseguia ver. Das vezes em que Vera a segurava firme demais, o olhar distante e cheio de segredos, como se soubesse de algo que ninguém mais sabia. Na época, Natalie evitava pensar nisso, considerava apenas uma fase. Mas e se... e se tudo aquilo fosse real? Natalie sentiu a garganta apertar. Cada palavra de Lily era uma agulha perfurando memórias que ela havia ignorado por tanto tempo. Vera... sua mãe sempre foi tratada como louca, mas talvez o pai estivesse errado. Todas aquelas intuições, as palavras não ditas, os olhares que ela desviava. Tudo fazia sentido agora, como peças de um quebra-cabeça montando uma imagem aterradora. Após a morte de Anelise, Vera se fechou, afundando-se em um mundo de medicações que a afastaram ainda mais da realidade. Natalie, naquela época, era apenas uma criança assustada, incapaz de entender por que sua mãe sussurrava para as sombras. E agora, com Charlotte de volta... aquele mesmo nó de medo e desconforto que sempre a assombrou parecia apertar ainda mais. Algo dentro dela estava começando a se agitar.
— Você é mais parecida com sua mãe do que pensa, Natalie. E se continuar fingindo que nada está acontecendo, vai acabar como ela... ou pior.
As palavras de Lily flutuaram no ar como uma ameaça, deixando Natalie com mais perguntas do que respostas, mas, acima de tudo, com uma dúvida crescente sobre si mesma, algo que ela mal ousava reconhecer.
— Não ouça ela, Nat. — Greg segurou a mão da amiga, percebendo que sua pele estava tão fria quanto a dele, que já estava morto. — Ela provavelmente está tentando confundir sua cabeça.
— Ela sabe que estou certa, não sabe? — Lily sorriu de lado, vitoriosa. — Eu posso ajudar você a desenvolver esses dons. Podemos nos ajudar... Você tem um poder adormecido aí dentro, deixe-o despertar de vez!
— Meu dom é acabar com tudo isso que está acontecendo. — Natalie se soltou do amigo e deu passos largos em direção à caçadora. — Você sabe o encantamento para invocar Lilith?
— Você acha mesmo que tenho alguma intenção de trazer um demônio para a Terra? Não! Eu não sei o encantamento para invocá-la... — Lily se irritou. — Mas, eu estava perto de capturar um vampiro mestre...
— Você, uma humana patética, acha mesmo que tem chance de matar um vampiro antigo? Pelo que ouvi, você levou uma surra da Charlotte. — Greg sorriu de lado. Lily rangeu os dentes, sentindo o rosto esquentar. — Vamos voltar para suas pesquisas.
— Já contei tudo a vocês. Sebastian quer invocar Lilith e pedir algo grande. É provável que ela exija poder absoluto sobre os demais vampiros. — A garota se mexeu desconfortavelmente novamente.
— Eu preciso falar com a Charlotte. Ela não está atendendo minhas ligações. — Natalie se virou para Greg.
— Talvez o Sebastian a tenha capturado. — Lily reprimiu um sorriso. Greg bufou, puxando a fita adesiva novamente.
— Você já está falando demais, garota. — Disse ele. Natalie o segurou quando o vampiro tentou caminhar até a garota.
— Não, e se... — A preocupação brilhou em seus olhos verdes. Natalie não queria pensar nessa hipótese, mas deveria considerar tudo. E se Sebastian tivesse descoberto os planos? — Acho melhor irmos até a mansão Matthews.
— Meu Deus, você realmente tem um interesse enorme por aquela vampira. — Lily comentou. — Você pode estar correndo um grande risco ao fazer isso. Aliás, esqueceu que seu pai foi morto por um vampiro? Quem garante que não foi a Charlotte que fez isso?
— Não foi ela! — Natalie respondeu, firme. Lily ergueu uma sobrancelha.
— Você tem tanta certeza? — Lily questionou.
— Você mesma disse que nesta cidade há muitos seres sobrenaturais. Talvez a morte dele tenha sido causada até por você. — O tom acusatório de Natalie incomodou Lily, que separou os lábios em protesto.
— Eu tentei ajudar você. Tentei abrir seus olhos e avisei das consequências. — Lily se inclinou para a frente, fazendo uma careta de dor ao se lembrar do pulso fraturado. — Natalie, eu realmente quero te ajudar, mas você não quer colaborar.
— Nat, eu sei que está preocupada com a Lottie, mas também não acho seguro sair no meio da noite. — O vampiro se aproximou. Natalie mordeu os lábios e olhou novamente para a tela do celular. Greg caminhou até Lilian outra vez. — Você vai me deixar entrar na sua casa...
— Vai levá-la? — Natalie perguntou ao perceber que o amigo estava hipnotizando Lily. A outra garota piscou, sonolenta e acenou sem dizer nada.
— Ela não pode ficar aqui. Será confuso demais para sua mãe quando ela acordar. Vou levá-la para casa dela e ficar de vigia até o amanhecer. — Explicou.
— Eu não vou conseguir dormir depois de tudo isso. Eu preciso falar com a Lottie. — Natalie passou a mão pelos cabelos, ainda ponderando a ideia de sair no meio da madrugada para o outro lado da cidade.
— Se você fizer alguma besteira como sair dessa casa, eu vou quebrar seus tornozelos. E nem estou exagerando. — Greg falou, fazendo Natalie erguer as sobrancelhas. Ele havia lido seus pensamentos ou só deduzido que ela sairia realmente de casa quando ele sumisse? — Vou ficar de vigia na casa ao lado, e tenho certeza que até amanhã de manhã a Charlotte vai aparecer. Agora tenta descansar um pouco, entendido? — Ordenou, colocando Lily no ombro. A loira acenou sem questionar. Em questão de segundos, o vampiro deslizou para fora da casa e desapareceu na rua deserta.
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Natalie estava certa quando disse que não conseguiria dormir naquela noite. Sempre que fechava os olhos, a mesma sensação atormentadora de queda na escuridão vazia a assolava. Acordou com um sobressalto, entrelaçada nos lençóis, o suor escorrendo pelo pescoço até o colo, apesar do frio que invadia o quarto. Sentou-se na cama assim que a respiração acelerou, tornando-se irregular. Olhou para as mãos, vendo os dedos finos tremendo à medida que uma dormência emergia das pontas e se espalhava pelos braços. O calafrio a atingiu, chicoteando seus músculos já tensos. Ela se encolheu e respirou fundo, tentando afastar toda aquela sensação sufocante que a envolvia. Voltou os olhos para a janela, observando o amanhecer que lentamente tomava o céu. Foi então que decidiu levantar-se, descalça, e caminhar até o quarto da mãe.
Vera dormia serenamente, mas despertou assim que sentiu a presença ao seu lado. Estava prestes a protestar, quando reconheceu os cabelos loiros surgindo por entre os lençóis. A princípio, estranhou a atitude da filha, que nunca havia sido do tipo que pedia para dormir com alguém, nem mesmo quando criança. Contudo, não fez perguntas. Apenas cedeu mais espaço, permitindo que o corpo magro e frio de Natalie se aconchegasse junto ao seu. Vera suspirou, envolvendo-a com um abraço apertado, como se pudesse protegê-la de todos os males do mundo. Foi então que um soluço ecoou no silêncio do quarto.
— Natalie? — Vera ergueu a cabeça, procurando o rosto da filha na penumbra. — Está chorando, querida?
— Eu tive um pesadelo — murmurou a garota, apertando-se mais no abraço da mãe. Vera a abraçou ainda mais forte.
— Não se preocupe, sonhos não podem te machucar — disse Vera, em um sussurro reconfortante. Natalie fechou os olhos, permitindo que uma lágrima solitária deslizasse pelo seu rosto, molhando o travesseiro.
— Mas eu tenho medo... — confessou baixinho, a voz quebrada.
— Todos temos medo, meu amor. É completamente normal — respondeu Vera, secando as lágrimas da filha com os dedos. Natalie virou-se para o lado, encontrando os olhos sonolentos da mãe, que a observavam com uma mistura de preocupação e carinho. — Você pode falar comigo sobre o que quiser.
— Tem... uma garota... — começou Natalie, hesitante, sua voz mal acima de um sussurro. — E eu...
— Uma garota? — Vera franziu o cenho, mas logo sua expressão suavizou. — Você gosta dela?
— Sim. Quer dizer, tudo isso é muito novo para mim. Às vezes, me sinto confusa... — Natalie se afastou um pouco, sentando-se na cama. — E, em outras vezes, sinto medo.
— Medo de quê?
— Ela é algo... — Natalie hesitou, buscando as palavras certas, antes de finalmente encarar a mãe. — Mãe, alguma vez você já teve a sensação de que uma coisa ruim fosse acontecer e acabou acontecendo logo depois?
Vera levantou uma sobrancelha e suspirou profundamente, sentando-se ao lado da filha. Lançou um olhar rápido para o relógio na mesa de cabeceira — eram cinco e meia da manhã. Ela encarou a filha outra vez. Natalie esperava uma resposta com olhos suplicantes, e Vera sabia que não poderia escapar daquele confronto.
— O pesadelo que você teve foi com ela? — Vera perguntou, tentando compreender a gravidade da situação.
— De certa forma... — Natalie suspirou, passando a mão pelos cabelos. — Mas, por favor, me responda.
Vera soltou um suspiro pesado, como se estivesse se preparando para revelar algo que ela mesma lutava para esconder. Por mais que odiasse lembrar, sabia que aquela conversa era inevitável.
— Quando eu tinha mais ou menos a sua idade, eu também comecei a ter sonhos estranhos. Às vezes, crises de sonambulismo. Eu odiava acordar de pesadelos terríveis, principalmente quando eles se tornavam reais... ou surgiam como metáforas de algo que estava por vir. — Ela deu uma pausa, notando o interesse crescente no olhar de Natalie. — Minha mãe me contou que isso acontecia com ela também, e com a mãe dela antes dela. De qualquer forma, esse é um mal que atinge as mulheres da nossa família.
— Um mal? Por que diz isso? — Natalie perguntou, a voz repleta de curiosidade e inquietação.
— Não gosto de chamar de dom — disse Vera, com uma tristeza evidente. — Esses pressentimentos, essas visões... não são coisas que me orgulham. Elas me lembram tudo o que perdi. E, no fim, eu sempre acabo certa quando algo ruim vai acontecer.
— Mãe, querendo ou não, isso é um dom! — Natalie se levantou abruptamente, o coração acelerado. — E é algo que você passou para mim. Eu posso sentir, exatamente como você. Isso é tudo que temos.
Vera piscou, surpresa. Natalie sempre havia sido uma criança racional, e vê-la agora falando dessas coisas com tanta intensidade a desarmou.
— O que temos? Você já...?
— Quando você disse que algo ruim estava na cidade, eu também comecei a sentir. E foi algo muito diferente. — Natalie encarou a mãe. — Foi aí que tudo começou a acontecer de verdade, e fui sendo cada vez mais assombrada. Só que agora, mãe, eu sei que nada disso foi por acaso. Você passou algo para mim, e isso é um dom. Eu sinto que preciso desenvolver essas habilidades, e podemos fazer isso juntas.
— Natalie, eu coloquei essas besteiras na sua cabeça, por favor, não se torne alguém como eu, por favor. — Vera a segurou pelos ombros, implorando com o olhar. — Eu nunca quis que você carregasse esse fardo — Vera sussurrou. — Eu tenho tantos planos para nós, para o seu futuro. Por favor, não se perca nesse caminho.
— Mãe, eu não sei o que me espera no futuro enquanto não resolver o presente. — Natalie segurou o rosto mais maduro. — Você nunca esteve errada com nada. Você fez de tudo para me proteger, agora é minha vez de fazer o mesmo com você.
— Não entendo o que quer dizer...
— Mas vai entender. — Natalie a puxou para um abraço, mais forte do que antes. — Por favor, só me ajude a entender o que sou. Você é a única pessoa em quem confio.
Vera retribuiu o abraço, sentindo o peso da responsabilidade esmagando-a. Ela passou a vida inteira tentando negar aquele lado dela, tentando proteger a filha daquele mesmo destino. E agora, parecia que a luta estava perdida.
— Eu não sei nem por onde começar — murmurou, afastando-se ligeiramente de Natalie. — Sempre tentei ignorar esse meu lado, como se fosse possível manter isso adormecido para sempre.
— Eu nunca conheci a vovó, mas você disse que ela também tinha esses... dons? — Natalie perguntou.
— Sim, e ela tentou me ensinar algumas coisas, eu não quis saber... — Vera fez uma pausa, o rosto mudando de expressão ao se lembrar de algo. — Sabe de uma coisa? Por que você não faz um café? Acho que tenho algo que pode nos ajudar a entender isso melhor.
Natalie acenou, caminhando para fora do quarto, enquanto Vera seguia em direção ao porão da casa. Timidamente, o sol surgia por trás das colinas, e o calor invadia através das cortinas amarelas da cozinha dos Scatorccio. Natalie se acomodou à mesa com duas canecas de café e suspirou, pensando mais uma vez na garota por quem estava interessada, resistindo à vontade de pegar o celular novamente. Vera retornou com uma caixa de papelão empoeirada, atraindo a atenção da jovem, que segurava sua caneca transbordando de café preto.
— Essas são algumas coisas da minha mãe — explicou, colocando a caixa no chão. — Talvez ela tenha deixado algo que nos ajude.
— Ela deveria ser uma mulher incrível — murmurou Natalie, a melancolia evidente.
Vera esboçou um sorriso triste.
— Às vezes, você me lembra ela. A Ane também me lembrava nos momentos mais doces. — Vera sorriu brevemente, mas seu semblante fechou-se quando uma figura parou do outro lado da porta da cozinha. Uma energia traiçoeira e o fedor de morte impregnaram o ambiente, fazendo com que a mulher corresse até o faqueiro em busca de algo que protegesse seu lar. A criatura girou a maçaneta e entrou: era um rapaz jovem, que fez Natalie saltar da cadeira, os olhos em alerta. Como Greg havia conseguido sair à luz do sol sem se queimar?
— Oi, senhora Matthews. — Ele disse, erguendo as duas mãos.
— Mãe, ele é meu amigo da escola. — Natalie se posicionou entre a mulher e o vampiro. — Ele não vai nos fazer nenhum mal.
— Você tem amizades com... com... o que você é? — Vera questionou, o nojo evidente em seu olhar.
— Um vampiro... — respondeu ele. Vera abriu a boca, horrorizada. Natalie o encarou por cima do ombro, perguntando em silêncio: É sério? — E eu adoraria sentar e explicar tudo o que está acontecendo, mas vocês precisam ver o noticiário, agora!
O garoto não precisou pedir duas vezes. Natalie correu até a sala para ligar a TV. Passou pelos canais até encontrar a reportagem à qual Greg se referia. Primeiro, ficou confusa, pois a quantidade de pessoas e bombeiros formava uma pequena agitação; só depois entendeu o que estava acontecendo. Isso fez com que seus joelhos tremessem e suas pernas não suportassem mais o peso do corpo. Natalie caiu de joelhos ao ouvir o que o repórter dizia:
"... Hoje, na madrugada, a mansão do prefeito Malcolm Matthews, em Toms River, foi palco de uma tragédia devastadora. A família Matthews foi encontrada morta e carbonizada na sala de estar, em um incêndio que chocou a comunidade. As causas do fogo ainda são desconhecidas, e a polícia informou que a investigação está em andamento, com equipes dedicadas trabalhando para determinar a origem do incêndio e possíveis responsabilidades. A cidade de Toms River está em luto, unida pela perda de seus líderes e pela tragédia que abalou a todos."
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Isso tudo que estava vivendo era um pesadelo. Foi assim que Natalie preferiu tratar aquela situação, recusando-se a acreditar no que seus olhos viam à medida que a fumaça cinza se tornava mais nítida e todos aqueles carros de bombeiro e da polícia bloqueavam a avenida principal. A intenção de chegar à mansão Matthews estava impossível até mesmo para os veículos de notícias e repórteres, que se agrupavam nos gramados dos vizinhos em busca de mais informações que rendessem boas matérias. Vera parou o carro quando um policial ergueu a mão para ela, mas não impediu que Natalie saltasse para fora e completasse o caminho a pé, ignorando o aviso de não ultrapassar.
Ela pouco se importava com isso, já que a única coisa que ouvia era o tambor do coração batendo em seus ouvidos. A garota só parou quando uma barreira a impediu de dar mais alguns passos. Mesmo assim, de onde estava, contemplou a pior das visões. O ar estava denso devido à fumaça, e as cinzas se acumulavam no chão como neve. A mansão Matthews encontrava-se completamente destruída, reduzida a escombros e sem vida. Gradualmente, Natalie sentiu o chão sumir dos pés, enquanto sua visão se tornava borrada com todas aquelas luzes piscantes dos carros de emergência que jorravam água sobre o restante do fogo que ainda não cessava.
O ar faltou um pouco mais em seus pulmões ao ver aquelas pessoas entrando e saindo da mansão com semblantes fúnebres. A cidade parecia estar de luto, mas Natalie se recusava a passar por isso outra vez. Um murmurinho cresceu em suas costas e, em questão de segundos, foi empurrada para o lado por uma mulher de cabelos vermelhos.
— Sou Alessia Cruz, falando diretamente de uma tragédia que assola Toms River. — Disse a jornalista, com um gravador em mãos, para um homem que segurava uma câmera de maneira quase amadora. — Viemos até o local para saber com mais detalhes o que realmente aconteceu com a família mais poderosa desta pacata cidade. — Ela virou-se para a mansão. Natalie apertou a ponte do nariz, disposta a sair do lugar. — Olá, você é o Tenente Cout? — A jornalista ergueu a voz, chamando um homem que acenava brevemente. Natalie parou, optando por ouvir a conversa. — Gostaríamos de saber se mais algum corpo foi encontrado na mansão. Todos os cadáveres foram identificados?
— Como já foi informado, encontramos apenas três corpos no local onde ficava a sala de estar. Para ser franco, encontramos apenas o que restou da família, especificamente a arcada dentária. — O homem respondeu, com o cansaço estampado no rosto.
— Não havia mais ninguém na mansão? — A jornalista perguntou, ansiosa.
— Felizmente, não. Falamos com alguns empregados e soubemos que foram dispensados ontem à noite pela senhora Matthews, horas antes do incêndio começar.
— A polícia já sabe a causa do incêndio? — Alessia pressionou o gravador em direção ao bombeiro.
— A princípio, suspeitamos de um ato criminoso; todo o local exala cheiro de gasolina, mas não podemos confirmar nada ainda. — Declarou o bombeiro, afastando-se da jornalista. Natalie ergueu a sobrancelha. Gasolina?
— Espere, senhor, o que mais pode nos dizer sobre o caso? — Alessia correu atrás do tenente, enquanto Natalie começava a abrir caminho de volta para o carro.
Vera caminhava de um lado para o outro, angustiada com a sensação de perda que a envolvia só por estar ali. Tudo ao seu redor era cinza e o cheiro de queimado ardia em seus pulmões. Ao avistar os fios loiros de Natalie, respirou mais aliviada, principalmente quando a garota chegou até ela, com os olhos brilhando.
— Eu acho que a Charlotte pode estar viva. O fogo foi criminoso, e tem gasolina por todo o lugar. — Natalie disse. — Ela pode estar por aí...
— Mas encontraram três corpos. — Vera lembrou-se do noticiário, assim como da imagem da filha ajoelhada em frente à TV.
— Eu queria que houvesse uma forma de entrar na mansão... — Murmurou a garota, torcendo para que a mãe não tivesse ouvido.
— Vamos para casa. Você ainda tem muita coisa para me explicar. E, além disso, se a Charlotte estiver realmente viva, ela vai aparecer. — Vera contornou a velha picape vermelha. Natalie suspirou, encarando uma última vez o que restou da mansão Matthews.
Não há paz para elas...
CAPITULO ATUALIZADO: 16/11/2024 - NÃO REVISADO
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