
𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟏𝟓)
DIAS ATUAIS
HORAS MAIS CEDO
O sol refletiu sobre os fios dourados e rebeldes. Natalie prendeu uma mecha tingida atrás da orelha à medida que caminhava em círculos com o celular em mãos. Os dedos finos e cobertos por anéis foram ágeis em acessar o perfil recém-ativado de Charlotte Matthews, insistindo em um encontro que provavelmente jamais aconteceria. Suas mensagens estavam se tornando mais desaforadas, e seus ruídos guturais de raiva mais alto. No fundo, sabia que não seria respondida, mas não custava tentar e vencer pelo cansaço. Charlotte sempre foi uma orgulhosa de merda, e depois do último encontro, as coisas estavam pra lá de estranhas entre elas — muito mais que o comum. Greg trocou o peso da perna, observando calado a escolha suicida da melhor amiga em tentar contato com uma assassina sanguinária. Está ali não era da sua vontade, assim como também se negava deixar Natalie sozinha com uma coisa que matava por diversão. A Scatorccio girou os calcanhares, insistindo em mais uma ligação, prometendo ser a última.
— Desiste, Nat, ela não vem, deve tá bem ocupada comendo bebês ou sabe-se lá o que mais vampiros fazem. — Disse o garoto. Natalie dispensou o comentário com uma revirada de olhos.
— Pode ter acontecido algo. — Respondeu ao desligar a chamada.
— Sim, ela é uma vampira sem humanidade e está devorando pessoas por aí.
— Não. — Natalie soltou um ar arzinho pelas narinas. — E se ela tiver com outra garota? — As palavras se embaralharam em sua mente. — No sentido de ter raptado outra menina.
— Então saberemos quando a segunda-feira chegar e a foto de alguém aparecer na caixinha de leite.
— Por isso temos que falar com ela... — A garota bateu um pé no chão, achando certo a decisão.
— E vamos dizer o quê a ela? — O rapaz se aproximou. — Oie, sabemos que você está tentando reunir garotas para invocar Lilith, será que pode parar, por gentileza?
— E se não for isso? Nunca saberemos se não enfrentamos ela.
— E o que mais ela estaria fazendo, Nat? — O garoto abriu os braços rapidamente.
— Tá, já entendi que você não quer fazer parte disso, Greg, sinto muito por ter te envolvido em tanta coisa!
Emburrada, Natalie recuou e se virou, afastando-se do garoto enquanto resmungava desaforos a si. Greg balançou a cabeça, fazendo o caminho inverso. Não muito longe de onde os jovens se encontravam, algo se encontrava escondido entre as sombras das árvores. Uma criatura que observava atentamente a conversa de dois adolescentes, ansiando pelo momento e a oportunidade perfeita para atacar.
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CASA DOS SCATORCCIO
As unhas roxas eram sinais de que o frio estava se tornando mais rigoroso com o cair da noite. Aquele era o fim do verão para o início do outono, assim como também era o começo para algo mais sombrio. Natalie desceu do ônibus e caminhou até em casa, estranhando o percurso silencioso e vazio. O toque de recolher realmente estava funcionando, e os ataques deixando a população com medo. Frustrada, chutou uma pedrinha para longe, furiosa por não ter uma resposta da vampira Matthews. Parou na frente de casa, e se deu conta que esquecera as chaves sobre a mesinha ao lado do sofá. Pela janela, viu a claridade da TV e a mãe adormecida na poltrona. Natalie suspirou, revirando os olhos. Deu a volta pelos fundos, e encarou a residência ao lado. A modesta casa de madeira dos Clark se encontrava com as luzes apagadas e cortinas cobrindo as janelas, dando sinais que Lilian ainda não estava ali. A Scatorccio também não gostaria de ter voltado para casa, mas ir atrás de Charlotte naquela hora era algo perigoso demais para ser feito. Além disso, não saberia se a encontraria na mansão Matthews ou em algum abatedouro humano. Às vezes, era difícil aceitar o que a filha do prefeito era agora e o que começava a sentir por ela.
Com uma possível caçadora de vampiros, Charlotte Matthews estava em péssimos lençóis. Era só uma questão de tempo para que Lily chegasse até ela, por isso, se Lottie fosse menos diabólica e orgulhosa, responderia às mensagens urgentes enviadas. Natalie fechou as mãos em um punho, se achando uma grande idiota por querer salvar alguém que não parecia necessitar de ajuda, mas ela não podia evitar, assim como sentia a necessidade de salvar algumas vidas, mesmo a troco de nada. Balançando a cabeça, Natalie ouviu a música alta incomodar seus ouvidos, se bem conhecesse o pai, sabia que ele estava bebendo do lado de fora ao invés de estar dentro de casa como decretado. A garota chamou o nome dele, mas não foi respondida, então, provavelmente, Joe se encontrava cochilando bêbado sob o sereno da noite.
— Joe, já chega de beber, é melhor entrar! — Natalie falou alto à medida que alcançava a varanda dos fundos. Piscou algumas vezes quando não encontrou ninguém do lado de fora. Ela bufou, caminhando até a caixa de som para desligar o barulho alto. — Joe? — Chamou, enquanto afastava algumas moscas que a cercavam.
Talvez ele tivesse saído para comprar mais bebidas, mas não faria sentido deixar a música ainda tocando e a churrasqueira apagada. Natalie engoliu seco ao pegar duas garrafas do chão, e foi nesse momento que reparou em um líquido vermelho que a fez estremecer. Retornou a posição ereta novamente, sentindo o vento frio levar seu cabelo para trás e um odor pútrido invadir suas narinas. Deu passos para os dois degraus, descendo à medida que ouvia algo ser mastigado ficar mais alto enquanto se aproximava da cerca. O odor cresceu ainda mais, fazendo-a prender a respiração pelo nariz e respirar pela boca. Aquela área era escura, tanto, que optou usar a lanterna do celular para ver o que estava acontecendo. Notou dois animais grandes, eram coiotes, com focinhos sujos de vermelho. Os animais se assustaram com sua presença, correndo pelo buraco que haviam feito na cerca de volta para a floresta.
Natalie deu mais um passo, iluminando o chão. Então paralisou. Primeiro reparou nas botas sujas de terra e grama. Seu olhar subiu mais um pouco, encontrando as pernas separadas do tronco. Sentiu o vômito subir pela garganta quando reparou na quantidade de sangue e víscera para fora do corpo de Joe, ou o que sobrará dele. Seus braços foram arrancados e sua cabeça decepada, também não havia sinais dos olhos e provavelmente aquilo jogado entre a cabeça e o tronco era uma língua. Cenas como essas eram comuns em filmes de terror gore, mas nunca coisas para serem vistas na realidade. Suas pernas tremeram, mas foram incapazes de correr, e o sangue pareceu congelar em seu corpo. Natalie estava em estado de choque, só isso explicava tamanha frieza em voltar para dentro de casa sem emitir nenhum barulho. Não deu nenhum grito ou derrubou uma lágrima. Ela precisava avisar a mãe, ligar para a polícia e... o que mais as pessoas faziam quando encontravam outras mortas?
Vera acordou quando seu ombro foi tocado, piscou afastando o sono ao encarar a filha parada ao seu lado. Natalie sempre foi pálida, mas agora estava diferente, até a cor dos seus lábios pareciam ter sumido. Seus olhos verdes, sempre expressivos, estavam vazios e secos. Saltando da cadeira, Vera passou a mão pelo cabelo, preocupada com o que havia assustado a filha.
— Natalie, o que houve? — Perguntou ela. Natalie virou o corpo parcialmente para a cozinha.
— O papai está lá fora... é melhor ligar para a polícia. — Falou baixo, sem força. Vera franziu o cenho.
— Para a polícia? O que houve?
A garota balançou a cabeça, enquanto a mãe a empurrava para fora do caminho. Natalie caminhou até o quarto, onde se cobriu dos pés a cabeça com o edredom. Então veio o primeiro grito de dor, depois os gritos de socorro e o choro interminável da mãe. Era como um grande déjà vu. Natalie sentia que já havia vivido tudo isso há muito tempo, e talvez por isso, não sabia como reagir. Ou talvez, ela só tinha motivos para reagir a essa morte.
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MANSÃO MATTHEWS
Para uma segunda-feira, o dia havia amanhecido nos conformes: fúnebre e frio. Era assim que o outono estava dando as boas-vindas, com as temperaturas mais baixas que o costume. As folhas verdes começavam o processo de transição para o tom amarelado e despencavam do alto das árvores para o chão. Charlotte piscou, reparando que a noite havia corrido diante seus olhos sem que ao menos pudesse ter a chance de dormir. Pegou o telefone ao lado, revendo todas as inúmeras mensagens de texto e ligações de Natalie, que só acabaram quando a Scatorccio percebeu que ela não responderia nenhuma — embora quisesse muito. Charlotte umedecer os lábios, em algumas horas elas se encontrariam na escola, e ela teria que ensaiar muito bem todas suas falas para os possíveis questionamentos de Natalie. Levantando da cama, caminhou em direção à varanda, onde a roseira ao lado estava morta e seca. Isso a fez lembrar-se do que era novamente, e da missão que ainda deveria completar. Restavam ainda sete garotas, e o que a incomodava de fato era não poder escolher aquela que era mais óbvia. A garota que fazia seu coração errar as batidas. Natalie Scatorccio jamais a aceitaria da forma que ela era, e não viver esse amor maior era sua maior condenação para todo o sempre. A friagem tocou sua pele, se isso a incomodasse, certamente a faria estremecer e bater o queixo, mas já estava acostumada à frieza e isso até lhe agradava.
Charlotte voltou para dentro do quarto, arrumando-se para a escola, onde fingiria mais uma vez ser uma estudante comum. Esse papel, além de ridículo, só estava tomando seu tempo. No corredor, enquanto percorria o caminho para a porta, ouviu o fechar de zipes vindo da suíte principal, onde seus pais dormiam. Na noite passada, fez com que ambos confessassem, da forma mais dolorosa possível, todos os segredos um para o outro. Foi divertido para a vampira, e um bom jeito de aliviar as emoções vividas mais cedo, além de, claro, sentir mais de nojo das coisas que seus pais faziam às escondidas e do que tramaram juntos há anos. O resultado da brincadeira foi o sumiço de Malcolm pelo resto da madrugada e o choro abafado de Emilia até a manhã chegar. Charlotte deslizou o corpo com suavidade para dentro do quarto principal, encontrando a mãe ajoelhada na porta do closet, enquanto empurrava algumas malas para o fundo. Foi uma baita surpresa quando a mulher se virou, encontrando a filha parada na porta.
— Charlotte, amor, você me assustou. — Emilia sorriu falsamente, levando uma mão para o peito.
— Planejando ir a algum lugar, mamãe? — Charlotte esticou o pescoço para o fundo do closet. Emilia fechou as portas, dispensando a pergunta com um aceno.
— São só roupas para doação, sabe que o dia de ação de graças está chegando e sempre fazemos os eventos de caridade... Enfim, você tem algo para doar? — Disfarçou ao devolver a pergunta à filha.
— Algumas das minhas roupas estão sujas de sangue, mande levá-las e doe para quem quiser.
— É claro. — Emilia levantou-se, saindo do closet. — Farei isso, querida. Algo mais que posso servi-la?
Charlotte seguiu a mãe com o olhar e depois com passos. Passou por ela, chegando até os quadros com fotos sobre uma estante.
— O papai ainda não está em casa, estranho, não? — Charlotte observou. Emília pigarreou.
— Ele é um homem ocupado, você sabe.
— Será? — Charlotte franziu o cenho. — Porque depois das confissões de ontem, acho que ele já deve ter fugido com a secretária que ele ta fodendo há dois anos. — Suas palavras saíram sutis e amargas. Emilia sentiu um ligeiro mal-estar, procurando a cama rapidamente. Lottie encarou a mãe, sorrindo de lado. — Assim como você também está planejando fugir com aquele seu professor de pilates que só te comer porque tem pena dessa sua vidinha fajuta de primeira dama.
— Charlotte! — Emilia ergueu o olhar, com a raiva queimando neles.
— O que foi? — Perguntou a garota, com o semblante franzido. — Depois de ontem, descobrir que todos os Matthews tem segredinhos sujos, mas aposto ganho com os meus.
— Eu não sei o que você é desde que voltou, mas já estou cansada de seguir suas ordens. — Emilia confrontou a filha. Charlotte gargalhou como se ouvisse a melhor das piadas. — Quero que saia da minha casa agora mesmo! Você não é minha filha, se-seu demônio nojento.
— Isso... — Charlotte parou na frente da mãe e inclinou-se sobre ela. — Põe para fora o ódio que tem sentido de mim, isso não se compara nada com a raiva que sinto de você e do papai. Não chega nem perto das atrocidades que quero fazer vocês passarem até se arrepender amargamente do que fizeram comigo na Romênia!
— Já chega! — Emilia gritou e empurrou a filha. — Não vamos acobertar suas mortes e nem trazer mais... pessoas para você matar. Quero você fora dessa casa, ainda hoje.
— E você acha que pode me expulsar? — Charlotte encarou a mãe com dó. Emilia tentou evitar o contato visual, mas perdeu drasticamente. — Acho que já me cansei de brincar com você e com o papai... — Ponderou, entediada. Sua ameaça surtiu efeito na mulher à frente.
— O que vai fazer?
— Não sei, mas até o fim da noite pensarei em algo, e é melhor não pensar em fugir ou será muito pior. — Segurou a mãe pelo ombro e encarou o fundo dos olhos. — Agora você vai ficar sentada nessa cama e pensar nas palavras ruins que me disse, e só sairá daqui quando eu voltar. Entendeu?
— Sim. — Emilia respondeu. Seu corpo se sentou na cama involuntariamente e sua mente trabalhou em arrependimento por expulsar a filha de casa. Charlotte sorriu diabolicamente, jogando o cabelo por cima do ombro, vitoriosa.
— Te vejo mais tarde, mãezinha.
Seus saltos bateram contra o piso polido até o andar debaixo, onde encontrou seu Volvo pronta para levá-la a escola. Antes de acelerar o carro, encarou o reflexo distorcido no espelho, focando a atenção apenas no gloss que passava nos lábios. Aquele dia seria longo, principalmente porque deveria cortar algumas pontas soltas, e isso envolvia apagar as lembranças de boa parte da escola sobre Aurora Flanigam e Christine Barnes.
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HORAS DEPOIS
CENTRAL DE VELÓRIOS
Natalie acreditava ter aprendido lidar com a morte desde que perdera a irmã, no entanto, o processo de luto nunca seria fácil de passar. Sentada no banco de madeira, encarou o caixão fechado do pai. Ela deveria sentir alguma, no mínimo, raiva pelo que aconteceu, mas se sentia incapaz de esboçar qualquer reação. Foi igual quando perdeu Anelise, pois enquanto seus pais passavam os dias devastados pela perda de uma das filhas, ela agia como se a irmã só tivesse tirado férias longas e distantes. Negação, talvez estivesse nesse estado ou talvez, realmente não sentia tanto pela perda de Joe, o que era mais provável.
— Oie, Nat... — A voz a fez erguer o rosto. Lily usava um vestido preto e tinha um rígido riso nos lábios. Natalie abaixou o olhar para as mãos novamente, enquanto a garota acomodava ao seu lado sem ser convidada. — Não é fácil, né? — Questionou. — Quando eu soube da morte do Bill, não soube muito bem como reagir, no começo, eu não me importei, ele abandonou minha mãe e agiu como se eu nunca existisse. Mas quando eu soube da desculpa que haviam dado para a morte dele... fiquei muito puta de raiva... — Lily deslizou a mão para as de Natalie, que machucavam as cutículas ansiosamente. — Você percebe agora que não tem como proteger isso...
— Não quero falar sobre isso aqui... — Natalie murmurou em resposta. Lily suspirou.
— Mas é preciso. A coisa que você quer proteger, não possui um pingo de misericórdia ou respeito sobre a vida que eu, você, sua mãe ou Greg, levamos. Esses seres não possuem almas, Natalie, só... escuridão. — Natalie puxou o ar para os pulmões, levantando-se de onde estava. Aquele não era o lugar para falar sobre vampiros, embora só estivesse acontecendo devido um. — Você pode tentar ignorar isso, mas não por muito tempo, Natalie, o que deve ser feito não pode esperar mais. E não é querendo jogar na sua cara, mas eu tentei avisar que isso aconteceria.
— Lily, me deixe em paz. — Natalie partiu em outra direção, passando direto pela mãe, que era consolada por um pequeno grupo de mulheres.
Ela não falou com Vera desde que avisou sobre o pai, e todas as questões do velório foram resolvidas graças a pequena rede de apoio de alguns vizinhos. Não teve muito tempo para a polícia agir e eles deram a mesma desculpa dos outros casos de assassinatos: ataque animal. Entretanto, Natalie sabia a verdade, mas ninguém acreditaria nela.
— Nat! — Ouviu a voz de Greg. O garoto cortou alguns grupos de pessoas que Natalie nunca havia visto. Próximo o suficiente, ela o abraçou, pegando-o desprevenido. Sem questionar, somente passou seu braço em torno do corpo pequeno e afundou o rosto no cabelo loiro. — Eu sinto muito por isso.
— Ela matou meu pai, Greg. — Sua voz saiu abafada. Greg soprou entre os dentes. — Destroçou o corpo dele e o deixou lá para que eu o encontrasse, foi por isso que ela não respondeu nenhuma mensagem, ela estava ocupada, destroçando o Joe.
— Ela não é mais quem você conheceu um dia, Natalie. — A abraçou mais forte. — Isso é o que ela é agora. Eu sinto muito.
Natalie afastou o rosto e fungou, reparando que lágrimas molhavam seu rosto. Confusa, não soube deduzir se as lágrimas eram por raiva por tentar proteger uma assassina até um dia atrás, ou pela perda do pai tão prematuramente.
— Não olhe agora, mas as The Storm chegaram. — Greg murmurou para a amiga. Natalie encarou por cima do ombro, quando Olivia chegou acompanhada das outras integrantes do time. Charlotte não estava entre elas, isso seria coragem de mais vinda daquela diaba de saia. — Se quiser, eu fico aqui e faço barreira contra elas.
— Não, eu preciso ir até lá. — Natalie balançou a cabeça, se afastando do amigo. — Notícia ruim realmente corre rápido nessa cidade.
Greg acenou quando Natalie deu as costas. Sem emoção, aproximou-se em passos lentos das colegas de time, nem todas pareciam estar ali, e Olivia carregava a expressão de tédio, assim como as outras garotas. Elas claramente foram obrigadas a comparecer naquele lugar, já que o diretor da escola também se encontrava presente, falando com Vera Scatorccio. Natalie separou os lábios, e antes que tivesse a chance de dizer algo, foi surpreendida por um abraço apertado da Jones.
— Sentimos muito pelo seu pai. — Olivia falou enquanto a sufocava com um abraço. Natalie acenou, impossibilitada de retribuir o gesto. Seu olhar vagou por cada rosto, mas não encontrou os que pretendia. Rory também não estava entre as garotas, isso não era um bom sinal. Desde o desaparecimento de Charlotte, Olivia e Aurora andavam juntas, sendo a nova duplinha de amizade da escola. Vê-las separadas era algo raro, e nada mudou depois que Lottie voltou. Então, saber que Olivia estava presente no funeral, e Aurora não, lhe causava certa desconfiança.
— Ah! Obrigada, Olivia, é bom saber que você tem um coração. — Natalie falou quando finalmente conseguiu se afastar.
Sua atenção foi chamada para além do pequeno grupo de futebol. Na porta da sala de velório, uma figura estava parada em uma postura invejável. Natalie abriu os lábios e puxou o ar para o peito quando seus olhos pairavam sobre Charlotte, e seu falso abatido semblante. A vampira carregava um olhar brilhante, e sua roupa era antiquada demais para um lugar de perdas. A humana fechou a mão em um punho, quando a figura sobrenatural sumiu da sua vista depois que duas outras pessoas chegaram.
Natalie sentiu os pés se moverem automaticamente até a entrada, ignorando completamente o chamado em suas costas. Charlotte Matthews estava se provando uma verdadeira canalha ao aparecer no velório do homem que matou sem piedade, e agora, lidaria com a consequência disso. No corredor vazio, Natalie avistou a morena parada em uma distância segura para elas. O sabor amargo atingiu a loira, fazendo dar um passo largo até a outra garota. Entretanto, Charlotte se movia com uma graciosidade e fluidez impressionantes, semelhante aos felinos. Ela sempre sabia exatamente onde pisar e até onde ir, por isso, bastou um passo da Scatorccio em sua direção, para que ela se movesse para fora daquele lugar que fedia a morte. Natalie piscou, notando somente um borrão se formar à sua frente. Isso a irritou, fazendo-a correr pelo corredor até que saísse completamente do prédio. O lado de fora estava vazio. Os passos não cantavam e nem o vento soprava. Parecia que o tempo havia parado. Natalie ergueu os olhos para o céu, percebendo que nuvens pesadas se formavam sobre sua cabeça e em seu coração.
— Charlotte, chega com esse joguinho! — Natalie gritou.
Charlotte se virou, deixando que um sorriso diabólico deslizasse pelos lábios bem desenhados. Para Natalie, aquele não era só um sinal de provocação da vampira, mas um chamado em silêncio, sendo incapaz de ir contra a necessidade de se aproximar. Com passos largos, a jovem Scatorccio se aproximou da Matthews, enquanto apertava o maxilar com força o suficiente para fazer a cabeça doer. Perto de Charlotte, ergueu a mão e não pensou muito na consequência do ato seguinte. Natalie só deixou que sua angústia juntasse à sua determinação e assim, desferiu um tapa no rosto à sua frente com toda a força que tinha. Aquilo não acalmou sua raiva interior, nem quando percebeu que suas unhas haviam deixado um machucado nas bochechas rosadas.
Charlotte não esperou que um tapa doesse tanto quanto doeu. No momento em que a mão fina atingiu seu rosto, ela cambaleou para trás. Foi pega de surpresa, não teve tempo para se preparar para tal ataque. Sua pele queimou no exato lugar que Natalie lhe bateu. Naquele instante, controlou sua parte demoníaca completamente enfurecida, assim como recuperou rapidamente a postura anterior, enfrentando os olhos expressivos da figura menor a sua frente. Natalie estava ofegante, com os ombros subindo e descendo rapidamente e dentes trincados. Ela estava com raiva, e de uma forma que Charlotte Matthews nunca viu.
— Nossa, você é bem fortinha. — A vampira fez parecer um elogio.
— Como você ousa aparecer aqui depois do que fez com meu pai? Você matou ele! — Natalie apontou um dedo na direção dela. Charlotte passou a língua entre os lábios, sentindo os machucados se curar rapidamente, mas o gosto de sangue continuou impregnado na língua.
— Você parece muito segura disso, docinho. — A vampira se sentiu ofendida com a acusação. — Não deveria fazer acusações tão graves sem provas, e eu estou aqui apenas para...
— Não quero saber o que está fazendo aqui, mas se quer dizer algo, então me diga o motivo de está fazendo tudo isso. Desse prazer que você sente em me infernizar! — Natalie cuspiu as palavras. Charlotte recuou um passo.
— Infernizar você? Eu estou protegendo você, Natalie! — Charlotte aumentou o tom de voz. Dessa vez, foi a garota loira que recuou um passo. — Então você deveria ser um pouco mais grata comigo, porque desde que cheguei nessa maldita cidade novamente, eu tenho lutado contra meu instinto e meu dever só para deixar você viver um dia a mais nessa sua vida patética. — A vampira avançou um passo, fazendo Natalie dá outro para trás.
— Eu não te pedi nada. — Ingrata, foi o que Lottie pensou quando Natalie disse aquelas palavras. — Tudo que você fez desde que voltou foi me perseguir e brincar com minha cabeça. Você me deu sangue achando que de alguma forma eu fosse agradecer por isso? Mexeu com minhas emoções e sentimentos naquela festa para que eu ficasse... Ficasse...
— Ficasse? — Charlotte ergueu uma sobrancelha. — Confesse que você gostou de tudo isso, nem que seja um pouco. Vamos, lá, Nat, eu dei uma emoção diferente para você nesses últimos dias. — Charlotte deu outro passo. Natalie dilatou as narinas e piscou, sem respostas. — Eu nunca brinquei com seus sentimentos, muito menos naquela noite. Você me beijou porque quis. Porque finalmente sentiu algo grande demais para reprimir.
— Seria tão mais fácil para nós duas você falar tudo de uma vez. — Natalie disse entredentes, sentindo as lágrimas queimarem nos olhos. Uma confusão de sentimentos descarrilou em seu peito, principalmente quando Charlotte respirou fundo.
— Você quer mesmo saber o que quero, Natalie? — Charlotte a segurou pelo braço, e antes que Natalie se desse conta, estava encurralada entre a vampira e uma árvore. Como ela fez isso tão rápido? — Sabe porque estou sempre em seus pensamentos? Por que sempre sente que está sendo vigiada? É porque quero que você saiba que você tem valor para mim desde o dia que apareci na sua casa naquela noite.
— Você ia me matar! — Gritou a acusação. Charlotte balançou a cabeça em negação.
— Não, eu ia te transformar em algo melhor! — Confessou. Natalie arregalou os olhos. — Mas eu desisti porque sei que você ia me odiar por isso, e te ver vivendo eternamente me odiando, seria insuportável, mas do que tem sido durante todo esse tempo que nos conhecemos. Antes, quando eu te via com um garoto, minha vontade era de morrer, só por saber que eu jamais conseguiria ter você só para mim, mesmo que eu me esforçasse para isso. Por isso, quando percebi que não podia transformá-la contra vontade, pensei em matá-la, sim, mas só porque eu não suportava esse desejo crescendo em meu interior ao ponto de me partir ao meio. Eu me tornei o que sou agora por sua causa, Natalie. Fui castigada pelos meus pais ao declarar que amava uma garota. E agora, essa garota está aqui na minha frente, fingindo não ter sentido o mesmo que sinto há anos depois daquele beijo.
— Eu nunca disse que não senti nada depois do beijo.
— Você está fazendo muitas acusações.
— Charlotte, eu quero ajudar você, mas você não facilita.
Charlotte separou os lábios e sua respiração se tornou ofegante. Dizer tudo aquilo foi impulsivo da sua parte, mas ouvir aquelas palavras de Natalie fez tudo valer a pena. Encarou o fundo dos olhos verdes. Depois as bochechas rosadas e os lábios macios entreabertos. Natalie estava em um estado visível de choque com tudo que havia ouvido e o que seguiu a pegou ainda mais desprevenida. Charlotte a imprensou contra a árvore, explorando os lábios dela com os seus. Tão macia e saborosa. Natalie arqueou as costas, ficando nas pontas dos pés. Seu desejo por Charlotte cresceu suplicante e arrebatador, retribuindo o beijo urgentemente. Entre elas nunca havia nada doce ou delicado, pareciam sempre estar em uma disputa de quem devoraria quem primeiro. Suas línguas entrelaçaram uma na outra. O arrepio às envolveu ardentemente. A agitação abaixo do umbigo de ambas ficou mais forte, e o latejar do meio das pernas de Natalie a fez gemer na boca da vampira. Charlotte cravou a unha na carne macia, desejando que aquele momento nunca acabasse, e se não fosse tão impróprio para o momento e o local, talvez até faria algo mais ousado ali mesmo, no meio de um velório, com o luto pairando sobre os olhos da garota que gostava. Entretanto, ela deveria esclarecer uma coisa antes que tomassem mais um passo.
— Eu não matei o seu pai, Nat... — A frase saiu dos lábios de Charlotte. Quase em um sussurro. Como um pedido de desculpas por algo que não havia feito.
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E como o mau tempo, Lily sabia que a tempestade estava próxima, mas não seria água que escorreria pelo chão, e sim sangue. Soube disso no momento que viu a figura feminina parada na entrada da sala de velórios. Aquela garota que emanava uma carga densa e traiçoeira, capaz de desviver tudo à sua volta e parar o tempo como estava fazendo. Era ela a vampira que estava causando uma confusão por aí. Quando Natalie sumiu atrás da criatura amaldiçoada, Lilian se ocupou no que pretendia fazer. Aliás, ela estava ali por um motivo maior que apenas expressar consolo à família Scatorccio. Checou na bolsa se carregava tudo que precisava, já que matar um vampiro não era uma tarefa fácil, principalmente aqueles que andavam na luz do dia, cujo haviam sidos forjados de um vampiro maior. E se aquela vampira estava ali, então significava que seu mestre estava por perto também.
Lily sorriu vitoriosa, caminhando em direção ao segundo andar, onde procurou por uma sala vazia. Conseguiu um lugar privilegiado, onde ao reparar pela janela, notou ter uma vista favorável de Natalie e da vampira. E ao julgar pela forma que interagiam, Lily pode deduzir que ambas estavam discutindo. Isso era bom, Natalie sabia que aquele demônio sanguinário estava envolvida na morte de Joe Scatorccio. Talvez agora ela percebesse a periculosidade escondida por trás de um belo rosto. A jovem virou-se para a porta, onde buscou por uma presa fácil, já que ela precisava atrair a vampira para onde queria. Poderia ser qualquer um, até mesmo uma das garotas que haviam chegado, mas separá-las sem um bom motivo, seria complicado. Por isso, procurou por outra pessoa.
— Oi, você sabe onde é o banheiro? — Greg perguntou, mas se arrependeu no momento que reparou quem estava à sua frente. Lily acenou e sorriu, causando uma boa impressão. — Esquece, eu acho sozinho.
— Greg... — Ela chamou, fazendo o garoto parar no meio do caminho. — Olha, eu sei que não tivemos uma primeira boa apresentação, mas isso pode mudar. Eu sinto muito por ontem na biblioteca, realmente quando se trata daquele assunto, fico irritada.
— Não tem problema. — Greg deu de ombros. — Você parece uma garota legal, sinto muito que tenha passado por tanta coisa ruim.
— Bem, é o que dizem, coisas ruins acontecem com pessoas boas. — Ela suspirou, levando as mãos para a cintura. — Ah, você perguntou do banheiro, né? Ele fica aqui do lado.
— Valeu. — Greg deu passos até a porta indicada. — Você viu a Natalie por aí?
— Não faço ideia, mas se você a encontrar, pode pedir para ela falar comigo?
— Posso tentar. — Ele deu de ombros. Lily acenou. Grega atravessou a porta, encontrando um cômodo vazio. Estava prestes a dar meia volta quando a porta bateu em suas costas, fazendo-o se assustar. Encarou a garota parada entre ele e a única saída daquela sala.
— Não tem banheiro aqui. — Observou ele. Lily sorriu.
— É, acho que confundi. — Responde ela, ao dar de ombros.
— Tá, vou procurar em outro lugar.
— Acho que não, Greg, eu preciso realmente de você. — Lily deu um passo até ele. Greg congelou quando o calor feminino veio ao encontro do seu corpo. — Isso não é nada pessoal, eu juro.
A princípio, não entendeu o que ela queria dizer, mas quando tentou se afastar, sentiu algo atravessar sua costela. Seus olhos se arregalaram assim que algo pontudo entrou ainda mais fundo. Greg cambaleou, caindo ao chão enquanto tentava puxar a adaga enfiada em sua carne. Quando arrancou, o sangue espirrou quente e fresco, manchando imediatamente sua camisa social branca, e se espalhando pelo chão. Ele tentou falar, mas se engasgou com o sangue. Ouviu os saltos rangerem contra o piso de madeira, e o rosto ser erguido para o alto por dedos finos.
— Só preciso de um pouco de sangue para atraí-la, logo tudo isso acabará e você não sentirá mais dor. — Falou ela. Greg tentou dizer algo, mas sempre que tentava formular uma frase, sentia o sangue escorrer ainda mais forte por onde havia sido esfaqueado. — Sinto muito, mas foi você que apareceu no lugar errado e na hora errada. E como eu disse, coisas ruins acontecem com pessoas boas.
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— O quê? — Natalie se afastou de Charlotte. — Então quem matou meu pai?
— Deve ter mais vampiros na cidade. Não fui eu que matei o seu pai, embora, eu realmente quisesse ter feito. — Declarou a vampira. Natalie lançou um olhar hostil. — Eu sei o que ele fez com você depois que invadiu minha casa atrás de explicações sobre mim. E você ia morrer naquela noite se eu não tivesse entrado no seu quarto e te dado meu sangue.
— E mesmo assim agiu como se nada tivesse acontecendo.
— Você não faz ideia das coisas que tenho que fazer, Natalie. — Se aproximou da loira. — Estou salvando sua vida diariamente, então deveria me tratar um pouquinho melhor.
— Salvando minha vida de quem, Lottie? — Natalie abriu os braços. — Será que finalmente pode me contar o que está acontecendo nessa cidade?
Charlotte não responderia tudo, mas o necessário. Isso, se o vento soprado contra seu rosto não trouxesse um cheiro peculiar que acenderia uma fome até então adormecida. Seu estômago roncou alto e sua garganta secou imediatamente. Se alimentar de sangue e carne animal não lhe saciava completamente, por isso, o cheiro de sangue humano que sentia agora despertava uma fome incontrolável. A vampira sentiu o rosto contorcer e queimar, e as presas cresceram em sua boca sem controle. Natalie reparou na forma que Charlotte parecia atraída por outra coisa, e quando o belo rosto assumiu uma forma demoníaca, saltou para trás com medo.
— Charlotte, o que está acontecendo? — Natalie perguntou. Charlotte deu as costas para ela, sentindo o odor de sangue se tornar muito mais incontrolável do que antes.
— Sangue... — Murmurou a vampira, sentindo os dentes afiados machucar os lábios. Ela não poderia dar essa visão aterrorizante a Natalie.
— Aqui eles preparam os mortos, deve ser sangue de defunto vindo do necrotério. — Natalie arriscou se aproximar, mas Charlotte se afastou.
— Sangue de morto não me atrai... — Charlotte respirou fundo, então encarou Natalie, que ao invés de se afastar ainda mais para a própria segurança, se aproximou.
— De onde teria sangue? — Natalie encarou os lados. A vampira ergueu o rosto e farejou novamente o sangue. Era fresco, quente, e ainda conseguia ouvir o coração o bombeando sem parar. Não estava longe, nem um pouco. Seu olhar foi de encontro a uma janela semi aberta, e quando Natalie se deu conta, Charlotte pulou para o alto de uma árvore, em seguida para a janela do segundo andar como um animal selvagem. — Charlotte!
No cômodo não havia nenhum móvel, apenas paredes brancas sufocantes. Charlotte fechou os olhos, sabendo que estava no lugar certo. Olhou para o chão, vendo o sangue fresco manchando o piso e sumindo por uma porta. Caminhou até lá, mas antes que pudesse chegar próximo à maçaneta, farejou um novo cheiro. Ela sibilou e abriu a porta, não tendo muita chance de reagir quando uma figura pulou sobre seu corpo. Caíram juntas no chão. Lily puxou a adaga de prata e perfurou a vampira antes que fosse jogada do outro lado do cômodo. Charlotte gritou, sentindo a pele queimar como se tivesse sido atingida por ácido. No entanto, foi uma dor instantânea, o corte na altura do ombro curou rapidamente. A vampira encarou a garota que a atacou, que puxava uma garrafa de água pronta para um novo ataque.
— Você vai me exorcizar? — Charlotte quis gargalhar. A outra garota rangeu os dentes e levantou-se. — Quem é você?
— Agora sou seu pesadelo, porque foi você que matou meu pai! — Lily avançou contra Charlotte, que saiu do caminho com destreza.
— Não sei quem era ele, mas provavelmente deveria ser uma delícia. — Caçoou. Lilian gritou. Ao arrancar a tampa da garrafa, jogou a água na direção da vampira. Dessa vez foi Charlotte que gritou de dor quando a água queimou a pele do rosto e os olhos. — Puta maldita!
— Demônios tem aversão a prata e a água benta, vampiros, principalmente. — Lily se aproximou quando Charlotte piscou sem visão. Aquilo não iria detê-la por muito tempo, por isso precisava agir rápido. — Quem criou você está na cidade também? — Colocou a faca no pescoço da vampira, que sorriu.
— Vai para o inferno, caçadorazinha. — Charlotte gargalhou.
— Então me espera lá! — Lilian ergueu o punho.
— Lilian, pare! — Natalie gritou da porta. Lily a encarou por cima do ombro.
Essa foi a deixa certa para Charlotte contra-atacar. Seus dentes afundaram na pele macia da caçadora, fazendo-a gritar, mas seu sangue era ruim, amargo como fel, muito provavelmente a garota havia ingerido água benta antes de atacá-la. Então a jogou para o outro lado do cômodo, fazendo-a cair inconsciente no chão. Natalie acompanhou todas as cenas, com a expressão de horror. Charlotte arfou, recuperando a visão gradualmente. Sentiu a carne do rosto refazer-se, enquanto suas expressões humanas voltavam. A loira entrou no quarto, e trancou a porta, felizmente, ninguém no andar de baixo parecia ter ouvido toda a confusão graças ao falatório das pessoas e uma pequena cantoria. Recorreu à Lily, só para ter certeza que ela ainda continuava viva mesmo após ser atirada contra a parede como se não pesasse nada. Felizmente, ou não, ela respirava, e a mordida em seu pescoço escorria sangue, mas ela não morreria por isso. Natalie desviou o olhar para Charlotte, que a observava com um semblante enfurecido.
— Socorro... — O pedido veio baixo, quase impossível de ouvir. Natalie reconheceu a voz, correndo até a porta, onde encontrou Greg jogado no chão em volta de uma poça de sangue. — Nat...
— Ai meu Deus! — Natalie se apavorou, caindo de joelhos ao lado do corpo. Era muito sangue, assim como Greg estava pálido como um papel. — O que ela fez com você?
— Ela me esfaqueou para atrair a Lottie... — Se esforçou para falar. Greg estremeceu, e os lábios ficaram em um tom mórbido de roxo. — Estou com frio, Nat...
— Sinal de que ele morrerá em alguns minutos. — A voz de Charlotte se fez presente logo atrás. Natalie a encarou parada na porta, com um preguiçoso olhar. Tudo que a Scatorccio queria agora, era que a vampira calasse a boca ou deixasse os comentários maldosos para depois. No entanto, outra coisa saiu dos seus lábios.
— Ajuda ele, por favor! — Suplicou com o choro preso na garganta. Charlotte balançou a cabeça em negação.
— Não posso, ele já está morrendo, não há mais o que fazer.
— Eu também estava morrendo e você me ajudou! — Natalie se levantou. — Por favor, eu não posso perder mais ninguém, por favor, Lottie... — Suplicou. — Se você se importa comigo, então o ajudei, por favor...
— Seu caso era diferente, Natalie. E eu não posso ajudar ele sem o transformar no que sou.
— Você pode tentar pelo menos!
Ver Natalie suplicando por uma vida chegava ser mais doloroso do vê-la sofrendo pela perda de uma. Charlotte trincou o maxilar e desviou o olhar para o garoto no chão. Seu sangue estava esfriando, e seus batimentos cardíacos ficando mais fracos. Agora, ele não era mais atrativo a ela. Vampiros só se alimentavam dos vivos, os mortos pouco os interessava e o sangue poderia ser fatal como líquido de pilha aos humanos. Seus pés deslizaram suaves pelo piso, parando ao lado do corpo rígido do rapaz. Greg gemeu quando sentiu o rosto ser erguido e algo cair em seus lábios. O gosto era amargo e a textura estranha, mas entendeu o que estava acontecendo e bebeu o sangue até o fim. A vampira o largou quando a mordida no pulso cicatrizou. Natalie observou tudo calada, ansiosa por alguma recuperação, mas nada aconteceu nos primeiros minutos. Greg estava imóvel e seu peito não subia mais ou descia.
— Greg? — A loira se aproximou enquanto Charlotte se levantava de onde estava. Trocaram de lugar rapidamente. Natalie passeou a mão pelo rosto do garoto, sentindo-o frio. — Por que ele não acordou? — Questionou enquanto procurava pelo ferimento dele. Ainda sangrava e estava aberto. — Ele não está curando, Lottie, ele não está ficando bom. Você fez isso certo?
— Fiz o que tinha que ser feito. — A vampira encostou-se na parede. Ouviu um baixo tambor parar de tocar definitivamente. Natalie estremeceu, enquanto colocava o ouvido no coração do rapaz.
— O coração dele parou. Greg! — Natalie o chacoalhou nos braços. Não tinha mais o que ser feito, pensou a vampira. — Greg, acorda, por favor! — Dessa vez gritou.
— Natalie, já chega... — Charlotte se aproximou dela. Natalie desviou do toque da vampira, a fazendo encolher os dedos. — Natalie, ele morreu com meu sangue no organismo...
Seu mundo parou. Natalie esqueceu até como respirava. Encarou o corpo em seu colo. Greg estava morto, e o sangue de Charlotte correndo em suas veias. A vampira fez exatamente o que ela pediu. A culpa pesou em seus ombros, mas era tarde demais para pensar nas consequências de um pedido que parecia tão simples.
— Você tem duas opções, prosseguir com a transição e ainda o trazer como vampiro ou só o deixar morrer e criar uma boa desculpa para a polícia. — Charlotte cruzou os braços. Natalie balançou a cabeça com os olhos queimando.
— Você acha que isso é fácil?
— Em algum momento você achou que isso fosse dar certo? Eu disse que ele estava morrendo, Natalie, você tem um péssimo hábito de não ouvir o que é dito. — Charlotte caminhou de um lado para o outro. — É melhor decidir rápido, esse processo não pode demorar.
— O que acontece se ele virar vampiro? Vai começar a matar as pessoas como você?
— Obviamente não posso cuidar dele e nem controlar a nova natureza que ele carregará pela eternidade. — Charlotte fechou os olhos brevemente. Sebastian enlouqueceria se descobrisse que ela transformou alguém sem permissão. Natalie encarou o garoto. Ele era jovem demais para morrer e se tornasse um vampiro, seria jovem para todo o sempre. Talvez com o cuidado certo, Greg não se tornasse uma máquina violenta de matar. Existiam vampiros vegetarianos como em Crepúsculo? — Natalie, tem gente vindo, decida logo! — Charlotte desviou o olhar para a porta, ouviu passos serem dados pelo corredor.
— Complete a transição. — Falou se levantando do chão. Ela estava confusa, mas ainda assim teve coragem de decidir pela vida de outra pessoa. Charlotte acenou.
— Me encontre no cemitério do lado norte da cidade assim que escurecer. Lá é mais calmo, gente rica não costuma morrer com frequência, então o lugar é praticamente vazio o tempo inteiro. — Charlotte aproximou-se do corpo de Greg e o levantou como se não tivesse o dobro do seu peso e tamanho. Natalie encarou a cena, acenando. — É melhor criar uma desculpa para esse sangue que está nas suas roupas e para aquela vadia desmaiada.
— Cuidarei disso, não se preocupe. — Garantiu Natalie. — Eu te encontro daqui a algumas horas.
Charlotte acenou acomodando o corpo de Greg em seu ombro. Saiu pela janela enquanto Natalie dava uma boa olhada em toda aquela bagunça e, principalmente, em Lilian. Como já imaginava, as coisas estavam longe de acabar, pois agora parecia estar apenas começando.
Será que aqui marca o fim do enemies to love para começar o love?
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CAPITULO ATUALIZADO: 04/09/2024 - NÃO REVISADO
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