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𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟏𝟒)

VINTE DE SETEMBRO DE 2006

Há muito tempo haviam lhe dito que a dor do parto é a dor de uma nova vida. As mulheres sabiam como parir e os bebês como nascerem. Vera Scatorccio recordou-se de todas as palavras da mãe a respeito da maternidade, enquanto dava o seu melhor para colocar sua primogênita no mundo. As coisas dali em diante seriam diferentes, e ela acreditava que com uma criança em seu colo, tudo se tornaria mais colorido. Aliás, descobrir que estava grávida já era o início de começar a ver o mundo com mais cor, pois ainda no início da juventude, descobriu que gerar uma nova vida seria mais difícil do que esperado. Por isso, quando soube que carregava uma criança, interpretou como um milagre, seu pequeno milagre. Ver sua barriga crescendo com o passar dos meses, a enchia de uma felicidade tão genuína que nem mesmo as palavras duras do marido a desanimava. Durante as noites, sentava-se na cadeira de balanço, no quartinho rosa preparado para a filha, e conversava com ela como se fossem grandes amigas de longa data. Sempre lhe falaram que meninas eram mais próximas das mães, e isso era tudo que Vera esperava da sua garotinha. O suor escorreu pelo rosto. A dor de colocar uma vida para o mundo era maior que qualquer coisa, assim como a responsabilidade de criar um filho. Vera gritou, enquanto seu rosto era enxuto pelo marido ao lado. Joe estava nervoso, e embora preferisse disfarçar, toda aquela situação o deixava aflito. Segurou a mão da esposa, enquanto tentava formular algumas palavras motivacionais só para que ela aguentasse mais um pouco.

Então um grito fino e um choro partiram a tensão da sala. Joe abriu a boca, reparando no pequeno corpo magro e acinzentado devido à placenta ser erguido pelo médico. É uma menina! Foi o que o homem ouviu o médico confirmar. Vera sorriu entre as lágrimas vendo sua garotinha ser embrulhada em uma manta cor de rosa antes de ser colocada em seu colo. Joe se afastou da esposa, ansioso para carregar sua criança, no entanto, sua atenção foi roubada pelo grito de vera mais uma vez. A mulher fechou os olhos e mordeu os lábios com força, enquanto outra contração a pegava completamente desprevenida.

— O que está acontecendo? — Gritou Vera, buscando respostas na feição do médico.

— Pelo que parece, você continua em trabalho de parto. — O médico a avaliou. O choque foi instantâneo na face dos pais de primeira viagem.

— Joe! — Ele ouviu a esposa gritar antes de se lamentar de dor.

— Não diga besteira, todos os exames de imagem só mostravam uma criança, impossível ela ter duas. — Joe bradou. Outro filho? Nem sabiam como iriam lidar com uma criança e agora teriam que cuidar de duas?

— Faça força, senhora Scatorccio, tem um novo bebê a caminho! — O médico instruiu voltando rapidamente ao seu dever. Vera afundou as unhas no colchão e gritou. Dessa vez, o bebê pareceu agarrar em suas estranhas, relutante a sair para o mundo.

— O que está acontecendo com minha mulher? Isso é sangue? — Joe tentou se aproximar, mas foi impedido de chegar mais perto quando reparou em uma quantidade de sangue escorrendo pelas pernas da esposa.

— O senhor vai precisar esperar lá fora. — Uma enfermeira impediu seu caminho. Joe abriu a boca para falar, mas Vera acenou para ele sair.

Sem poder contestar, Joe se retirou da sala com passos pesados até o corredor. Ele não iria para longe, não com sua esposa dando à luz a um segundo filho. Por isso, se manteve de prontidão na porta, enquanto os gritos de Vera incomodavam até sua alma. Durou cerca de trinta minutos até que o choro de um novo bebê deixasse uma sensação estranha em seu peito. Não era exatamente medo, talvez fosse a surpresa e a negação do destino ter lhe dado um bebê a mais do que havia planejado. Duas crianças em um só dia, qualquer outro pai acharia uma dádiva, mas não Joe Scatorccio. Ele ainda se lembrava bem do dia que Vera descobriu a gravidez, mesmo tendo lhe declarado que seria incapaz de gerar filhos. Joe teve que se conformar, já que a ideia de ser pai não era do seu agrado. Vindo de uma família tradicional, Joe foi o décimo filho de um casal rígido, por isso, acreditava muito que não fosse conseguir ser o exemplo ideal de pai para sua filha. Quando viu o primeiro exame de ultrassom, não acreditou no que os olhos viam, e principalmente, na única lágrima que derramou. Naquele momento, enquanto o médico deslizava o aparelho pela pontuda barriga da esposa, tentou garantir a si que tudo daria mesmo, mas agora, não sabia mais se isso seria possível.

Momentos depois, Joe foi direcionado ao andar onde encontraria Vera, já em um quarto exclusivo para ela e os bebês. Parando em frente a porta, respirou fundo e puxou os lábios em um sorriso, girou a maçaneta e atravessou a porta. Notou primeiro a esposa. Ela carregava ainda um semblante abatido devido ao esforço em parir duas crianças, seu rosto estava pálido, mas seus cabelos castanhos e mediantes, se encontravam bem alinhados. Vera sorriu, tentando demonstrar em forma de sorriso que tudo ficaria bem. Para ela era fácil, é claro, era seu sonho ser mãe, diferente dele que nunca quis ser pai. Joe desviou o olhar para dois berços transparentes, vendo duas pequenas miniaturas de humanos vestindo rosa. Meninas, eram duas meninas. Um choro estridente encheu o ambiente tão alto, que arrancou um resmungo do homem. Joe se aproximou do bebê, vendo que enquanto uma dormia tranquilamente, a outra gritava por atenção. Esse detalhe era algo que provavelmente as distanciaram uma da outra, fora isso, ambas eram completamente iguais.

— Traga ela, deve está com fome. — Vera falou ao sentar-se na cama com dificuldade. Joe pegou no colo o bebê que chorava, ainda desengonçado com algo tão pequeno e leve nos braços. — Na verdade, ela chora desde que nasceu, e principalmente quando tentaram banhá-la, parece que alguém aqui tem medo de água.

— Qual delas nasceu primeiro? — Ele perguntou já deduzindo a resposta. Vera sorriu de lado e apontou com o queixo para o bebê que dormia serenamente. Joe então entregou o bebê surpresa a esposa, enquanto se virava para ver sua primeira filha. — Essa aqui é tão linda, o nariz lembra o seu.

— Nossas filhas são lindas, Joe! — Vera o repreendeu com o olhar. Segurou a bebê no colo posicionando o bico do peito para dar de mamar, mas aquela criança parecia teimosa. — Você é bem bravinha para seu tamanho, não acha? — Sorriu quando finalmente conseguiu fazer o beber sugar seu leite. Joe revirou os olhos.

— Já até sei com qual vamos ter problemas.

— Joe! — Vera bufou, mas evitou ter raiva. — Vamos pensar nos nomes.

Anelise, essa aqui se chamará assim. Significa pequena graciosa, e é o nome da minha mãe. — Joe decidiu rapidamente.

— E para essa aqui? — Vera balançou o bebê no colo.

— Você pode decidir... — O homem deu de ombros.

— Que tal Natalie? — Ela encarou a reação da bebê, que parecia mais calma depois de comer. — Você gostou desse nome? — A bebê se moveu em seus braços, já sonolenta.

— Anelise e Natalie. — Joe sentou-se na poltrona. — Só não sei como vamos lidar com dois bebês agora.

— Vamos dar um jeito, querido. — Vera suspirou. — O importante é que agora temos duas garotinhas lindas.

Duas garotinhas, o que significava problema em dobro. Joe não queria ser pessimista, mas começava a deduzir que as coisas talvez não fossem melhorar no futuro.

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SETE ANOS DEPOIS

Anelise correu pelo corredor de casa vestida com a saia tutu ballet. Parou do meio do caminho para demonstrar o giro completo que aprendeu na aula da escola. Natalie surgiu em seguida, revirando os olhos para o exagero da irmã, mas preocupada com o estado do arranhão do joelho. Diferente de Anelise, ela não usava nenhuma roupinha rosa ou muito menos sabia algum passo de ballet, e Anelise, diferente de Natalie, não voltava para casa machucada. Joe colocou as bolsas das garotas sobre o sofá, completamente exausto após sair da fábrica e de buscar as filhas na escola. Natalie mancou até o banheiro, procurando por algo que fizesse o machucado parar de sangrar. Aquilo era resultado de uma pequena confusão com o valentão da escola devido ao seu lugar favorito da sala, e isso lhe rendeu um empurrão da escada e arranhões pelo corpo.

— Isso vai doer muito mais quando colocar água. — Anelise apareceu na porta.

— Sai daqui! — Natalie rugiu da porta quando percebeu que a irmã havia mudado a rota da cozinha para o banheiro.

— Mãe, a Natalie caiu! — Gritou a outra gêmea. Natalie bateu a porta.

A Natalie caiu? — Ouviu a voz distante da mãe perguntar na cozinha.

Um machucado ou outro não faz diferença para ela, Vera. — O pai respondeu, entediado.

— Meu Deus, Joe. — Vera se aproximou da porta, girando a maçaneta, mas Natalie já havia trancado pelo lado de dentro. — Querida, deixe-me ver o machucado.

— Não! Eu vou ficar bem. — Natalie lavou a ferida, mordendo os lábios quando a dor a atingiu sem piedade. — Ai! — Gritou.

— Falei que ia doer. — Anelise cruzou os braços do lado de fora.

Natalie achou algodão e esparadrapos no armário do espelho, e foi assim que improvisou um curativo sobre o machucado. Nem pensar que ela daria esse trabalho aos pais, aliás, era o seu problema, não deles. Saiu do banheiro com o queixo erguido e segurando choro, sendo seguida pela mãe e irmã.

— O que aconteceu, amor? — Vera perguntou.

— Eu caí. — Mentiu. Anelise deu um sorrisinho, sabendo que a gêmea escondia a verdade.

— Tem certeza que foi só isso? E esses outros machucados? — Vera colocou uma mão na cintura, preocupada.

— Você está mimando demais essa menina, ela já disse que caiu, qual o problema? Crianças caem o tempo todo. — Resmungou o pai. Pela primeira vez, Natalie agradeceu por ele querer desviar o foco da conversa. Vera suspirou.

— Espero que tenha sido só isso mesmo, não quero ter que ir à sua escola outra vez. Aliás, chegaram cedo, meninas. — Vera limpou a mão no avental que usava. Anelise sentou-se em uma cadeira, recebendo um beijo no topo da cabeça. Natalie foi mais ágil em fugir dos amassos da mãe, indo em direção à pia onde alcançou a travessa suja de massa crua de bolo. — Natalie, não coma isso, pode lhe dar dor de barriga.

— Qual a diferença entre comer agora ou depois que tiver assado? Não é tudo bolo? — Natalie perguntou. Sua irmã bufou com a pergunta idiota.

— Toda a diferença do mundo, sua boba. Essa massa está crua e os ingredientes não estão prontos ainda para serem comidos, não é mamãe? — Anelise encarou Vera, que acenou.

— Exatamente, querida, deveria ser mais esperta como sua irmã, Natalie. — Joe falou. Natalie deu de ombros. Não era a primeira vez que comia massa crua de bolo, e se ficasse doente, poderia tomar remédio para melhorar. — Por que o bolo, Vera?

— Amanhã é o aniversário das meninas, esqueceu? — Vera pareceu chateada por alguns instantes, mas considerando que o marido nunca foi bom em decorar datas, relevou. — Estou fazendo um bolo para comemorar e depois podemos sair para o parque de diversão.

— Poderíamos fazer algo mais barato. — Joe coçou a barba que crescia no queixo. Natalie e Anelise se encararam. Eram de família pobre, por isso, estavam acostumadas a não terem festas de aniversários grandes como as dos colegas da escola ou ganharem presentes caros. Suas festinhas de aniversários sempre eram resumidas em um bolo simples e decorado pela própria mãe e talvez, quando tinham muita sorte, podiam passear em algum lugar.

— É só uma vez no ano, querido, as meninas merecem um dia de diversão, além de faltar um dia aula e verem TV o dia todo. — Vera apoiou as mãos na cintura.

— Deveríamos perguntar a elas o que querem, não é? — Joe desviou a atenção para as filhas. — Vocês preferem ir há um parque de diversão ou... vejamos... um piquenique na cachoeira?

Anelise ergueu as sobrancelhas animadas, mas Natalie se encolheu, ela não sabia nadar, por isso, odiava qualquer coisa que envolvesse água.

— Piquenique, piquenique... — Anelise saltou da cadeira repetindo as palavras com animação.

— Está decidido, piquenique na cachoeira. — Joe declarou. Vera suspirou.

— A Natalie não disse o que queria. — Observou a mãe. — Natalie?

— É claro que ela quer piquenique na cachoeira, não é? — Joe encarou a outra filha. Natalie acenou sem dizer nada. Ela preferia o parque de diversão, mas obviamente sua opinião era impopular comparada a da irmã, assim como a decisão já parecia ter sido decretada pelo pai.

— Bem, então acordem cedo, vou começar a preparar os lanches para amanhã.

— Ebaa! — Anelise comemorou antes de correr para o quarto. Natalie a seguiu, deixando os pais sozinhos na cozinha. — Não gostou do passeio que vamos ganhar, Nana?

— Eu não sei nadar, então não irei entrar na água para brincar. — Queixo-se subindo para a sua cama bagunçada. Anelise suspirou, jogando a mochila para a cama de lençóis rosas e almofadas de bichinhos. Havia esquecido desse detalhe, sua irmã sempre teve uma certa aversão a água, o que era bizarro para Ane, que sempre gostou de esportes e, principalmente, nadar.

— Se é assim, então podemos pedir para o papai e a mamãe nos levar ao parque! — Anelise cruzou as pernas sobre a cama. Natalie revirou os olhos.

— Já está decidido, o papai não vai mudar de ideia, não por mim. — Natalie disse, entristecida. Anelise torceu a boca e pulou da cama, correndo para o outro lado do quarto. Subiu entre os lençóis desarrumados da irmã e passou o braço fino pelo ombro dela.

— Tudo bem, então não entrarei na água também.

— Que mentirosa... — Natalie se afastou dela. Anelise sentiu os lábios tremerem.

— É verdade, não vou entrar na água a menos que você entre comigo e como sei que não vai entrar...

— Jura de dedinho? — Natalie encarou a gêmea novamente. Anelise ergueu seu dedinho no ar.

— Juro de dedinho, Nana. — Ane sorriu quando Natalie ergueu seu dedo no ar e prendeu a dela, assim selando um pequeno pacto para o dia seguinte.

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Água era tudo que via. As ondas batiam em seu rosto, entrando pela boca a sufocando. Era difícil lutar contra a correnteza, e houve um momento que deixou de resistir. O cansaço a consumiu inteiramente, fazendo com que as câimbras dessem nó em seus músculos e a pressão se instalasse nos ouvidos. Ela só aceitou o destino, deixando que o corpo pesado descesse até o fundo, colidindo contra as pedrinhas e as algas do chão. Sempre disseram que se afogar era uma sensação angustiante nos primeiros minutos, e que após um tempo, o subconsciente desligava para que nenhum sofrimento fosse mais vivido. Era quase verdade, mas ela ainda continuava consciente enquanto engolia a água e os pulmões queimavam. Simplesmente não dava para evitar sofrer até que, finalmente, a escuridão se encarregasse do resto.

Vera acordou em um sobressalto, se dando conta que ainda estava em sua cama. Encarou as mãos, onde os dedos magros tremiam e o coração palpitava. A angústia se fez presente tão dolorosamente em seu peito, que chorou em silêncio, tomando cuidado só para não acordar o marido que dormia ao lado. Quando finalmente aceitou que tudo não passava de um pesadelo, enxugou as lágrimas silenciosas e verificou a hora da mesinha de cabeceira: 3:00 AM. Era madrugada ainda, nem mesmo sol ainda havia saído de trás das colinas. Vera respirou fundo e deslizou para fora da cama, em direção ao único banheiro de casa. A imagem refletida no espelho do banheiro quase a assustou, mas ignorou enquanto procurava pelos remédios de ansiedade e outros mais fortes para dormir. Assim que os achou, os engoliu de uma só vez com a água da pia. Gradualmente, sentiu o corpo ficar mais leve, e os olhos ficarem mais pesados.

Decidiu ir até o quarto das gêmeas, só para verificar que tudo estava certo entre elas. Abriu a porta com cuidado, assim como apagou a luz do corredor para que a claridade não despertasse nenhuma delas. Vera entrou no quarto, verificando que cada uma das meninas dormiam tranquilamente. Enquanto Anelise se encontrava coberta até o pescoço, Natalie tinha o lençol cobrindo somente metade do seu corpo. Na ponta dos pés, a mãe se aproximou da filha menos coberta, levantando lençol para cobri-la completamente. Natalie murmurou algo e virou-se perdida em algum sonho. Vera voltou até a porta, mas antes de sair, encarou suas filhas novamente. Ambas eram completamente iguais no quesito da aparência: cabelos castanhos, olhos verdes e sardinhas pelas bochechas e ombros. No entanto, eram completamente opostas na personalidade.

Anelise sempre teve o dom para arte, sendo o ballet sua paixão principal. Devido a isso, foi contemplada com uma bolsa do clube de ballet da escola. Anelise Scatorccio só tinha seis anos, mas planejava tudo em sua vida como uma pessoa adulta. Primeiro, pretendia participar de apresentações estaduais e ser destaque do seu grupo, podendo assim ganhar uma bolsa na maior escola de ballet do mundo, a Royal Ballet School e fazer parte do Ballet Bolshoi quando finalmente pudesse ter a idade necessária. Seus sonhos eram alimentados pelo pai, que garantiu pagar até mesmo aulas extras, para que sua trajetória até o sucesso se tornasse mais rápida. Natalie, por outro lado, não se achava boa em nenhuma atividade, mas a verdade era que mesmo que achasse algo que realmente valesse a pena investir, não teria o mesmo apoio que sua irmã recebia. Por esse motivo, se ausentava de atividades extracurriculares, pois seria uma completa perda de tempo se dedicar por algo que seria completamente passageiro. Ela não era boa na escola como a irmã e suas notas eram baixas, mas diferente de Anelise que sempre aceitava o que os pais decidiam, Natalie carregava a resposta na ponta na língua, por isso, era sempre repreendida ou castigada por Joe. E talvez fosse isso que ele odiasse tanto, pois querendo ou não, sua filha surpresa era uma grande reflexo do que ele gostaria de ter sido quando criança, mas jamais admitiria em voz alta. Era claro que Joe Scatorccio tinha uma filha preferida, mas Vera preferia acreditar que ele só carregava preferências maiores para uma delas, e que acima de tudo, amava ambas as filhas de formas diferentes. Para Vera, ter uma filha preferida chegava ser algo inadmissível, ela não tinha uma preferida, e amava seus pequenos milagres na maior intensidade que uma mãe poderia amar suas filhas.

Voltou para o quarto com passos pesados. Jogou-se na cama, sendo levada pelo sono e a melhor parte, sem pesadelos sobre está se afogando. Quando amanheceu completamente, Vera já se encontrava de pé, finalizando a decoração do bolo. Anelise gostava de rosa, enquanto Natalie de roxo. Ela sabia que se misturasse as duas cores em uma massa só daria em cinza, por isso, optou por fazer dois glacês com ambos os tons. E assim estava finalizando o bolo, tendo o dobro do trabalho, mas não sendo a causadora de um problema maior entre as gêmeas. Por sorte, as garotas não brigavam tanto, mas sabia que acatar a decisão de uma ao invés das duas, sempre deixava alguém machucado. Vera mordeu os lábios, ansiosa novamente. Não era mais do seu agrado ir à cachoeira, não depois do pesadelo, e sabia muito bem, que esse passeio não seria divertido para Natalie, que nunca aprendeu a nadar. Imersa em pensamentos, não reparou quando Joe chegou a cozinha, bocejando.

— Não demore para acordar as meninas. — Disse ao caminhar até a caneca dada por Anelise no último dia dos pais, a qual a frase "Eu amo o papai" estava de um lado.

— Estive pensando, Joe, poderíamos ficar em casa. — Ela finalizou o bolo com uma cereja no meio. — Podíamos alugar um filme na locadora e amanhã é sábado, então deixaríamos as meninas verem o que quiser até tarde.

— O que aconteceu com o "as meninas merecem um dia de diversão, além de faltar um dia aula e verem TV o dia todo"? — Joe imitou o tom de voz da esposa. Vera fechou o semblante. — Já prometemos a elas que levaríamos a cachoeira.

— A Natalie não sabe nadar e tenho certeza que ela não está confortável com a ideia. — Vera rebateu. Joe revirou os olhos.

— Se ela estivesse incomodada, diria algo, não acha? — Indagou ele. — Eu não quero saber de mudanças de planos em cima da hora, faremos a droga do piquenique na merda da cachoeira e antes do fim do dia voltamos para casa. — Decretou o marido.

— Eu não estou com um bom pressentimento...

— Você nunca está com um pressentimento bom, Vera, já prestou atenção nisso? — Joe apontou um dedo para ela. — Se continuar com essas esquisitices, vai deixar as crianças com medo e eu também. Porra!

Vera engoliu o nó formado na garganta e abaixou a cabeça. Joe respirou fundo, controlando o nervosismo. Ouviu um "Quem tá com medo?" vindo de trás, então se virou. Em alguns momentos confundia qual das filhas estavam em sua presença, mas ele ainda conseguia distinguir Natalie de Anelise, principalmente porque a filha surpresa tinha olhos mais expressivos e alguns machucados pelos braços, assim como sempre o desafiava até quando não emitia nenhuma palavra. Era ela que estava em sua frente agora, coçando um dos olhos e bocejando.

— Ninguém, e não deveria ouvir a conversa de pessoas mais velhas. — Disse ele, severamente. — Agora vá acordar sua irmã para se arrumarem, sairemos em vinte minutos. — Ordenou Joe. Natalie acenou, correndo de volta para o quarto.

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O carro mal havia parado quando Anelise saltou do banco para fora. Sua atenção estava presa no lago e na forma que a água despencava do alto da cachoeira há uma certa distância. No entanto, parou bruscamente, fechando o sorriso dos lábios e recordando-se da promessa feita à irmã: ela não entraria na água sem Natalie, embora soubesse nadar muito bem. E promessa era promessa, principalmente as de dedinho. Virou-se para a encarar a gêmea descendo depois da mãe, que não parecia nada confortável naquele lugar. Anelise vasculhou novamente o ambiente que estava, era sexta-feira, então não havia movimentação de outras pessoas, já que o lugar costumava ficar cheio pela noite ou nos fins de semana, sendo a diversão principal da cidade e dos jovens.

— Ane, venha nos ajudar! — Ouviu o pai chamar.

— Estou indo. — Respondeu ela, correndo de volta para o carro.

Ajudou a mãe com as cestas de piquenique, enquanto o pai e Natalie cuidavam em estender a toalha vermelha xadrez no meio da grama. Por sorte, haviam escolhido um lugar as sombras de uma árvore, onde poderiam até cochilar se quisessem. Vera colocou o bolo no centro, e acendeu duas velas com glitter nas cores favoritas das meninas. Natalie se ajoelhou ao lado de Anelise e cantaram juntas os parabéns duas vezes. A primeira a soprar a vela foi Ane, que desejou se tornar a melhor bailarina do mundo. Quando chegou a vez de Natalie, uma rajada de vento apagou a pequena chama acesa antes mesmo que ela tivesse a chance de pensar em algum pedido.

— Sem problema, acenderemos novamente. — Vera pegou a caixinha de fósforo ao lado. A pequena chama acendeu, mas outra rajada de vento a apagou. Natalie bufou. — Sorte que temos muitos palitos aqui dentro.

— Mas não o dia todo para acender uma porcaria de vela. — Joe resmungou, bebendo um gole de cerveja antes de arrumar uma isca no anzol que usaria para pescar. Natalie encarou a irmã, chateada com o comentário infeliz do pai.

— Minha nossa, Joe. — Vera limpou a garganta, e acendeu a vela outra vez, fazendo uma pequena barreira para a filha poder apagar. Natalie se inclinou para frente e apagou a vela antes mesmo que uma próxima rajada de vento tirasse sua chance ou que de fato tivesse um pedido elaborado. Infelizmente, não desejou nada, e somente assoprou a vela. Natalie concluiu que faria um pedido no próximo aniversário, até lá, já tinha algo grandioso para pedir.

— Vou tentar pegar algo no lago. — Disse o homem ao levantar-se do chão.

— Não vai ficar para comer? — Vera encarou o marido ao erguer o rosto para o alto.

— Só deixem um pedaço para mim. — Disse de saída.

Vera balançou a cabeça em desaprovação enquanto seu marido se distanciava para uma parte mais tranquila do lago. Separou duas fatias de bolos, entregando às meninas. O sabor chocolate era infalível com elas, por isso, na primeira garfada, as garotas sorriam satisfeitas pela escolha. Ao terminarem o bolo, comeram alguns sanduíches naturais e beberam suco de caixinhas, descansaram por um minuto e resolveram brincar às margens do lago. Vera improvisou uma almofada com a mochila de roupas e repousou por um tempo para ler o livro que começara naquela semana.

— Vamos ver quem atira pedrinhas mais longe? — Natalie sugeriu. Anelise acenou, andando um pouco para dentro da água, pegou algumas pedras para dividir com a irmã. Natalie foi a primeira a jogar, usando toda a técnica que havia visto em filmes para que sua pedrinha fosse o mais longe possível.

— Se eu atirar mais longe, o que ganharei? — Anelise perguntou. Natalie mordeu o lado de dentro da bochecha, imaginando que tipo de prêmio uma delas levaria.

— Que tal ficar com o restante do bolo? — sugeriu Natalie. Anelise acenou, era um bom prêmio. Sua vez de jogar a pedrinha chegou, então se posicionou e atirou, mas não conseguiu vencer a irmã na distância.

— Que droga!

— Acho que vou ficar com o bolo então... — Natalie cantarolou. Anelise se abaixou para pegar mais pedras, depois saiu do campo de visão da irmã, indo para uma área mais rochosa. — Ei, assim não vale!

Natalie a seguiu, se distanciando dos pais. Anelise era competitiva tal como Natalie, e mesmo que aquele fosse um joguinho estupido, ela não admitiria perder. Subiu em algumas pedras escorregadias e altas, tomando cuidado para não cair na água à medida que se afastava dos adultos. Natalie fez o mesmo percurso, odiando a irmã por levar a brincadeira tão a sério. Se ela queria o bolo, então ficaria com o bolo, contanto que não a fizesse ir para mais longe de terra firme.

— Ane! — Natalie gritou, sentindo o cansaço chegar assim que teve que escalar algumas pedras. Olhou para trás. Elas estavam mais próximas da cachoeira onde o barulho de água era mais alto e violento contra o lago. Seus pais estavam longe. Joe estava distraído enquanto pescava e Vera parecia ter adormecido com o livro no rosto. — Vamos voltar, podemos brincar de outra coisa.

— Não! — Declarou Anelise. — Vem, é seguro, Nana. — garantiu a irmã. — Daqui é melhor de jogar pedrinhas.

— Não sei... — Natalie ajoelhou-se na pedra quando uma rajada de vento levou a água que despencava na cachoeira para seu rosto. Evitou encarar a água corrente que corria logo abaixo, sabia que estava em uma parte funda e se caísse, talvez não tivesse sorte de ser resgatada a tempo. — Estou com medo, vamos voltar, por favor, Ane.

Anelise bufou, voltando o caminho com habilidade só para provar para irmã que nada lhe aconteceria. Segurou em sua mão e a levantou. Natalie a seguiu até as pedras maiores, mas a cada passo, sentia o coração bater ainda mais forte. Ela odiava a água. Um medo irracional, que nasceu com ela. Houve um tempo que Natalie se recusava a entrar até mesmo na banheira por medo de se afogar, e quando sua mãe sugeriu que ela fizesse aulas de natação, sua reação não foi das melhores.

— Jogaremos daqui, será que alcançamos o outro lado da margem? — Anelise avaliou a distância, mesmo não entendendo exatamente de metragem, poderia supor que tinha seis metros até o outro lado do lago. Natalie engoliu seco, odiando a brincadeira. — Pode começar.

— Não quero! — A outra gêmea balançou a cabeça em negação. Ane revirou os olhos.

— Certo, então atirarei a pedra primeiro. — Anelise se preparou. — Se alcançar aqueles arbustos, então eu venci.

— Eu não me importo, só acabe logo com isso e vamos voltar. — Natalie encarou o céu na intenção disso a acalmar. Cada vez mais o vento ficava forte e a água chicoteava seu rosto.

Anelise se preparou para atirar a pedra e fez isso com toda a destreza possível. Distante de onde as garotas estavam, Vera levantou em um salto, havia cochilado em meio a um trecho de "Orgulho e preconceito". Ainda estava sob efeito dos remédios tomados na madrugada. Limpou a baba seca no canto da boca e procurou as meninas, mas não as avistou por perto. Se levantou de onde estava, olhando para os lados até as encontrarem brincando sobre algumas rochas altas próximo à queda d'água. Vera colocou a mão na cintura e gritou por elas. Aquele era um lugar arriscado demais para elas brincarem, além da água ser mais forte na descida, as pedras poderiam ser escorregadias e causar um acidente. Como sua voz não foi ouvida, Vera optou por se aproximar. Observou quando Anelise atirou algo para o outro lado do lago, atingindo alguns arbustos e pulou em comemoração, e foi nesse segundo de alegria, que seu pé vacilou sobre a superfície lisa e ela escorregou para o fundo do lago, levando Natalie junto. Vera gritou em desespero, atraindo a atenção do marido.

Natalie teve o pulso puxado para baixo no momento em que Anelise deslizou na pedra. Ambas caíram na água turva e de forte correnteza. Mesmo com o desespero batendo em seu peito, Anelise segurou Natalie o mais forte que pode, mas ainda que soubesse nadar, carregar o corpo da irmã e lutar contra a correnteza era complicado demais. O desespero também não pareceu colaborar com a situação, Natalie só sabia se debater e isso dificultou que ela nadasse para uma parte mais rasa. Seus braços pequenos se cansaram de carregar a gêmea e o ar faltou em seu pulmão. Natalie arregalou os olhos tentando enxergar algo na água turva. Foi difícil no começo, mas quando conseguiu, reparou que o corpo que Anelise afundava também. Viu o clarão do céu e uma nuvem vermelha adornar a irmã. Ela tentou respirar, mas isso era impossível, e só serviu para se sufocar com a água invadindo seus pulmões. Não restava muito tempo para ela, e para Anelise, o tempo já parecia ter se esgotado, pois agora seu corpo pequeno estava afundando ainda mais rápido que o comum.

O corpo pálido e pequeno da gêmea desceu para o fundo como uma pedra. Anelise tinha os olhos fechados e a boca aberta, e não respirava mais. Havia também sangue, tanto, que começou a atrair outra movimentação para perto, talvez fossem peixes ou algo maior. Natalie se esforçou para chegar ao fundo rapidamente também, onde finalmente abraçou o corpo da irmã e juntas, deitaram-se no fundo do lago. Aceitar o futuro era a única coisa que lhe restava, por isso, Natalie soprou o restante do oxigênio em seu peito como um único desejo que não soube pedir quando apagou a vela: gostaria de morrer sem sentir nenhuma dor. Fechou os olhos quando todos seus sentidos adormeceram e tudo se tornou escuridão.

"Um, dois, três..." Natalie ouviu a contagem distante se tornar cada vez mais alta e próxima. "De novo, um, dois, três..."

A gêmea surpresa despertou bruscamente, vomitando a água presa em seu peito. Piscou atordoada e tremendo de frio. Por alguns segundos esqueceu-se do que havia acontecido, mas foi ao se dar conta que estava rodeada de paramédicos, que todas suas lembranças vieram como uma enxurrada dolorosa. Mas onde estava Anelise?

— Natalie! — Ouviu o grito da mãe e seu abraço acolhedor. Natalie foi coberta por uma manta, mas ainda procurava pela irmã, já que ainda estavam na cachoeira e era noite.

— Faça outra vez! — Joe gritou com uma dor evidente em suas palavras.

— Ane?... — Chamou a menina. — Ane!

Natalie se afastou da mãe quando ouviu algo parecido com o choque. Seu corpo estava fraco, por isso, tropeçou diversas vezes até chegar ao lugar onde sua irmã estava. Vera correu logo atrás, segurando a filha pelos braços, impedindo que ela se aproximasse da outra filha, mas foi em vão. Natalie caiu aos pés do corpo miúdo. Anelise estava estranha, além de se encontrar mais pálida que o comum, um machucado em sua cabeça fazia com que uma quantidade de sangue molhasse as pedras e a grama de onde estava. Ela também estava inchada e com os lábios roxos. Um homem se aproximou, colocando o objeto estranho sobre o corpo da menina. Natalie arregalou os olhos quando o corpo de Anelise foi puxado bruscamente pelo aparelho e o choque fez um barulho alto.

— Estão machucando minha irmã, parem, parem! — Natalie gritou, deitando-se sobre o corpo frio da gêmea. — Ninguém irá tocá-la! Mãe, diga para eles pararem, eles estão machucando ela!

— Tirem a menina daqui! — Um dos paramédicos gritou.

Natalie gritou quando dois homens a puxaram para longe. Anelise estava sendo reanimada com um aparelho estranho, mas não respondia ao comando. Todos aqueles processo não pareciam mais estarem a ajudando e sim a machucando. Natalie gostaria que todos se afastassem dela, mas ninguém a ouvia. Ninguém nunca a ouviu. Então um código foi dito por um dos paramédicos. Ela poderia ser jovem, mas pelo semblante daquelas pessoas, conseguia entender o que estava acontecendo.

Anelise estava morta.

— Sentimos muito... — Um deles disse.

Natalie sentiu tudo parar a sua volta, enquanto o grito de dor de Vera perfurava seus ouvidos dolorosamente. Ela queria chorar, lamentar e gritar, mas não conseguia fazer nenhuma dessas coisas. Tudo que fez foi ficar lá, estática como uma pedra, vendo o mundo mover-se em sua frente como um borrão. Natalie havia perdido muito mais que uma irmã, ela perdera sua outra metade. Sentiu as mãos calejadas do pai a segurar pelo ombro dolorosamente e ouviu a culpa cair para ela. Talvez fosse verdade, a brincadeira só havia começado porque ela deu ideia. Então, naquele momento, Natalie não julgou o pai por ser culpada pela morte da única irmã. Ela havia matado Anelise, e mesmo sendo um fardo grande demais para uma garotinha de sete anos carregar, já estava fadada a conviver com essa culpa pelo resto da sua vida.

Natalie só lamentava que o destino tivesse escolhido a gêmea errada para levar naquele dia.

Esse capitulo é para aqueles que desde o inicio perceberam as pistas deixadas entrelinhas.

CAPITULO ATUALIZADO: 10/08/2024 - NÃO REVISADO

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