
𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟎𝟖)
Os gritos de socorro eram tão altos que facilmente chamariam atenção de qualquer um que passasse pela rua, mas ela gostava assim. O desespero, medo e a dor, eram também suas fontes vitais e tornava tudo muito mais interessante. Como poderia caçar se não tivesse uma emoção sequer? Sentiu a adrenalina percorrer pelo corpo quando se deslocou com facilidade da área da piscina coberta para o quarto de paredes rosa no segundo andar. Sua presa suplicou de joelhos, mas ela não se importou. Estava com fome, tanta, que se ousasse sair de casa sem se alimentar ao menos um pouco, causaria um massacre brutal na escola. Sua língua se chocou contra os dentes pontiagudos e sibilou como um felino pronto para atacar. Em questão de segundos, seu corpo deslizou com sutileza pelo chão e suas presas afundavam na carne humana, enquanto os gritos e gemidos de dor eram amenizados conforme a vida em seus braços deixava de existir.
A garota arfou, sentindo todo o sangue pingar aos seus pés, escorrendo generosamente pelo seu queixo. Ela jogou o corpo sem vida para o lado, e o avaliou enojada. De tudo que poderia comer naquela semana, jamais imaginou recorrer a um mendigo. Seu rosto formigou, retornando a forma graciosa de antes. Ela deu um passo para longe do cadáver, mas uma tontura a pegou desprevenida. Uma dor sufocante pareceu atravessar seu peito, enquanto uma enxurrada de imagens borradas surgiam em sua mente como flash. Viu um garotinho se tornar um adolescente problemático e depois um adulto infeliz. Eram muitas informações, mas todas se resumiam a brigas de rua e o uso excessivo do álcool e drogas. A sua vítima não havia sido um sujeito de sorte. Seu fim chegou no momento em que um carro preto parou ao seu lado e o levou a uma mansão, onde foi caçado como um animal e devorado sem piedade.
Ela gritou, levando as mãos para a cabeça quando todos os sentimentos de angústia e aflição da sua vítima se misturaram aos seus sentimentos naquela hora. Era isso que sempre acontecia quando se alimentava. Esse era o tormento que deveria viver a cada vida humana que decidisse tirar. E infelizmente, deveria suportar isso por toda eternidade, talvez em algum momento iria se acostumar. Quando se recuperou, andou até o espelho e encarou o demônio refletido. Era o próprio mal encarnado que agora habitava abaixo da sua pele. Humanos não podiam vê-lo, mas ela estava fadada a ter essa visão aterrorizante sempre que algo a refletisse. Ele tinha desejos difíceis demais para serem reprimidos, mas nem tudo em tê-lo era ruim. Ele lhe dava força, beleza, poderes e tudo que ela deveria fazer era apenas conviver com o que era agora. Para quem crescera presa em um antro de regras rígidas sobre o que poderia ou não fazer, carregar uma força sobrenatural em troca de sacrifícios de sangue não parecia tão ruim.
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Charlotte Matthews costumava adorar o verão, mas foi ao retornar para casa que essa adoração caiu para o fundo do poço. Agora, os dias quentes eram o seu maior problema. Os odores ficavam mais fortes e sua fome ainda mais incontrolável. Caminhando até o banheiro, ignorou todas as superfícies refletivas espalhadas pelo cômodo. Espelhos também haviam se tornado seu pesadelo particular. Após um banho gelado e demorado, percorreu o caminho até seu closet, onde escolheu as peças que julgava serem apropriadas para a escola, e claro, o dia quente. Tudo bem para ela usar um vestido preto que mal cobria suas coxas sobreposto com uma blusa branca de mangas curtas. Ao sair do closet, saltou sobre o corpo em decomposição que se encontrava debruçado em seu tapete felpudo rosa. Ela torceu os lábios, chateada por ver o sangue seco manchando todo seu piso. Odiava quando sua bagunça não era arrumada.
Pela janela, viu a grama morta e seca ser aparada e os pássaros e outros animais, que insistiam morrer ao redor da casa, serem queimados. Enquanto você estiver em um lugar, irá se alimentar até não restar mais nada, e fará isso inconscientemente também. Tudo à sua volta morrerá lentamente. Todas as vidas que cruzarem seu caminho irão definhar até o fim. E realmente estava acontecendo isso, todas as plantas da casa estavam mortas. Os animais que ousaram adentrar em seu terreno e sobrevoar sua casa morriam subitamente. Não havia dom sem sacrifícios, e esse era também um preço ao qual ela deveria pagar.
Descendo as escadarias em direção à sala de jantar, encontrou sua mãe bebericando um chá, sozinha. Uma mesa de café da manhã estava posta com uma variação quase infinita de bolos e doces, mas nada dali lhe atraia. A comida humana não tinha mais graça e tudo em sua boca parecia giz e sem gosto. Charlotte sabia que a essa altura seu pai já estava no trabalho e sua mãe logo sairia para a aula de pilates. Eles pareciam mais distantes agora do que antes. Na verdade, ela própria havia instruído que eles continuassem com suas robóticas e patéticas vidas depois que surgiu na porta de casa, causando uma grande surpresa. Emilia fitou a filha, ou o que costumava ser ela até a viagem à Romênia. Ainda estava em fase de adaptação com a nova dieta que a garota levava, assim como se sentia pisando em ovos com o novo temperamento dela.
— Meu quarto está sujo! — Lottie declarou. Encarou a mãe ao sentar-se do outro lado da mesa.
— Mandarei limpar, querida. — Emilia sorriu afetuosa, mas foi incapaz de disfarçar o tremor nas mãos. Lottie ergueu o rosto, sentindo o odor do medo cercando a mãe. — E então, se sente satisfeita?
— Por hora, sim. — Charlotte deu de ombros. Estava bem alimentada, mas sabia que quando sua fome voltasse, faria um belo estrago. Para sua sorte, tinha um cardápio ao seu dispor sempre que desejasse.
— Querida, eu pensei...
— Não pense! — Sua voz ecoou pela sala espaçosa. Emilia engasgou.
— Amor, seu pai e eu só queremos o melhor para você. — Emilia tomou cuidado com as palavras. Charlotte estava mais impulsiva que antes e isso gerava algumas mortes em seus picos de raiva. Embora a família Matthews conseguisse manter os desaparecimentos sob controle, controlar a única filha nessa altura do campeonato era algo impossível, e isso logo traria problemas muitos maiores. — Por isso gostaríamos que estudasse em casa. É o último ano, no próximo você já estará na faculdade.
— O que te faz pensar que isso é alguma prioridade para mim? Além disso, sou maior de idade e capaz de tomar minhas próprias decisões. — Disse com um falso e ensaiado sorriso nos rosto. Ela não se preocupava com a escola, muito menos com a faculdade. Seus planos eram outros, maiores e mais sombrios.
— Você tem matado pessoas, Lottie! — Disse a mãe, exasperada. Charlotte uniu os lábios, desaprovando o rumo da conversa.
— Não é exatamente isso que incomoda vocês, não é? — Charlotte levantou da cadeira. — Na verdade, você e o papai e estão odiando o fato de não conseguirem colocar mais uma coleira no meu pescoço e me adestra como antes. Incomoda muito vocês estarem fazendo o que não querem fazer. — Deu de ombros. — Agora você e o papai sabem o que senti durante toda minha vida.
— Charlotte... — Emilia murmurou o nome, sentindo seu oxigênio faltar à medida que a filha caminhava em sua direção.
— Fui uma criança elogiada por nunca dá trabalho, mãe. Fui moldada para ser o exemplo para outras meninas. — Charlotte fechou a mão em um punho, enquanto a raiva crescia em seu peito. — Cresci não podendo ser como qualquer adolescente na minha idade. Agora... — Emilia ergueu o olhar apavorado para a filha. Charlotte bateu os cílios longos e escuros diabolicamente. — Sou o resultado do que você e o papai fizeram juntos. Eu voltei, mãe, e farei vocês se arrependerem de cada coisa que passei durante toda minha vida e da tortura que vivi nos últimos meses.
— Não fazíamos ideia, Charlotte. — Emilia balançou a cabeça. Charlotte sorriu rápido, debochando da situação. Sua mão puxou o queixo da mãe e encarou o fundo dos olhos escuros parecidos com os seus.
— Pare de chorar! — Ordenou, severamente. A mulher à frente obedeceu rapidamente. — Qualquer intenção que tenha em mente, é melhor desistir. Também só ficarei na cidade pelo tempo necessário e quando eu for embora, vocês e toda a cidade devem me esquecer. Enquanto isso, a função e o único motivo de você e o papai permanecerem vivos é para limpar todas as minhas bagunças e me trazerem o que comer, certo?
— Sim, querida. — Emilia acenou. Não era sua intenção obedecer Charlotte, mas algo era maior que sua vontade de dizer não a ela.
— Muito bem. — Charlotte se afastou da mãe. — Eu vou para a escola e não esqueça de trocar meu tapete. — Disse ao deixar um beijo estalado no rosto catatônico na mãe. — Te amo, mãezinha.
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Já haviam lhe dito que com a vida nova, novos sentimentos surgiriam, e aqueles que ela já carregava, se fortaleceriam. Charlotte sentia fome, sentia os desejos carnais queimar na pele e raiva. Muita raiva. O ódio pelos pais, e pelo que eles fizeram a ela, só crescia em seu peito ao passar dos dias. Era algo tão grande, que se questionava como era possível caber tanto mágoa em seu coração. O que Emilia e Malcolm haviam causado à única filha era imperdoável e eles deveriam pagar por isso, claro, quando não servissem mais a ela. No entanto, graças a eles, ela também poderia agradecer a vida que ganhara e dos truques que poderia usar ao seu favor. Embora algumas pessoas fossem relutantes a persuasão, Charlotte sempre conseguia dobrá-las de alguma maneira.
Estacionando o carro propositalmente entre duas vagas, Charlotte protegeu a visão com os óculos escuros. Aquele era mais um dia horroroso de calor, e o cheiro de suor e sangue estava por todo lado. Após se tornar o que era agora, tudo parecia mais ampliado. As cores eram mais vividas, os odores mais fortes e os barulhos mais altos. Charlotte podia notar facilmente aquilo que também era invisível aos simples olhos humanos, como, por exemplo, a linha tênue que separava o seu mundo sobrenatural para o mundo daquelas pessoas à sua volta. Demônios estavam por todos os lados, circulando livremente entre o mundo humano e presos aos pecados mais viris das pessoas — principalmente daquelas que ninguém imaginava que poderiam ser horríveis.
Na sala de aula, direcionou seu olhar à última carteira vazia ao lado da janela. O lugar favorito da agitada e rebelde Natalie Scatorccio se encontrava vazio. Lottie caminhou a sua cadeira logo na primeira fila, levemente chateada em não encontrar sua humana favorita. Cruzou as pernas e fingiu estar interessada no conteúdo da aula. Hora ou outra, se pegava olhando por cima do ombro, diretamente para a última cadeira do outro lado da sala. Sabia que Natalie estava aprontando algo, ou talvez, a garota só havia exagerado no consumo de bebidas da noite passada e estava com uma puta ressaca.
No segundo horário, enquanto fugia da irritante Olivia Jones e das outras colegas do time, percebeu que a ausência de Natalie era no mínimo suspeita. E não era só porque a loira de língua afiada estava no topo da sua lista pessoal, mas pelo motivo de agora estarem ligadas uma à outra. Foi após seu súbito ato de bondade em salvá-la de uma infecção fatal, que Charlotte as conectou. Dar sangue demoníaco-vampírico a um humano poderia curá-lo de qualquer enfermidade, mas também, marcava seu território. Claro que isso só duraria enquanto o sangue estivesse presente nas veias de Natalie, e por dar uma pequena quantidade, sabia que logo não conseguiria rastreá-la.
Charlotte procurou por um lugar afastado da barulheira juvenil. Sentou-se abaixo de uma árvore, cruzou as pernas e fechou os olhos. Materializou a imagem de Natalie em sua mente. Todos os detalhes do rosto da jovem Scattorccio estavam nítidos em sua cabeça, como os olhos verdes sempre expressivos e questionadores, os lábios rosados, as sardas nas bochechas e as gritantes sobrancelhas escuras e grossas que contrastavam com o cabelo tingidos de um loiro platinado que precisava ser matizado. Charlotte recordou-se do cheiro da garota, uma mistura aguda de loção cítrica com o metálico do seu sangue. Como era possível uma criatura tão frágil e insignificante ser tão tentadora? Lottie certamente se odiava por se sentir atraída por uma pessoa como Natalie e a cada dia que passava, ficava mais difícil de esconder.
Tentando não desviar do foco, Charlotte mordeu os lábios com força, sentindo o gosto de sangue preencher sua boca. Um flash seguido de uma escuridão surgiu em sua frente, e ao abrir os olhos, não estava mais no campus da escola. Olhou para os lados, desdenhando do que estava vendo. Era um hospital? Uma figura mediana passou por ela com a lanterna do celular acesa, indo em direção a um corredor tenebroso. Charlotte a seguiu, reconhecendo rapidamente os cabelos loiros mal tingidos. Natalie se virou subitamente ao ouvir passos, fazendo com que Lottie parasse no caminho. O elevador logo atrás fechou as portas e a garota loira continuou o percurso acanhada. Charlotte sorriu de lado, sabendo exatamente o que Natalie procurava, mas infelizmente ela não a encontraria ali.
— Lottie! — A voz irritante de Olivia Jones foi o motivo de Charlotte voltar à realidade. Abrindo os olhos, se deparou com a capitã do time pairando a sua frente. — Caramba, estamos te procurando faz horas, até parece que você está se escondendo da gente.
— Eu estava até você encontrar. — Murmurou Charlotte.
— O quê? — Olivia franziu o cenho antes de balança a cabeça. — Vem, estamos lhe esperando.
— Não vou almoçar, estou em uma dieta rígida de não ingerir carboidratos. — Falou. Olivia balançou a cabeça puxando a colega para cima.
— Vem logo!
Charlotte foi arrancada do seu sossego contra vontade para um grupo eufórico de adolescentes. Sua presença foi rapidamente notada pelas colegas, que bateram palmas e gritaram seu apelido juntas em um coro organizado. Ela não soube reagir, principalmente por se encontrar confusa com tal comemoração. Os olhos de Charlotte projetaram para alguma saída quando os odores invadiram suas narinas, fazendo com que se sentisse embriagada e faminta.
Sem pestanejar, foi posicionada ao lado de Rory e ouviu claramente um "sorria, tempestade". Tudo foi rápido demais para poder reagir. Uma sequência de flashes a cegou por alguns instantes e ao se dar conta do ocorrido, sentiu o sangue ferver. Ela decapitaria todas as garotas ali em questão de milésimos se não fosse tão imprudente da sua parte. Charlotte piscou na tentativa de dissipar os pontos escuros da sua visão, e ao erguer o rosto para cima, deparou-se com Gregory. O fotógrafo do jornal carregava uma câmera em mãos, distraído enquanto provavelmente escolhia a melhor foto.
Entorpecida pela raiva, Charlotte avançou sobre o garoto. Ela gostaria de parti-lo ao meio, mas optou por descontar a raiva que sentia na câmera que ele segurava. Com os saltos pontiagudos, pisoteou o objeto até que não sobrasse mais que estilhaços. O silêncio se instalou ao seu redor. O vento até parou de soprar. Charlotte olhou em volta, controlando o demônio enfurecido em seu interior. Sem dizer nenhuma palavra, ela se retirou para dentro da escola, enquanto um murmurinho a respeito da sua reação percorria entre as colegas de campo.
Charlotte Matthews estava diferente e agora era mais nítido do que antes. Gregory a seguiu para dentro da escola. Era claro que uma parte sua estava furiosa pelo prejuízo da câmera, mas a outra, a que supostamente estava corrompida por Natalie, queria confrontar a filha do prefeito. Mantendo os passos em uma distância segura, Greg caminhou logo atrás da morena que marchava violentamente pelo corredor escolar, enquanto abria caminho entre os colegas sem qualquer dificuldade.
Charlotte parou subitamente ao virar em um corredor sem movimento. Greg também parou, escondendo-se atrás de uma parede. A morena virou-se para uma exposição onde os troféus, medalhas e fotos de todas as gerações do time escola, reluziam em sua face. Procurando nas fotos mais atuais, se deparou com a última formação do time e, principalmente, na garota que ela costumava ser antes de se tornar o que era agora. Lottie engoliu seco, encostando o dedo no vidro que protegia aquelas coisas. Estava frio, mas não mais que ela naquele momento. Por um curto período, sentiu falta daquela menina, mas lembrou-se de como naquela época, precisava esconder sua verdadeira natureza em nome da própria imagem criada pelos pais.
Se Lottie estava enfurecida por conta de uma foto, então era porque escondia algo. Por isso, Gregory puxou o celular, fotografando-a na distância que estava. Teria sido uma missão feita com sucesso se o aparelho não emitisse um barulho e isso chamasse atenção dela. O garoto recuou um passo quando os olhos negros foram diretos a eles, selvagens e cruéis. Ela deu um passo em sua direção, mas parou quando algo do lado de fora da escola chamou sua atenção. Greg aproveitou para correr, atravessando de volta o corredor movimentado até que chegasse ao segundo andar da escola, onde pode se trancar na sala do jornal.
Ofegante, o garoto percorreu o caminho até a sala escura, onde passava a maior parte do dia revelando fotos. Ligou o telefone e procurou pela foto que tirara de Charlotte. Haviam duas fotos. Enquanto uma estava borrada devido à tremedeira de suas mãos, a outra se mostrava nítida, ou quase. A princípio, não entendeu o que via. Era Lottie, claramente era isso que qualquer outra pessoa conseguiria ver se não prestasse bastante atenção. No entanto, sob os olhos atentos do fotógrafo, era possível notar um borrão tomando forma. Uma figura de pele escura e escamosa como cobra era vista quase que imperceptível, destacando-se de Charlotte. Era algo estranho, talvez, até demoníaco. Greg sentiu os dedos ficarem dormentes e o ar falta em seu peito. Ele precisava encontrar Natalie e falar com ela o mais urgente possível.
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HORAS DEPOIS
Natalie sentia que uma grande atração passara drasticamente pela escola durante sua ausência. Aliás, esse era o único motivo que explicaria o clima tenso instalado pelos corredores da East Zigma School. Ao menos, ela não era a única pessoa ali como os nervos à flor da pele e frustrada por um dia ruim. Ao alcançar o armário pichado, Natalie pensou se não estava indo longe demais com tudo que estava fazendo. Estava ficando nítido que toda essa investigação só servia para mostrar sua leve obsessão por Charlotte Matthews e sua enigmática volta. No entanto, como poderia ignorar tantos sinais de tudo que estava acontecendo? Visto que somente após a volta repentina de Lottie, as coisas em Toms River estavam para lá de estranhas. Os ataques, os sonhos, a morte dos animais, e o sumiço de Chris Barnes possuíam ligação. Claramente, a filha perfeita do prefeito escondia muita sujeira embaixo do tapete, e Nat se sentia cada vez mais envolvida nisso. Perdida nos próprios devaneios, mal se deu conta quando Greg se aproximou com o rosto vermelho após uma longa corrida.
— Nat, você não faz ideia do que aconteceu! — Ofegante, o garoto parou ao seu lado. Parecia ter esperado uma verdadeira eternidade para poder encontrá-la e dizer o que tanto queria.
— Considerando que todos estão com cara de velório, acredito que tenha a ver com a morte da Christine Barnes. — Falou tão natural quanto um bom dia. Greg arregalou os olhos, exibindo uma expressão de choque. Não, definitivamente esse não era o motivo do clima tenso. Então só podia ser outra pessoa, Natalie pensou. — Charlotte Matthews aprontou o quê?
— A Chris morreu? — Greg piscou. Colegas de turma, Chris era uma das poucas garotas que eram gentis com ele. Sabe da sua morte precoce causou uma pequena dor no seu peito.
— Não só foi dada como morta, mas como a família dela não fazia ideia quem ela era e para piorar, não achei nada sobre ela quando invadi a casa dos Barnes. — Natalie mordeu o canto da boca. Era claro que ela não acreditava totalmente que Chris havia morrido, mas também não saberia dizer o que estava acontecendo.
— O quê? Você invadiu outra casa? — Greg balançou a cabeça. Natalie mordeu os lábios. — Tem muita coisa acontecendo. Vem, precisamos conversar em outro lugar. — Greg a segurou pelo pulso.
Natalie gritou um 'ei' quando foi arrastada pelo corredor até a sala onde o jornal da escola era publicado. Greg sentou-se em frente a um computador. Não havia ninguém além deles ali, então não tinha com o que se preocupar.
— Vai me falar o que rolou enquanto eu estava fora? — Puxando uma cadeira de rodinhas, Natalie se sentou.
— Tá, primeiro, como assim a Christine Barnes morreu e a família dela não faz ideia de nada? — Greg perguntou, enquanto tirava os óculos do rosto. Aquela foi a primeira vez que Natalie pode reparar nos olhos azuis que ele carregava. Eram belos e expressavam uma sutil ternura.
— Foi estranho, mas me lembrou a Rory. Lembra-se que fomos atrás dela na floresta e pouco tempo depois ela não se recordava de nada? — A garota disse. Greg acenou. — Acho que algo parecido aconteceu com os Barnes. Fui até o hospital tentar descobrir sobre o ataque dela, mas quando cheguei lá recebi a notícia que ela foi dessa pra melhor. O mais estranho é que eu não achei o corpo dela no necrotério e quando decidi ir à casa dela, recebi a notícia de que eles nem sabiam quem ela era. Quando invadi a casa, não encontrei nada da Chris, o quarto dela estava vazio e a família de mudança.
— Você invadiu o necrotério e a outra casa, eu a chamaria de louca, mas depois do que passei hoje cedo... — Greg ergueu as sobrancelhas. Natalie retraiu os ombros.
— O que aconteceu?
— Tivemos um ataque de fúria da senhorita perfeição. — Aquilo foi o suficiente para roubar a atenção de Natalie. — A Olivia me pediu para tirar uma foto da Lottie e toda a equipe, a intenção era pôr na capa do jornal da semana comemorando a sua volta. Mas a Charlotte surtou e quebrou minha câmera, mas o pior nem foi isso... — Greg puxou o telefone do bolso e mostrou a foto. — Foi quando fui atrás dela, tirei essa foto bizarra.
— Puta merda! — O xingamento da garota foi genuíno. Levou um pequeno tempo para que Natalie percebesse algo a mais na foto tirada por Greg. Era Lottie, mas, além disso, notou uma figura bizarra contrastando seu corpo. Agora ela tinha certeza que o que estava caminhando por aí com roupas de grifes e o carro do ano, não era Charlotte Matthews. — Puta merda! — Xingou novamente. — É se a Charlotte Matthews for algo sobrenatural? Ela apareceu na minha casa completamente estranha. Depois pessoas são atacadas, e a Lottie surge na escola como se nada tivesse acontecido. — Natalie se levantou da cadeira. — Não vamos esquecer do sonho bizarro que tive e da camisola suja de sangue no meu armário e... — O fato de está se sentindo constantemente vigiada desde a volta de Charlotte, Natalie concluiu em pensamento.
— Tipo um demônio? — Greg encolheu os ombros. Sua série favorita era Sobrenatural, mas odiaria ter que passar pelas situações dos irmãos Winchester. — Talvez isso explique a força em quebrar minha câmera só com um pisão. — Natalie direcionou a atenção para a tela do computador.
— A Charlotte Matthews não é a Charlotte Matthew, quer dizer, não a garota que costumava ser. — Natalie confirmou. — Greg, espero que não tenha problema em matar aula, porque vou precisar da sua ajuda com algumas pesquisas.
— Sabe, Nat, era isso que eu temia. — O garoto arrumou os óculos novamente no rosto. Recebeu um sorriso afetuoso, capaz de derreter até um iceberg. Greg jamais conseguiria dizer não a Natalie Scatorccio mesmo se quisesse.
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Natalie costumava passar longas horas na turma de detenção, mas nunca em uma biblioteca, principalmente enfurnada no meio de livros. Afundando na cadeira acolchoada, bocejou sentindo o cansaço de seu corpo. As horas estavam correndo, enquanto lia livros com temas de ocultismo que achou em uma pequena seção da biblioteca da cidade. Parecia besteira imaginar que essas coisas estavam ocorrendo juntamente com ela, mas coisas ruins sempre acontecem com pessoas ruins.
— E se a Lottie foi sacrificada em um ritual satânico? — Greg parou de digitar ao erguer os olhos por cima da tela do notebook. Natalie mordeu os lábios.
— Como em Garota Infernal? — Perguntou ela. Greg acenou.
— A Jennifer não ficava meio doente quando estava com fome e após comer surgia como uma modelo da Victoria's Secret? — O show de referências fez Natalie sorrir genuinamente.
— Quando ela foi até minha casa, parecia bem confusa, gelada, estranha pra cacete. — Só de imaginar a noite que Lottie surgiu em sua porta, fez com que todos os pelos do seu corpo arrepiasse. — E depois aparece na escola super bem. — "Bem" era a palavra mais justa que Natalie poderia usar naquele momento. Jamais admitiria que Charlotte voltará com uma beleza ainda mais tentadora do que antes.
— Ela não disse nada a respeito do sumiço?
— Só que fugiu com um cara que conheceu na Romênia, por isso "tecnicamente" sumiu. — Natalie imitou aspas com os dedos na palavra tecnicamente.
— Romênia? O lar dos vampiros? — Greg engoliu seco. — E se ela for uma vampira?
— Se ela é vampira, então como não queima no sol? Os últimos dias tem sido bem quente. — Natalie franziu o cenho, também recordou-se da conversa com Spencer a respeito de vampiros.
— Vai ver, ela tem um colar que deixa ela andar no sol igual em Diários de um Vampiro. — O garoto deu de ombros.
— É sério, Greg, você gosta mesmo dessas merdas? — Natalie perguntou, reprimindo um sorriso. — Estou realmente admirada com seu gosto. — Foi a vez de Greg revirar os olhos.
Em parte, ele poderia estar certo. Charlotte carregava um colar em volta do pescoço, cujo poderia ser algo que a protegia do sol, claro que isso era uma hipótese. No entanto, o que explicaria aquela coisa posicionada acima da imagem de Lottie na foto? E os pássaros mortos na mansão? Muito provavelmente, ela era algo ainda muito pior que só uma possível besta sanguinária.
— Só me pergunto porque ela apareceu primeiro para você. — Greg questionou.
— Não é óbvio? Porque eu era a primeira vítima, Greg.
Natalie sentiu as cordas vocais arranharem. Seus olhos queimaram ao concluir que a aparição de Charlotte Matthews em sua casa, desorientada e possivelmente com uma fome descomunal, era para fazer dela sua primeira vítima. O primeiro assassinato que desencadearia uma série de outras mortes. Afinal, quem ligaria para a morte de uma garota sem expectativa nenhuma de futuro? Com certeza esse foi o pensamento de Lottie antes dela aparecer na sua porta e desistir completamente de atacá-la. Se Natalie ainda estava viva, deveria agradecer, no entanto, tudo que pensava naquele momento era que Charlotte deveria tê-la matado, pois agora pretendia se tornar um verdadeiro problema na vida da garota mais popular da escola, ou melhor, no demônio que vestia sua pele.
CHEGAMOS AOS 10K AAAAAA, agora tenho certeza que as Lottienats vão dominar o mundo ♥
Em comemoração a essa meta alcançada, fiz um trailer (curtinho) para a fic, eu espero que gostem, ele vai ficar disponível no começo da fic e no meu canal do YouTube.
https://youtu.be/Nfddz-oaMbg
CAPITULO ATUALIZADO: 11/05/2024 - NÃO REVISADO
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