
𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 (𝟎𝟎𝟐)
TRÊS ANOS ANTES DO DESAPARECIMENTO DE CHARLOTTE MATTHEWS
Natalie Scatorccio nunca se importou em ser uma das poucas bolsistas da escola, mas odiava quando era constantemente lembrada disso. Caminhar entre os colegas ricos também não era um problema, menos quando a culpa por algo caía todo para ela, o que era quase sempre. Infelizmente, estava acostumada a ver o lado com mais grana vencer, assim como não podia esperar muito de uma escola onde os pais subornavam os professores para que seus filhos tivessem boas notas e um histórico escolar impecável. Por isso, quando foi pega fumando maconha com os filhos do vereador nos fundos da escola, já esperava por uma suspensão.
Sentada em um banco desconfortável na secretária, aguardou o diretor chamá-la. Era sempre a primeira a ser chamada, e nem era pelo privilégio de "as damas primeiro", mas porque sua má fama já garantia tal escolha. Ao seu lado, os colegas de confusão, Felix e Ronald, sorriam enquanto giravam um globo terrestre em alta velocidade. Mesmo que quisessem esconder, não conseguiam negar estarem sob o efeito da droga. Os olhos vermelhos e as risadas bobas entregavam isso facilmente. Natalie bebeu mais água do que realmente podia aguentar e comeu chocolate na tentativa de aliviar sua barra. Se chegasse em casa com mais uma suspensão naquele mês, seria duramente castigada pelo pai, e suas costas ainda doíam do último castigo por fugir no meio da noite para uma festa.
— Dá pra pararem? — Ela rugiu de onde estava, sentindo o mau-humor apossasse do seu corpo. Os garotos a encararam, mas não a obedeceram. — Idiotas.
— Está bravinha por quê? — Felix perguntou com um sorriso ladino. Natalie bufou e encarou o teto. — Vai ficar tudo bem.
— Para vocês, sim. — Ela voltou a encará-los. — Para mim, nem tanto.
— Relaxa, Nat... — Ronald, com suas bochechas salientes e vermelhas, disse. Natalie revirou os olhos, contendo a vontade de mandá-los irem se foder. A merda já estava feita, e agora ela precisava suportar o mau cheiro.
— Natalie Scatorccio, o diretor irá vê-la agora. — As palavras foram direcionadas a garota, feitas preguiçosamente pela orientadora.
— Vai lá, Nat! — Felix gritou, chapado demais para se dar conta da enrascada que estava.
Ela sorriu secamente, erguendo o dedo do meio no ar na direção dos garotos. Segurou a mochila em frente ao corpo como se de alguma forma aquilo fosse a proteger. Atravessou a porta e sentou-se em uma cadeira logo à frente do diretor. Não conteve uma gargalhada quando o homem sentado do outro lado a encarou severamente. Era claro que a culpa cairia para o mais fraco, ou seja, a desajustada Natalie Scatorccio. O vereador jamais colocaria em risco a reputação da sua família ou admitira que seus dois filhos não passavam de viciados e que andavam com uma garota da periferia.
— Você tem noção do que fez? — Perguntou o homem logo à frente. O sorriso da garota derreteu drasticamente.
— Tá, eu vou pegar quantos dias de detenção dessa vez? — Natalie gesticulou, entediada.
— O que você fez é motivo para expulsão, senhorita Scatorccio.
— Expulsão? — Ela se inclinou para frente com os olhos arregalados. — Não fui eu que trouxe as drogas, foi o Felix e o Ronald, eles também serão expulsos? — Natalie sentiu as pontas dos dedos gelarem. Se perdesse a bolsa de estudo, seu pai faria muito mais que só lhe dar uma surra.
— Cuidarei dos outros dois rapazes assim que terminar com a senhorita. — William Miller carrega uma paciência de ouro, principalmente quando tinha que lidar com a rebelde Natalie Scatorccio. Quando assinou o programa de bolsas para pessoas de baixa renda, selecionou a dedo a garota da zona sul da cidade. Sabia que em lugares assim, grandes talentos se escondiam. Embora a senhorita Scatorccio carregasse um lastimável dom para se meter em encrencas, ele acreditava fielmente que ela possuía um futuro brilhante, só precisava da orientação certa.
— Isso não é justo, eu não estava sozinha quando fui pega! — Sua voz saiu exasperada. O diretor empurrou os óculos para trás, deixando que a garota falasse tudo que fosse necessário. — Isso me faz ver que essa escola é uma elitista do caralho.
— Não é a questão do elitismo, Natalie. E eu mencionei a expulsão, mas não disse que iria fazer isso com você. — Ele arrumou uma papelada sobre a mesa. — Esse aqui é o seu histórico. — Natalie engoliu seco em reparar todos os papéis com tinta vermelha. — Suas notas são baixas demais e há muitas faltas. Você passa mais tempo aqui na minha sala do que em sala de aula. Eu não quero ter que expulsá-la, por isso, preciso que você colabore ou não terei mais como ajudá-la como faço desde que chegou aqui.
— E quer que eu faça o quê? — Ela encolheu os ombros. O diretor esfregou a barba por fazer. Era claro que uma ideia latejava em um lado da sua mente. Ele alcançou o telefone e disse as palavras que fez Natalie ficar confusa.
— Chame a Olivia Jones, por gentileza.
— Olivia Jones? A capitã do time da escola? — Natalie encostou-se novamente na cadeira, confusa.
— Você não tem atividades extracurriculares, está na hora de entrar para um grupo.
— Achei que o dos viciados e desajustados já estava de bom tamanho. — Sorriu de lado com a piada. O diretor pigarreou, não achando nenhuma graça. — Não curto esportes.
— Talvez não goste, pois ainda não encontrou um que se identifique. — Se levantando de onde estava, o diretor guardou as pastas sobre Natalie em um enorme gaveteiro.
— Só vai perder seu tempo, nenhum grupo irá me aceitar.
— É o que veremos. — O diretor voltou a sua cadeira, e tratou aquilo como um desafio. — Se entrar para o time e prometer se disciplinar ao menos setenta por cento, esqueço o que fez hoje, assim como seus pais nem saberão do ocorrido.
— Por que sinto que estou fazendo um pacto com o diabo? — A garota franziu o cenho. — Por que está me ajudando?
— Porque sei que você tem potencial, Natalie, só precisa do incentivo certo. — Willian disse as palavras com tanta fé, que Natalie sentiu os olhos arderem. Nem seus próprios pais acreditavam em seu potencial. Por um momento, não se sentiu merecedora de nada daquilo. Não conseguindo manter o olhar nele, deixou que a atenção caísse para suas mãos com unhas roídas e mal pintadas. — Eu já fui jovem como você e uma pessoa acreditou que eu tinha potencial, e hoje estou aqui. Tenho fé que o mesmo possa acontecer com você. — Natalie nada disse, e o silêncio pairou na sala enquanto esperavam pela capitã do time de futebol.
Fé, algumas pessoas realmente tinham isso. Diferente delas, Natalie não tinha fé em nada e não acreditava em nenhuma força divina. Há anos, havia implorado por ajuda de todas as formas, mas fora abandonada à própria sorte quando teve que ver uma parte sua ir embora dolorosamente. Se Deus existia mesmo, por que ele permitia tanto sofrimento? Por que ele permitia que ela vivesse tantos problemas? Aquelas perguntas perpetuaram em sua mente por muito tempo até se tornarem vazias, agora, Natalie não gostaria mais de saber a resposta.
Descascando o resto do esmalte vermelho nas unhas curtas, a garota suspirou entediada. Uma parte sua se sentia grata pela chance que estava tendo, mas ela não queria entrar para nenhum grupo, e sabia que nenhum grupo a queria. E nem era uma dedução, se tratava de um fato. Ao longo dos meses, se inscreveu para o grupo do jornal, teatro, xadrez, e por mais louco que fosse, para o grupo de robótica. Todos a recusaram, e com certeza, Olivia Jones faria o mesmo. Conhecia as The Storm, mesmo que nunca tivesse assistido a nenhuma partida, sabia que as garotas mais legais da escola tinham uma reputação a zelar.
— Senhor Miller, mandou que me chamasse? — Era Olivia Jones, a capitã destemida do time. Natalie a encarou por cima do ombro e foi propositalmente ignorada, como esperado.
— É claro, senhorita Jones. — O diretor acenou e apontou para a cadeira vazia ao lado de Natalie. — Sente-se, temos alguns assuntos a tratar.
Olivia se dirigiu a cadeira ao lado da garota que exalava um cheiro estranho. Não demorou a atenção nela, pois não tinha muito o que ver em uma bolsista tão comum. Natalie revirou os olhos quando Olivia deu um sorriso falso e ensaiado para o diretor. Que falsa! Pensou a Scatorccio.
— Bom, Olivia, eu vou direto ao assunto. — Disse o diretor ao descansar na cadeira. — A senhorita Scatorccio precisa de uma atividade no currículo escolar e achei que seria interessante se ela entrasse para as The Storm.
— Eu sou a senhorita Scatorccio, caso você não tenha reparado. — Natalie acenou. Olivia separou os lábios e encarando de cima a baixo.
— Mas, diretor, não precisamos de ninguém na equipe. — Disse a garota. Natalie bateu as mãos como quem quisesse dizer: eu bem que avisei!
— Olivia, eu sei que sempre cabe mais um. Leve a Natalie para os treinos e a ensine tudo que sabe. — Aquilo não parecia mais um pedido, mas uma ordem. Olivia suspirou, sabendo que não tinha o que debater, virou-se para a garota ao lado. Natalie usava maquiagem pesada nos olhos, assim como longos cabelos escuros e mal cortados. Ela parecia ser uma dessas garotas alternativas que provavelmente odiava loções hidratantes e qualquer coisa do universo feminino.
— Você sabe jogar futebol, não sabe?
— É só chutar uma bola, né? — Natalie questionou, com ar de deboche. Olivia podia sentir suas forças indo embora. Pelo que parecia, aquele ano seria o mais longo para as The Storm.
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Olivia andava rápido de propósito, enquanto Natalie tentava acompanhar. Juntas, cruzaram a escola até a quadra de futebol. Ao chegarem onde deveriam, as atenções foram ao encontro da garota morena ao lado de Olivia. Foi como se um alienígena tivesse pousado no gramado e deixado o ovo de um bebê dinossauro, pois só isso explicava a expressão no rosto de cada garota ao reparar naquela presença ilustre. Natalie se sentiu estranha por ter tantos olhares voltados para ela. Ser o centro das atenções, principalmente onde claramente não era bem-vinda, era insuportável. Seu olhar varreu por cada garota. Ela conhecia algumas, já que faziam algumas disciplinas juntas. Como Christine Barnes da sua turma de língua inglesa. Olivia da turma de álgebra. Aurora Flaningan da educação física. E claro, a queridinha da escola, Charlotte Matthews, sua colega de turma de estudos sociais. Era justamente através do olhar de Lottie, que Nat sentia que todos seus pecados eram duramente julgados.
No entanto, Natalie sentia que ainda era cedo demais para julgar qualquer uma das garotas, embora isso não parecesse um problema partindo do princípio das garotas a sua volta. Seu olhar enquadrou-se ao de Charlotte. A filha do prefeito sempre tinha tudo que queria aos seus pés, inclusive a escola. Por isso, era nítido em seu olhar todo o ar de superioridade e um pouco de curiosidade.
— Essa é a Natalie, ela vai... — Olivia respirou fundo outra vez, absorvendo a ideia. — Vai fazer parte da equipe.
— Achei termos uma regra para as integrantes, nada de novas garotas sem nos consultar. — Charlotte falou. Enquanto seus olhos demonstravam doçura e bondade, da sua boca saia rispidez e veneno. — Assim como ninguém entra definitivamente sem passar pelos testes.
— Não tive opção, Lottie, mas prosseguiremos como sempre fazemos. — Olivia virou-se para Natalie, que a essa altura, começava a se questionar se o diretor estava certo em colocá-la ali.
— O teste envolverá algum tipo de tortura? — Natalie ergueu uma sobrancelha. Charlotte abriu caminho entre as garotas, ficando logo à frente da novata, que era alguns centímetros mais baixa.
— Isso é o que você vai nos dizer depois que começar, docinho. — Lottie lançou uma piscadela a Natalie, acreditando que ela não duraria mais que duas semanas.
Charlotte não era a capitã do time, mas pelo que parecia, sua voz era a decisão final. Na primeira semana, e sem ter noção de como funcionava o futebol exatamente, Natalie foi colocada no banco de reservas e ficou determinado que ela passaria por treinos intensos até que sua categoria no time fosse decidida. Depois de três semanas, ainda se sentia um peixe fora d'água e exausta com as séries de exercícios abusivos que fazia a mando da capitã do time e sua melhor amiga, Charlotte.
— Você sobreviverá aos testes delas, eu sobrevivi. — Chris Barnes, que foi uma das poucas a se aproximar da novata, disse ao pegar uma garrafa de água. Natalie deu um sorrisinho, sentada no banco enquanto secava mais uma garrafinha de água em um gole generoso.
— Elas são sempre umas megeras? — Perguntou Natalie, torcendo o rosto quando a água atingiu seu estômago dolorosamente. Chris deu de ombros e sentou-se ao seu lado no banco.
— Só precisa conhecer cada uma para saber como lidar com elas. — Chris apontou para Aurora, ou Rory, como muitos a chamavam. — Rory é uma tagarela de primeira, então sempre deixe ela falar. Olivia, bem, sabemos bem como ela adora ser o centro das atenções e mandar em todos.
— Por isso que ela e a Charlotte são ótimas amigas.
— Ah, não! — Christiane balançou a cabeça. — Não se deixe enganar, a Liv se sente intimidada pela Lottie, por isso acha que ser amiga da filha do prefeito vai garantir que sua liderança do time nunca seja tirada.
— Acha que isso pode acontecer um dia?
— Bem, o pai da Lottie banca praticamente o time, ela só não é a capitã porque não faz questão ou ainda não fez...
— Não sei como uma garota mimada como a Charlotte Matthews faz nesse esporte. Ela poderia ser uma das líderes de torcida, combinaria muito mais com o egocentrismo dela. — Natalie encarou a filha do prefeito no meio do campo. Em alguns momentos, trocavam olhares, mas as palavras que diziam uma à outra eram sempre cheias de farpas. Natalie sempre levou tudo ao pé da letra, e retribuía na mesma moeda as provações de Charlotte.
— A Charlotte é... digamos... difícil de lidar no começo, mas você se acostuma.
— Acho que não. — Garantiu. — Você me parece a única garota legal daqui. — Natalie encarou a colega ao lado. Christine sorriu. — A única que parece ter um gosto musical decente.
— Ah! Por favor, você diz isso porque nunca viu minha playlist. — As garotas sorriram juntas.
— Scatorccio, chega de descanso, quero que dê cinco voltas pelo campo e depois faça abdominais. — Olivia gritou do outro lado. Rory e Lottie sorriram como se estivessem planejados aquilo juntas. Vadias mimadas, Nat pensou.
— Eu deveria denunciar esses abusos ao diretor. — Natalie murmurou a Christine.
— Vai ser pior, acredite. Só faça o que ela está pedindo até o primeiro mês acabar.
Natalie bufou, levantando-se do banco. Lançou um olhar venenoso para as garotas, em especial para Charlotte, que sorria satisfeita com a raiva estampada na face da novata.
— Olhe pelo lado bom, Natalie, fazer exercícios faz com que todos os entorpecentes em seu corpo evaporem. — Charlotte gralhou em sua direção, jogando os cabelos castanhos por cima do ombro.
— Jura? Bem que você poderia fazer o mesmo e evaporar da minha frente. — Natalie rebateu, com um sorriso falso nos lábios. Lottie ergueu o dedo do meio para a outra garota, no fundo, se divertia em provocá-la.
Quando o primeiro mês chegou ao fim, os abusos por parte das garotas pararam, ou a parte mais pesada. Após três meses, Natalie já se sentia progredindo no esporte e talvez, só talvez, como pessoa. Não havia cortado o contato com os filhos do vereador, mas aprendeu a ser mais cautelosa com os convites dos garotos. Estava definitivamente proibido fazer o uso de bebidas e drogas na escola, no entanto, fora dela, ainda perdia o controle em muitas das vezes. Estava aprendendo também a lidar com as meninas, e se pudesse afirmar que tinha algum nível de amizade com alguém do time, apontaria Christine Barnes.
Após mais um treino, tudo que Natalie queria era um longo banho. A maioria dos chuveiros estavam ocupados e o vapor só servia para deixar seu corpo pegando fogo. E como se não bastasse cerca de seis chuveiros ligados juntos, uma cantoria preenchia todo o vestuário. Natalie seguiu o canto, sabendo exatamente de quem vinha. Charlotte se encontrava na última cabine, cantarolando uma música que a colega não soube decifrar já que era em espanhol. Para uma jogadora, ela até cantava bem, Natalie não podia negar.
O chuveiro foi desligado e a porta da cabine aberta. Lottie não conseguiu conter um gritinho quando se deparou com Natalie parada logo a sua frente, destilando suor e com cabelos bagunçados. A nova integrante do time ruborizou ao ser flagrada bisbilhotando, mas tentou disfarçar olhando para os lados, principalmente quando a colega de time sorriu de lado, maliciosamente.
— Então gosta de bisbilhotar cantorias alheias? — Perguntou Lottie, puxando todo o cabelo para o lado e o amassando para escorrer a água. Natalie fez uma careta, principalmente pela patricinha estar completamente nua à sua frente.
— E-eu? Não... só queria saber de onde vinha todo esse barulho. — Disse, mas não teve certeza se passou veracidade. — Já terminou? Algumas pessoas querem banhar e você ainda não é dona de um chuveiro só seu.
— Algumas pessoas demoram no banho para se sentirem limpas de verdade. É todo seu! — Charlotte entortou os lábios, cobriu-se com uma toalha e saiu da frente de Natalie.
— Meninas, espero que não tenham compromisso neste fim de semana. — Olivia adentrou o vestuário, animada.
— Qual a novidade? — Charlotte perguntou ao parar em frente ao espelho para se maquiar.
— Festa na cachoeira da reserva e é para todas estarem presentes. — Respondeu. Houve uma comemoração coletiva. Natalie, que já se encontrava sob o chuveiro, decidia se estaria presente ou não. Ela gostava de festas, mas odiava a cachoeira.
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Todos sabiam que Charlotte Matthews havia nascido em berço de outro, e por esse motivo, frequentava todas as festas dadas pela mais alta sociedade de Nova Jersey. O que não sabiam era que a filha do prefeito odiava participar desses eventos, onde a bebida mais forte que era autorizada a tomar não passava de um espumante sem álcool. Lottie preferia muito mais quando podia sair escondida de casa e se aventurar como qualquer adolescente da sua idade. Por ser filha de quem era, deduzir que sua vida era um verdadeiro mar de rosas, se tornava fácil. Lottie jamais negaria que tinha tudo que queria com o piscar dos olhos, mas ainda estava longe de ter o que necessitava. Dinheiro e poder preenchiam facilmente seu lado consumista, mas, no fundo, sem precisar ir muito longe, ela ainda estava longe de ser quem realmente era. Tudo que sentia, era que a sua vida era um grande espetáculo e ela havia se tornado ótima em atuar uma mentira.
Após estender a toalha no chão, passou protetor solar pelo corpo para garantir o bronzeado — vulgo sua marca principal. Lottie amava o verão, gostava tanto que recentemente teve que pintar os cabelos de castanhos para poder disfarçar as pontas manchadas pelo sol. Seu biquíni branco estava molhado devido ao mergulho no lago. Ela adorava a cachoeira, mesmo que o lugar estivesse fechado por ser perigoso. Bebeu um gole da cerveja enquanto Olivia acendia o cigarro de maconha ao seu lado. Aquele era um dos poucos momentos que podia ser quem realmente queria ser. Com as colegas do time, Lottie podia xingar, beber, fumar sem ser julgada ou repreendida por não agir como uma dama que a sociedade esperava.
— Amiga, você não acha que o Jake é um gato? — Olivia tragou o cigarro antes de passar para ela. Charlotte olhou diretamente para o alto da cachoeira, cerca de sete metros acima do lago. Lá estava Jake com seus colegas em uma competição idiota de piruetas. Ele era só um garoto comum e de beleza bem mediana, talvez até abaixo da média.
— Sei lá, talvez. — Deu ombros tragando o cigarro. — Não faz meu tipo.
— Nenhum garoto faz seu tipo, Lottie. — Olivia esfregou o bronzeador no corpo. Lottie se mexeu desconfortável na toalha. — Às vezes me pergunto se você gosta realmente de garotos.
— É que prefiro caras europeus. — Disfarçou com um sorriso de lado. — E mais velhos. Não há nada nos garotos dessa cidade que me atraia.
— Ah! Meu Deus, ela realmente veio. — Olivia não pareceu ouvir suas palavras, pois sua atenção fora roubada por outro alguém.
Lottie virou o rosto em direção à pessoa que chegava. Usando short jeans e uma camiseta verde musgo, Natalie parecia acanhada com o lugar que estava. O cabelo castanho escuro estava solto, beirando a altura da cintura, o lápis de olho realçava não só seus olhos claros, mas a palidez do rosto e as sardas salientes. Charlotte gostava de admirar Natalie em segredo, mesmo quando sentia que isso a irritava, por isso se sentia na obrigação de disfarçar com o olhar mais venenoso possível. Gostava, principalmente, da forma que a garota rebelde da escola não parecia ligar para opinião alheia e nem ter problemas em ser ela mesma em tempo integral. Natalie exalava liberdade, aquela que Lottie ainda sonhava em ter um dia.
— Natalie, vem cá! — Christine Barnes a chamou um pouco distante. Lottie seguiu os passos da garota.
— Quem a convidou mesmo? — Charlotte perguntou, após perceber que demorava muito a atenção na nova integrante do time. Olivia sorriu, pegando o cigarro novamente.
— Sabe que se ela não viesse, poderia pegar mal para o time. — Olivia soprou a fumaça para o ar. — Olhe o lado bom, pelo menos ela tem se empenhado bem no time.
— É ela tem...
Lottie bebeu um gole de cerveja. Natalie estava tendo uma conversa com Chris, talvez a única garota do time com quem era mais próxima. Charlotte não podia exigir nada, visto que ambas não tinham nada incomum. Ela voltou a se deitar na toalha, torcendo para a novata sair dos seus pensamentos e aproveitar a festa em paz.
— Oie, meninas. — Ouviu Christine dizer. — Me dá duas cervejas, Liv. — Pediu a Olivia, que se encontrava perto do cooler. Charlotte podia sentir toda a movimentação ao seu redor, mas preferiu não se incomodar e abrir os olhos.
— Oi, Nat. — Olivia usou um tom zombeteiro. Lottie se mexeu inquieta na toalha. — Legal ter vindo a festa.
— Era vim ou aturar minha mãe em casa. — Disse a garota com certo desgosto das opções que tinha. — Escuta, não tem nada mais forte que essa cerveja?
— Tipo um uísque baleado e roubado de alguma conveniência? — Dessa vez, Lottie falou ao abrir os olhos. Se deparou com a garota logo a sua frente, revirando os olhos verdes.
— Você sabe o gosto de uísque? Achei que só bebesse refrigerante diet. — Natalie rebateu.
— Sei o gosto de uísques requintados demais para seu paladar. — Lottie bateu os cílios.
— Que legal, mas que tal você ir a merda agora? — Natalie inclinou o rosto, sorrindo enquanto dizia as palavras. Lottie soltou uma risada nasal falsa.
— Tá calor, vamos dar um mergulho? — sugeriu Olivia. Tudo que queria evitar era o show de implicância entre Lottie e Nat.
— Boa ideia. — Chris acenou, entendendo a intenção da capitã do time. — Quem chegar por último tem que beijar o Michael e sua enorme herpes.
— Que horror! — Olivia estremeceu.
Charlotte se sentou na toalha, vendo Olivia e Chris descerem em direção ao lago. Ouviu claramente quando Natalie pigarreou ao seu lado, girando os calcanhares para um lugar distante da água. Espera aí, ela estava fugindo?
— Não vai mergulhar? — Lottie perguntou ao levantar-se. Natalie negou com a cabeça.
— Não estou com calor.
— Impossível, tá muito quente.
— É que esqueci de por um biquíni.
— Tá, mas aposto que está de calcinha e sutiã. — Natalie bateu o pé no chão, sabendo que qualquer desculpa que desse, Charlotte teria uma solução.
— Olha, eu não sei nadar, tá bom? — Confessou, arrancando uma gargalhada de Lottie. Se sentiu uma idiota por isso. Segurando-se para não jogar terra ou cerveja na garota a sua frente, ela caminhou para longe, bebendo até o último gole de álcool da garrafa e a despachando para longe.
— Ei, garota, espere! — Lottie correu até ela, segurando-a pelo braço. — Tudo bem não saber nada. Eu só achei engraçado, porque você parece saber de tudo o tempo todo.
— Ah, não, não. — Natalie balançou a cabeça. — Esse é o seu papel, senhorita, filha perfeita do prefeito.
Lottie não se ofendeu com as palavras, entendendo que Nat estava chateada. De alguma forma, aquilo a deixava um pouquinho atraente.
— Vem, eu entro com você.
— Nem fodendo, eu não entro em lagos, rios, piscinas, praia...
— Natalie...
Charlotte piscou com ternura, na intenção daquele truque funcionar com a garota selvagem. Natalie não conseguiu conter totalmente o sorriso, mas não gargalhou. A filha do prefeito, além de irritante, era insistente. Encarando a água, Nat tentou acreditar que tudo ia ficar bem, não havia perigo, repetiu isso diversas vezes em pensamento. Tomando coragem, se afastou um pouco para tirar somente a blusa, revelando seu sutiã preto rendado. Charlotte desviou o olhar para outro lugar, enquanto a garota à sua frente tirava as peças de roupas, com os pensamentos longe e olhos presos no lago.
Quando se sentiu preparada, deu as mãos para Lottie, indo juntas até a água. Ao perceber os pés molhados, Natalie sentiu todo o corpo entrar em alerta e o pavor subir pelas pernas até o fim do corpo. Não, definitivamente, não era boa ideia ter entrado naquela água. Apertou a mão da colega tão forte que fez com que Lottie soltasse um ruído desconfortável. Respirando fundo para vencer o trauma, andou até sentir a água fria bater em seu joelho, e parou ali. Era demais para ela. Seu corpo congelou, mas não porque sentia frio, longe disso, eram as recordações dolorosas que lhe atingiram fazendo paralisar no meio do caminho.
— Não posso. — Disse Natalie. Charlotte a encarou, preocupada.
— Você está pálida, tá tudo bem? — Perguntou Lottie. Natalie balançou a cabeça em negação.
— Não posso. Eu vou voltar. — Natalie tentou se afastar, mas foi impedida.
— Ninguém vai deixar você se afogar. Confie em mim, ok? — Charlotte tentou demonstrar toda confiança para Natalie. Juntas, deram mais alguns passos até que a água chegasse à altura das coxas. — Agora vamos tentar sentar, certo?
— Eu não, Lottie, não... — Natalie balançou a cabeça, sentindo a areia e as pedrinhas do fundo incomodarem seus pés. Seus olhos encontraram os de Charlotte, que estavam amigáveis, completamente diferente do que estava acostumada a se deparar na escola. — Por que tá sendo legal comigo?
— Porque não sou babaca. — Lottie jogou um pouquinho de água no rosto da colega.
— É até que não é tão babaca. — Nat sorriu, retribuindo a água no rosto da outra. Quando se deram conta, estavam sorrindo juntas como se fossem amigas de longa data. Se encararam por um longo tempo, esquecendo o motivo de implicarem diariamente uma com a outra.
— Que lindinho as duas, agora se beijem. — Um dos garotos passou por elas, apontando e sorrindo.
Natalie fez uma careta, enquanto Charlotte sentiu o rosto ruborizar. Instintivamente, a morena mais alta se afastou, criando uma barreira segura da outra garota. Natalie percebeu, franzindo o cenho quando sua colega de time foi de legal para babaca novamente.
— Eu vou sair da água. — Natalie se levantou. Era por isso que sempre se mantinha distante da Matthews, ela não parecia sustentar o personagem por muito tempo, era sempre egocêntrica quando se lembrava quem era.
Charlotte deu de ombros, fingindo não se importar. Natalie se levantou e caminhou para a margem do lago, enquanto Lottie se aproximava das amigas na parte funda. Olhou por cima do ombro, estreitando o olhar com Natalie uma última vez. Talvez fosse melhor assim, qualquer risco de aproximação com a Scatorccio poderia ser prejudicial à sua imagem. Principalmente por não saber controlar totalmente seus sentimentos.
Não me matem. Eu atrasei muito na atualização, mas a culpa disso foi meu surto em reescrever a história. Sabe aquele momento em que o plot ganha outro rumo e os personagens fazem suas próprias decisões? Pois é, aconteceu algo parecido e isso não estava me deixando satisfeita. Por isso, aderir reescrever os capítulos que já estavam prontos (que ao total eram 7, mas agora aumentou rs). Eu também tenho um prazo muito curto para escrever, trabalho o dia todo de segunda a sábado e às vezes só quero relaxar a mente no fim de semana e isso acaba me deixando preguiçosa para desenvolver o plot, mas não desistam de mim, isso aqui vai dar certo, mas vai demorar.
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Bom, gente, esse foi o capítulo de hoje, vocês curtem esses flashbacks? Acho super legal mostrar a relação das meninas e terá bastante por aqui.
CAPITULO ATUALIZADO: 10/02/2024 - NÃO REVISADO
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