𝐔𝐌.
UM.
Continuidade, não recomeço.
ORLANDO ALENCAR NUNCA foi o tipo de pessoa que tem uma reação sútil – como um sorriso contido ou um aceno de cabeça – quando está animado. Muito pelo contrário, ele sempre foi expansivo, do tipo que bateria palmas, daria um grito em comemoração ou a animação ficaria visível em sua voz e nos vários gestos que faria tentando explicar a causa de sua empolgação.
Naquela manhã, qualquer um que olhasse para o homem, conseguiria notar que ele estava animado, tinha um sorriso largo no rosto, cumprimentava todos os que passavam por ele e mal conseguia se manter parado. Se sentia tão ansioso que os dez minutos que esperou na fila da padaria pareciam durar duas horas.
Após receber seu pedido, ele seguiu seu caminho até o apartamento de Isabel. O local ficava em um prédio antigo e de qualidade duvidosa, porém era o que Bel conseguia pagar, aluguéis não eram exatamente baratos em Nova York.
Quando estava em frente ao apartamento, passou todas as sacolas para uma das mãos, para que pudesse usar a outra para abrir a porta.
━ BOM DIA! ━ Ele exclamou empolgado, entrando e fechando a porta atrás de si. ━ E vocês deviam deixar essa porta trancada, tem tanto doido nesse bairro.
━ Tem doido mesmo, você por exemplo. ━ Alicia, que estava sentada no sofá contando dinheiro, disse. ━ Oito da manhã, Lando, que animação é essa?
━ Tenho boas notícias, e se elas não te deixarem animada, tenho certeza que a comida deixa. ━ Ele levantou as sacolas que segurava enquanto passava pela sala, pretendendo deixar a comida na cozinha, mas parou de andar quando viu o dinheiro na mão da adolescente. ━ Onde foi que você arrumou essa grana toda?
━ Do jeito que eu arrumo toda a minha grana. ━ Ela disse, com seu típico sorriso travesso no rosto. A garota deixou o dinheiro em seu colo e olhou para Orlando. ━ Os sofrimentos da vida da Ana Francisca de Chocolate com Pimenta são comoventes, né? Hoje fui no ponto de ônibus quando um monte de gente estava esperando para ir trabalhar e contei as tristes histórias.. Tive que adaptar um pouquinho para ficar mais atual e funcionou bem, algumas pessoas até choraram e todo mundo foi bem generoso com as doações.
Alicia Barbaresco tinha 15 anos e era a pessoa mais esperta e malandra que Orlando conhecia. A garota saia pelas ruas de Nova York contando histórias tristes de sua vida que faziam as pessoas se emocionarem e oferecerem dinheiro para ajudar a adolescente na situação difícil que ela estava vivendo… A realidade é que Alicia não tinha vivido nenhuma das histórias que contava, na verdade, todas elas eram tiradas de enredos de novelas brasileiras, ela contava desde ter sido roubada quando bebê por Nazaré Tedesco como em Senhora do Destino até ter uma banda de empregadas como em Cheias de Charme. Os estadunidenses não reconheciam os enredos por não terem assistido às novelas e se comoviam com as mentiras de Alicia.
Orlando já tinha tentado fazer a garota parar, mas não era como se qualquer pessoa fosse capaz de convencer a Barbaresco a fazer algo que fosse contra a vontade dela. Lando esperava que em algum momento ela tomasse juízo e usasse sua esperteza para o bem, ele confiava que a jovem seria capaz de dominar o mundo se quisesse.. Ou quem sabe acabasse em uma prisão por seus golpes.
━ Você reclamando da minha animação às oito da manhã me fez achar que você tinha acordado agora, mas já até saiu dar golpe.. Cria vergonha na sua cara, pilantra! ━ Ele disse e a garota negou com a cabeça. ━ E a pobre Ana Francisca realmente comeu o pão que o diabo amassou.
━ Se eu vou acordar cedo, que seja para fazer dinheiro. ━ Ela balançou as notas que segurava.
━ Eu falo para ela parar com essas coisas, mas pensa se ela me escuta, é custosa demais! ━ Isabel, que tinha saído da cozinha e se juntou a eles na sala, disse. Então se virou para Orlando. ━ Bom dia, Landinho!
━ Bom dia, Bebel! ━ Ele se aproximou da mulher, dando um beijo na bochecha dela.
Isabel de Fonseca Garcia não tinha nenhuma ligação sanguínea com Orlando, mas ele a amava como se tivesse. Criado apenas com irmãos, quando Lando conheceu Bel, ele ganhou uma irmã.
As três pessoas reunidas naquela sala, eram a prova viva de que brasileiros realmente se reconhecem em qualquer lugar do mundo. Nascido no Maranhão, Orlando se mudou para os Estados Unidos quando conseguiu uma bolsa de estudos em uma faculdade, e foi lá que ele conheceu Isabel, que trabalhava no refeitório. Por conta do sotaque dela, Lando perguntou se a garota era estrangeira e só faltou dar um grito de comemoração quando soube que ela era brasileira.
Isabel tinha nascido e vivido sua infância em Minas Gerais, até sua família se mudar para Nova York. O que deveria ser o palco de novas oportunidades, acabou se tornando o calvário de Isa quando seus pais morreram e a garota passou a viver em um orfanato.
Foi no orfanato que o caminho de Isabel cruzou com o de Alicia, outra brasileira que estava em uma situação semelhante, mas ainda mais assustada, afinal era mais nova e com um conhecimento de inglês muito menor. Bel passou a ajudar a garotinha, e elas se tornaram o ponto seguro uma da outra, foi de Isa que veio o amor de Alicia por novelas.
Depois que Isabel alcançou a maior idade e saiu do orfanato, passou a trabalhar muito e dar tudo de si para que pudesse se tornar a guardiã legal de Alicia, ainda estava trabalhando duro para realizar esse sonho. Sempre que Alicia podia, ia visitar o apartamento de Bel, como estava fazendo naquele momento. Lando tinha fé que era questão de tempo até as duas poderem morar juntas e Isabel ser definitivamente a guardiã legal da mais nova.
Orlando achava que sua amiga era a pessoa mais esforçada, forte e abnegada do mundo inteiro.
━ Uai, que tanta sacola é essa? ━ Isabel perguntou, se inclinando para ver as sacolas na mão de Orlando.
━ Nosso café da manhã… E trouxe aquele bolo que você gosta, pilantra. ━ Ele apontou com a cabeça para Alicia. Depois olhou para Isabel, sorrindo animado. ━ Tenho boas notícias!
━ Lando, você é meu herói! ━ A adolescente exclamou, se levantando do sofá. ━ Trouxe pão?
━ Trouxe até pão massa-grossa. ━ Se gabou. ━ Olha só, herói mesmo.
━ O nome é pão francês. ━ Alicia disse e deu um tapa no ombro dele.
━ Errado os dois, que o nome é pão de sal! ━ Isabel apontou para a dupla. ━ Aqui ainda chamam esse trem de roll, estadunidense não sabe dar nome pras coisas.
━ Eles não sabem xingar também, não tem a mesma emoção que em português. ━ A mais nova disse. ━ Porra!
━ Puta que pariu! ━ Exclamou Orlando.
━ Caralho! ━ Foi a vez de Isabel. Em seguida, ela olhou para Lando. ━ Mas que boas notícias são essas, Landinho? Fale logo que eu tenho ansiedade.
━ Ih sei não, e se a gente comer primeiro e eu contar depois? ━ Perguntou em tom de brincadeira, sabendo que a outra não ia aguentar.
━ Faz isso para ver se você não vai ter que me acudir quando eu cair morta de ansiedade no chão!
Ele riu.
━ Vocês lembram quando eu disse que tinha ido falar com meu antigo chefe sobre voltar para o trabalho?
━ Lembro, até te disse para largar essa besteira de ficar trabalhando para o governo. ━ Alicia franziu o nariz.
Por anos, Orlando trabalhou na divisão nova-iorquina do FBI. Aquele não era seu plano inicial, na verdade nunca tinha cogitado tal possibilidade e foi contratado de maneira inusitada, na época Lando era um hacker procurado atendendo pelo codinome Island, até que o FBI conseguiu descobrir sua verdadeira identidade. Apesar de seus crimes, era inegável que Alencar era talentoso, então ao invés de ser preso, o homem passou a trabalhar para eles.
Inicialmente, seu trabalho era encontrar falhas e melhorar o sistema, mas logo passou a trabalhar na captura de outros hackers, o que fez por dois anos até ser chamado por um de seus superiores para ajudar em um caso de pessoa desaparecida, se tratava de recuperar as mensagens no celular, reconstruir vídeos de câmeras que tinham sido editados e procurar por qualquer assinatura digital que pudesse ajudar a encontrar a vítima desaparecida. Foi nessa área que Lando encontrou o que gostaria de fazer e se destacou ainda mais, se tornando uma peça importante – em parceria com os investigadores e agentes de campo – em casos de desaparecimento, desde tráfico de pessoas até casos de pedófilos que atraíam vítimas através da internet.
Orlando era bom no que fazia, realmente bom, porém seu mundo foi abalado quando trabalhou em um caso brutal e pessoal no ano anterior. Quando tudo acabou, Lando se viu no fundo do poço, e a situação piorou cada vez mais, até chegar em um ponto onde foi dispensado de seu emprego, eles não queriam perder o talento dele, mas o homem não tinha condições de continuar ali, não depois de tudo o que tinha acontecido.
━ Eu lembro, ele falou que precisavam conversar e depois ligava para você… Ele ligou para você? ━ Isabel perguntou, jogando a cabeça de lado de um jeitinho tão dela, e que a mulher sempre fazia.
━ Ligou. ━ Ele sorriu. ━ Combinamos de nos encontrar hoje a tarde para falarmos sobre a situação, e eu vou dar meus pulo e provar para ele que estou bem para voltar.
━ Isso é incrível, te falei que nem tudo tava perdido! ━ Bel comemorou. ━ Mas cê tá bem mesmo para voltar, Landinho?
━ Eu estou bem. ━ Ele garantiu. ━ Foi um ano difícil mas eu finalmente sinto que tenho forças para continuar a minha vida. Eu quero voltar a ajudar as pessoas e lá eu podia fazer isso.
Se recuperar depois dos traumas adquiridos no ano anterior não foi fácil, foi necessário tempo, terapia – no início, Alencar estava em negação quanto a isso, mas depois percebeu que a terapia estava fazendo muito bem para ele, que valia a pena procurar ajuda – e apoio vindo de Isabel e Alicia, se já as considerava família antes, agora tinha ainda mais certeza.
━ Agora vamos comer que eu já tô brocado. ━ Lando anunciou e Alicia levantou as mãos, em comemoração.
Eles caminharam até a cozinha e as duas se sentaram nas cadeiras ao redor da mesa, enquanto Orlando tirava as coisas da sacola e colocava na mesa. O assunto entre eles ainda era a reunião que Alencar teria mais tarde, e só mudou quando Isabel fez um pedido.
━ Quase esqueci.. Alicia você fez sua matrícula em Midtown High já? ━ Isabel perguntou para a mais nova, Alicia tinha conseguido uma bolsa de estudos para a escola de ciências e tecnologia.
━ Ainda não, tenho que fazer isso. ━ Alicia contou e direcionou o olhar para Orlando. ━ Eu aceito carona até lá.
━ Claro! ━ Ele sorriu. ━ Só não coloca o terror nessa escola também, pilantra.
━ Não posso prometer nada. ━ A mais nova sorriu.
💻
━ Não. ━ Jackson Cowen disse.
━ Não? ━ Orlando repetiu, sem conseguir acreditar na resposta que tinha acabado de receber.
━ Uma longa reunião foi feita para analisar o seu caso, muitos argumentos foram apresentados mas no fim das contas, a resposta ainda foi um "não", você não pode voltar a trabalhar aqui.
━ Não tem nenhuma chance deles reconsiderarem? Eu posso convencer eles se me permitirem falar, aceito passar por qualquer avaliação, posso provar que estou apto para voltar ao trabalho. ━ Ele argumentou. ━ Cowen, você sabe que eu sou bom, muito bom, no que eu faço, foi você mesmo que disse que eu fui um dos melhores agentes que já trabalhou com você.
━ E eu estava falando sério quando disse isso, você é experiente, talentoso e rápido. No último ano, procurei muito outra pessoa entre os nossos agentes da área de tecnologia que fosse tão bom quanto você, mas ninguém chega perto, são muito talentosos mas o que você fazia era excepcional. ━ O mais velho contou, suspirando logo em seguida. ━ Mas esse talento não vai servir de nada se não estiver com a cabeça no lugar.
━ Eu estou com a cabeça no lugar agora, eu estou bem.
━ Sabe o quão difícil foi convencer a diretoria a te contratar anos atrás? Já tínhamos feito acordos semelhantes com outros hackers, falsificadores ou coisa do tipo antes de você, mas a diretoria não achava que valia a pena te dar uma chance, você tinha conseguido cidadania americana a pouco tempo, o fato de não ter nascido nos Estados Unidos já diminuía as chances de confiarem em você, mas eu vi potencial e sabia que não podíamos desperdiçar isso.. Insisti muito, muito mesmo, até conseguir convencer eles que te dar uma chance era uma boa ideia. ━ Cowen disse. Orlando era muito grato ao agente por tudo que ele tinha feito, o homem se tornou um mentor para ele, alguém que o ensinou muita coisa mas também a pessoa que mais o cobrava, que mais era exigente com Lando, justamente por ser a pessoa que mais acreditava nele. Jackson Cowen tinha sido parte vital na mudança de vida de Alencar, e o brasileiro sempre seria grato por isso. ━ Felizmente eu estava certo em depositar todas as minhas fichas em você, Alencar. Por longos anos todos vimos você se dedicar completamente ao FBI, sua ajuda foi muito útil, mas sua história conosco acabou. O seu último caso foi pessoal demais, e não acho que um ano seja tempo o suficiente para digerir tudo isso, e a diretoria também não te quer de volta pela forma que tudo acabou.
O homem pausou por alguns segundos, apenas para beber um gole de água, e voltou a falar.
━ Dessa vez nem eu vou depositar fichas em você, eu sinto muito. ━ Antes mesmo que Lando pudesse responder, argumentar ou fazer qualquer coisa, Cowen se levantou e foi até a porta, a abrindo para o ex agente, sinal de que a conversa já tinha acabado. ━ Tenha uma boa vida, Orlando.
Orlando foi para casa pensando naquela conversa, a repassou em sua mente uma, duas, três, milhares de vezes, sequer conseguiu dormir naquela noite, pensando em tudo aquilo. Sua terapeuta disse na última consulta que ele deveria recomeçar, mas Lando não tinha a intenção de recomeçar, não, o que ele queria era voltar para o lugar que tinha parado antes de tudo em sua vida virar de cabeça para baixo, ele não queria um ponto final e um novo começo, estava interessado em uma sequência.
Seus pensamentos o levaram para o momento onde tudo começou, onde ele achou que passaria o resto da vida atrás das grades mas recebeu uma chance de seguir outro caminho, e agarrou essa chance com tudo de si. Seu trabalho lhe deu um novo propósito, ele foi capaz de ajudar muitas pessoas e droga, o homem realmente queria muito poder voltar a ajudar. Dizia a si mesmo que estava 100% bem mas sabia que isso não era uma verdade completa.
Pensando sobre a maneira não convencional que conseguiu seu trabalho pela primeira vez, ele se deu conta de que se quisesse reconquistar seu cargo talvez também devesse encontrar uma maneira inusitada de recuperar seu emprego.
A televisão na sala estava ligada, mas Lando não estava prestando atenção nela, estava perdido demais em seus pensamentos, porém quando seu olhar cruzou com a notícia no telejornal sobre os membros do Team Cap continuarem desaparecidos, Orlando teve uma ideia.
De repente, ele sabia o que tinha que fazer.
Primeiro capítulo publicado! O que vocês acharam? Quais as primeiras impressões sobre os personagens? Espero que vocês estejam gostando!
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