𝟎𝟒. unidos pelo sangue
Há algo inerente à ansiedade que corrói as entranhas de quem não sabe o que esperar. O peso do desconhecido pode ser sufocante, como uma corda invisível apertando lentamente, roubando o ar com cada respiração. Para Asteria, a ansiedade de um futuro incerto era mais do que isso. Era uma prisão, uma sentença que ela não havia escolhido, mas que, mesmo assim, seria obrigada a carregar. Não havia como saber o que o destino lhe reservava – mas ela sentia, em cada célula do corpo, o medo do que seguiria. Dois dias haviam passado desde que o decreto de seu casamento fora anunciado, e agora o dia estava à porta. Era como se o tempo tivesse avançado rápido demais, sem deixar espaço para hesitação ou fuga. Asteria acordou com uma inquietação que se espraiava por seus músculos, fazendo-os latejar de tensão.
O cofre estava mais silencioso do que o normal. Talvez porque as outras mulheres soubessem que algo estava para acontecer. A ansiedade coletiva pairava no ar como o cheiro do metal quente que impregnava o ambiente da Cidadela. Quando a grande porta se abriu com um rangido pesado, Asteria sentiu o coração saltar no peito. E lá estava Nux trazendo o mantimento do dia, acompanhado de Scrotus, com uma expressão de desprezo escancarado. O homem segurava um vestido branco, contrastando fortemente com a sujeira e a aspereza de tudo ao redor.
— Um presente do papai — ele disse, sua voz pingando sarcasmo enquanto estendia o vestido na direção de Asteria.
Ela hesitou, olhando para a peça como se fosse um fardo, não um presente. O vestido parecia tão deslocado quanto ela se sentia naquele momento. Scrotus percebeu a reação da irmã e sorriu de canto, o prazer sádico estava refletido em seus olhos.
— Sou o responsável por te levar até o altar, então não demore, vou ficar lá fora esperando você — acrescentou, deixando o tom da voz mais grave e sombrio.
Asteria não disse nada, apenas observou enquanto ele saia, satisfeito por causar o desconforto que queria. Ela engoliu seco, sentindo as parideiras ao redor observarem tudo em silêncio, o ar pesado de incertezas. Nux, no entanto, permaneceu por mais alguns instantes.
— Tem gente lá fora... para o seu casamento... são gangues do deserto — ele disse, casualmente, como se estivesse falando de algo trivial. Mas Asteria sabia que as gangues não eram meras curiosidade. Elas eram um lembrete de que a Cidadela estava cercada de perigos. E agora, ela estava no centro de tudo isso, prestes a se tornar parte de algo que nunca quis.
— Você conhece... o homem com que vou me casar? — Asteria arriscou perguntar, mesmo que sua voz tivesse saído mais fraca do que queria.
Nux acenou, os olhos cintilando com algo que poderia ser respeito.
— O melhor guerreiro de todos. Estará em boas mãos, Asteria. Ele é diferente... É bom.
Mas isso não a tranquilizou. O melhor guerreiro... diferente... Bom. Que tipo de homem era esse? Ela não sabia. Só sabia que ele era um desconhecido, e que, dentro de poucas horas, seria seu marido. Ela forçou um sorriso breve para Nux, agradecendo em silêncio pela tentativa de tranquilizá-la, embora ele mal soubesse como aquilo a deixava ainda mais ansiosa. Nux saiu, deixando Asteria com o vestido branco em mãos. Por um instante, ela ficou ali parada, olhando para ele como se aquilo fosse um sinal do que estava prestes a acontecer: uma transformação irreversível, uma vida que ela não escolheu. Suspirando, ela começou a se preparar, sentindo o peso daquele tecido em suas mãos enquanto o colocava, e o véu branco que cobriria seu rosto. Ali, em silêncio, sob o olhar das outras mulheres, Asteria se vestiu para o casamento que ela nunca quis.
Quando observou seu reflexo no espelho, Asteria viu a silhueta esguia adornada por um vestido que parecia tão etéreo quanto sua própria presença naquele momento. O tecido claro flutuava ao redor de seu corpo, um fino manto quase translúcido que, com suas leves bordas douradas, realçava sua palidez. O corte era ousado e delicado ao mesmo tempo, expondo mais do que ocultava. Suas mãos tremiam levemente enquanto ajustava o véu branco que cobria seu rosto, ocultando a ansiedade que lhe apertava o peito. O cabelo loiro e ondulado caía livre até abaixo da sua cintura, deslizando por suas costas como uma cortina dourada, suas mechas refletindo a luz fraca do ambiente.
Ao redor dela, as outras mulheres se moviam em silêncio. Algumas alisavam os detalhes do vestido, outras ajeitavam os enfeites dourados nos ombros e na cintura. Elas a cercavam, como se tentassem protegê-la de algo inevitável. Era uma solidariedade silenciosa, um raro momento em que suas diferenças eram deixadas de lado pelo fardo comum que compartilhavam. Capable, uma das esposas mais sensatas de Immortan Joe, observou a cena com o cenho franzido, como se pesasse as palavras antes de soltá-las. A ruiva aproximou-se com os olhos claros analisando uma peça incomum em Asteria.
— E o cinto de castidade? — perguntou ela, sem desviar o olhar das correntes douradas que ornavam a cintura de Asteria. — Você vai com ele até o altar?
Asteria congelou, seu coração batendo ainda mais rápido. O peso invisível do cinto metálico, apertado ao redor de seus quadris, parecia crescer a cada palavra. Antes que pudesse responder, Dag cruzou os braços e suspirou com um tom de resignação.
— Sim, é dever do marido dela tirá-lo — respondeu Dag, a voz firme como se fosse um fato que não merecia discussão. — Da mesma forma que Immortan Joe faz...
Asteria tentou controlar a respiração, mas o medo começava a transbordar. Ela apertou o tecido delicado do vestido entre os dedos, buscando uma firmeza que não encontrava em si mesma. O que aconteceria depois? Como seria o momento em que o Pretoriano Jack, o desconhecido com quem estava prestes a se casar, removeria o cinto? Sua mente se encheu de perguntas que não sabia como fazer. Sentindo-se perdida e confusa, Asteria finalmente deixou escapar uma dúvida que a atormentava desde que ouvira a notícia de seu casamento.
— Como... como um homem coloca exatamente um bebê numa mulher? — A pergunta saiu em um sussurro trêmulo, como se ela temesse a resposta mais do que qualquer outra coisa.
Asteria sempre viu Immortan Joe no cofre, mas o que ele fazia com as mulheres para elas engravidarem, era algo escondido atrás das cortinas e só restava para ela a imaginação dos sons que ouvia. As mulheres ao redor trocaram olhares desconfortáveis. Nenhuma delas parecia pronta para explicar o que para Asteria era um mistério absoluto. Contudo, Dag pigarreou e suspirou, a loira tinha um olhar vago de quem já havia enfrentado o que Asteria temia há pouco tempo.
— Vai doer... Na minha vez, doeu — falou ela, a voz baixa, como se as palavras carregassem o peso de uma dor antiga. — mas Immortan Joe nunca demora, então acredito que seu futuro marido não demore também.
— Comigo é rápido e dolorido também, e onde ele coloca aquela coisa mole e perebenta dele, nunca vai me fazer gerar bebês. — Toast declarou recordando-se da forma que Immortan Joe preferia usar ela.
— Comigo ele só coloca a mão lá embaixo e diz que um dia chegará minha vez. — Cheedo respondeu com toda a inocência que carregava. Ela ainda era a única esposa que Immortan Joe ainda não havia despejado seu veneno.
O silêncio se instalou ao redor. Asteria olhou para as mulheres, buscando alguma orientação, algo que a preparasse para o que viria, mas tudo que encontrou foram olhares pesados, refletindo suas próprias incertezas. Capable se aproximou um pouco mais, como se pudesse aliviar o fardo que Asteria carregava.
— Depois que tirarem o cinto... você só precisa deitar com as pernas abertas e esperar. Não tem muito o que se fazer.
O rosto de Asteria se contraiu de confusão e medo. Nada naquilo fazia sentido para ela, e sua mente se recusava a processar a simplicidade cruel da instrução. A Senhorita Giddy, finalmente se manifestou, a voz cheia de uma calma forçada.
— Quando o momento chegar, Asteria, você vai saber o que fazer. Não se preocupe com isso agora. — As palavras da velha não traziam o conforto que Asteria precisava. Ela queria fugir, gritar, lutar contra o destino que a aguardava, mas suas pernas estavam pesadas, como se presas ao chão.
— Talvez... seu marido seja diferente, Asteria. Ele pode ser... gentil. — Cheedo falou, tentando encontrar uma centelha de esperança naquela situação.
— Gentil? Nenhum deles é gentil, até parece que não estamos falando de homens. — A esperança foi breve, pois Toast, com seu sarcasmo habitual, cortou a atmosfera tensa.
— Não é hora para isso, Toast. — Angharad, lançou um olhar severo a Toast, silenciando-a.
— Mas é a verdade, e ela deve saber. — Toast se aproximou. — Querida, só saiba que onde eles se acham mais forte é onde são mais fracos.
Asteria se viu cercada pelas palavras das mulheres, tentando compreender o que esperava dela naquela noite. Embora a confusão ainda pesasse em sua mente, havia algo nas palavras de Cheedo que lhe dava uma pequena faísca de esperança. E se talvez seu futuro marido fosse... gentil?
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Jack estava sentado em sua gruta, com as mãos calejadas reforçadas nos joelhos, enquanto os olhos, normalmente atentos, vagavam pela caverna sem realmente ver nada. Ele dormiu mal nas últimas noites, e sua mente se arrastou por pensamentos pesados, repetindo o mesmo dilema que o perseguia. O som do deserto do lado de fora parecia distante, abafado pelos ecos de suas próprias dúvidas. Do outro lado da gruta, Furiosa estava em silêncio, encarando algumas peças de metal e engrenagens como se tentasse distrair a mente. Ele suspirou profundamente, sentindo o peso da missão que agora carregava. Casar. Jack, o Pretoriano Jack, se casando. Por mais que fosse uma ordem de Immortan Joe, algo nele não aceitava essa realidade. Era sujo, vil, o tipo de coisa que ele sempre desprezava. Durante anos, julgou o soberano por seu comportamento, aprisionando mulheres, e por vezes, meninas, que roubava das estradas para procriar herdeiros, forçando a vida sobre elas como se fossem apenas recipientes. E agora, Jack estava sendo forçado a interpretar no mesmo papel.
Ele levou uma das mãos ao rosto, esfregando os olhos cansados. Era errado, ele sabia. Mas, ao mesmo tempo, se Immortan Joe estava disposto a confiar seu tesouro mais precioso a alguém, que fosse ele. Alguém que, apesar de tudo, ainda mantinha um resgate de honra em um mundo destruído. Melhor que algum homem impiedoso ou uma gangue sanguinária do deserto. Ele sabia o que acontecia quando se deixava uma vida nas mãos erradas. E, por isso, Jack fez a única promessa que parecia fazer naquele momento: protegeria sua futura esposa, assim como sempre protegeria a Furiosa, sua filha.
Furiosa. Ele olhou para a filha adotiva, que ainda estava treinando em seu trabalho. Jack lembrava bem do dia em que o encontrou, anos atrás. Ela tinha apenas sete anos quando uma gangue rival a sequestrou do seu povo, matando sua mãe durante o ataque. Quando Jack a encontrou e a levou para Cidadela, Immortan Joe a queria para ser uma de suas parideiras, isso é claro se Jack não tivesse interferido. Ela era apenas uma criança, então sem pensar duas vezes desafiou Joe de uma maneira que quase o condenou. Mas Jack venceu. E a partir daquele dia, Furiosa foi sua responsabilidade, sua filha, mesmo que o sangue entre eles não fosse o mesmo.
— Você está pronto para isso? — A voz de Furiosa cortou o silêncio da gruta, tirando Jack de seus pensamentos.
Ele a observou por um momento, vendo a frustração em seus olhos. Ela era forte, resiliente, mas sabia que não estava feliz com a situação. Não por ele, mas pelo que ele estava sendo envolvido. Jack balançou a cabeça, um sorriso cansado se formou em seus lábios.
— Não. — A resposta foi sincera e pesada. — Essa é uma missão que eu nunca me imaginei vivendo.
Furiosa se moveu, os braços cruzados sobre o peito, os olhos fixos nele.
— Você nunca quis casar? Ter filhos? — A pergunta era direta, e Jack sentiu o peso do que aquilo tinha para ela. Não foi apenas curiosidade.
Jack riu, embora houvesse pouca alegria na sua risada.
— Nunca tive tempo para pensar nisso. Quando o mundo desabou, sobreviver era a única coisa que importava.
Furiosa deu mais um passo na direção dele, a dureza em seu olhar suavizando por um instante.
— Isso muda algo entre nós? — A pergunta surgiu com hesitação, quase como se ela temesse uma resposta.
Jack olhou para ela, vendo a menina que ele havia salvado e a mulher em que ela estava se tornando. Ele se levantou e parou em frente a ela, colocando as mãos sobre seus ombros.
— Nada muda entre nós. Eu jamais abandonaria você. Nunca.
Eles se abraçaram, um abraço que dizia mais do que as palavras poderiam expressar. Furiosa, por mais forte que fosse, ainda era a menina que buscava segurança, e Jack, mesmo diante de um futuro incerto, sabia que sua missão maior era cuidar dela. O silêncio foi interrompido por batidas na porta, fortes e insistentes, trazendo a realidade de volta. A cerimônia estava prestes a começar. Jack se arrastou novamente para o outro lado de gruta, e enquanto terminava de se arrumar, olhou para Furiosa uma última vez antes de abrir a porta.
— Pronta? — Ele perguntou.
— Acho que sou eu que devo perguntar isso. Pronto? — Furiosa perguntou e ele apenas assentiu, sabendo que o caminho à frente seria árduo, mas que, juntos, enfrentariam o que viesse.
Jack saiu da gruta, os passos pesados enquanto descia em direção ao pátio da Cidadela. O sol ardia sobre o metal enferrujado das muralhas, e o calor parecia se agarrar à sua pele como uma segunda camada. No fundo da mente, ele tentou afastar os pensamentos sobre o que viria a seguir. "Foco", ele repetia a si mesmo, como em todas as missões que já cumpria antes. Mas essa missão era diferente. Quando chegou ao pátio, a cena à sua frente já estava montada. Immortan Joe, sentado em seu trono, dominava o centro. Dois dos seus filhos estavam ao redor, observando cada movimento com olhos predadores. Mas havia mais. Muito mais. Jack percebeu que a elite da Cidadela não era os únicos presentes. Gangues de fora também foram convidadas para testemunhar o casamento, um gesto ousado de Immortan Joe para exibir seu poder e influência.
Mas para Jack, o que aquele gesto realmente fazia era aumentar o perigo.
A primeira gangue que ele conheceu estava à direita do trono de Joe: os Lobos do Deserto, uma horda feroz de guerreiros que usavam peles e ossos de presas caçadas como troféu, sinal de que faziam viagens longas pelo continente. Seus veículos eram rápidos, feitos de carcaças de motos e animais mortos. O líder, Garoth, o Uivante , estava com o rosto coberto por uma máscara feita do crânio de um chacal. Seus olhos eram duas fendas negras, vigiando tudo com cautela e malícia. Garoth estava ali não apenas para honrar o pacto, mas para avaliar, buscar pontos fracos que pudessem usar no futuro.
À esquerda, outra facção chamava a atenção: os Crânios Esquecidos, um grupo de saqueadores liderados por Kaldros, o Renegado, um homem alto, magro, com cicatrizes profundas no rosto. Eles tinham a confirmação de serem mercenários, letais e sem lealdade fixa, prontos para se voltarem contra qualquer um por uma oferta melhor. Seus veículos eram verdadeiras fortificações ambulantes, cobertos por ossos e cavernas de inimigos derrotados. A presença deles ali era um lembrete de que a paz na Cidadela era frágil, especialmente com gangues como essas à espera de uma menor oportunidade para causar o caos.
E, por fim, Jack viu os Vorazes, uma gangue que sobrevivia nas margens do deserto, nas ruínas de cidades antigas. Eles eram liderados por Tark. Sua gangue era conhecida por praticar o canibalismo, e seu líder usava roupas feitas de couro de pele humana. Ele estava de pé, impassível, mas seus olhos escuros se moviam inquietos de um lado para o outro, observando os rivais como se a qualquer momento esperasse uma faca pelas costas.
As profundidades eram visíveis. Não era seguro ter tantas gangues rivais reunidas, especialmente quando sabiam que o poder de Immortan Joe era o único motivo pelo qual não estavam se matando naquele momento. E Jack, que agora estava a poucos metros do trono de Immortan Joe, sentiu a vibração do perigo no ar. Seu corpo estava em alerta máximo, cada movimento sendo calculado. Ele sabia que qualquer fuga poderia desencadear uma briga. E no meio de tudo isso, ele seria forçado a proteger Asteria, sua futura esposa.
Furiosa parou de andar logo atrás dele e se posicionou entre dois mecânicos da oficina. Os olhos dela seguiram Jack, e ele sentiu a presença dela, ainda que não estivesse mais ao seu lado. Ela estava ali, observando, talvez com a mesma ansiedade que ele sentia. Eles compartilharam a mesma sensação de que aquilo não era apenas um casamento. Era uma batalha por sobrevivência em um campo minado de inimigos disfarçados de aliados. Jack continuou a caminhar, mantendo seu olhar fixo no trono, onde Immortan Joe o aguardava. Cada passo parecia mais pesado que o anterior. Seus dedos estavam tensos, apertando-se contra a palma da mão, mas ele não deixava transparecer o nervosismo. Para os observadores, ele parecia calmo. Mas dentro dele, cada músculo gritava em alerta, esperando o menor sinal de traição.
Quando finalmente parou diante de Immortan Joe, ele não disse uma palavra. Não precisou. A presença dele por si só já era uma afirmação de lealdade. Ele olhou para o trono, e o silêncio que parou entre eles era mais forte do que qualquer conversa. Ao redor, os olhos dos gangsters e da elite da Cidadela se fixaram neles, aguardando a abertura da cerimônia. Mas Jack não estava ali para agradar ninguém. Ele tinha uma missão. E naquele momento, o que importava era sobreviver ao que estava por vir. Jack respirou com dificuldade, sentindo o peso da atmosfera ao seu redor aumentar a cada segundo. Suas mãos tremiam imperceptivelmente, os músculos retesados como se estivessem prontos para a batalha. Ele prendeu a respiração quando as portas se abriram outra vez e uma voz ecoou pelos concretos da Cidadela.
— Asteria! O tesouro mais precioso de Immortan Joe! A donzela escolhida pelas exceções do deserto! Guardiã do sangue puro, destinada a perpetuar a grandeza da linhagem!
As palavras de Scrotus se arrastavam pelo ar pesado do pátio, cada uma reverberando na mente de Jack como golpes de martelo. Ele prendeu a respiração instintivamente, os pulmões queimando com o ar estagnado. Sabia que sua futura esposa estava se aproximando. Sabia que ela caminhava ao lado do irmão brutal, e os cochichos que se espalhavam ao redor do pátio só pioravam a tensão. Ele encarou um ponto além da cabeça de Immortan Joe, mantendo o foco em algo indefinido, uma técnica que aprendeu em suas batalhas para evitar distrações. Ouviu risos abafados, vozes grotescas de homens falando sobre Asteria como se ela fosse apenas um objeto, algo a ser consumido. Piadas imundas, cochichos sobre o corpo dela e o que eles fariam se tivessem uma chance. A raiva subiu pelo peito de Jack como uma chama crescendo, mas ele continuou sob controle. Não era o momento para perder o controle, não com tantos olhos sobre ele.
Foi então que ele sentiu a presença ao seu lado.
O perfume que invadiu o ar ao seu redor era doce, familiar, e sua mente começou naquela noite, à mulher com quem cruzara caminho por um instante. O choque percorreu seu corpo como um raio. Era ela. O aroma confirmava a teoria que ele não queria acreditar. Jack arregalou os olhos, olhando Asteria de forma mais intensa. Embora o véu cobrisse seu rosto, ele sabia. Era a mesma mulher. Ela estava ali, imóvel como uma estátua, tão estática que ele mal conseguia respirar. O véu branco esvoaçava levemente, escondendo seu rosto, mas Jack sentia sua presença de forma quase palpável. A tensão não era como eletricidade. Eles finalmente estavam lado a lado, porém ainda havia uma barreira entre eles. Uma barreira de medo, de dúvida, de desconfiança de um com o outro.
O silêncio se estendeu por um segundo que parece uma eternidade. Então, Immortan Joe declarou-se de seu trono, sua presença exigindo atenção. Sua voz rugiu através do pátio, quebrando o silêncio.
— Hoje, iniciamos uma nova era para a Cidadela! — Immortan Joe começou, erguendo os braços, como se compartilhando. — A união de Jack, o Pretoriano mais leal, e minha filha, Asteria, marca o início de uma nova linhagem, forjada no fogo da sobrevivência, moldada pelo poder e pelo legado do deserto!
Seus olhos varreram a multidão, e seus seguidores responderam com gritos de aclamação. As gangues, no entanto, se concentraram em silêncio, observando cada movimento com interesse calculado.
— Com esse casamento, garantimos a continuidade do meu sangue! — Immortan Joe prosseguiu, sua voz grave ecoando entre as paredes metálicas. — Um sangue puro, forte, destinado a reinar sobre as terras devastadas! Asteria será mãe de uma nova geração, filhos que carregarão o fardo e a glória de nosso legado! — Ele virou-se para Jack, seus olhos penetrantes e calculistas pousando sobre o Pretoriano. — E o Pretoriano Jack será o guardião deste tesouro, aquele que protegerá a nova esperança da Cidadela!
A multidão explodiu em aplausos. Gritos de aprovação vinham dos Lobos do Deserto e da elite, enquanto as gangues trocavam olhares entre si, suas rivalidades e desconfianças evidentes. Jack sentiu o peso das palavras de Immortan Joe se fixarem sobre ele como uma corrente de ferro. O "guardião do tesouro". Ele não poderia negar que se via como protetor de Asteria, mas as implicações inerentes... o que Immortan Joe realmente queria... era mais do que apenas proteção. Jack sabia disso.
Enquanto Immortan Joe falava sobre o legado, sobre a continuidade de seu império através da descendência de Asteria, Jack apertava os punhos. Cada palavra era um lembrete de que ele estava preso naquele jogo de poder. Ele lutava para manter a calma, mas os cochichos, as expectativas, o perfume doce ao seu lado... tudo parecia sufocante. E então, Jack fez o que ele sempre fez nas missões mais difíceis: focou em um objetivo simples. Protetor. Ele protegeria Asteria, independentemente dos interesses de Immortan Joe ou dos desejos das gangues ao redor. Ele a protegeria assim como fez com Furiosa. Não importava o que acontecesse depois, ele não falharia em sua missão.
Immortan Joe assumiu o controle da cerimônia como o rei déspota que era, sua voz grave e rouca enchendo o pátio, soldados e membros das gangues rivais auxiliavam em silêncio. Não havia informações em suas palavras, nem espaço para escolha ou consentimento. Jack sabia que não teria perguntas, nenhuma oportunidade para ele ou Asteria expressarem qualquer opinião. O que se seguiria seria apenas uma imposição da vontade de Joe, como sempre fora.
— O deserto testemunha! O sangue puro se unirá e será honrado na estrada para Valhalla! — Immortan Joe abriu os braços em um gesto grandioso, os olhos brilhando com uma ferocidade quase fanática. — Nenhum mortal, nenhum inimigo ou força do deserto separará essa união. Juntos, vocês são mais fortes do que sozinhos. Vocês vão forjar uma linhagem que reinará por gerações!
A multidão respondeu com murmúrios de aprovação, embora os olhares entre os membros das gangues rivalizassem com desconfiança. Jack sentiu o peso daquilo, como se uma sombra invisível o envolvesse, e se concentrou apenas no momento. Ele estava prestes a selar um pacto com o próprio sangue, e o nervosismo da multidão ao redor não ajudava. Então, Joe se moveu um passo mais, a expectativa crescendo.
— Agora! — Immortan Joe rugiu. — A união deve ser selada com sangue, como todas as coisas sagradas neste mundo. O sangue purificado é o sangue que une. Corte sua mão, Jack, e deixe que o sangue flua! E você, minha filha... — Ele virou-se para Asteria, sua voz ficando um pouco mais suave, mas ainda assim imponente. — O sangue de uma herdeira vale mais que mil grãos de areia. Você sabe o que fazer.
Um dos garotos de guerra se aproximou, trazendo uma faca antiga, o metal brilhante e afiado. Jack a pegou sem hesitar, ignorando o desconforto do objeto frio e rugoso em sua mão. Ele respirou fundo, controlando a tensão que crescia dentro dele, e então, com um movimento rápido, passou a lâmina pela palma de sua mão. A dor foi rápida e aguda, mas ele já estava acostumado com o sofrimento físico. O sangue escorreu pela palma, pingando no chão de pedra abaixo deles. Sem desviar o olhar de Asteria, Jack estendeu a mão ensanguentada. Ele percebeu que ela estava hesitante, seus movimentos mais lentos e cuidadosos. O véu que cobria seu rosto parecia isolar ainda mais seus pensamentos, mas Jack viu o tremor de suas mãos. Quando ela pegou a faca, seus dedos ficaram frios e suados, e ele sentiu a leveza do medo que emanava dela.
— Não tenha medo — ele murmurou suavemente, sua voz apenas um sussurro que ninguém mais poderia ouvir. — Não vai doer tanto.
Mesmo sem poder ver os olhos dela claramente sob o véu, Jack percebe o medo de que ela lutava para esconder. Não havia nada de jeito como ela respirava, nenhum tremor que percorresse seu corpo, que ele não pudesse ignorar. Asteria engoliu em seco, apertando a lâmina com força antes de, finalmente, fazer o corte. Ela reprimiu um pequeno grito, o som ficou preso em sua garganta enquanto o sangue começava a escorrer. Jack sentiu a abertura dela aumentar quando ele estendeu sua mão para a dela, juntando os dois cortes, deixando que os sangues se misturassem. O vermelho líquido, quente, escoltando entre os dedos entrelaçados, selando o destino de ambos em um gesto ancestral, tão velho quanto o próprio deserto.
Os dois ficaram ali, frente a frente, suas respirações pesadas ecoando no silêncio ensurdecedor. Jack sentiu o calor do corpo de Asteria se aproximar dele, e algo dentro dele se aqueceu naquele momento. Ele havia prometido a si mesmo que a protegeria, mas não imaginava o quão profundo seria o impacto de vê-la tão vulnerável, tão exposta.
— Isso... — A voz de Rictus Erectus interrompeu o momento. O gigante sorriu com a expressão de quem estava se divertindo, seus olhos brilhando com malícia. — E o beijo? Não é assim que os casamentos terminam? Com um grande beijo?
A tensão que se formou entre os dois foi imediatamente quebrada pela risada de alguns dos presentes. Jack não respondeu, mas seu corpo se enrijeceu, pronto para qualquer provocação que viesse. Immortan Joe, no entanto, estende a mão, ordenando silêncio.
— O sangue é mais do que suficiente para selar essa união. — Sua voz cortou o ar com autoridade, seus olhos se estreitam.
Ele se inclinou um pouco, observando os dois, como se estivesse selando a cerimônia com seu olhar severo e poderoso.
— Agora, o pacto está feito. O sangue foi derramado. Vocês estão unidos e nada poderá separá-los!
A multidão vibrava em resposta, os gritos e aplausos ecoando ao redor. Jack, porém, só conseguia pensar na mão ainda entrelaçada a dele, no sangue que escorria lentamente, e no peso do destino que acabava de selar com uma única decisão.
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Asteria estava sentada atrás de uma mesa coberta de carnes, frutas secas e grandes jarros de bebida. A comida era farta, mas somente para aqueles que viviam ao lado de Immortan Joe, no entanto, o que mais atraía sua atenção naquele momento era o pequeno corte na palma da mão, agora já seco, mas ainda uma lembrança dolorosa da cerimônia que acabara de viver. Seu olhar permanecia fixo no corte, enquanto o sangue seco parecia se destacar contra sua pele pálida.
Os tambores rufavam incessantemente, acompanhados pelo som estridente de uma guitarra flamejante, o que fazia seu coração acelerar ainda mais, como se a música estivesse diretamente ligada ao ritmo frenético de suas emoções. Ela ergueu a cabeça, sentindo o peso do véu sobre o rosto, bloqueando parcialmente sua visão, o que de certa forma a tranquilizava. Pelo menos, com o véu que a cobria, não precisaria suportar os olhares dos homens que a cercavam. Eram muitos ali, a maioria guerreiros ou mercenários das gangues rivais que agora partilhavam a "paz" temporária na Cidadela. Ela ouvia a sugestão constante dos comentários, as risadas abafadas que frequentemente surgiam, e não conseguia evitar imaginar o que diziam sobre ela.
Ela se encolheu levemente na cadeira, tentando se tornar menor, quase invisível em meio ao caos ao seu redor. O ambiente, embora vibrante, era sufocante para Asteria. Cada risada, cada brinde ecoava como um lembrete de sua nova realidade, de que agora era esposa de um dos guerreiros mais letais do deserto. A única coisa que ela conseguiu fazer para se manter firme era respirar profundamente e agradecer mentalmente por ainda estar coberto pelo véu.
— Você está bem? — A voz de Jack veio firme, mas com uma nota de preocupação, quebrando o silêncio que Asteria construiu ao seu redor. Ele estava ao seu lado, o rosto iluminado pelas fogueiras que ardia ao redor do pátio.
Ela trafegou nos olhos dele, e por um momento, perdeu-se no azul intenso. Era uma cor que destoava aquele mundo seco, uma cor que a fez sentir algo que ela ainda não sabia descrever. O coração dela acelerou ainda mais, e por um segundo, ela não soube se era por medo ou por algo mais profundo. Aqueles olhos carregavam uma força bruta, mas, ao mesmo tempo, uma estranha gentileza que a desconcertava. Ele era bonito de uma forma selvagem, a pele bronzeada, o rosto marcado pelas batalhas e pelo deserto, e ainda assim, havia algo de genuinamente preocupado na expressão dele enquanto a olhava.
— Sim... estou... estou bem — ela respondeu, com a voz baixa e incerta. Ainda estava tentando processar a ideia de estar casada, de ter seu destino selado na cerimônia de abertura. E, mais do que isso, o que viria depois da festa a inquietava.
Jack parecia perceber o desconforto dela. Ele deu um pequeno sorriso, aquele sorriso que não alcançava completamente seus olhos, mas que transmitia uma tentativa sincera de aliviar a tensão.
— Quer dançar? — ele perguntou, surpreendendo-a.
Asteria piscou, confusa. Dançar? Ela nunca havia feito isso antes, nunca fora ensinada. As parideiras não eram treinadas para essas frivolidades, eram mantidas apenas para a função que Immortan Joe decidira para elas. E a ideia de se mover desajeitadamente no centro da festa, com todos os olhos sobre eles, faz sua ansiedade aumentar.
— Eu... eu não sei como — ela admitiu, balançando a cabeça com leveza, seus olhos se desviando para as pessoas ao redor que dançavam com passos pesados e desajeitados.
— Nem eu. — Jack concedeu mais abertamente dessa vez, inclinando-se um pouco mais perto. — Mas isso nunca me impediu. Vamos, só precisamos tentar. Juro que não deixo você cair.
O sorriso dele era inesperadamente cativante, e antes que ela pudesse protestar, Asteria se pegou sorrindo também. Houve algo naquele momento, naquela troca simples, que fez sentir uma pontada de esperança, uma faísca de conexão. Eles estavam unidos por um destino que não escolheram, mas, ao menos ali, Jack tentou quebrar as barreiras, tentar algo além da frieza que os envolvia.
— Tudo bem, vou confiar em você. — Asteria finalmente disse, com a voz baixa, mas dessa vez havia algo de mais firme em sua resposta.
Jack estendeu a mão para ela. Asteria hesitou por um segundo, mas logo a pegou, os dedos dele entre os dela com importância. O toque quente contrastava com o frio que ela ainda sentia, mas de alguma forma, era reconfortante. Ela se manteve ao lado dele, apertando o peso do véu balançando suavemente enquanto caminhavam juntos até o centro do pátio, onde outros dançavam ao som das guitarras e tambores.
Lá, no meio da multidão, eles se moveram, desajeitadamente o princípio, tropeçando um no outro e rindo levemente das tentativas. Nenhum dos dois sabia o que estava fazendo, mas não importava. O som da música, o calor do momento, a sensação de estar juntos no meio do caos tornava tudo mais fácil de suportar. Asteria, pela primeira vez, sentiu-se menos só, mesmo que apenas por alguns minutos.
A música ecoava, as guitarras ensurdecedoras e os tambores rítmicos deixam se misturar com as vozes e risadas que preenchiam o pátio. Asteria e Jack se moviam devagar, desajeitados em seus passos, mas pelo menos estavam em sintonia com a batida, mesmo sem saber exatamente o que fazer. Pela primeira vez naquela noite, ela sentiu uma pequena, ainda que frágil, calmaria.
Mas a paz durou pouco.
Um grito seguido por uma gargalhada rouca ecoou pelo pátio. Asteria viu, pelo canto do olho, o estandarte dos Lobos do Deserto balançando violentamente. Os homens da gangue estavam reunidos num canto, seus corpos imponentes e cobertos de armaduras de metal reciclado, bebendo diretamente dos jarros de metal, enquanto provocavam os Guerreiros de Sangue da Cidadela. O líder deles, Garoth, cuspia comentários mordazes, aparentemente desafiando a autoridade de qualquer um que cruzasse seu caminho.
— Olha só, o grande Pretoriano Jack dançando como um senhor... — a voz dele se destacava, com ironia.
Os homens ao redor riram. Asteria congelou por um momento, sem entender completamente a dimensão da provocação, mas sentiu Jack tensionar ao seu lado. Ele manteve-se em silêncio, os olhos fixos nos movimentos ao redor, embora seus dedos permanecessem agora mais firmes sobre a cintura dela. Outras histórias maldosas surgiram a se propagar entre as gangues. Representantes do grupo Crânios Esquecidos, se aproximaram, eles gesticulavam e riam de algo dito entre eles, e Asteria observou que olhavam em sua direção.
— Talvez o Pretoriano não seja tão valente quanto diz... Ele é um cão treinado que agora só serve para obedecer e deitar aos pés de Immortan Joe — o líder dos Vorazes disse.
A princípio, ninguém fez nada, o temor de Immortan Joe ainda pairava sobre todos. Os Guerreiros da Cidadela sabiam que qualquer insubordinação àquele regime causava danos graves. No entanto, a atmosfera ficou cada vez mais densa. A música parecia aumentar de volume, como se estivesse sendo pressionada pelo caos. Foi então que um estalo cortou o ar — um insulto direto sobre Asteria.
— Talvez o sangue dessa mulher não seja tão importante quanto Immortan Joe pensa... — disse um deles, rindo com desprezo, enquanto os Guerreiros de Sangue o olham com hostilidade.
Jack parou de dançar abruptamente. O sangue ferveu em suas veias, a raiva surgindo como uma onda pronta para quebrar, mas ele sabia que não poderia perder o controle. Nem tudo. Mas o comentário seguinte selou o destino da noite.
— Ela é tão pura, intocada... carregando tantos títulos. Será que ela não merecia um homem de verdade para... vocês sabem — um dos guerreiros do Lobos do Deserto falou, com um sorriso malicioso, seus olhos vidrados em Asteria.
Antes que Jack pudesse responder, os garotos de guerra avançaram, ofendidos. Foi o suficiente. O primeiro soco voou, e a briga explodiu como pólvora no pátio. Em questão de segundos, os tambores e a guitarra foram substituídos pelo som de carne batendo em carne, gritos e corpos caindo ao chão. As gangues rivais começaram a se envolver, lutando entre si, enquanto os homens da Cidadela tentavam controlar a confusão com os garotos de guerra. Jack não perdeu tempo. O caos havia sido instalado, e ele sabia que Asteria estava em perigo. Seus olhos varreram o pátio freneticamente, observando os movimentos bruscos ao seu redor. Guerreiros das gangues lutavam com tudo o que tinham, e a segurança dela era sua única prioridade agora. Avistou Furiosa escapando para um lugar seguro, e ele deveria fazer o mesmo.
Então o pretoriano agarrou a garota com firmeza, puxando-a para perto de si.
— Fique perto de mim! — disse ele, sua voz mais áspera que o habitual.
Mas o tumulto aumentou rapidamente, e Jack viu o risco deles saírem feridos. Sem pensar duas vezes, e sem tempo para explicar, ele a prendeu em seus braços, jogando-a sobre o ombro como se ela não pesasse nada. O véu de Asteria balançou violentamente enquanto ela soltou um pequeno grito de surpresa.
— O que você está...?! — Asteria tentou protestar, mas seu grito foi abafado pela confusão ao redor.
Jack não respondeu. Ele já havia entrado no modo de sobrevivência. Cada movimento agora era calculado, cada soco ou rampa que desferia era apenas uma tentativa de abrir caminho. Ele chutou um homem no peito que avançou com uma faca, derrubando-o em cima de outro, e continuou a empurrar e abrir caminho em meio ao pandemônio que se revelava. A multidão estava em frenesi, e a única saída segura era levá-la para longe do pátio, para um lugar seguro na Cidadela. Os corredores eram estreitos e esculpidos na pedra, e ele precisava alcançar alguns desses o mais rápido possível.
— Apenas se segure firme. — Ele sussurrou entre os dentes, enquanto atravessava a multidão com ela no ombro.
Asteria, ainda confusa e desorientada, tentou compreender o que estava acontecendo. O som da briga se tornou mais distante à medida que Jack a carregava pelos corredores, seus passos pesados ecoando no chão de pedra. O corpo dela balançava suavemente enquanto ele corria, abrindo caminho com socos e empurrões sempre que alguém tentava barrá-lo. Jack sentiu o corpo de Asteria estremecer em seu ombro. A confusão e o caos ficavam para trás a cada passo que ele dava. O som das brigas se dissipou e, finalmente, ele se permitiu parar quando o caminho se afunilou. O corredor de pedra, com suas paredes brutas e úmidas, parecia um santuário de silêncio, longe da violência e das provocações que fizeram estourado na festa.
Com cuidado, Jack colocou Asteria no chão. Ela balançou um pouco, ajustando-se ao seu próprio peso novamente, enquanto ele observava de perto, buscando algum sinal de que ela estava machucada ou em choque. Mas ela não disse nada. Seu olhar estava fixo no chão de pedra, e Jack agitou seu olhar até o pequeno corredor que se estendia à frente, que terminava em uma abertura estreita na rocha. Asteria respirou fundo e, sem dizer uma palavra, iniciou a caminhada em direção aquela abertura. Jack ficou parado por um momento, apenas a observando. Havia algo diferente nela naquele momento, uma curiosidade silenciosa, um desejo de explorar o que havia além das paredes que a manteve prisioneira durante toda a sua vida.
Quando Asteria atravessou a pequena passagem, o que a esperava do outro lado deixou sem fôlego. Seus pés, agora descalços, tocaram a água de um pequeno córrego, que corriam suavemente até um lago cristalino cercado por penhascos rochosos. À frente, o mundo se abriu diante dela como um vasto oceano de deserto, com as torres da Cidadela se erguendo ao longo, mas ainda assim minúsculas sob o céu alaranjado do entardecer. A areia brilhava sob os últimos raios do sol, e o vento soprava suavemente, levantando o véu sobre sua cabeça e deixando-o flutuar no ar.
Asteria sorriu sincera, de uma forma genuína, o primeiro em muito tempo. O vento que tocava seu rosto, sua pele, era uma sensação nova, quase desconhecida. O véu flutuava e girava levemente, até ser carregado para onde Jack estava, pousando sobre ele como uma sombra que mal o cobria. Ele segurou o véu, absorvendo o doce perfume e a observou em silêncio, admirando a cena com uma mistura de curiosidade e respeito. Asteria parecia... livre. Por mais breves que fossem aqueles segundos, ela parecia estar fora do alcance do poder sufocante de Immortan Joe.
A jovem não se mexeu por um bom tempo. Seus olhos absorvendo cada detalhe, cada cor, o som da água que fluía aos seus pés, o vento contra a pele. Ela fechou os olhos por um instante, apenas para sentir o mundo do lado de fora. A liberdade que tanto almejava estava à sua frente, mas ainda havia tantas barreiras entre ela e aquele futuro.
— Você está bem? — Jack perguntou, sua voz grave e baixa, quase hesitante.
Asteria abriu os olhos e olhou para ele. Por um momento, os dois apenas se encararam. Jack, ainda segurando o véu em uma mão, parecia estudar cada movimento dela. A preocupação era evidente no olhar, mas havia algo mais, algo que ele não conseguia colocar em palavras.
Ela desviou o olhar, olhando o lago mais uma vez. Não conseguia responder aquela pergunta. Não sabia que estava bem. Não sabia se algum dia estaria. Era confuso demais, esmagador demais. Asteria sentiu o peso do futuro, o peso de um casamento imposto, o peso de se tornar algo que nunca quis ser. Mas, ao mesmo tempo, algo nela estava mudando. Aquela primeira interação, aquela proximidade com Jack, a confusão que sentia em relação a ele, misturava-se com um medo crescente do que ainda estava por vir. Será que algum dia ela poderia confiar em alguém como ele? E, mais importante, será que algum dia ela poderia confiar em si mesma para tomar controle de sua vida?
Jack, por outro lado, enfrenta um dilema próprio. O que era aquele casamento, afinal? Ele havia passado tantos anos como um guerreiro, sempre focado em sobreviver e proteger Furiosa, mas agora... Agora ele estava casado, atado a uma mulher que mal conhecia. O que Immortan Joe esperava dele? Apenas um herdeiro? Ou havia algo mais nessa união, algo que ele ainda não conseguia entender? E por que, ao olhar para Asteria, sentiu um impulso tão forte de investigá-la, de garantir que ela não se tornasse apenas mais uma peça no jogo cruel do deserto?
O vento continuou a soprar, enquanto Asteria se ajoelhava junto ao lago e tocava a superfície da água, seus dedos brincavam com o reflexo do céu. Jack permaneceu em silêncio, sabendo que, a partir daquele momento, suas vidas foram irremediavelmente entrelaçadas — por mais incerto que o futuro fosse. E, juntos, eles ficaram ali, cada um perdido em seus próprios pensamentos, enquanto o sol começava a desaparecer no horizonte.
Finalmente o casamento deles, e então, como acham que vai ser a relação de Jasteria?
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