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𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟒𝟓

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A euforia dos homens cessou de modo surpreendente quando algumas mulheres desceram as escadas. Todos se encontravam admirados com tamanha beleza que preenchia o grande salão. Os mais corajosos arriscavam risadinhas e piscadelas a elas, enquanto os cabreiros abaixavam a cabeça temendo por suas vidas, aliás, aquelas não eram quaisquer mulheres, eram as Shelby, exalando sua fortuna e poder sem ao menos dizerem uma palavra a eles. À frente, a mais velha abria o caminho entre homens ansiosos por uma boa luta. Polly não era apreciadora de boxe, mas gostou da atenção que recebeu de olhares mais jovens. Logo atrás, Ada caminhava ao lado de Linda, ambas possuíam orgulho no olhar. Amara estava mais afastada e possuía um semblante rígido e não abriu qualquer sorriso aos elogios feitos em sua direção. Elisa a alcançou rapidamente, se pondo ao lado dela, soltando um riso cruel que fez o homem ao lado desviar o olhar para os pés.

— Que ótimo, somos o centro das atenções. — Amara falou para a colega ao lado. Elisa a encarou de soslaios.

Usando um provocante vestido azul-cobalto, Amara parecia fazer questão de roubar as atenções para si. O tecido de cetim era brilhante e justo ao corpo. As fendas eram instigantes, principalmente na perna, onde a cada passo sua coxa torneada ficava amostra. A fenda do busto era profunda e decotada, valorizado não só pelo colar dado por Thomas, mas como pelo volume dos seios graças à gestação. Amara poderia dizer que a escolha do vestido era ousado não só para ela, como para a década. Todavia, como já havia visto em certos filmes da sua época, ela poderia dizer que estava vestida para matar, literalmente.

— Me diga que está usando uma arma na outra perna. — Elisa murmurou a Amara.

— É claro. — Com um riso nos lábios pintados de vermelho, Amara acenou para Elisa.

— Não saia sem mim ou sem me dizer para onde. — Elisa segurou o pulso de Amara. Os olhos escuros encontraram os verdes rapidamente. — Promete?

— Está bem. — Amara se soltou, passando pela porta logo depois das cunhadas. A Romero balançou a cabeça, indo logo atrás.

Um murmúrio maior se passava do outro lado do salão, onde homens faziam apostas. Amara buscou Thomas em meio à multidão, mas entre tantos rostos, não encontrou o que mais queria. Sentou-se em uma cadeira próximo ao ringue. Embora ouvisse as conversas alheias de Polly, Ada e Linda, Amara não pensava em mais nada além do que poderia acontecer em algumas horas e não negava que sentisse medo do que a esperava.

— Que lindinho, ele trouxe a namorada. — O comentário sarcástico chamou atenção de Amara. Elisa sorria de braços cruzados enquanto olhava para o outro lado.

Amara olhou na mesma direção. Um pouco além do ringue, Finn segurava a mão de Sarah, que parecia tão animada quanto o garoto para uma luta. Ver a jovem Lowry não trouxe felicidade a Shelby, aliás, aquele lugar não era adequado para uma garota, principalmente pelo que poderia vir a acontecer. Levantando-se do lugar que estava, Amara foi impedida de dar um passo quando Elisa se colocou à frente dela.

— Não se preocupe com a garota, ela sabe se virar.

— Você sabe o que pode acontecer aqui mais tarde, não é bom tê-la por perto. — Amara vociferou. Elisa bufou.

— Eu vou falar com eles. — Disse Elisa. Amara bateu o pé inquieta, se virou para as outras mulheres, sentando-se na cadeira novamente. — Boa garota.

— Fique tranquila, querida. — Polly segurou a mão de Amara.

— Não vejo o Thomas em lugar nenhum, e a luta começará em poucos minutos. — Amara reclamou. A perna balançou ainda mais. O nervosismo começava a apossar-se de seu corpo.

— Beba um pouco. — Polly ofereceu uma taça. Amara negou em silêncio. — É vinho tinto, dos mais finos, seu filho até agradecerá a você por isso.

Relutante, Amara puxou a taça, bebendo não mais que um gole pequeno da bebida. O sabor da uva e álcool viajaram para o fundo do estômago vazio, fazendo-a estremecer.

— Muito bem! Agora fique mais calma. Somos mulheres Shelby, conhecidas por sermos atrevidas e a frente do tempo, você principalmente. — Polly apertou levemente o queixo da mais nova. Amara suspirou um pouco mais aliviada, mas ainda preocupada com o sumiço de Thomas. — Tudo dará certo.

— Assim eu espero. — Amara concluiu.

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— Tommy, as mulheres já chegaram. — Isaiah avisou ao entrar no vestuário. — Elisa está com elas, assim como nossos guardas estão ao redor.

— Ótimo. — Thomas tragou o cigarro. — Não deixe que ninguém desconhecido se aproxime de qualquer uma delas. — Ordenou. O garoto acenou, saindo em seguida.

— Bonnie, é melhor você derrubar Golias no quarto round, apostei tudo nessa luta. — A voz de John preencheu a sala pequena. Bonnie engoliu em seco, mas logo sua atenção foi tomada pelo pai.

— John, não intimide nosso competidor. — Thomas apagou o cigarro que já estava no fim.

Acenou para o irmão, chamando-o em silêncio para um canto. John bebeu um pouco do álcool que havia em seu cantil.

— Nossos homens estão em seus devidos lugares? — Thomas perguntou.

— É claro. Todas as saídas estão bloqueadas. — John sorriu. — Se algum italiano entrar, não sairá, pelo menos, não vivo.

— Onde está o Arthur? — Thomas olhou em volta.

— Cuidando das apostas. Tem muita gente, Tommy, muito mais do que esperávamos. — Alertou.

— Eu sei, por isso devemos tomar o dobro de cuidados. — Thomas se aproximou do irmão. — Independente de qualquer coisa que venha acontecer aqui comigo, tire a Amara em segurança daqui, certo?

— Você tem uma mulher teimosa, Thomas, mas vou fazer o que for possível. — John se afastou. — As mulheres estão se divertindo, então faça um pouco disso também, irmão.

Thomas uniu os lábios em uma linha dura. Se divertir era a última coisa que conseguiria fazer naquele dia. O corredor era estreito, mas ao terminar de atravessá-lo, Thomas chegou ao salão. O lugar estava cheio, bem mais do que realmente esperavam. Judeus e ciganos se misturavam na multidão. Homens e mulheres conversavam animadamente, enquanto outros grupos faziam apostas altas com os Peaky Blinders. Thomas olhou diretamente para a primeira fila perto do ringue. Uma cadeira vazia se encontrava ao lado de Amara, que parecia se entreter falsamente com a conversa das outras mulheres. Ele a conhecia perfeitamente bem para saber que ela estava com a cabeça em outro lugar, e o riso que dava era ensaiado e falso. O Shelby quis caminhar até lá, mas resolveu girar os calcanhares e ir para longe da multidão para aquietar seus pensamentos infernais antes de transmitir qualquer coisa à esposa.

O silêncio fazia com que os pensamentos do cigano soassem mais alto. Estava sozinho, a essa hora a luta já havia começado. Thomas não quis checar o relógio para saber quantos minutos gastara ali, sentado em um banco desconfortável enquanto fumava o sétimo cigarro desde que chegou. Passos ecoaram no corredor, assim como uma bengala bateu no chão, anunciando a chegada de alguém ao vestiário. O Shelby endireitou a postura, mas percebeu ser Solomons, que se sentou do lado oposto ao dele, soltando um murmúrio cansado.

— Eu vi a sua esposa. — Alfie falou. Thomas ergueu o rosto para o judeu. — E ela está bem bonita, mas a ansiedade não combina com ela. Não. — Sorriu. Apontou para Thomas. — Mas agora vendo você, sei que ela não é a única. Você está aqui por um só motivo: Afastar seu medo e passar segurança a ela quando chegar naquele salão. Amara precisa sentir que algo está indo bem, mesmo quando não está.

— O que você quer? — Thomas murmurou a pergunta.

— Eu sou como você. — Deu de ombros. — Quando tenho medo, eu me afasto de todos, e repito a mim mesmo que posso vencer, mesmo não tendo certeza disso. — Suspirou ao apoiar as mãos na bengala. — Você tem uma causa para lutar. Você está enfrentando uma guerra por sua esposa, eu também enfrentaria uma pela mulher que amo.

— Por acaso você ama alguém, Alfie? — Thomas apoiou uma mão no joelho ao questionar o judeu. A pergunta saiu de modo sincero. Thomas nunca vira Alfie com qualquer mulher, levando-o acreditar que talvez o judeu tivesse outras preferências.

— Eu espero um dia amar novamente, mas já não tenho tanto tempo para isso. Eu estou morrendo aos poucos. — Alfie fez uma pausa dramática. — Eu amei uma bela moça. Eu acreditei que estava no paraíso quando a vi pela primeira vez. Ela era linda como um anjo. Eu a queria de tantas formas que cheguei a me questionar: O que estou fazendo? Quem é essa mulher para me fazer perder a cabeça facilmente?

— Eu já passei por isso com uma mulher, e me casei com ela. Acredito que foi a melhor escolha que fiz em toda minha vida.

— É, você teve sorte de encontrar seu outro lado da laranja. — Disse o judeu. — Essa mulher que amei me fez perceber que eu não posso ter tudo que quero. Ela se foi, e nunca mais voltou. Eu poderia procurá-la, mas nunca fiz isso e me arrependo. — Solomons bateu com a bengala no chão. — Por outro lado, posso me dar um tempo de descanso e sei que depois do que acontecer hoje, vou tirar férias. Mas eu ainda quero ver você e sua linda esposa, mas hoje não ficarei para ver a luta, porque sei exatamente quem vai ganhar.

— Quer me dizer algo?

— Eles já estão aqui, só esperando o momento certo para atacar. — Alfie levantou-se do banco. — Boa sorte, Thomas Shelby, você vai precisar.

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Os gritos eram eufóricos. Mulheres sorriam alto quando não xingavam. O tilintar de copos era frenético. Tudo contribuía para que Amara se sentisse mais irritada. A Shelby cruzou a perna em um misto de insatisfação e tédio, enquanto via Bonnie levar o quinto soco só no primeiro round. Era deprimente ver o garoto de ouro de Aberama se tornar um saco de pancadas. A presença ao lado a surpreendeu, fazendo-a sentir-se mais tranquila, mas não menos inquieta. Thomas tinha os olhos no ringue, mas sua mão deslizou suavemente para as pernas da esposa, alcançando rapidamente as mãos dela. Os dedos gelados, roubaram a atenção do Shelby, que os puxou para cima deixando um demorado beijo sobre a aliança de casamento.

— Onde estava? — Amara se aproximou de Thomas. Praticamente gritava para que ele pudesse ouvir em meio a tantos gritos.

— Me certificando de que tudo está bem. — Respondeu no mesmo tom.

— E está? — Amara ergueu uma sobrancelha.

Thomas trincou o maxilar, voltando a encarar a luta. Um golpe fez com que Bonnie fosse jogado ao chão. O lutador de Alfie era realmente bom, mas o cigano acreditava no potencial do Gold. Enquanto uma pausa era feita sobre o ringue, seu olhar foi além, vendo homens diferentes passearem em meio a outros. Thomas virou o rosto para trás, acenando para John e Arthur, eles sabiam o que deveria ser feito. Amara se soltou de Thomas, levantando as presas da cadeira. Talvez o vinho não tenha caído bem, ou quem sabe, toda a agitação do lugar, com odores diferentes, a deixavam com azia.

— O que houve? — Perguntou Thomas ao levantar no mesmo instante que a esposa.

— Eu preciso vomitar. — Ela responde rapidamente antes de levar a mão para a boca e outra para a barriga. Afastou o marido, praticamente correndo entre a multidão.

— Elisa! — Thomas chamou a atenção da Romero, que se levantou prontamente para seguir Amara.

Costurando a multidão sem dificuldade, Amara saiu do antro movimentado e barulhento, caindo em um corredor deserto, após passar por diversos outros menos movimentados. No banheiro, alcançou um box colocando para fora todo o vinho que ingerira. Ouviu passos de saltos e logo uma nova porta foi aberta. Era Elisa, que pacientemente segurou o cabelo da Shelby.

— É por esses motivos que me vejo tão longe da maternidade. — Romero comentou. Amara arfou antes de se levantar do chão.

A Shelby não deu tanta atenção a outra quando atravessou o banheiro. Em frente ao espelho se limpou, ainda sem encarar o próprio reflexo.

— Tem algo acontecendo e o Thomas não quer me falar. — Amara ergueu o olhar para Elisa, dessa vez, encarando-a pelo espelho.

— Homens sempre vão achar que podem fazer tudo sozinho. — Respondeu a outra ao se aproximar da pia. — Em outros momentos temos que motivá-los a fazerem algo.

— Não o Thomas. Na verdade, ele não me queria aqui. — Revelou.

— Levando em consideração o estado que você se encontra, eu não posso discordar dele. — Elisa deu de ombros. — Realmente não deveria estar aqui. Eu também não gostaria, acha que é fácil estar sentada ao lado da Linda depois do que fiz com o marido dela?

— Isso nem deveria estar acontecendo se eu tivesse dado um fim a Mancini quando tive a chance. — Disse a si mesmo.

— Hoje você terá uma nova chance, então não a despedisse. — Elisa sorriu de lado. — Se já se sente melhor, então devemos ir, não quero ficar afastada...

— Espera! — Falou. Elisa a encarou. — O que quis dizer quando mencionou a Linda e o Arthur?

Elisa suspirou e encarou o reflexo no banheiro. Amara não era sua amiga de longa data, mas sentia que podia confiar-lhe alguns segredos, já que ela parecia esconder muitos.

— Arthur e eu transamos. Foi algo intenso, da forma que gostamos. — Elisa limpou o canto borrado da boca. Amara abriu os lábios.

— E do nada todos tem uma recaída pelo passado...

— Somos adultos e passamos longe da perfeição. Erramos, pagamos e nos redimirmos para seguirmos em frente.

— Então você e o Arthur, não... — Amara não sabia como completar a frase. Elisa suspirou, pensativa.

— Eu o quero muito, e o sentimento é recíproco, mas ele tem uma família. E embora eu odeie a Linda, ela é boa para o Arthur e está dando a ele algo que eu nunca poderei dar. — Elisa engoliu o nó da garganta. Amara piscou. Deixou que sua mão deslizasse para a da mulher e a segurou firmemente.

— Nem todos conseguem abrir mão do amor tão facilmente.

— E eu nem precisei tirar na moeda. — Elisa forçou um riso sarcástico. Amara balançou a cabeça em negação. O sarcasmo era uma forma de aliviar a dor. — Eu o amo, por isso, sei que ele está melhor ao lado dela. Sou uma pessoa fria, mas ainda tenho um coração. Eu não sou um monstro.

Amara acenou em silêncio. Segundos depois seguiu Elisa até a porta, parando apenas quando ouviu passos serem dados no lado oposto do corredor. O sabor da bile pareceu subir novamente para a boca. Amara alcançou a arma na coxa, puxando-a rapidamente. Elisa percebeu que caminhava sozinha, tendo que voltar praticamente correndo até a Shelby.

— Por que caralhos... — Ela não completou a pergunta.

Uma figura apareceu diante delas. Por alguns segundos Amara congelou de medo, mas seu dedo agiu rápido ao deslizar para o gatilho e atirar quantas vezes conseguia. No entanto, quem vinha do outro lado também agiu às pressas. Os disparos ecoaram no corredor e logo dois corpos foram ao chão, e um deles era Elisa.

— Porra! — Gritou Amara, com o horror evidente na palavra.

Elisa segurava o ombro, enquanto fechava e abria os olhos com uma dor latejante. Por um breve instante, seu olhar encontrou os de Amara. A Romero não queria morrer naquele dia, mas se tivesse que ter esse fim, então que olhasse para algo tão belo quanto aquelas safiras verdes. Com o corpo tenso, a Shelby checou o estado de Elisa.

— Você vai ficar bem... — Disse Amara com a voz trêmula. Encarou as mãos, agora vermelhas e sujas com sangue alheio. Elisa gemeu quando teve que se levantar. — Temos que sair daqui e procurar o Thomas. De onde veio esse, pode vir mais.

— Me lembre de cobrar um acréscimo pelo tiro, se eu não morrer hoje. — Mesmo em meio a dor, Elisa não deixava de ser sarcástica. Amara passou o braço em volta da cintura da outra, ajudando-a a dar passos para um corredor mais movimentado.

— Só uma pessoa vai morrer hoje, Elisa. — Amara falou firmemente.

— Acha que consegue chegar até o vestuário? — Elisa sentiu o ferimento formigar. A dor parecia queimar dentro da carne. A quantidade de sangue manchava seu vestido, que se não fosse já vermelho, ficaria mais evidente. — Tenho que tirar a bala.

— Acha que consegue fazer isso? — Amara a encarou. Elisa arfou com os olhos fechados.

— Tenho que tentar.

Elisa era forte, não se rendendo nem mesmo a dor do tiro. Saindo em novo corredor estreito e longo, Amara procurou o vestuário masculino, entrando pela porta assim que verificou se não havia perigo em está ali. Elisa sentou-se em um banco, rasgando a barra do próprio vestido. O ferimento parecia profundo e a bala ainda estava alojada no ombro. Amara engoliu em seco quando viu a Romero enfiar o dedo no buraco estreito, gritando de dor logo em seguida.

— Isso é loucura, Elisa, você não vai conseguir fazer isso sozinha. — Amara advertiu. O suor escorria pelo rosto da Romero, que cerrou os dentes enquanto recuperava as forças. — Não consegue segurar uma arma também. Eu tenho que ir atrás do Thomas, e você ficará aqui.

— Você vai morrer se sair! — Elisa disse entredentes. Não estava satisfeita por deixar Amara partir sozinha, mas com o ferimento, ela não era muito útil. — Não era para ser assim...

— Agora é! — Amara avançou sobre a mulher, puxando do coldre dela uma arma. — Pressione o lugar da ferida, eu volto logo.

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— Amara não voltou! — Polly falou a Thomas. Era nítido em seus olhos escuro a preocupação. — Nem a Elisa.

— Eu vou atrás delas. — Thomas levantou-se da cadeira. — Qualquer movimentação estranha, ou se as coisas piorarem, quero que saia daqui e leve as outras com você.

— Por Deus Thomas, que merda está para acontecer? — Polly segurou o pulso do sobrinho, que não teve tempo para respondê-la.

O Shelby abriu caminho pela multidão, chegando ao outro lado rapidamente. Do alto do salão encarou outros rostos. Um incomum chamou sua atenção, sumindo em meio as pessoas rapidamente. Thomas deu alguns passos para trás, até virar-se completamente e correr em direção ao banheiro feminino. À medida que se afastava do salão principal sentia-se entrando em uma bolha silenciosa. Aquele não era um bom sinal.

— Thomas, porra! — Era John, que possuía o rosto vermelho como se tivesse corrido até alcançá-lo. — Eu ouvi disparos vindo do corredor leste.

— Corredor leste? — Thomas aumentou a voz, empurrando o irmão para o lado para que chegasse ao corredor dos banheiros mais rápido.

Seus passos pararam abruptamente. Uma generosa mancha de sangue deixava claro que um confronto acontecera ali segundos atrás, mas as pegadas diziam que havia tido sobreviventes. Adiante, ele percebeu um corpo, correndo até lá. Próximo o suficiente, não reconheceu o rosto, mas sabia que o homem de meia-idade, que já se encontrava morto, era um infiltrado de Mancini.

Dando meia volta, Thomas só parou quando esbarrou em John.

— Eu achei a Elisa no vestuário, e ela está machucada. — John explicou rapidamente.

— Cadê a Amara?

— Ela saiu para buscar ajuda e não voltou.

— John, me escuta com atenção. Reúna todos nossos homens, eles já estão aqui. Eu tenho certeza de que vi Mancini no salão principal. — Thomas disse. Embora estivesse ainda entorpecido com os acontecimentos, tentava manter o controle das emoções para fazer o que planejara. — Agora, vai!

John passou pelo irmão. Thomas puxou do coldre do colete uma arma. Era como estar em Boston novamente, mas dessa vez, Thomas Shelby contava com a ajuda dos Peaky Blinders.

Andrea não terminaria o dia vivo.

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Antes que pudesse chegar ao corredor que dava ao salão principal, Amara sentiu um braço passar em volta da sua cintura e outra em sua boca. Seu punho ergue-se para o alto, atirando como se aquilo de alguma forma fosse ajudá-la. Contudo, o barulho vindo da luta deixava que os sons dos disparos fossem impossíveis de serem ouvidos. Sob protesto, ela foi carregada para longe, como se não passasse de uma boneca nos braços de uma terrível criança. Ao longe, pode ouvir disparos novamente, o que fez com que seu coração batesse ainda mais rápido.

Ouviu o sotaque italiano, reconhecendo uma voz que surgia de longe. Mesmo se contorcendo e lutando inútilmente nos braços do homem, Amara não deixou ser vencida. Ela deveria tentar de alguma forma se livrar daquelas garras e acabar de vez com toda aquela briga.

— Sempre tão selvagem... — A voz de Mancini ecoou ainda longe, saindo tão vazia quanto um vaso. Agora Amara se dava conta do quanto Andrea não passava de uma casca abandonada, refletindo falsamente uma beleza por trás de um gênio maligno. Alimentando um ódio iminente por todo esse tempo. — Eu quero brincar com você da mesma forma que brincou comigo em Boston. — Amara foi jogada no chão e sua arma tomada de Elisa escorregou para longe.

Às pressas ela olhou em volta. Estava em espaço amplo, como se fosse um segundo salão vazio. Ouvia a voz de Andrea, mas não conseguia achá-lo. Estava escuro demais para isso. O homem que a carregava estalou os dedos, fazendo com que a Shelby apertasse a mandíbula temendo pelo pior. Uma mão deslizou para a barriga, em um instinto maternal protetor.

— Você sempre consegue ser mais baixo do que esperamos. — Ela cuspiu as palavras. Mancini gargalhou.

— Só quero ver até onde você vai... — Sua voz soou novamente.

Amara se levantou quando o homem correu em sua direção com um punho fechado. Antes que ela pudesse desviar, sentiu o soco atingir seu queixo, fazendo com que ela fosse novamente ao chão, cuspindo sangue. O ódio percorreu seu corpo. Foi quando ela ergueu a perna e desferiu um chute nas partes baixas do homem. Ele gritou de dor e recuou, caindo no chão para se recuperar da dor. No mesmo instante, ela levantou-se novamente, então outro braço a envolveu de surpresa.

— Desgraçado! — Ela gritou.

— Tenho todo o tempo do mundo, Amie. Mandei Thomas e seus homens para outra área. — Andrea revelou seu rosto no mezanino do salão. — Que desastre aconteceu ao seu belo rosto?

— Vai se foder! — Disse Amara. Sentia o sangue escorrer da boca para o queixo, assim como a ausência de um dente. O ouvindo zuniu e os braços a apertaram com mais força.

— Talvez eu faça isso com você antes de matá-la. — Ele sorriu perversamente. — Ou matá-los.

O choque foi instantâneo. Amara sentiu as pernas fraquejarem. Andrea realmente era capaz de qualquer coisa para machucá-la e principalmente o filho que ela carregava. Quando a mulher voltou a piscar, não o encontrou mais onde estava. Agora Amara se encontrava sozinha, lutando, literalmente, pela vida.

Com um movimento rápido, ela pisou no pé do homem que a segurava, ouvindo um estalo doloroso quando seu salto fino atravessou o sapato do agressor. Ele perdeu o equilíbrio. Ainda segurando Amara, ambos rolaram juntos no chão, enquanto a mulher usava o cotovelo e as pernas para atingi-lo de qualquer forma. Lágrimas brotaram do seu rosto quando os dentes do homem foram ao encontro do osso do cotovelo, tendo sucesso para se soltar dele.

Ela o chutou entre as pernas, deslizando logo depois para a arma que pegara de Elisa. O disparo ecoou pelo salão, acertando o homem na altura da barriga, fazendo-o cair alguns metros para longe dela. Amara gritou quando teve os cabelos puxados por trás. E virando-se com toda a fúria que carregava no interior, usou a arma para se defender, mas logo foi desarmada novamente. Suas mãos engataram por um instante no colete que o italiano usava. Ele tinha mais força, mas ela conseguia ser mais ágil devido ao tamanho. Embora nunca tivesse tido qualquer aula de luta corporal ou defesa, sabia alguns pontos frágeis que deveria atingir e usaria tudo ao seu favor para se livrar daqueles brutamontes.

Amara se chocou contra o corpo do homem, levando-o ao chão. Usou as unhas para arranhá-lo, sentindo a carne ser arrancada com a força que usava nos golpes. Ouviu um xingamento em italiano, mas aquilo não a incomodou, nem mesmo a dor que sentia ao desferir socos no rosto do homem. Quando ele retornou a força, a empurrou para trás. Amara tropeçou no vestido, caindo de peito para cima. O homem avançou contra ela, mas parou quando disparos atravessaram seu corpo.

— Amara! — Era Arthur. Ela se engasgou com saliva e sangue, levantando-se do chão com dificuldade. Ver o cunhado ali a tranquilizava. — Esses filhos da puta! — Arthur disparou algumas vezes no corpo já sem vida. Alcançou a mulher, abraçando-a com força. — Perguntaria se eles não a machucaram, mas você está ferida, muito. Vamos.

— O Thomas... A Elisa... — Ela balbuciou os nomes. Sua mente estava embaralhada. Seu peito subia e descia com força.

— Vamos sair daqui, mulher! — Arthur a puxou pelo braço.

— Eu quero uma arma maior. — Pediu ao passarem por um corredor. Arthur bufou, retirando do ombro uma metralhadora.

— O Thomas não vai gostar disso. — Disse ao entregar a arma a ela. Amara sentiu os braços e os músculos doloridos protestarem com o peso da arma. — Sabe usar ela?

— Thomas esconde um arsenal de armas atrás de uma parede secreta no escritório principal. — Ela respondeu ao checar a quantidade de munição. — Eu aprendo rápido, principalmente quando uso aquelas armas para treinar quando ele não está em casa.

Arthur não quis contestar. Lado a lado, saíram em busca dos outros. Os corredores pareciam não ter fim, mas os disparos vindos de longe deixavam claro que um confronto sangrento acontecia. Amara pensou em Elisa, Ada, Polly, Linda e principalmente em Sarah, mas acreditou que a essa hora elas estavam bem onde quer que estivessem. E embora devesse se preocupar com seu estado atual e na dor que percorria por cada canto do seu corpo, focou só no que deveria fazer: matar Andrea.

Ao saírem em um corredor mais largo, um ruído fez com que Arthur parasse mais adiante. Era o som que ele conhecia bem do tempo da guerra. O Shelby mais velho recuou os passos rapidamente, gritando para que a mulher se abaixasse e se protegesse. Amara não teve tempo para fazer qualquer pergunta. O que veio a seguir a pegou desprevenida. Uma explosão aconteceu alta e devastadora o suficiente para fazer com que gritos e mais tiros começassem no lugar. De uma hora para outra a luta havia se tornado um campo de batalha. O pandemônio estava estalado.

Amara tossiu dolorosamente, assim que estava incapaz de ouvir qualquer coisa ao seu redor. Ela mal podia ver quem estava adiante, e se perguntou se Arthur ainda estava por perto. Talvez a audição voltasse logo, mas demoraria para isso. Pedras e muita poeira dificultava a passagem. Andrea estava preparado para não perder esse confronto como os outros. Felizmente, ela também não.

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Thomas caiu atrás de um pilar quando a explosão o pegou desprevenido. A queda foi violenta, e logo ele sentiu o rosto e os cotovelo se machucarem com o atrito. Metralhadoras foram ouvidas. Thomas puxou a que carregava, disparando cegamente em meio a poeira, mas parou quando ouviu gritos. Eram as pessoas que estavam na luta, correndo em meio aos escombros para salvarem suas vidas. Eles saltavam por cima dos corpos caídos, das pedras e do que antes eram paredes. Thomas não viu nenhum rosto conhecido, nem mesmo o da esposa, o que o deixou mais apavorado.

Fez um caminho diferente, mas parou ao encontrar mais italianos. Thomas não recuou, puxou a arma e disparou vendo corpos serem atingidos violentamente pelas balas. O cheiro do sangue apossou-se do lugar. O cigano passou pelos corpos, saindo em uma nova área não atingida pela explosão. Um soco surpresa o fez cair. Era mais um italiano. Com um xingamento na língua cigana, Thomas fechou o punho e acertou o homem, fazendo-o se chocar contra uma porta. Um chute veio em seguida, assim como socos furiosos. Ainda que pudesse matar aquele homem apenas com golpes, não conseguiria acabar de vez com a raiva que sentia em seu interior.

— Onde está o Mancini? — Thomas apontou a arma para o homem, que sorriu. Ele não responderia. Impaciente, o Shelby atirou, saindo daquela área rapidamente.

Thomas seguiu em diante, cada vez mais ofegante. Da poeira, uma silhueta emergiu. Franziu o rosto, se preparando para atirar novamente se fosse preciso. A figura mediana correu para o lado oposto, fazendo com que o Shelby o seguisse com pressa. Passando por corpos e mais escombros, o cigano chegou a um salão desativado, encontrando dois corpos sem vida. Girando os calcanhares, Thomas adentrou em outro corredor, ouvindo o barulho dos próprios sapatos ecoarem pelo lugar. Girou em mais um canto, se dando conta de que talvez estivesse perdido naquele prédio. Foi então que algo chamou sua atenção, eram disparos de metralhadora.

Seu desgraçado! — Era uma voz familiar, mesmo soando com certa distância, era dita com força o suficiente para ser ouvida pelo Shelby. Amara.

— Amara! — Thomas gritou como se alguma forma ela pudesse ouvi-lo. Abriu caminho por mais corredores, tentando chegar o mais depressa possível de onde ouvira a esposa.

— Thomas! — Era outra voz, desta vez mais rouca e masculina. Arthur.

O mais velho surgiu do meio da poeira. Thomas arregalou os olhos, estava surpreso por encontrar Arthur vivo entre os escombros. Ele apressou os passos até o outro.

— Você achou a Amara? — Thomas perguntou ofegante.

— Eu estava com ela. Porra. — Arthur olhou em volta. Sentiu algumas partes do corpo arderem devido aos ferimentos. — Depois veio a explosão e eu não achei mais. Eu a perdi, isso aqui está igual à guerra, irmão.

— Eu ouvi a voz dela. — Thomas encarou o corredor além de Arthur, tentando enxergar pela cortina de poeira. — Eu vou atrás dela, busque ajuda, rápido!

— Thomas! — Arthur gritou. No entanto, tarde demais. Thomas pulou sobre o que restara das paredes, sumindo gradualmente no meio dos escombros.

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Amara se arrastou pelas paredes, sentindo algo molhado escorrer da cabeça ao pescoço. Embora estivesse tonta, ela seguiu em frente com a metralhadora em punho. Parou quando chegou ao local da luta. Estava vazio. Cadeiras se encontravam reviradas assim como muito lixo. Ela desceu a escada de maneira cautelosa, erguendo o pulso e se preparando para atirar a qualquer momento.

— Ah! Achei você. — Andrea, que possuía machucados pelo corpo, mancou até ela. Provavelmente ele se feriu na própria explosão.

Amara atirou, não tendo tanta sorte em acertar Mancini. O movimento da metralhadora em seu ombro a fez cerrar os dentes para não gritar de dor. A mulher estava cansada, mas não se daria por vencida até que matasse seu alvo.

Seu desgraçado! — Gritou com fúria. O eco foi alto o suficiente para ser ouvido fora dali.

Seus passos desceram as escadas depressa. Andrea a esperava com um riso sádico nos lábios, esperando pelo momento certo.

— Anda, acabar logo com isso! — Ele sibilou as palavras.

— Se rendendo tão facilmente? — Amara esboçou um sorriso. Uma bala especial aguardava Andrea na arma que estava em sua perna.

— Só quero ver se dessa vez é capaz e me matar. — Disse o homem ao abrir os braços. — Se não for, então verei que seu destino realmente é a morte.

O desafio foi aceito. Amara puxou a arma que estava no coldre da perna. Puxou o gatilho mirando exatamente no peito de Andrea. Dessa vez ela não erraria, mesmo que sua mão tremesse.

— Vamos! — Ele gritou com fúria, dando um generoso passo para frente.

O dedo, cujo sangue seco manchava a pele, deslizou para o gatilho. O que aconteceu foi rápido, embora na visão da mulher tenha acontecido em câmera lenta. O disparo brilhou diante dos olhos dela. Amara pode jurar ver a bala saindo do cano e atravessando o corpo de Mancini o levando-o para trás.

Um novo disparo aconteceu, dessa vez na altura do peito. Ela gritou, extravasando a raiva que sentia. Amara atirou novamente, dessa vez atingindo a perna ferida de Mancini. Ele não gritou, tampouco, emitiu qualquer ruído quando foi ao chão. Com passos firmes, Amara manteve a mão bem presa em volta da arma. De cima, pôde ter a derradeira visão de Andrea, se recordando brevemente da pessoa que ele era antes de tudo aquilo. Toda a guerra servirá para uma coisa: A ambição era a ruína dos homens. E aquela vida não era a que Amara esperava para o filho.

— Poderia ter sido diferente. — Ela sibilou as palavras. O tambor da arma girou e um último tiro saiu, acertando-o entre os olhos do antigo advogado.

O olhar negro e sombrio se mantiveram abertos até mesmo depois da morte. Amara se ajoelhou ao lado do corpo, fechando os olhos e desejando que a alma de Andrea jamais saísse do inferno. Ela não suportaria outro confronto.

— Amara? — Ela virou o rosto com a voz hesitante do marido.

Thomas sentiu a boca seca. Com passos lentos se aproximou da mulher, desviando o olhar dela para o corpo sem vida ao lado. Era Andrea, finalmente morto. Amara ainda estava a poucos metros dele, segurando uma pistola, suja de poeira e sangue. Ela respirava pesadamente, e seus olhos brilhavam como se estivesse prestes a chorar. Amara era uma mulher determinada, mas agora demonstrava exaustão, e em seu rosto não havia nenhum sinal de alívio. Thomas sentiu algo apertar no peito e sem demorar nenhum segundo, procurou refúgio rapidamente nos braços da mulher que amava.

— Eu acreditei que isso nunca fosse acabar... — Ela chorou nos braços de Thomas. As lágrimas salgadas acumularam-se no queixo, assim como o sangue que escorria do topo da cabeça.

— Mas acabou. — Disse Thomas, apertando o quanto podia a mulher. Foi então que percebeu sangue, deixando-o assustado. — Você está sangrando.

— Não é nada. — Amara se afastou negando. Olhou para a mão de Thomas. Era sangue fresco em abundância.

Ela levou a mão à cabeça, onde uma dor começou a surgir de maneira aguda. Os fios de cabelo estavam molhados e grudados ao couro cabeludo. Amara sentiu uma pequena abertura no alto. O tremor percorreu seu corpo ao encarar a mão novamente, onde tremeram levemente. Talvez ela tivesse sido atingida na explosão e nem se dera conta disso, estava tão submersa em adrenalina que seu corpo não se dava conta de ferimentos. Sentindo uma fraqueza instantânea, juntamente com todos os esforços feitos na luta, seu corpo sucumbiu ao cansaço. Segundos depois a escuridão a acolhia em um manto frio, caindo inconsciente nos braços de Thomas.

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O cheiro da torta doce de banana preencheu todo o ambiente. Amara abriu os olhos, despertando de um sonho com um enorme riso no rosto. O calor atingiu seu rosto, aquecendo-o por completo. Ao sentar-se na cama, olhou para o lado esquerdo. O sol batia brilhante na janela, atravessando as cortinas brancas e finas. Risadas encheram seu ouvido, fazendo-a sentir uma paz quase instantânea. Com um passo de cada vez, ela saiu da cama em direção ao banheiro. No espelho, checou o estado que se encontrava. Estava mais corada, talvez o sol da praia daquele lado do país fosse mais quente. Os fios, que antes eram escuros por completo, começavam a clarear do meio para as pontas, dando a Amara uma aparência mais jovem do que realmente era.

Descendo as escadas, o cheiro da torta intensificou. Antes que pudesse ir para o último degrau, Amara respirou fundo e fechou os olhos. O som do mar era envolvente e terapêutico. As ondas quebravam em pedras. Gaivotas e outros pássaros faziam barulho do lado de fora. As risadas se tornavam mais altas, assim como as vozes. A casa que estava era ampla e bem arejada, sendo possível observar o brilho da espuma do mar cintilar no sol. O piso de madeira combinava com as paredes cor de creme, com muitos quadros e arranjos de flores. Amara saiu da escada indo em direção a cozinha quase saltitante.

— Pensei que não fosse acordar, sua dorminhoca. — Amália sorriu para a filha ao deixar a torta sobre o balcão da pia.

— Eu estava em um sonho bom, mãe. — Amara sorriu ao se debruçar sobre o balcão da ilha. Amália a encarou com um riso generoso no rosto.

— Mamãe! — Um garotinho atravessou a porta.

Amara deu atenção a ele, ajoelhando-se no chão para poder abraçá-lo. O garotinho possuía cerca de cinco anos. Seus olhos azuis brilhavam alegres, suas bochechas redondas estavam vermelhas por conta do sol. Anthony era uma cópia fiel do pai quando possuía a mesma idade, mas ainda herdara muitos traços da mãe, inclusive, a curiosidade. Tonny estava sujo de areia de praia e carregava apenas uma estrela minúscula nos dedinhos enrugados. Amara afastou uma mecha do cabelo liso do garoto, curiosa com que o garoto achara.

— Olha, peguei para você. — Ele ofereceu-lhe.

— Ah! É tão linda... — Disse ela, encantada. — Mas não devemos tirar esses animaizinhos da casa deles.

— O vovô disse que não tem problemas. — O garotinho deu de ombros. Amara suspirou ao levantar-se novamente. Seu olhar cruzou com o da mãe brevemente. Amália motivou a filha a ir para fora apenas com um aceno.

Segurando firmemente a mão do filho, a mulher atravessou a porta. O calor do lado de fora era maior, assim como o sol brilhava mais forte. Protegendo os olhos do sol com uma mão, ela aproximou-se de uma silhueta que se formava no horizonte. Seu coração bateu mais depressa, esperando encontrar o marido, no entanto, a pessoa revelada era outra. Não era Thomas, mas sim seu pai.

— Filha, aconteceu algo? — Anthony perguntou diretamente a Amara, que de uma hora para outra parecia confusa.

— Não. Eu só estou procurando o Thomas. — Disse ela ao olhar em volta. Estava em um campo aberto. A praia ficava logo adiante, descendo um pequeno morro de grama verde até cair em uma enorme faixa de areia branca.

Amara olhou para trás, vendo sua mãe surgir na porta com um pano nas mãos. Algo estava errado, mas ela não entendia bem o que.

— Mamãe, quem é Thomas? — Tonny puxou a barra do vestido da mãe, roubando a atenção dela.

— Seu pai. — Amara respondeu como se acabasse de receber a pergunta mais absurda possível. — Onde está meu marido?

— Filha, você não tem marido. E não conhecemos nenhum Thomas. — Anthony se aproximou da filha.

O choque foi grande. Amara tropeçou nos próprios passos, caindo logo depois. Viu algumas silhuetas surgirem à sua frente, mas o sol forte ofuscava sua visão. Como era possível estar com seus pais e filho e nenhum deles conhecerem Thomas? Com os lábios secos e a garganta arranhando, Amara tentou falar, mas não emitiu nenhum som.

O sonho havia se tornado um pesadelo e ela só queria acordar o mais rápido possível.

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As vozes sussurrantes foram suficientes para acordarem a mulher. Amara sentou-se na cama em um salto, passando a mão pelo rosto como se sentisse falta de algo. As vozes se calaram até alguém se sentar diante dela. Era Ariana, com o cabelo bem preso em um penteado, possuindo pupilas dilatadas. Ela usava branco, se assemelhando a um anjo. Amara piscou algumas vezes, olhando ao redor. Pelo ambiente, supôs que estava em um hospital. Era um quarto amplo, bem equipado e reservado, mas com móveis antiquados. Ela ainda estava no passado.

— Ela acordou? — Era a voz de Thomas. Amara reconheceu de imediato.

Ver o marido atravessando a porta fez com que esquecesse todo o frio e sensação de vazio de segundos atrás. Ele parou ao lado dela, ajoelhando-se no chão. Sua mão segurou o rosto da esposa, massageando a pele pálida e machucada com delicadeza. Amara percebeu alguns ferimentos no rosto do marido, se recordando da explosão que presenciara no dia da luta. Aliás, que dia era aquele? Quanto tempo ela passará dormindo?

— Ela vai ficar bem, o corte na cabeça foi superficial. — Ariana disse com um tom profissional e tranquilizador.

— Ela desmaiou nos meus braços. — Thomas evitou encarar a médica ao lado. Amara tentou dizer algo, mas sua garganta arranhou.

— Algo comum quando uma pessoa passa por inúmeros choques. — A Lowry levantou-se da cama, a fim de dar mais espaço ao casal.

— Meu filho... — Amara falou ao se afastar de Thomas. Se levantou da cama, sentindo as pernas bambas como se estivesse passado muito tempo sem andar.

— Ele está bem. Agora que acordou receberá alta e poderá ir para casa comemorar o ano novo. — Ariana tranquilizou o casal. Deu um passo até a amiga, que ainda não parecia estar totalmente acordada. — Eu disse que ia cuidar de você e do seu filho, e foi o que fiz desde que cheguei aqui.

Amara levou as mãos para a barriga. Sua luta foi tão intensa que por alguns segundos esquecera do seu estado. Fechou os olhos e pediu perdão ao filho por o ter colocado em risco tantas vezes, mas Anthony era forte, isso provava que ele era um Shelby de verdade.

— Amie. — Thomas a chamou quando Ariana se foi. — Como se sente?

— Eu ainda não sei. — Ela murmurou ao fechar os olhos. — A única coisa que quero é ir para casa.

— Eu levarei você para onde quiser. — Cauteloso, Thomas se aproximou da mulher, tocando sutilmente o ombro dela. Amara se virou com o toque, deixando visível seus olhos marejados. — Você estava sonhando com algo ruim?

— Eu... — Ofegou. Amara franziu o cenho. Estava em um pesadelo, onde Thomas Shelby não existia e seu filho crescia desconhecendo a própria identidade do pai. Ela negou com a cabeça, se aproximando do marido. — O importante é que agora estou acordada e tenho você aqui.

— Hoje é a noite do ano novo, embora não estejamos totalmente bem, Polly e Ada não dispensaram o preparativo para a virada do ano. Entendo se você não quiser participar da festa...

— Não. — Ela balançou a cabeça mais uma vez. — Preciso encontrar minha família unida novamente. Todos estão bem?

— Sim, na medida do possível, mas estamos. — Ele falou. — A noite passada foi cansativa para todos nós.

— Por Deus, a Elisa...

— A Elisa está bem. — Thomas ergueu as sobrancelhas. — E disposta a cobrar um acréscimo pelo tiro e pelos ferimentos da explosão.

— Os Shelby sempre pagam suas dívidas. — Amara sorriu entre as palavras, aquela era uma leve referência a sua série do futuro favorita, mas desconhecida para Thomas.

Eu espero que sim. — Uma voz sedosa veio da porta. Amara virou-se para a mulher parada no corredor. — Mas decidi que não irei cobrar tudo que pedir, já que bem, não cumpri tanto com meu dever.

Elisa sorriu, dando passos largos para dentro do quarto. Ela parecia bem, independente de tudo que havia acontecido.

— Acreditei que já havia partido. — Thomas disse quase entredentes.

— Não antes de me despedir. — Disse ela, seus olhos se mantinham em Amara, enquanto suas palavras eram direcionadas ao homem. — Foi uma aventura em tanto.

— Pode ficar conosco por um tempinho, se quiser, pode participar da festa de ano novo com nossa família. — Amara se afastou de Thomas apenas para encarar melhor a Romero. Elisa sorriu sem humor.

— É melhor não, eu tenho outros compromissos. — Deu de ombros. Elisa aproximou-se mais da Shelby. — Mas foi bom passar essa semana com vocês. Aprendi muita coisa, também serviu para eu pensar melhor a respeito do futuro. — Falou. — E também aprendi que a próxima vez que um Shelby pedir meu favor, eu direi não. Quase morri duas vezes.

— E você receberá um bom pagamento, Elisa. — Thomas falou.

— Muito bem! — Elisa desviou o olhar para o homem brevemente. Então revirou os olhos. — Eu odeio despedidas, mas chegou a hora de dizer adeus. — Ela deu um passo mais largo em direção a Amara.

E antes que a Shelby pudesse dizer algo, sentiu um abraço apertado. O perfume de Elisa era forte o suficiente para deixar lembranças e seu corpo era quente e acolhedor. Quando ela se afastou de Amara deu um passo até Thomas, deixando dois tapinhas sutis nas bochechas do homem, recebendo um sutil sorriso dele.

— Foi bom fazer negócios com você, Sr. Shelby. — Após isso, caminhou até a porta, parando apenas para se virar para o casal novamente. — Adiós.

Elisa se foi deixando que seus saltos altos fizessem barulho até cessarem completamente. Amara respirou fundo, encarando o marido ao lado. Ela não sabia dizer se Thomas estava tranquilo ou incomodado com as facetas de Elisa, mas uma coisa ela conseguia ler nele: Thomas Shelby estava fadado e a exaustão despontava em seu rosto, assim como no dela.

— Tenho que admitir, Elisa é uma mulher corajosa. — Amara cortou o silêncio. — Vou sentir falta dela.

— Eu não irei, vamos pagar o que devemos para ela e seguimos em frente. — Ele suspirou, aliviando as feições. Seu braço passou em volta da cintura da mulher, trazendo-a para perto. — Pronta para ir para casa, Sra. Shelby?

Amara sorriu, acenando levemente. Ir para casa era tudo que ela mais queria, mas temia para qual exatamente voltaria. De qualquer forma, sabia que estaria segura desde que estivesse com Thomas.

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ARROW HOUSE, WARWICKSHIRE

Um trovão bradou no céu, fazendo com que um raio rasgasse violentamente a escuridão. Uma tempestade impiedosa iria marcar a virada do ano. Amara encostou o rosto na janela do carro, sentindo o frio do vidro percorrer o rosto. Se tudo estava acabado, então, porque ela ainda sentia um vazio no peito? Sentia uma sensação tão ruim que não conseguia nem mesmo dissipá-la ao pensar nos familiares que encontraria ao chegar em casa. O sonho ainda incomodava. Não ter a presença de Ariana e Sarah na festa de fim de ano também, mas a Shelby se despediu da amiga da melhor forma que pôde. O estresse do confronto ainda fazia com que leves tremores percorresse seu corpo como calafrio. Amara fechou os olhos com força, sentindo algo molhado escorrer pelo rosto. Ela precisava ser forte para seguir em diante, mas carregaria muitos traumas consigo.

Thomas mordeu os lábios apreensivos. Momentos atrás tinha certeza de que tudo acabaria para os Shelby. As mortes, a explosão, tudo cairia na conta da família. Ele estava cansado, sabendo que os problemas não haviam acabado, e que novos desafios surgiriam através dos anos. Sua mão moveu-se para a barriga da esposa ao lado, massageando suavemente a área mais volumosa. Se não tivesse ouvido o coração de Anthony antes de saírem do hospital, com certeza estaria mais apavorado. Um trovão alto roubou sua atenção. Thomas espiou pela janela do carro, vendo sua casa emergir do meio das colinas e os veículos dos outros Shelby preencherem o pátio.

Assim que o carro parou já na residência, Anúbis foi o primeiro a aparecer na porta de casa, latindo alto por finalmente ver seus donos. Amara se ajoelhou para poder receber o cão em sua versão mais animada.

— Vocês chegaram. Eu pensei que iriam demorar mais em Birmingham. — Ada surgiu logo atrás. Seu olhar preocupado percorreu do irmão a cunhada. Ela olhou diretamente para a barriga de Amara. — Você está bem? Meu sobrinho ainda está aí, não está?

— Estamos bem, Ada. O bebê também. — Foi Thomas que respondeu. Ada suspirou aliviada.

— Quando tudo começou, por Deus, achei que iria morrer... — Disse Ada com uma mão sobre o coração. — Fizemos tudo rápido, tiramos todos que conhecíamos daquele lugar, mas ainda tivemos tantas perdas.

— Já passou. — Amara pronunciou quase em sussurro. Ada acenou, sabendo que não era um bom momento para mencionar o grande confronto.

— Vem, você precisa ver quem chegou. — Ada puxou Amara com animação.

Com um olhar questionador, Amara encarou o marido logo atrás. Thomas esboçou um singelo riso nos lábios, confidente o suficiente para não contar à esposa o que a esperava. Mary surgiu no campo de visão da Sra. Shelby, a abraçando-a enquanto dizia palavras reconfortantes: Eu rezei todos os dias por vocês. Amara acreditava naquelas palavras. Na sala de estar, seu olhar percorreu todo o ambiente. Além dos membros da família, alguns amigos próximos também estavam presentes. Polly estava próximo à lareira, enquanto fumava um cigarro, sua distração durou pouco, já que todos pararam os murmurinhos para encararem os anfitriões parados na entrada. Arthur e Linda dividiam o mesmo sofá. John contava algo a Finn, enquanto suas crianças corriam desgovernadas pela sala com o primo Karl. No entanto, algo mais além conseguiu prender a atenção da Shelby. A jovem de pele cor de oliva correu até ela, com os cabelos longos e soltos, voando para trás de maneira selvagem. Krishna.

— Eu estava com tanta saudades. — O abraço foi forte, quase o suficiente para sufocar Amara. Krishna fungou, enquanto sentia os braços da amiga se fecharem em volta dela. — Agora tudo acabou. Podemos ser uma família e viver em paz novamente.

— Quando você chegou? — Amara tinha muitas perguntas. Krishna se afastou, sorrindo abertamente. Ela parecia mais iluminada, de uma forma quase familiar a Shelby.

— Hoje pela madrugada recebemos a ligação da Sra. Gray, e o Thomas mandou que nos buscassem alegando que devíamos passar o ano novo juntos, como uma família. — Ela explicou brevemente.

Amara virou-se para o marido, sussurrando um sutil agradecimento. Thomas retribuiu com um eu te amo, dito em sussurro e verdadeiro.

— Exatamente. — Polly ergueu o copo de uísque. Thomas passou por Amara, enchendo um copo para poder beber também.

— Mãe. — Michael abriu espaço entre os outros. — Temos algo para contar. — Disse ele. Krishna se afastou de Amara para se juntar ao marido. — Gostaríamos de falar que nos casamos no vilarejo em que estávamos. — Falou. Krishna soltou uma risadinha, ansiosa para dizer o que queria. — Mas antes disso, descobrimos algo...

— Não me deixe ansiosa, Michael! — Polly uniu os lábios em uma linha. Seu olhar percorreu a garota que o filho escolheu como esposa, deduzindo algo instantaneamente. — Não me diga que...

— Krishna está grávida. — Ele falou com certa empolgação.

As mulheres da sala abriram um sorriso iluminado, assim como os homens que comemoraram. Polly engoliu o sabor amargo do uísque, empurrando-o duramente para o fundo do estômago vazio. Ela teria um neto. Logo Polly Gray seria conhecida como a avó mais durona de toda Small Heath. Encarando o jovem casal, a mulher deduziu como seria a criança, e se aproximou apenas para sentir com as próprias mãos o que vinha por aí. Krishna quase não possuía uma barriga, tão pequena quanto a de Amara, mas carregava uma alma forte como a de qualquer outro Shelby ou Gray ali. Polly sorriu, contendo as lágrimas ao dizer as palavras com força.

— Eu sinto mais que uma só vida. — Disse. Krishna engoliu em seco. — São gêmeos. Um lindo casal. A menina terá olhos escuros como o da mãe, mas o irmão herdará os olhos do pai. — Polly falou com segurança. — Ah, ela vai ser linda, Michael. A Chame de Diana. O garoto poderá levar o nome do seu irmão, Krishna. Eu estou feliz por vocês. Na verdade, estou feliz por todos estarmos bem.

— Bem, sinto que logo meu bebê chegará. — Linda falou ao alisar a enorme barriga. — Já imagino nossas crianças brincando juntas.

— Parabéns, Krishna e Michael. — Thomas disse ao ergueu o copo de uísque.

— É parabéns, agora você é um Shelby por completo. — Arthur caminhou até o primo, dando tapinhas na costa do jovem que empalidecera com a notícia de um bebê em dobro. Gêmeos, quem diria que eles teriam tanta sorte assim.

— Você precisa subir para trocar de roupa? — Ada sussurrou a Amara. — Parece tão distante e cansada.

— Ah, sim... — Amara acenou, deixando que a cunhada a levasse para o andar de cima, para poder tomar um longo banho e realmente voltar a se sentir bem.

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Krishna se juntou às outras mulheres na suíte principal. Estava animada e não cansava de trocar informações com Ada a respeito da gestação. Tudo ainda era tão novo para a indiana, quanto um dia fora para a Ada Shelby. Amara, por outro lado, se mantinha em silêncio, enquanto recebia ajuda de Mary para vestir. A verdade era que seus pensamentos estavam longe o suficiente para lhe manter afastada das demais pessoas no quarto. Foi arrancada de dentro do seu casulo apenas quando uma chuva impiedosa começou do lado de fora, batendo nas janelas de vidro com força. Em frente ao espelho, Amara contemplou a roupa que usava.

Era um vestido longo de cetim, na cor verde musgo. As alças eram finas, justo ao corpo, marcando especialmente a barriga e os seios firmes e volumosos. Amie não se deu conta de como agora sua barriga parecia um pouco maior, mas ainda muito tímida. Talvez levassem ainda meses para que a gestação em seu corpo desenvolvesse mais. Seu cabelo foi bem preso em um penteado cuidadoso e simples. No pulso usava a pulseira dada por Polly, assim como no pescoço, usava o colar presenteado por Thomas. Amara prometeu a si mesmo nunca mais ia se desfazer dessas duas joias, assim como a aliança de Richard que era fielmente guardada em seu dedo. Aqueles seriam doravante, seus amuletos de proteção.

No andar de baixo, Amara encontrou Thomas e os demais. A conversa era alta e as risadas das crianças contagiantes. Contudo, o mais estranho da festa, era não se sentir parte dela, conseguindo passar pelos membros da família como um fantasma. Incompleta, era assim que Amara se sentia. Uma peça ainda não estava encaixada dentro de toda essa história. A viajante estava mais afastada propositalmente, encarando a tempestade através da janela. O clima era semelhante ao mesmo quando ela saltara no tempo, melancólico e pesado. A mulher se questionou o quanto o futuro estava alterado. Ela causou tudo aquilo e estaria disposta a causar ainda mais. Com a chegada de Anthony, a Shelby aprendeu definitivamente que estava disposta a fazer qualquer sacrifício para ver o filho bem. Talvez esse fosse o significado de ser mãe: amar alguém mais do que si mesmo. Está disposta a enfrentar guerras e monstros para prover o bem do seu bebê.

— Querida. — Era Polly. Amara apertou o ombro com a mão antes de se virar para a outra. — Você não está bem.

— Não, mas é mais fácil dizer que sim. — Amara apertou os lábios. Polly suspirou ao dar passos até a mulher. — Eu sei que essa guerra terminou, mas sei que outras vão começar, e eu não quero presenciá-la. Não quero ter a sensação de que posso perder minha família novamente. Principalmente meu filho.

— Estamos todos com medo. — Polly levou uma mão ao ombro de Amara. Sentiu a pele quente, quase febril. Um olhar verde foi dado em direção a Gray. Polly conhecia bem a mensagem transmitida em silêncio. — Não tem como fugir disso, Amara.

— E se tiver? — Amara abaixou o tom de voz. — Eu deveria tentar!

— E como o Thomas ficaria? — Polly se aproximou mais. Amara permaneceu em um silêncio desconfortável. Nada em seus planos envolvia deixar Thomas.

— Eu tive um pesadelo. — Confessou. — Eu estava com meus pais. O Anthony também estava lá, tão lindo. Tão igual ao Thomas... — Amara fungou, sentindo as lágrimas queimarem os olhos. — Mas o Thomas não. Ele não existia.

— Minha menina. — Polly a puxou para um abraço apertado. — Independente do que queira fazer, faça com muita cautela e não esqueça: Você já faz parte dessa família mais do que pensa.

— Vivemos tantas coisas juntos. — Disse Amara.

— E viveremos ainda mais.

— Tia Polly, Amara. O Thomas está chamando, ele quer dizer algumas coisas antes da meia-noite. — Finn surgiu na entrada da sala. As mulheres se encararam uma última vez, antes de seguirem o jovem.

Um semicírculo estava formado no centro da sala de estar. Thomas trocara de roupa, agora usava um terno mais social, assim como um copo de uísque estava bem preso em seus dedos. Ele estendeu uma mão livre à esposa, chamando-a silenciosamente. Amara caminhou até ele, deixando que a mão do marido se prendesse em volta da sua cintura fina. O toque de Thomas era sempre acolhedor. Ela poderia dizer facilmente que era viciada na forma que ele segurava seu queixo ou a segurava pela cintura, garantindo que ela sempre estivesse segura em seus braços.

— Aproveitando que todos estão aqui, eu quero dizer algo. — Thomas apertou a mão de Amara. — O que passamos nessa semana me fez acreditar que não sairíamos vivos. Nenhum de nós. — Engoliu o nó na garganta para que prosseguisse. — Eu estive pensando sobre o futuro e sobre o que nos aguarda lá. — Amara engoliu em seco. Thomas encarou a esposa. — Paz é uma palavra que não existe no dicionário da família, mas somos teimosos e conseguimos ela por um tempo. — Thomas balançou o copo de uísque. — Nossa guerra acabou, por hora. Eu não gosto de acreditar que nenhum problema irá acontecer daqui para frente, mas não temos como prever tudo, embora muitos daqui saibam o que querem do futuro. — Falou. — Eu pretendo tirar férias, assim como peço para fazerem o mesmo. Temos pequenas vidas para cuidar. — Thomas encarou os sobrinhos. Os rostos atentos e curiosos o encaravam de volta. — Temos que pensar nos nossos filhos e no que lhe daremos no futuro.

— Então precisamos tirar férias quase eternas dos negócios, Tommy. — John sorriu quando colocou o filho mais novo no colo.

— É um começo, John. — Thomas acenou.

— Eu também quero dizer algo. — Amara se pronunciou. — Quando cheguei a esse lugar, tudo era estranho, de uma forma que muitos de vocês não fazem ideia. — Sorriu ao recordar-se do início da aventura ainda em mil novecentos e dezenove. — Mas eu estava curiosa para conhecer cada um de vocês. — O olhar confidente da mulher passeou de Thomas para Polly. — Contudo, não estava nos meus planos entrar para a família, mas aconteceu, e a única coisa que arrependo é de tê-los colocados em perigo. Aqui, longe da minha gente, vocês se tornaram minha família, e eu aprendi a amar cada um da sua maneira. — Amara levou uma mão para barriga. — Eu carrego mais um membro da família, assim como a Linda... — Encarou a Loira. — Como a Krishna. — Desviou o olhar para a amiga. — Vocês achariam estranho se eu disse que sei exatamente o que vai acontecer em alguns anos, mas a única coisa que posso dizer agora é que: Confie nas minhas palavras quando digo que nem tudo pode ser mudado no futuro, mas muitas decisões ruins podem ser modificadas a partir de agora.

— Somos Shelby 's, minha querida. — Polly falou. — Somos ciganos. Está no nosso sangue ficar entre a vida e a morte, mas sempre continuamos em frente. Fazemos as pazes com Deus e apertamos a mão do diabo. Temos todos os tipos de aliados, é assim que sobrevivemos em meio às guerras.

— Se nessa vida não podemos descansar, então faremos isso na próxima. — Thomas falou, erguendo o copo de uísque. O relógio anunciou a meia-noite, forte e insistente. — Feliz ano novo a todos. — Um brinde alto aconteceu na sala. Enquanto todos os outros se abraçavam, Thomas virou-se para a esposa, que parecia pensativa. — Feliz ano novo, meu raio de sol.

— Feliz ano novo, meu amor. — Ela falou. Os lábios foram selados por um beijo apaixonado e esperançoso.

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TRÊS SEMANAS DEPOIS

'Se nessa vida não podemos descansar, então faremos isso na próxima'

Amara ainda conseguia ouvir essas palavras serem ditas em seus ouvidos, fortes e confiante sempre que fechava os olhos. Thomas jamais tiraria férias, assim como ela, e quando tentaram fazer, tudo piorou ainda mais. O confronto contra Mancini perseguia o casal mesmo após longas semanas. Os médicos chamavam aquilo de choque pós-traumático, atingindo principalmente Amara. Alguns sentimentos como ataques de pânico, ansiedade, pesadelos, insônia entre outros problemas afetavam a Shelby, deixando-a ainda mais indecisa nas suas escolhas. Aquilo também poderia afetar seu filho, gerando na criança crises de ansiedade. Na cama, o suor percorria o corpo da mulher como uma serpente, silenciosa e escorregadia. Amara não tinha bons sonhos, e sempre que tentava dormir sem pensar sobre o confronto, era acordada pelo estrondo da explosão. Sempre mais alto e real.

— NÃO! — Ela gritou, estridente, assustando o homem ao lado. Uma sensação dolorosa veio em seguida, fazendo Amara se dar conta de que estava em casa. Segura. Thomas tirou as cobertas, abraçando o corpo suado da mulher.

— Amie, acabou, você está acordada. — Sussurrou ele. Amara tremia, piscando repetidas vezes.

— Por que isso está acontecendo? — Perguntou sem forças. Thomas não respondeu, nem ele possuía a resposta para todas as perguntas da esposa.

— Eu passei por isso na guerra. — Disse ele, ao lembrar-se de todos os choques vividos em meio ao confronto. Quando voltara para casa, apenas o ópio era forte o suficiente para afastá-lo daqueles fantasmas. — Eu não tinha ninguém para lidar com isso, mas você tem a mim, Amie. Eu estou aqui e sempre estarei. — Ele a puxou para um abraço apertado. — Não ceda ao medo, pense no nosso menino.

— Eu faço isso, Tommy. Continuo em frente pelo Anthony. — Seus olhos arderam quando um soluço escapou pela boca. — Mas não sei até quando vou conseguir. — Fungou. Aquelas palavras destruíram Thomas, internamente. — Me sinto culpada por o colocar nisso, por saber que ele pode crescer com traumas causados por minhas escolhas ruins.

— Você não pode se culpar, e vamos está aqui sempre que nosso filho precisar. — Ele a consolou a puxando para um abraço.

— Hoje é o casamento da minha amiga. — Murmurou ela, minutos depois.

— Você realmente quer ir? Talvez isso distraia a sua cabeça. — Thomas questionou ao encará-la.

— Eu sou a madrinha do casamento. — Ela se afastou do marido. — Eu preciso estar lá de qualquer forma. Ariana também precisa de mim, eu estou sentindo uma sensação estranha em relação ao casamento. — Falou enquanto escorregava para fora da cama.

— Que sensação?

— Não sei ainda. — Amara encarou o marido. — Mas ela vai precisar de mim.

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LONDRES

— Odeio o tule desse vestido. — Sarah reclamou enquanto se sentava emburrada na cadeira. — Ele pinica e esquenta.

Ela encarou a irmã do outro lado. Ariana contava com a ajuda da sogra e de Amara para se vestir. Antes Krishna também a ajudava, mas saiu da sala quando o mal-estar da gravidez a atingiu fortemente. O casamento era algo complicado aos olhos de Sarah, e talvez a jovem Lowry renunciasse aquilo da sua vida, mesmo que passasse a sentir sentimentos mais fortes por Finn.

— Sinto informar, mas não tem como fugir disso. — Ariana falou à irmã. Sentindo que um pouco daquelas palavras serviam-lhe também.

— Eu esqueci sua tiara no carro, irei buscá-la. — Ellen, mãe de Nicholas, falou. Amara observou a mulher de meia-idade sair as presas, usando o tempo para conversar melhor com a amiga.

— No meu casamento eu estava nervosa. — Confessou. Ariana ergueu o olhar para Amara. — Mas você não me parece nervosa.

— Eu tenho me sentindo ruim nos últimos dias. — Queixou-se. Amara acenou, sabendo que não estava sozinha.

— Tem a ver com seu coração? — Perguntou, audaciosa. Ariana mudou a postura do corpo, se mantendo mais ereta. Encarou a irmã mais nova pelo espelho.

— Você sabe que sim. — Disse de modo baixo. — Mas tem outra coisa...

— Isso me preocupa. — Amara se aproximou. — Quer me dizer algo?

Ariana tinha a face vermelha e olhos escuros. Parecia esconder algo. Desde que se envolveu com John, seus sentimentos por Nicholas pareciam mais estremecidos. Ariana se odiava por ter se deixado seduzir tão facilmente por um ex-namorado, ao qual nunca o esqueceu completamente. E principalmente, por trair a confiança de um homem como Nick. De nenhuma forma ele a merecia. O grande problema veio semanas depois, quando a Lowry pensou que seus mal-estar eram culpa do estresse do trabalho. Ariana sempre identificou facilmente suas pacientes grávidas, principalmente quando era apenas uma enfermeira, mas quando chegou sua vez, não quis acreditar. Seus pesadelos começaram a partir dali, e principalmente quando imaginou como se casaria com um homem, quando levava uma criança possivelmente de outro. Ela havia traído Nicholas de todas as formas e se arrependia disso, mas agora era tarde demais.

— Eu não sei se devo me casar. — Virou-se para Amara. Os olhos da amiga ficaram mais verdes, assim como mais abertos. Tomando coragem, Ariana abaixou o tom de voz, aproximando o rosto o suficiente do ouvido da amiga. — Eu estou gravida e tenho certeza de que o filho é do John.

Amara bateu os cílios com força, sentindo a boca ficar seca instantaneamente. Pensou várias coisas, mas sem chegar a uma decisão. Imaginou quem esperava Ariana na igreja. Além de Nicholas e toda sua família, as amigas da noiva também estavam lá. Uma grande festa seria interrompida com uma decisão trágica da Lowry. Contudo, estava descrito no rosto da médica que ela não sabia o que faria a seguir. Amara imaginou a amiga em um navio, afundando gradativamente, e com um único colete salva-vidas em suas mãos, mas ela daria a quem? John ou Nicholas?

— Eu não esperava por isso. — Amara se afastou da amiga.

— O que aconteceu? Vocês duas estão parecendo um papel. — Sarah se aproximou das mais velhas, curiosa.

— Sarah, porque você não vai ser a Ellen achou a tiara? — Amara sugeriu. A garota franziu o cenho, mas não discutiu, ela faria qualquer coisa para sair daquele lugar.

Quando a menina saiu da sala, finalmente deixando as outras duas sozinhas, Amara voltou a respirar.

— É tão errado o que eu fiz. — Ariana puxou a barra do vestido, caminhando até o sofá. — Eu fiz com o Nick a mesma coisa que o John fez comigo tempo atrás. Eu amo o Nicholas, mas ele não merece meu amor. Nenhum deles.

— Ari, você é uma mulher forte. — Amara se aproximou da amiga. — Você já imaginou contar ao seu futuro marido que está esperando um filho? Ou se tem dúvidas de que ele é realmente de outro homem?

— Eu não teria tanta coragem, além disso, eu magoaria o coração do Nick. — Ela estalou os dedos com ansiedade. — Eu me odeio. Ele vai me odiar, toda a família...

— E se ele entender seu lado? — Amara ergueu uma sobrancelha. Ariana sorriu sem humor.

— Se você estivesse no meu lugar, teria coragem de dizer ao Thomas?

— Bem, eu reuniria sim toda a coragem que tenho e diria. E se ele me abandonasse, eu criaria meu filho com muito amor com ou sem um pai — Falou. Ariana suspirou. — Eu só acho que devia falar com o Nick antes. Mentiras não duram, Ari, e quando essa criança nascer, as coisas poderão se acertar.

— Você guardou tão bem seu segredo que eu esqueço de onde realmente veio. — Ariana voltou a erguer o olhar.

— Eu o contei apenas para as pessoas certas, para aquelas que sabiam guardá-lo bem. — Apertou a mão da amiga. — Essas pessoas provaram serem dignas do meu amor. Então eu aconselho que faça o mesmo.

— Não sei. — Ariana engoliu em seco. O silêncio se perpetuou por um longo tempo, até a porta ser aberta e Ellen entrar com uma coroa de jóias ao lado de Sarah.

— Você será a noiva mais linda que conheço. — Disse ao encarar a nora. — Não amasse o vestido.

— Sra. Hathaway, eu preciso falar com seu filho, agora! — Ariana disse rapidamente, quase tropeçando nas palavras.

— Ah, queridinha, você o verá quando subir ao altar. — A mulher dispensou o pedido da noiva.

— Ellen, eu preciso falar com o Nicholas agora ou não haverá casamento! — Dessa vez sua voz saiu segura, surpreendendo todos na sala. Ariana ergueu o queixo.

Era tentar a sorte ou morrer na praia.

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Embora a Amara não soubesse exatamente as palavras usadas por Ariana em sua confusão, sabia que a amiga havia sido verdadeira o suficiente para fazer com que Nicholas permanecesse ao seu lado, principalmente ao esperá-la no altar. Através dos olhos firmes, a Shelby via como o médico parecia mais triste, mas ele sabia disfarçar, trazendo um riso sincero quando trocou alianças com a Lowry. Ariana poderia estar errada sobre os homens não merecerem seu amor, Nicholas provara ali que a amava e não a abandonaria mesmo que sua esposa carregasse um suposto filho fora do casamento. O amor surgia dos lugares mais impossíveis e sobrevivia às guerras mais intensas. Às vezes o final feliz de cada um chegava de uma maneira diferente.

A festa aconteceu logo depois na mansão Hathaway. Amara se sentia exausta e tinha quase certeza de ver os pés inchados por passar longas horas em pé. Krishna estava animada e dançava com Sarah no meio da pista como duas garotinhas. Ariana estava com o marido, sentandos em uma mesa distante, enquanto pareciam conversar sobre algo. O futuro realmente guardava fortes emoções.

— Tommy, eu quero ir embora. — Ela virou-se para o marido. Thomas passou o braço em volta dela. — Acho que tudo que eu poderia ter feito aqui, já foi feito.

— Tudo bem. — Deixando um beijo no ombro nu da mulher, ele levantou-se. — Vou buscar o carro.

Amara também fez o mesmo. Pela janela, viu uma nova tempestade ser feita, fazendo-a estremecer. Se despedindo de Michael, chegou a vez de Krishna, que parou a dança ofegante ao lado de Sarah. Amara acreditava que Diana seria uma garotinha tão animada quanto a mãe. Um abraço foi trocado entre as amigas, fazendo com que a Shelby tivesse pequenos flashes de como a conhecera. Krishna era mais só mais uma imigrante, que conseguiu amadurecer com o tempo e conquistar seus propósitos. Amara se orgulhava das amigas, sabendo que estava rodeada de mulheres fortes, se sentindo parte delas também.

Sarah puxou Amara para um abraço apertado e animado.

— Eu ainda posso ir a sua casa aos fim de semana brincar com o Anúbis ou com os cavalos? — Sarah perguntou. Amara acenou.

— Você é como uma irmã mais nova, Sarah, as portas da minha casa sempre estarão abertas a você e a Ariana. — Amara sentiu os olhos arderem. A atenção de Sarah foi para além da mulher à sua frente.

— Finn! — Ela estava espantada. Krishna e Amara trocaram olhares divertidos enquanto davam espaço aos jovens. — O que faz aqui?

— Olá, senhoritas. — Aceno para as mulheres. — Eu não precisei entrar de penetra, apenas disse meu sobrenome na entrada e me deixaram entrar. Além disso, sou o namorado da irmã da noiva, tenho direito de está aqui, sim? — Ele sorriu. Sarah prendeu a respiração.

— Ela não sabe disso... — Sarah disse quase em um sussurro. — Eu não contei ainda...

— Então podemos contar! — Finn adiantou um passo até a mesa dos noivos. Sarah o segurou.

— Depois, sim? — Ela pareceu nervosa. — Vem, vamos comer algo.

Amara, por fim, se aproximou da noiva, onde trocaram um olhar confidente e carregado de emoção. A Shelby nunca esperou que alguém fosse ajudá-la no começo de tudo. Ariana havia sido literalmente um anjo em sua vida, estendendo-lhe a mão quando outros não fariam ou a julgariam facilmente. Um abraço apertado de despedida foi trocado entre elas. Amara jamais esqueceria as pessoas que haviam entrado em sua vida, e os levaria eternamente em seu coração.

— Eu amo você, obrigada por me ajudar quando eu mais precisei. — Murmurou Amara. Ariana fungou.

— Eu também amo você, nunca esqueça disso. Você é como uma irmã, Lowry é um sobrenome que combinaria com você também.

Ambas permaneceram ali, abraçadas por mais tempo que pretendiam, se separando apenas quando Amara teve que partir, definitivamente.

┅━━━╍⊶⊰⊱⊷╍━━━┅

ARROW HOUSE, WARWICKSHIRE

A tempestade era forte, quase impossibilitando a vista da estrada. O medo afligiu a Shelby, imaginando que o pior poderia acontecer a qualquer momento. Finalmente em casa, e quando todos estavam dormindo, Amara sentiu uma estranha sensação. Talvez já estivesse dormindo, mas o cheiro de rosas foi o suficiente para arrancá-la da cama ainda descalça. O vento era brutal, fazendo com que algumas janelas se abrissem e batessem violentamente nas paredes. Anúbis uivava, como se agourasse a tempestade — ele odiava chuva. Uma força sobrenatural puxou a mulher para a porta de casa, enquanto seus pensamentos pareciam dar um nó em sua cabeça.

Foi então que as visões começaram a vir acompanhadas de vozes gritando em seus ouvidos. Amara levou as mãos para a cabeça, a fim de dar um fim ao que sentia. Mas que inferno estava acontecendo? Gritou em pensamento.

'Você também tem o dom, mas não sabe desenvolvê-lo ou pelo menos não parece ter esse interesse'. Era a voz de Zaira, e Amara conhecia bem aquelas palavras. Foi rápido. Mosley surgiu em seu campo de visão turvo, com um riso egocêntrico no rosto. O que ele causou na Shelby foi semelhante ao que Mancini causava quando vivo. Amara gritou, dando passos para trás. Um trovão bradou no céu no mesmo momento e um raio iluminou tudo ao redor. A cabeça doeu ainda mais, fazendo com que a mulher gritasse de modo estridente. Outra visão surgiu em sua frente, era Thomas, correndo por um caminho sem vida e apontando a arma para a cabeça, disparando logo em seguida.

'Seu destino não termina aqui' Novamente a voz de Zaira surgiu em sua mente. 'Haverá guerras que não será você que lutará'.

A porta foi aberta com uma forte rajada de vento e sem controlar os pés, Amara foi para fora. A chuva era forte. As gotas colidiam com a pele violentamente, assim como o frio fazia a mulher bater o queixo. Ela tremia de medo, e não entendia o que estava acontecendo. Novas imagens formavam-se em sua cabeça, tão reais e sólidas que ela tinha certeza de que podia vê-las à sua frente.

Fogo, choro, dor, guerra.

— AMARA! — A voz de Thomas cortou a chuva, fazendo com que a mulher se virasse encolhida. — VOLTAR PARA CÁ!

— Thomas... — Ela não possuía força para gritar.

Thomas correu sob a chuva. Acordara após um pesadelo onde tragicamente perdia Amara para um disparo fatal em um comício. Foi ao ver que o espaço ao lado estava vazio, que o medo o sucumbiu. A porta estava aberta. As janelas permitiam a vista da mulher do lado de fora, logo abaixo de um antigo carvalho. Thomas sabia que o estresse era algo que possuía a esposa gradativamente, e após os últimos acontecimentos, ela se mostrava ainda mais deprimida. Thomas poderia salvar Amara de muitas confusões, mas não de uma tristeza profunda, mesmo que tentasse com todas as forças.

Seus pés afundaram na lama, puxando a mulher para longe da tempestade, mas ela não se movia, parecia ter criado raízes no chão.

— Eu vi coisas ruins. — Gritou ela, contra a tempestade.

— Que coisas ruins?

— Você morrendo. Mosley e... — Ela balançou a cabeça, tão confusa que mal sabia como explicar a Thomas o que de fato estava acontecendo em seu interior. — Não podemos ficar aqui. Nunca vamos ter paz!

— Do que você está falando? — Thomas segurou o ombro da esposa. A água fria escorria generosamente pelo seu rosto, mas ele não se importava. A tempestade estava alta em seus ouvidos.

— Que temos uma chance de fazer as coisas serem melhores, Tommy. — Ela falou. Ele franziu o cenho, balançando a cabeça em negação.

— Temos que entrar antes que você pegue um resfriado. — Ele a puxou novamente.

— Você me disse que era capaz de ir a qualquer lugar comigo, então agora chegou a hora. — Ela segurou o marido. — Talvez seja no futuro que encontraremos nossa paz. Você... Você disse que se nessa vida não podemos descansar, então faremos isso na próxima. E essa pode ser nossa saída.

— E nossas coisas, Amie? — Thomas aumentou o tom de voz. — Nossa família? Não vamos nos matar para ir a outro século.

Haverá guerras que não poderemos lutar. — Ela repetiu a voz que ouvia na cabeça. A voz saiu alta quando um trovão estremeceu tudo ao redor. — Eu lembro das palavras de Zaira, um sacrifício nem sempre precisa ser humano.

— Amie... — A voz de Thomas falhou, assim como o homem sentiu os olhos arderem.

— Podemos abrir a mão de algo. Uma trajetória por outra, eu lembro disso. — Amara falou. — Você prometeu estar comigo em todos os momentos, então esteja comigo nessa também. Talvez... Talvez essa seja a salvação. Nosso filho vai nascer quando tudo estiver bem para a família, mas viver no século vinte é tão perigoso quanto viver no século vinte e um. — A garganta da mulher arranhou devido ao esforço para falar alto. Thomas puxou o ar para os pulmões, sentindo o corpo e a mente ceder gradualmente.

— E nossos negócios? Anúbis e... — Thomas quase gaguejou. Então pensou na esposa, ela fez tantos sacrifícios na vida, que chegará agora a vez dele de fazer sacrifícios maiores por ela. — Como será? Vai doer? — Ele se aproximou da mulher, puxando-a para perto.

— Eu não sei, mas prometo te ver do outro lado. — Ela sorriu. As lágrimas salgadas se misturaram com a água doce da chuva.

— E se não der certo e morremos de verdade? — Tantas dúvidas só faziam com que o medo crescesse no interior de Thomas. Ir para o futuro não era algo que estava em seus planos, mas assim como a esposa, ele saberia que novos problemas chegariam logo.

— Temos que ter fé. — Ela falou com firmeza. Uma rajada de vento fez com que a mulher fosse empurrada mais ainda para os braços do marido. O destino queria isso. — Quando eu fecho os olhos, consigo visualizar tudo que vivemos juntos.

Então recordou-se do pedido audacioso para uma estrela. A primeira vez que viu Thomas no bar e sua pergunta vulgar. Quando tentou se aproximar dele logo depois, e o convite para derrubar um rei. Amara recordou-se do primeiro beijo, da primeira transa e da primeira despedida. Ela chorou naquele momento, recordando-se de anos depois quando o encontrou, e Thomas batalhou para reconquistá-la, casando-se logo depois. Ela sorriu entre as lágrimas, lembrando-se dos momentos felizes ao lado do marido e dos momentos tristes. Thomas estava lá para ela, assim como ela estava lá por ele em tantas dificuldades e felicidades. Desventuras e aventuras se misturavam com prazer, raiva, dor e amor, sentindo tudo de uma maneira absurdamente grande por eles. O destino os uniu, e agora teria que ajudá-lo uma última vez.

— E eu viveria tudo novamente por você. — Thomas abaixou o rosto para fitar os olhos verdes. Nesse instante já não se importava com a tempestade ao redor. — Eu amo você, e sempre amarei, até o fim das nossas vidas. É por isso que eu renuncio à minha trajetória nesse século para ir com você até onde o destino quiser. Eu renuncio tudo por nosso amor e pelo nosso filho. Se nossa chance de viver em paz é em outro lugar, então iremos para lá!

Amara acenou, sentindo que se ousasse falar algo mais, choraria descontroladamente. O vento se tornou mais intenso, como se um furacão se aproximasse violentamente. Thomas abriu os lábios, sentindo algo revirar em seu estômago, como se estivesse pilotando um avião descontrolado. Amara sentiu o mesmo, levando as mãos para a barriga e pedindo para que o filho suportasse um pouco mais de luta. Logo tudo mudaria e eles poderiam ser uma família longe de tantas tragédias. De uma hora para outra a chuva tornou- se mais forte e alta, fazendo com que o casal não só deixasse de ouvir tudo à sua volta, como despencasse ao chão inconscientes quando um estridente raio partiu o céu.

MINHA NOSSA, NOSSA, NOSSA... Calma que ainda temos um epílogo e um capítulo extra para complementar o final da fic, só quero dizer que ainda vamos viver algumas emoções até o desfecho final.

Capitulo postado dia (30/04/2022), não revisado.

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