𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟒𝟒
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LONDRES
Ainda que os dias parecessem passar mais lentamente, o ano novo já estava perto. Amara saltou do carro, deixando que seus saltos altos e pontiagudos fizessem um imenso barulho ao entrar no prédio. Linda, que a acompanhava, tentou aproximar-se, mas percebeu que era quase impossível manter o ritmo de Amara, que dava passadas largas, rápidas e decididas enquanto as portas abriam a sua frente. Além disso, com o peso da barriga devido à gestação, a loira decidiu manter seu próprio ritmo. Com os pensamentos distantes, Amie não deu tanta atenção à cunhada, e não se importou quando a loira a acompanhou até a Instituição Shelby, mesmo que não entendesse ao certo o interesse da mulher.
— Anne, as crianças já estão aqui? — Amara perguntou a uma sorridente mulher, não muito mais velha que ela.
— Elas chegaram hoje cedo. — Respondeu à supervisora, entregando à superior uma ficha. — Foi tudo o que conseguimos delas. — Amara leu em silêncios o que se encontrava nos papéis. — Infelizmente, elas eram exploradas nas fábricas de sapatos. Algumas apresentam comportamento mais agressivo, o que nos leva acreditar que sofreram outros abusos. São crianças órfãs, algumas foram abandonadas pelos pais, mas outras provavelmente foram vendidas ou na pior das hipóteses, traficadas.
— Coitadinhas. — Linda falou ao levar a mão para cima do peito. — Podemos vê-las?
— É claro, elas estão no pátio com as outras crianças. — Anne respondeu. — Aliás, elas ficaram muito felizes com os presentes enviados no Natal. Esperamos por você e o sr. Shelby, mas não vieram.
— Algumas coisas aconteceram nesse Natal, o que resultou em nossa ausência. — Amara entregou novamente a ficha a Anne. — Mas estou aqui agora. Se eu precisar de você, mandarei chamá-la.
— É claro, senhora Shelby.
Com um aceno rápido trocado entre as mulheres, Amara caminhou com Linda até o pátio. A Instituição Shelby se localizava em Londres, em um prédio erguido sobre uma antiga igreja. Era espaçoso o suficiente para abrigar mais de trezentas crianças, oferecendo educação e atividades voltadas para a arte. Amara acreditava que aquela era a melhor forma de levar o nome Shelby para o futuro, deixando de vez o antigo legado ruim da família para trás. Uma porta larga foi aberta, e ambas as mulheres passaram em silêncio. O pátio contava com brinquedos, e inúmeras crianças uniformizadas brincavam durante o intervalo das aulas.
— Senhora Shelby! — Uma garota apontou para ela, que sorriu abaixando-se para receber os abraços que ganharia.
Linda se afastou quando um grupo de crianças correram em direção a Amara, abraçando-a com ternura. O riso acompanhado de olhos alegres e brilhantes deixavam claro aquela visita faria bem para as grávidas, afastando-as dos estresses que encontravam em Birmingham.
— Eu estava com saudades de vocês. — Amara beliscou levemente algumas bochechas rosadas.
— O senhor Shelby não veio? — Um garotinho quis saber. Amara balançou a cabeça em negação.
— Infelizmente ele não pode vir, mas prometeu que virá na próxima visita. — Ela explicou.
Amara se levantou, procurando em meio à multidão algum rosto daqueles que constatou nas fichas recentemente. Um pouco distante avistou uma menina sentada enquanto parecia desenhar algo. Estava sozinha e curvada sobre a mesa de modo desleixado.
— Eu trouxe uma amiga. — Apontou para Linda. — Será que podem mostrar o pátio para ela?
— Sim! — As crianças responderam juntas. Linda não teve tempo para falar quando foi puxada pelas mãozinhas para o meio do pátio.
Amara fez outro caminho, desviando de algumas crianças que corriam pelo lugar. Sentou-se ao lado da garotinha, tomando todo cuidado para não a espantar. O cabelo escuro e cacheado era preso em uma fita rosa, contrastando com o cinza e branco do uniforme feminino. Amara desviou o olhar para os braços dela, notando cicatrizes escuras. Aquilo fez com que um nó formasse em sua garganta, então desviou o olhar para a mesa, notando um desenho. Era uma boneca de palito em traços escuros, com olhos, mas sem sorriso. Um desenho triste e sem vida, diferente do que esperaria encontrar em uma criança de seis anos.
— Você se chama Elsie, não é? — Amara perguntou. A garotinha ergueu o rosto para a visita, acenando em silêncio. — O meu marido me falou de uma mocinha corajosa que o ajudou a passar por homens maus.
A garota de olhos escuros não respondeu, mas os dedos apertaram em volta do lápis. Amara piscou, aproximando-se dela.
— Onde estão seus amigos? — A Shelby perguntou.
— Por aí... — Ela respondeu ao dar de ombros. Amara suspirou, desviando o olhar para além de Elsie. Linda estava de mãos dadas com as crianças, enquanto fingia estar entretida com o que elas diziam.
Arisca como um gato selvagem, a garota se afastou quando uma mão tentou pousar sobre a sua. Amara não insistiu em um novo contato, entendendo bem como a cabeça da jovenzinha se encontrava. A utilização do trabalho infantil em fábricas exigia longas horas exaustivas de trabalho braçal, gerando cansaço e traumas. Além de serem exploradas, as crianças eram expostas a acidentes e doenças que poderiam ser fatais, não esquecendo também todas as agressões aplicadas como punições. Amara não gostaria também de deduzir outros abusos que essas crianças eram submetidas. Elsie era mais uma vítima do sistema, mesmo sendo tão jovem, já conseguia expressar através de desenhos como se sentia por dentro.
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— As crianças são bem-falantes. — Linda parecia animada. — Eu era professora. Quando eu tiver meu bebê gostaria de voltar a lecionar. Talvez eu comece por aqui.
— Achei que gostaria de se manter longe dos negócios da família Shelby. — Amara comentou. Ambas empurraram uma porta, saindo em um corredor rumo a saída.
— Eu não me envolveria com as fábricas, muito menos com as apostas. — Ela ergueu um dedo no ar. Amara sorriu de lado. — Aqui é diferente. Foi por esse motivo que vim, eu gostaria de ver com meus próprios olhos o lado bom da família. E essas crianças precisam ser amadas.
— Algumas delas já estão na lista de adoção. — Disse Amara.
— Nunca pensou em adotar uma criança? — Linda segurou o pulso da cunhada.
— É claro. Thomas e eu pensamos muito nisso quando perdemos o primeiro bebê, mas nos ocupamos tanto depois... — Ela suspirou. — Acho que ainda não estávamos prontos para ser pais, embora ter um filho seja um dos nossos maiores desejos.
— Você vai ser uma boa mãe, eu vejo como é carinhosa com as crianças. — Foi sincera. Amara uniu levemente a sobrancelha. — O que eu disse a você no falso funeral do Arthur... Sobre ser mãe...
— Eu sei como é estar com os hormônios à flor da pele, Linda. — Amara se soltou dela. — Eu sei que você estava assim naquele dia, eu também ficaria.
— Você já estava grávida. Eu não queria ter dito aquelas palavras. — A loira piscou de modo suplicante. — Me desculpe. Eu só não queria que meu marido estivesse envolvido com isso, ainda não gosto da ideia de lutamos em uma guerra alheia.
— Sabe, Linda, quando você não ajuda um lado a lutar, você favorece o lado inimigo a vencer. — Amara estreitou o olhar a outra. — Somos todos Shelby. Arthur não está lutando em uma guerra alheia, ele está lutando pela família. Mancini matou o pai do seu marido, essa guerra também pertence a ele.
— Thomas trouxe péssimos aliados...
— Se refere a Elisa? — Amara ergueu uma sobrancelha. Linda rangeu os dentes e moveu-se inquieta.
— A ex-namorada do Arthur... — Falou com desgosto. — Ela ainda acha que tem poder sobre ele, mas acho que a coloquei no lugar que merece.
Amara sorriu de uma forma seca, o que arrancou um olhar fuzilante da loira.
— Bem, você parece segura disso. — Falou ao iniciar novamente a caminhada até a porta. — Vamos, eu ainda tenho muito trabalho para fazer hoje.
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Amara não pensou que fosse sentir tanta falta de Krishna e Michael. Ambos faziam o coração do jornal de Londres bater mais forte. Tê-los longe poderia ser seguro, e uma preocupação a menos aos Shelby, mas para o Pacific Modern Diary, era uma ausência significativa. Com a ajuda dos redatores, a Amara passou-lhes o que deveria ser estampado na capa do jornal: A exploração infantil em meio a grande crise. Thomas estava certo que esse problema seria uma barreira para mais ataques ao jornal e ao nome Shelby. Além disso, o assunto era algo que deveria ter vistoriado e levado a debates entre os parlamentares. Nenhuma criança deveria ser usada como mão de obra em fábricas ou em qualquer lugar. Até ao meio-dia uma leva de jornais seria distribuída aos locais mais movimentados de Londres, fazendo movimento o suficiente para que autoridades dessem atenção aquela pauta.
Enquanto tentava pôr os pensamentos em ordens, Amara mal notou quando o jovem assistente parou bruscamente. A face vermelha de Hector denunciava que ele provavelmente correu pelos quatro cantos do jornal em busca da chefa, que trabalhava intensamente.
— O que houve? — Amara perguntou.
— Um homem a espera no seu escritório. — Disse o jovem, ofegante. Amara sentiu o peso nos ombros ao ouvir aquelas palavras. Engoliu um sabor amargo, apertando as coxas ao ponto de lembrar-se do coldre com a arma que usava preso em sua cinta-liga.
Não esperou por mais nenhuma explicação, seus passos eram largos e decididos até a porta do escritório. Girando a maceta, Amara entrou na sala com a raiva queimando em seus olhos.
— Sra. Shelby, parece ansiosa por algo. — A voz, acompanhada de um leve sotaque e ritmo envolvente, preencheu os ouvidos da mulher.
Foi quando Amara se deu conta de quem estava sentado em uma cadeira. De todos os diabos que poderia lhe visitar, aquela figura era a mais ilustre. Um riso iluminado abriu-se na direção da Shelby. Do fundo da mente, Mosley puxou antigas recordações da atraente jornalista de olhos verdes e brilhantes. Amara não parecia ter mudado nada nesses anos. Nenhuma ruga marcava seu rosto com traços quase perfeitos. Oswald se lembrava bem de cada curva que aquele corpo feminino possuía, e principalmente, da coragem da mulher em desafiá-lo com poucas palavras.
— Oswald Mosley. — Amara fechou a porta e deu passos cautelosos para dentro. O nome parecia queimar na ponta da língua, assim como sentia o olhar pesado do parlamentar arder na pele. — A que devo a visita?
— Achei que esse seria o momento certo para um encontro. Estamos no meio de uma grande revolução, os tempos modernos estão chegando. — Ele brincou com o bigode. Amara suspirou impaciente, sentando-se do outro lado da mesa. — Além disso, você tem chamado a atenção de muitos.
— Chamo atenção somente daqueles que devem algo. — Respondeu entredentes. — E para você estar aqui, aposto que tenho incomodado muito o seu novo partido.
— Suas provocações levam qualquer homem à loucura. — Havia duplo sentido em suas palavras. Mosley parecia tranquilo de uma forma que a Shelby não aprovava. — Nós ouvimos dizer que você e seu marido agora apoiam Jessie Eden.
— 'Nós' quem? — Amara ergueu uma sobrancelha.
— Pessoas impacientes e poderosas, até mais que você e Thomas Shelby.
— Pessoas impacientes e perigosas. — Ela repetiu e logo sorriu com escárnio. — Espero que não esteja aqui para ameaças, não tenho andado tão paciente quanto sou de costume. O que quer?
Mosley sorriu com a fúria brilhante nos olhos da jornalista.
— Ah, cara Amara, o que me traz aqui é algo tão simples. — Falou ao gesticular. Amara puxou o ar para os pulmões. — Eu quero chegar até Thomas Shelby, e sei que você pode ser uma bela ponte para isso.
Mosley sorriu.
— Que engraçado, eu aconselhei a meu marido não conhecer você e manter toda a distância necessária. — Disse com ironia. — Você tem tomado uma direção diferente da que Thomas e eu seguimos.
— E que direção eu estou tomando? — Mosley quis saber. Estava curioso.
— A do fascismo. — Amara se inclinou para frente, pronunciando aquelas palavras com certo enjoou, e não era por conta da gravidez. — E antes que pergunte, meu marido e eu lutamos nossas próprias guerras, além de apoiar causas e revoluções que nos favorecem.
— Eu não tenho dúvidas disso. — Mosley puxou os lábios em um meio sorriso. — Eu acredito que muito em breve, você olhará para trás e verá que lutou em vão em muitas delas, por isso estou aqui, para mostrar a vocês o caminho certo.
— Acredito que não. — Amara manteve o semblante frígido.
— Por acaso acha que sou um homem perigoso, senhora Shelby? — Ele se inclinou para frente, enfrentando os olhos verdes obstinados. — Por isso não quer aliar-se a mim?
— Não. — Respondeu ela, firmemente. — Acho que é um homem egoísta, prepotente e arrogante.
— Então não sou tão diferente de Thomas Shelby.
Seu riso desafiou a mulher. Amara engoliu em seco, tentando manter o controle das emoções, embora começasse a sentir a raiva apossar do seu corpo. Ela poderia sacar sua arma e matá-lo ali, mas assim como isso seria fácil, seria perigoso. Muito perigoso.
— Mosley, nossa reunião chegou ao fim. — Amara bateu uma mão na mesa. — Você sabe onde fica a saída.
— Eu irei, mas saiba que logo estarei de volta, senhora Shelby.
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BIRMINGHAM
O salão vermelho ecoava as vozes com firmeza. Anúbis correu entre as cadeiras marrons de madeira, derrubando algumas em sua passagem. Arthur cheirou uma fileira de cocaína na própria mão. Aquela situação toda em que se encontrava, juntamente com a função dada a ele e John, o deixava mais à beira da ansiedade. O combate aconteceria em menos de um dia, e cabia aos irmãos Shelby garantirem que nada saísse do controle.
— Amo ver homens sem camisa surrando outros sem motivos. — Elisa fez com que sua voz ecoasse pelo lugar. John foi o primeiro a notar a presença da mulher. Arthur se manteve quieto.
— Que porra faz aqui, Elisa? — John perguntou diretamente a ela. Com as mãos no bolso, ela desceu alguns degraus com um sedutor riso nos lábios.
— Vendo rotas de fugas. — Ela olhou em volta. — Fui promovida a protetora de Amara Shelby e tenho que estar ciente de cada local que posso fugir com ela, caso algo saia do controle no dia da luta.
— Não sabia que ela precisava de uma babá. — John caçoou. Recebeu em resposta um olhar afiado de Elisa. Ele pigarreou, puxando o relógio do bolso. — Eu tenho que ir...
— Vai para onde? — Arthur finalmente falou.
— Para casa, tenho que cuidar dos meus filhos. — Respondeu. Com um assobio, chamou Anúbis, que o obedeceu rapidamente.
Sem se despedir, John saiu do teatro, deixando Elisa e Arthur a sós.
— Eu preciso ir também. — Arthur disse segundos depois, mas antes que pudesse passar por Elisa, teve o pulso segurado.
— Para de fingir que eu não estou aqui. — Ela foi direta. Arthur não a encarou nos olhos já que todas às vezes que fazia isso, sentia algo no interior ceder. Ele era como o Titanic, e Elisa o iceberg. — Para de fingir que não tínhamos algo.
— Eu não finjo. Também só lembro de você trepando com meu irmão quando não trepava comigo. — Arthur falou amargamente. Elisa revirou os olhos.
— Nem o Thomas se recorda mais disso, já faz tanto tempo, mas você ainda guarda esse rancor no seu peito. — Ela se aproximou dele. Levou uma mão para a altura do coração do cigano, sentindo-o acelerado. — Eu escolhi você no final.
— E partiu mesmo assim...
— É, e você seguiu sua vida. Agora vai ser pai.
— Isso mesmo! — Arthur afastou a mão da mulher, mas manteve os olhos rígidos nela. — Eu conheci uma mulher que me amou e me deu um filho, coisas que você não conseguiria fazer, porque você é uma vaca egoísta que só pensa em si.
— Então era isso que queria desde o começo? — Ela franziu o cenho em deboche. — Sempre quis te colocar na coleira, mas não achei que gostaria disso tão literalmente.
— Já chega! — Ele se afastou dela, indo em direção a porta. — É assim que você age. Sempre cheia de respostas e piadinhas, faz isso, pois não aguenta receber a verdade. Elisa, eu estava disposto a dar o mundo para você, mas tudo isso ficou no passado. Não temos mais nada, e nem voltaremos a ter.
— Sua boca diz para eu me afastar, mas seu coração diz o contrário. — Elisa falou alto o suficiente para que Arthur parasse no meio do caminho. — Me diga algo que me faça ir embora de vez, porque até então, tudo que me diz para ficar longe, só me faz ter mais vontade para ficar.
O silêncio preencheu o salão. Elisa sorriu quando alguns segundos correram e nenhuma resposta veio em seguida. Ela deu passos até ele. Arthur respirava com força, e seus punhos estavam fechados. Por um rápido momento a Romero ouviu um murmúrio, o Shelby pedia forças a Deus. Ela se recordou dos momentos que teve com Arthur. Todos os toques, carícias, beijos e promessas dele a ela. Se um dia chegou perto de amá-lo na mesma intensidade, foi momentâneo, mas jamais negaria que não sentia falta do Shelby mais carrancudo.
Elisa nunca fora egoísta a respeito da antiga paixão, aliás, ela o deixou livre para poder encontrar alguém que pudesse de fato lhe dar algo mais do que ela ofereceria. Mas talvez, agora, a Romero estivesse disposta a lutar pelo que nunca deixou de ser dela.
— O que quer fazer? — Ela perguntou logo atrás.
— Que Deus perdoe meus pecados, mas eu não me arrependo deles. — Ele murmurou. — Eu sou um maldito pecador.
— Todos somos. — Elisa concluiu. — Por isso eu vivo minha vida da forma que mereço, não somos nada, Arthur. E as escolhas que fazemos são só passageiras.
— Eu espero que esteja certa disso, minha querida. — Ele finalmente se virou para Elisa.
O que veio a seguir a pegou desprevenida. Elisa não esperava ser tomada tão possessivamente por lábios ferozes e braços fortes. Ela gostava daquilo, da selvageria que Arthur Shelby tinha em possuí-la. Então fez o que era possível naquele instante, entregou-se a ele da forma que pretendia. No fim de tudo, Arthur sempre pertenceria a ela, a qualquer momento e realidade que eles existissem.
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A noite caiu majestosa. O brilho da lua iluminava a rua de paralelepípedos salpicados pela garoa de mais cedo. Sair àquela hora não foi um problema para Sarah, aliás, sua irmã mais velha parecia estar distraída. Talvez o fato de estar prestes a ir ao altar a deixará mais dispersa e ansiosa com tantos preparativos para o grande dia, e isso facilitava as fugas da jovem Lowry para visitar velhos amigos. Quando o táxi parou, Sarah saltou no antigo bairro, sentindo a brisa gelada levar a mecha da franja para trás. Um pouco distante, um jovem conhecido se aproximou.
Finn usava um elegante terno, muito diferente dos que usava para trabalhar. Cinza era uma cor que combinava com ele, ressaltando principalmente seus olhos azuis e tímidos. Embora fosse uma ocasião simples, ele gostaria de impressionar a garota, por isso, caprichou naquela noite. Próximo o suficiente, o jovem Shelby a contemplou. Sarah vestia um vestido cor de champanhe, usando luvas rendadas e um penteado simples nos cabelos cor de chocolate. Suas bochechas estavam rosadas e um riso passeava livremente pelos lábios levemente vermelhos e bem desenhados.
— Você veio mesmo. — Finn não parecia acreditar no que estava vendo. Sarah revirou os olhos.
— É claro que eu viria, você me convidou! — Ela falou. — Está ficando frio. — Reclamou em seguida. O velho tom zombeteiro estava presente em suas palavras, despertando uma pequena vontade de rir no Shelby. — Podemos ir?
— Sim. — Ele ofereceu o braço para ela. Sarah sorriu sem exibir os dentes, aceitando o gesto do garoto como uma dama.
O brilho da tela iluminava o cinema. Alguns casais pareciam mais entretidos em trocar carícias do que assistir de fato o que se passava logo à frente. Sarah se irritou levemente com aquilo, diferente deles, ela gostaria de saber como o casal apaixonado no telão terminaria. Ao seu lado, Finn respirava pesadamente, assim como não conseguia manter a atenção presa no filme. Era romance, nem de longe o gênero favorito do garoto.
— Acho que vou comprar mais doces. — Ele falou, inquieto.
— Ainda temos tantos aqui... — Respondeu a menina ao olhar para baixo. De fato, Finn comprara todos os dois que eram vendidos na porta da bilheteria, assim como salgados e bebidas.
— Então... Eu irei ao banheiro... — Ele levantou-se em um salto.
Sarah o encarou confusa. Finn sumiu na escuridão, com passos apressados como se estivesse fugindo de algo. Insatisfeita com a demora do acompanhante, ela abandonou a comida sobre a cadeira e saiu da sala de projeção. Ao cair no corredor espaçoso, procurou pelo banheiro masculino. Era ultraje adentrar por aquela porta, por isso Sarah esperou do lado de fora, até aproximar o ouvido e ouvir os murmúrios que vinham de lá de dentro.
'Porque está agindo como um covarde? ela é só uma garota e você a conhece desde criança!'
Sarah gostaria de entrar e pergunta que diabos estava ocorrendo por lá, mas conteve a curiosidade. Segundos depois a porta foi aberta e Finn se surpreendeu ao encontrá-la sozinha no corredor, com braços cruzados e um semblante pouco amigável. Sarah não tinha uma definição exata na cabeça do Shelby, mas ele sabia que ela era diferente de todas as garotas que já conhecera. Um dos motivos de se sentir tão nervoso ao lado dela era por saber que nunca seria bom o bastante para surpreendê-la.
— Por que estava falando sozinho? — Ela perguntou ao dar um passo para frente.
— Não estava... — Ele piscou apressadamente. — Espera, você está aí há quanto tempo?
— Finn, você tem algo para me dizer? — Sarah se aproximou um pouco mais.
Aos dez anos, Finn sentia nojo de garotas e sabia que Sarah era igual. Contudo, com o passar dos anos, seus sentimentos a respeito do sexo oposto mudaram e esperavam que o mesmo tivesse ocorrido com ela. Sarah era a mais bela garota que ele já colocara os olhos. Suas falas eram rebeldes, mas combinavam perfeitamente com seu modo de agir, sempre sutil e gracioso. Ela era uma dama e uma Lowry, o temperamento difícil estava impregnado no sangue da família.
— Eu estou falando com a parede? — Ela falou um pouco mais alto. Finn passou a mão pelo rosto, em seguida pelo cabelo. Ele estava ficando vermelho a cada segundo.
— O que disse naquele dia, realmente não pretende se casar com nenhum homem de Small Heath?
— Você disse que nenhum doido se casaria comigo. — Argumentou, chateada. — Então, porque eu me casaria com um homem desse lugar?
— Eu não disse isso de propósito, só queria provocar você. — Ele deu de ombros. Sarah sorriu, garotos eram tão idiotas, pensou ela. — E não sei, talvez porque tem caras legais ainda por aí...
— Eu acho que estou diante de um, mas ele ainda está tentando se convencer disso. — Sarah encarou Finn. Seus olhos azuis brilharam sob a luz modesta do teto.
Com um passo audacioso, ela se aproximou mais dele. Ficou nas pontas dos pés para que alcançasse os lábios do garoto. O encaixe da boca ocorreu perfeitamente, fazendo com que o beijo iniciasse quase timidamente. Finn tinha uma estranha combinação de doces e salgados com cigarros. Sarah percebeu o choque do Shelby com sua atitude, e se afastou o quanto pôde. Talvez o beijar não fosse uma boa ideia.
— Não... — Ele murmurou ao ver o rosto redondo da garota corar.
— Não deveríamos ter feito isso. Eu tenho que ir... — Ela se repreendeu em silêncio. Girou os calcanhares e correu para longe de Finn.
— Sarah! — Gritou Finn no corredor.
Do lado de fora, Sarah olhou para os lados ao perceber a movimentação em frente ao cinema. Ela ergueu o dedo, chamando por um táxi, mas sua mão foi puxada e seu corpo virou-se violentamente para trás. Os braços masculinos envolveram-se em volta da cintura dela de maneira selvagem e arrebatadora. Ninguém nunca a laçara daquela forma. Finn estava ofegante devido à corrida, e colocava os pensamentos embaralhados em ordem, mas não antes de fazer o que realmente queria. Ele abaixou o rosto até puxar os lábios femininos e macios para cima. Diferente do beijo dado no cinema, esse era carregado de desejo e deliberação.
Finn a puxou para cima de maneira suave. O casal não se importava com os olhares feios dado a eles em meio calçada, mas aproveitavam o momento para agirem de modo rebelde. Sendo apenas dois adolescentes, desfrutando dos melhores prazeres da vida. Sarah sentiu o coração bater mais forte, as mãos gelarem e a respiração se tornar mais densa. Finn estava igual. Quando finalmente se soltaram, não acreditando no que haviam feito, ficaram em silêncio.
Sarah sorriu, se sentindo mais leve, assim como o Finn. Afinal, o que haviam feito não era errado, mas o começo de algo que poderia melhorar ainda mais.
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— Boa noite, Sra. Shelby. — Juntos, dois Peaky Blinders disseram a Amara, que acenou com um sutil riso nos lábios antes de entrar em casa.
Acostumada com a guarda reforçada, Amara suspirou cansadamente ao entrar no lar que ainda não havia aprendido a chamar de seu. Depois de tantos dias vivendo em Small Heath, tudo que a Shelby queria era voltar para sua mansão em Warwickshire e poder respirar um ar mais leve e puro. Contudo, Andrea ainda estava por aí, procurando aliados e recrutando um exército para poder ter forças para vencer os Shelby.
Com um murmúrio inquieto, Amara afastou o pensamento a respeito do italiano para longe. Como se já não bastasse esse problema, Mosley dera seu primeiro passo em busca de aliados, e com suas poucas palavras, ela entendeu que ele não pararia até chegar a Thomas Shelby. Esse seria mais um dos motivos para tirar a ideia de ser um parlamentar da cabeça do marido. Mosley era perigoso e quase invencível. Sem mais confusões ou conflitos. Tudo que Amara queria era poder começar o dia sem se preocupar se o terminaria viva ou morta.
Em frente a um espelho da sala, ela visualizou a barriga. Ainda estava pequena, quase não dando sinais de gravidez, mas talvez começasse a se desenvolver rapidamente a partir do próximo mês, ao menos ela esperava isso. Com o coração batendo forte, ela imaginou o pequeno Anthony. Talvez ele herdasse todos os traços de Thomas, com intensos olhos azuis e rosto marcante. E ele vai nascer quando tudo estiver melhor para a família, essas eram as palavras de Polly a qual Amara gostaria de acreditar, mas ao pensar nelas, algumas questões surgiam em sua mente: Quando a família Shelby estaria melhor?
Anúbis pulou sobre a dona com lambidas e rabo abanando, na sua forma mais carinhosa e animada. Ajoelhada, ela brincou um pouco com o cão antes de subir para o segundo andar, pensando em relaxar depois de um dia intenso. O barulho do chuveiro dizia que Thomas estava em casa. Em silêncio, ela se preparou para surpreender o marido, aliás, Amara fazia muito bem o uso do seu casamento e se sentia grata por isso. Começou a retirar os saltos, depois as meias e a cinta-liga, além da arma que usava presa a um coldre. Por fim, abriu os botões do vestido, deixando que o modelo de alta costura fosse ao chão suavemente. Usando apenas a peça íntima, Amara estremeceu quando frio pinicou a pele, se dando conta de que uma fresta na janela estava aberta.
Caminhou até lá, fechando para poder se despir completamente. Quando se virou novamente para a porta, seu olhar foi ao encontro do paletó estendido de qualquer forma em um cabideiro, porém, sua atenção se prendeu ao volume em um dos bolsos. Talvez fosse um presente de Thomas, aliás, sempre que podia, o marido a surpreendia com joias valiosas. No entanto, o que Amara sentiu ao enfiar a mão no bolso foi dois papéis e algo menor, e gelado.
Ao retirar o que havia de lá, percebeu que se tratava de ingressos. O grande campeonato de luta aconteceria no dia seguinte, onde o filho de Aberama Gold lutaria com o invencível Golias, competidor de Alfie. Amara sabia que aquele evento renderia mais conflitos além do que seria apresentado no ringue, e isso foi explicado facilmente quando ela percebeu que o objeto menor era uma bala. Mancini era o nome entalhado na bala de maneira brutal. Com a pequena peça dourada nas mãos, ela apertou, sentindo o objeto frio emanar uma pequena energia ao resto do corpo. Com passos firmes, Amara caminhou até o banheiro, atravessando a porta sem bater.
Pensativo sob o chuveiro, Thomas deixava que a água morna escorresse pelo seu corpo enquanto pensava no que aconteceria no dia seguinte. Mandar Arthur, John e Elisa para checar o local da luta era sua melhor forma de manter as coisas sob controle. Thomas aprendera com a dor, que Andrea era um homem inteligente além de estrategista e usaria de todas as formas para invadir o local da luta e matar quem atravessasse seu caminho. Por esse motivo, Elisa estava encarregada da proteção de Amara, assim como vinha fazendo desde que ele a contratara. Arthur cuidaria da segurança de todo prédio, enquanto John recrutaria os melhores atiradores para um possível ataque. Até então, seus planos estavam se saindo bem e esperava que o dia seguinte nada tão grave acontecesse, embora fosse quase impossível.
— O que é isso? — A voz da esposa o trouxe a realidade. Thomas ergueu o rosto para encará-la. Amara segurava a bala que ele mesmo entalhara o nome de Andrea.
— O que vai dar um fim a Mancini. — Thomas respondeu, seguro. Amara abaixou a mão, deixando a bala sobre a pia.
Quando voltou a atenção novamente ao marido, retirou o resto das roupas que usava. Juntou-se a ele segundos depois, sentindo a água morna tocar os pontos secos da pele. Thomas uniu a testa a ela, trazendo-a para perto com um abraço. As curvas da mulher estavam mais atraentes, os seios maiores estavam espremidos contra seu peito, enquanto ele a abraçava com força.
— Suponho que também tenha achado os ingressos. — Falou próximo ao ouvido dela. Amara acenou, afastando-se de Thomas apenas para poder encará-lo melhor.
— Não estava planejando algo sem me contar, estava?
— Não... — Ele negou. Segurou o rosto dela, erguendo o olhar para o dele. — Amanhã será a luta e eu sei que Mancini mandará infiltrantes...
— Como sabe disso? — Amara franziu o cenho.
— Alfie me deixa ciente sobre cada passo do italiano. — Thomas ergueu ligeiramente as sobrancelhas. Amara suspirou. — Andrea o procurou, ofereceu uma quantia para que ele me matasse e sequestrasse você.
— O quê!?
— Calma... — Thomas tinha uma voz moderada e semblante pacífico. Independente de tudo, o Shelby sabia exatamente tudo que faria no dia seguinte. — Alfie não aceitou o acordo, certamente porque Mancini não tem o dinheiro que ele pediu. Além disso, eu tenho algo para oferecer a Solomons e seu transporte ilegal de bebidas.
— Seus acordos com ele não são do meu gosto.
— Nem do meu, mas precisamos de aliados... — Thomas massageou a bochecha da mulher com o polegar. — Eu sei que amanhã Andrea vai tentar atacar, então você ficará aos cuidados de Elisa, enquanto eu cuido do resto.
— Eu cuido do resto. — Imitou o tom de voz do marido, fazendo Thomas soltar um leve sorriso nostálgico.
— Eu não quero que você presencie nada que a faça mal. Não esqueça que carrega uma criança na sua barriga...
— Não esqueça você de que essa criança vai precisar de nós dois vivos. — Falou ela, apontando um dedo no peito do marido. — Tommy, querido, não fazemos nada sem a ajuda um do outro e se tem algo que você não pode me privar é de matar Mancini!
— Amara... — Thomas iniciou, mas o dedo dela foi mais rápido em silenciá-lo.
— Eu vou disparar aquela bala. Essa guerra começou comigo, então é justo que eu termine com ela. Irei matar Mancini se ele aparecer na luta. Prepare seus homens e me consiga uma boa arma.
Sua forma audaciosa não surpreendeu Thomas, aliás, ele sabia exatamente com quem se casara. O conflito no Garrison há alguns anos, a morte de Campbell e outro homem, além do que eles haviam passados em Boston há meses, servia de lembrança ao Shelby. Amara realmente não se importava em retirar de seu caminho algo que colocasse sua própria vida em perigo e agora carregando um filho, ela faria o que fosse possível para ter algo próximo de paz.
Okay, pessoinhas, o próximo capítulo é o último e o maior até agora, tem +13k de palavras, então quero saber se posso contar com vocês para embarcarem nesse capítulo cheio de emoção, pq sim, ele só vai ser eita atrás de vish, e aí? Estamos juntos nessa?
E não fiquem triste, após esse capitulo ainda temos: epilogo, capitulo extra e 5 contos para curtimos Thomara ♥
Capitulo postado dia (24/04/2022), não revisado.
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