𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟒𝟎
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BIRMINGHAM
O céu pesado de Small Heath ainda negava o brilho do sol, deixando que a luz da lua ainda fosse vista por alguns. Era cedo o suficiente para que os trabalhadores das fábricas não se levantassem de suas camas. Sair do hospital pela madrugada foi o primeiro ato audacioso de Arthur Shelby, mas aquele lugar era exposto demais para ficar por muito tempo. Quando o carro parou, Arthur foi o primeiro a pôr os pés para fora, orgulhoso pela clássica visão que tinha do bairro de cor mórbida. Respirou fundo, unindo nos pulmões o famigerado odor de Birmingham, aquele que sua esposa, ao lado, insistia em reclamar.
— Esse é o cheiro que me traz boas lembranças, querida. — Disse ao olhar para a esposa. Linda revirou os olhos.
— Para mim, parece um grande banheiro ao ar livre. — Disse, amarga. — Espero que nosso tempo aqui seja rápido, não quero que meu filho nasça no meio dessa poluição. — Linda abriu caminho até a casa onde passaria viver até que a guerra alheia terminasse.
Arthur ignorou o tom de voz da esposa, aliás, com a gestação, Linda andava à beira do mau-humor por conta dos hormônios. A loira passou por Thomas e seu cão, fazendo-o sentir o vento frio vindo dela levar o casaco pesado para trás. Tommy a ignorou, aliás, Linda ainda estava chateada pelo falso velório que encenaram. O cigano mais temido de Small Heath abriu os braços recebendo o irmão mais velho de forma calorosa. Arthur o abraçou também, e os dois irmãos sorriram com os olhos fechados.
— É bom vê-lo novamente aqui, irmão. — Disse Thomas ao se afastar.
— Agora sei o que o John sentiu quando levou um tiro pela Amara. — Arthur usou um tom brincalhão, mesmo que ainda soasse sério.
— Ninguém mais se machucará, Arthur. Venha, preciso de você em uma reunião de negócios.
— Negócios? Que negócios? — Arthur perguntou logo atrás de Thomas.
Cruzaram a rua em direção a casa de apostas. Thomas unirá toda a família em uma única rua, mas na sala de reuniões do antigo covil do clã Shelby, apenas os homens se agrupavam. Eles estavam em todas as ruas. Os chamados Peaky Blinders, chegavam na hora certa em missões complementares ou seguiam os membros da família Shelby como cães de guardas por todos os lugares.
— Arthur, você é difícil de morrer! — John, que estava sentado com as pernas sobre a mesa, levantou-se em um salto.
— Como se matar um Shelby fosse fácil. — Falou ao abraça-lo. Desviou o olhar para o outro lado, vendo o irmão mais novo, Finn, ao lado dos velhos e novos amigos. — Então, qual o assunto da grande reunião, senhores?
— Bem, rapazes. — Thomas subiu alguns degraus da escada, ficando mais alto que os demais. Se preparou para o que diria a seguir. Havia prometido à esposa que seria discreto com a novidade, porém, não conseguiria esconder a grande notícia por muito tempo, principalmente daqueles que deveriam protegê-los. — A primeira notícia é que eu serei pai. Amara está grávida! E embora sejam tempos sombrios para a família, não deixaremos que isso nos abale, mas que sirva de motivação para seguirmos em frente, derrubando quem se colocar no nosso caminho.
— Amara grávida? — John passou a língua pelos lábios animadamente. — Então temos mais um Shelby a caminho. Isso é um bom sinal!
— Eu disse que nossos filhos brincariam juntos um dia, Tommy. — Arthur deu um passo até o irmão, abraçando-o. — E a outra notícia?
Thomas se preparou para dar a segunda notícia. Se questionou o quão ter Elisa Romero em seus planos seriam prejudiciais a Arthur e a esposa, mas negócios e antigas paixões não deveriam ser misturados, mesmo que isso não tivesse servido muito a ele e Amara há um tempo.
— Elisa Romero está nos ajudando contra Mancini. — Thomas falou, esperando uma reação de Arthur.
O irmão mais velho pareceu parar no tempo, estático como uma pedra. O rosto corado ficou branco como um lençol. Arthur parecia ter sido empurrado em um poço sem fundo, caindo no vazio com pedras em seus bolsos.
— Ela sabe onde Andrea tem ficado e dei uma ordem para que ela o executasse, se tiver sorte, até o fim de hoje, nossos problemas terão fim. — Thomas falou, confiante.
— Nossos problemas nunca vão terminar, Tommy. — John cruzou os braços, preocupado.
— Porra, Tommy, por que logo a Romero? — Arthur voltou a falar, por alguns segundos havia se esquecido de como fazia isso.
— Porque ela tem o que precisamos, mesmo que tenha pedido muito em troca. — Thomas recordou-se da longa lista de exigências de Elisa. — Ainda tem mais negócios para resolver. Arthur, para todos os efeitos, todos acreditam que você está morto, então evite ir à rua até que possamos resolver tudo. Diga para a Linda não sair muito também, é bom que ela evite está conversando com os vizinhos, não podemos confiar em ninguém. Estamos entendidos?
John e Arthur se encararam brevemente. Thomas tomou aquilo como sim! Virou-se para os mais jovens da sala.
— Finn, Isaiah, vocês ficarão responsáveis por levar o Anúbis para passear quando amanhecer completamente. Ele tem ficado estressado por ficar preso em casa. — Thomas deu as ordens, entregando a coleira para o irmão mais novo. — Nada de ensinar hábitos ruins ao meu cão.
— Ta! Mas se a Elisa não matar o italiano de merda? — Arthur perguntou erguendo uma de suas cabeludas sobrancelhas.
— Então partiremos para um plano B, C, D... Bem, suponho que todos aqui conheçam o alfabeto. — Respondeu Thomas. Arthur emitiu um ruído baixo.
— Nós deveríamos atacar pessoalmente, Tommy, esse filho da puta quase matou você e sua mulher duas vezes. — Arthur deu um passo para frente. — Ele matou nosso pai!
— Não podemos correr o risco de pôr nosso sobrenome em risco, muito menos o nome da Amara. Não sujamos mais nossas mãos com sangue, nós pagamos pessoas para isso. — Thomas trocou o peso da perna. — É um jeito moderno de resolver as confusões.
— Você matou um homem antes de vim para cá. — John o lembrou. Thomas coçou o espaço da sobrancelha.
— Eu sei, deixei-me levar pelo momento. — Tentou justificar.
— Você está amolecendo, Thomas. — John desviou o olhar. — O seu casamento serviu para amolecer esse seu coração que antes era duro como pedra.
— Agora eu sou pai, John, haverá coisas que eu não quero que meu filho saiba ou presencie. — Thomas falou. — Vamos esperar o serviço da Elisa, espero que ela me traga boas notícias.
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LONDRES
Aquele não era o pior dos trabalhos. Elisa adorava sentir o medo de suas vítimas em forma de adrenalina correndo em seu sangue. Sem dúvidas, a melhor decisão que a latina tomara na vida foi larga o ramo da prostituição e partir para algo mais interessante. Arrancar o sangue de homens ruins era o que ela sabia fazer de melhor.
Com um vestido justo e valorizando o decote, Elisa aproximou-se de um balcão, pedindo a mais cara bebida ao barman. O olhar feio que recebeu do homem não a incomodou, mas serviu para que a motivação dela por matar o gênero oposto aumentasse. Segundos depois um copo robusto era colocado à sua frente e enchido com um líquido dourado como ouro. O jazz tocava animadamente no lugar. Para uma manhã aquele hotel estava bastante cheio.
— Perdão, senhorita, mas não permitimos que mulheres desacompanhadas fiquem no bar. — Disse o barman. Elisa uniu os lábios vermelhos em uma linha de desgosto.
— Por acaso eu pedi sua opinião em algo? — Ela sorriu amargamente ao perguntar aquilo. — E não que seja do seu interesse, mas não ficarei sozinha por muito tempo.
Puxou o copo para beber. Em seguida um cigarro foi acesso e bem preso em seus lábios, tragou uma vez para poder soprar a fumaça na direção do homem à sua frente. O barman se foi após um suspiro, deixando Elisa sozinha com seus pensamentos. Seus olhos passearam por cada rosto como uma águia à procura da sua presa favorita.
— Um lugar bem público esse, não acha? — Ouviu um sotaque italiano. Elisa virou-se, deparando-se com um homem.
Apoiado em uma bengala, cujo topo era um tigre de ouro, o homem deu passos pesados até um banco ao lado dela. Ele era bonito, bem mais do que esperava. O cabelo negro estava bem penteado para trás. No rosto não havia qualquer sinal de barba ou bigode, como qualquer italiano. Andrea era a presa mais pecaminosa que Elisa já havia se deparado. E ela já havia caçado muitas presas tentadoras.
— Vamos dançar? — Ele perguntou. A voz rouca a envolveu sutilmente. Elisa quase sentiu as pontas dos dedos formigarem. Quase.
— E consegue fazer isso com uma bengala? — Ela rebateu a pergunta com bom humor.
— Ficaria impressionada com o que eu consigo fazer com ou sem uma bengala, Elisa. — Ele sorriu sedutor. O nome mencionado a fez estremecer.
— Então me conhece? — Ela ergueu o rosto. Andrea sinalizou o barman, pedindo por uma bebida em silêncio.
— Quem não conhece Elisa Romero? — Ele voltou a olhar para ela. Seus olhos eram escuros como a noite e sombrios. — Ainda mais bela do que eu imaginava. Ouvi falar no seu nome quando pus os pés em Londres. Elisa Romero, quem vê beleza não vê coração, porque certamente você não tem um, é o que as más línguas dizem.
— Eu tenho uma péssima reputação, mas não é algo que eu me importe. — Ela deu de ombros.
— Imagino que não. — Andrea alcançou o copo de uísque, fazendo um breve brinde a mulher. — Você é mesmo surpreendente, e eu achei ter conhecido apenas uma mulher assim.
— Nunca, jamais, subestime uma mulher, querido. — Ela lançou uma piscadela a ele. — Suponho que podemos nos conhecer melhor, ainda posso te surpreender de muitas formas.
— Parece disposta a me mostrar muitas coisas. — Andrea sorriu galanteador.
— Porque não me mostra o que consegue fazer sem essa bengala que usa para andar.
Elisa estava próxima o suficiente para sentir o perfume pungente de Andrea. Além do forte odor masculino, ele exalava algo mais, como o perigo. Andrea estudou a mulher à sua frente minuciosamente, pela forma que ela se vestia, com certeza queria capturar uma boa presa. Dança com ela seria perigoso, mas ele adoraria ver seus passos, e principalmente, saber de Elisa Romero era tão perigosa quanto falavam.
— Vamos para o meu quarto. — Ele deixou uma nota sobre o balcão antes que saísse do bar bem acompanhado.
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PACIFIC MODERN DIARY, LONDRES
Amara lutava contra o sono enquanto mantinha a atenção presa até o fim da reunião. Com a greve, o jornal havia se tornado alvo tanto da massa trabalhadora quanto dos investidores, ambos queriam dar seu ponto de vista da atual situação que estavam passando. A Shelby gostaria de terminar o dia com uma massagem relaxante do marido, mas talvez ela não tivesse tanta disposição para isso e dormisse antes. Se sentia tão cansada agora, como se sentiu na primeira gestação. De alguma forma, dessa vez parecia diferente, e tudo que ela não queria era que o estresse do trabalho ou da vida, atingisse seu filho.
— Amara, se não estiver se sentindo bem, eu posso ficar até tarde e resolver tudo para você. — Michael se aproximou dela do lado de fora da sala. Notava o quão dispersa estava a chefa. O Gray a conhecia bem para saber que Amara jamais bocejava ou piscava pesadamente em meio a reuniões tão importantes.
— Não se preocupe comigo. — Ela sorriu em resposta.
— O Thomas telefonou mais cedo. — Falou quase em um sussurro. — E me deu ordens, sabe? De primo para primo, disse para eu cuidar de você e não deixar que se esforce muito na atual situação que se encontra.
Amara ergueu as sobrancelhas, mas logo sorriu.
— Estou começando acreditar que o Thomas deve pensar que eu carrego um explosivo e não um bebê na barriga. — Falou no mesmo tom. — Agradeço a preocupação, Michael.
— Ah! Parabéns pelo bebê, Amara. — Ele sorriu. — Um novo Shelby é sempre bem-vindo.
— É, eu espero que ele possa trazer uma luz para a família. — Ela suspirou. Notou como Michael pareceu mais inquieto, olhando para os lados como se esperasse por mais alguém. — Aconteceu algo?
— É, sim. — Ele a puxou para mais perto. Levou as mãos para o bolso, tirando uma caixinha vermelha de lá. — Talvez seja cedo para isso, ou não, mas já nos conhecemos há um bom tempo... — Michael parecia nervoso. — Eu pretendo... Pretendo pedir a Krishna em casamento, mas ainda não sei se devo seguir os nossos costumes ou os costumes dela. Eu não conheço tanto as tradições indianas...
— Michael! — Amara pousou a mão sobre o braço do jovem. — Só faça o que seu coração pedir.
— Não sei se é um momento favorável para um casamento. A minha mãe, eu nem disse nada a ela ainda, mas pelo menos ela e a Krishna parecem se dar bem juntas.
— É impossível não amar a Krishna. — Amara falou. — Eu darei todo apoio que precisar. E sobre o momento, bem, acredito que antes tarde do que nunca.
— Sim, você tem razão. — Ele respirou fundo.
— Saía mais cedo do jornal e a leve para um bom restaurante, faça o pedido e tenho certeza de que receberá um sim, seguindo as tradições dela ou não. Eu vejo como ela o ama desde que você colocou os pés no meu escritório em Boston há alguns anos.
Michael acenou um pouco mais confiante. Enquanto dava passos para longe da chefa, imaginou sua trajetória com Krishna até aquele ponto. Ele também sentiu algo ao colocar os pés pela primeira vez no jornal, foi difícil não notar a beleza e bondade na jovem indiana que o recebera. Saber que trabalharia com ela foi mais inspirador. O que começou com uma leve amizade, evoluiu para algo mais firme, e bastaram poucos meses para que eles finalmente iniciarem algo que já deveria ter começado há tempos. Agora um novo passo estava prestes a ser dado, e Michael já se imaginava chamando Krishna de esposa.
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COMPANHIA SHELBY, SMALL HEATH
Thomas apagou mais um cigarro. Olhou para o relógio no alto da parede do escritório, era quase meio-dia e nenhum sinal de Elisa Romero ou qualquer uma de suas garotas. Inquieto, o Shelby caminhou de um lado para o outro. Não acreditava nas palavras de John quando se referia a sua índole. Thomas não havia amolecido, mas aprendido a ser cauteloso logo agora que o nome Shelby se tornara grandioso. A vida de gângster era passado. Agora ele era um empresário, quase tão influente quanto o próprio Rei.
O latido de Anúbis chamou sua atenção. O cão arrastava o irmão mais novo, ansioso para o colo do dono.
— Acho melhor encontrar um adestrador para seu cão. Ele quebrou duas barracas na feira, atacou os pombos da praça, correu atrás de gatos e é melhor nem saber o que ele fez com o jardim da senhora Roth. — Finn listou todos os acontecimentos superficialmente. Soltou Anúbis, que correu em direção a Thomas. — Mas ele faz sucesso com as garotas.
— Finn, senta aí. — Falou. Thomas segurou o cão enquanto indicava uma cadeira ao irmão. — Obrigado por cuidar do Anúbis, procurarei um adestrador, embora tenha certeza de que o temperamento dele jamais mudará.
— Tommy, antes que diga algo, eu quero falar com você. — Finn se mexeu inquieto na cadeira.
— Estou ouvindo. Algum problema?
— Não, nenhum problema. — Finn negou. — Eu acredito que já está na hora de fazer serviços maiores.
— Serviço maiores? — Thomas acendeu outro cigarro.
— Trabalhar, Thomas. Eu quero ter um emprego de verdade e isso não envolve ser a babá do seu cachorro. — Disse. O mais velho ergueu uma sobrancelha. — Posso ficar na casa de apostas. Ficar no comando já que o Arthur está morto, bem, tecnicamente falando.
— Tudo bem. — Thomas se virou para a bebida do outro lado da sala. Finn comemorou internamente, aquilo havia sido mais fácil do que pensara. — Eu ia oferecer o cargo a você. Meu irmãozinho acabou de virar um homem. Já está na hora de ir com John ao bordel e escolher a puta que quiser, sei que ainda é virgem.
Finn sentiu as bochechas queimarem. Não sentia vergonha por ser o único garoto virgem do seu grupo. Porém, ele tinha intenções diferentes dos demais amigos e não perderia a virtude com uma puta, mesmo que sofresse pressão dos colegas para isso acontecer.
— Não. Eu não quero fazer isso com quem só pensa em dinheiro. — Falou em tom baixo, porém, seguro. Thomas encarou o irmão, estava surpreso pela atitude.
— Tudo que fazemos é por dinheiro, Finn. — Ele encheu dois copos com uísque.
— Eu sei, mas... Eu quero fazer com quem eu gosto de verdade. É importante. — Disse. Thomas entregou um copo de uísque ao garoto.
— E quem é a garota de sorte? — Thomas quis saber. — Só não escolha uma mulher casada, não poderei matar o marido dela.
— É... — Finn sentiu as bochechas corarem novamente. Imaginou um nome, mas sabia que ela estava muito longe para que um dia aquilo acontecesse. — Eu não sei, mas vou saber quando ela aparecer. — Bebeu um gole do uísque.
— Não sabia que era um homem romântico, Finn. — Thomas deu leves tapas no ombro do irmão. — Compareça amanhã cedo na casa de apostas, a vaga é sua, chefe.
— Obrigado, Tommy. — O garoto agradeceu antes de partir do escritório animado.
Thomas, por outro lado, ainda se mantinha submerso em preocupação, esperando uma ligação que poderia lhe deixar mais tranquilo ou não. Horas já haviam se passado. Thomas ergueu o rosto quando Lizzie abriu a porta após duas batidas rápidas.
— Essa senhora veio vê-lo. — Ela anunciou. Thomas retirou os óculos se esforçando para reconhecer o rosto que o encarava.
— Olá, Sr. Shelby, obrigado por me receber. — A mulher se aproximou quando Lizzie fechou a porta. Thomas deu um sinal em Rokka para Anúbis, que parecia em alerta com a presença feminina.
— Talvez não esteja me reconhecendo, o senhor não ia muito para a cozinha. — Ela sorriu sem achar graça. Thomas permaneceu em silêncio. — Esse mês minha filha estaria completando vinte anos.
— Sua filha...?
— Helena. — Disse a mulher. Thomas sentiu o gosto amargo na boca.
— É claro, Sra. Smith. — Thomas falou ao recordar-se vagamente da mulher. — Helena era uma garota cheia de energias. — Não tinha mais o que dizer dela sem querer xingá-la.
— Mas ela foi morta ao ser envolvida em algo. — O desprezo era nítido em suas palavras. Thomas suspirou.
— O que aconteceu foi uma fatalidade. Minha esposa e eu sentimos muito.
Thomas estudou a mulher. Edith Smith era a cozinheira e esposa do motorista do palacete Abbott, assim como mãe da jovem Helena, a principal peça para os atentados ocorridos em Boston. Era claro que os pais amorosos por sua única filha jamais acreditariam que a garota era realmente capaz de fazer por ambição. Foi então que Thomas e Amara decidiram mentir e dizer às autoridades que Helena havia sido mais uma das vítimas de Andrea Mancini. Depois disso, acreditou que nunca mais veria aquelas pessoas.
— Eu não os culpo mais como antes. — Edith encarou as mãos calejadas. — Eu gostaria de falar com a senhora Shelby, ela sempre foi boa com todos do palacete. Acho que seria um bom gesto.
— Um gesto de quê, senhora Smith?
— Algo parecido com o perdão, preciso conversar com alguém sobre minha dor. — Ela voltou a erguer o olhar. Eles eram escuros, assim como os da filha. Em alguns pontos, uma lembrava a outra.
— Muito gentil da sua parte. — Thomas disse, secamente.
— Esse é meu endereço. — Ela o entregou um pequeno papel. — É a casa que estou vivendo atualmente, ela pode aparecer ao meio-dia, tudo bem?
Thomas mordeu o canto da boa.
— É claro. — Disse quase entredentes.
— Por favor, não negue um pedido de uma mãe. — Ela se levantou da cadeira.
— Tenha um bom dia, senhora Smith. — Disse Thomas, sabendo exatamente o que aquele convite queria dizer.
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PACIFIC MODERN DIARY, LONDRES
Amara não gostava quando tinha que ficar até mais tarde no jornal, mas na ausência de Michael e Krishna, ela não tinha tanta opção. Encarou o telefone, recorrendo-lhe rapidamente. Aguardou na linha até que a ligação fosse passada ao outro lado do mundo, onde com muita sorte ela conseguiria falar com Ariana e finalmente pudesse matar a saudades da velha amiga.
Ouviu uma batida leve, em seguida a porta foi aberta e uma pessoa miúda passou por ela. Emma, a secretária novata, parecia nervosa por falar diretamente com sua superior.
— Sra. Shelby, desculpa interromper, mas ainda falta uma pessoa para conversar. — A voz suave e baixa da secretária chamou Amara, que desligou rapidamente o telefone.
— Quem é? — Perguntou ela.
— É o dono de uma grande importadora de peças automotivas. — A jovem encarou um papel. Amara passou a mão pelo rosto, cansada.
— Eu não estou mais disposta a atender ninguém, Emma.
— Senhora, ele insiste, disse que está ficando louco com as manifestações.
Amara bufou, era o último investidor que ouviria naquele dia, então acenou para que a secretaria agisse rápido. Talvez chegasse tarde em casa por estar fazendo atendimentos. Amara sentiu um pequeno mal-estar, mas deduziu ser por conta da gestação. Arrumou os papéis sobre a mesa enquanto ouvia um barulho de bengala e passos serem dados para dentro da sala. O perfume masculino a fez enjoar, mas nada foi comparado a sensação aterrorizante que sentiu ao levantar o rosto.
— Olá, Sra. Shelby, é bom finalmente ter um tempo para conversar com você. — O homem sorriu.
Amara desviou o olhar para o fim da porta, se sentindo encurralada por Andrea. Ela gostaria de gritar ou fazer qualquer coisa, talvez se tivesse uma arma naquele instante acabaria de vez com todo aquele inferno. No entanto, ela estava a sós com seu maior inimigo. Andrea estava diferente, embora ainda possuísse o velho charme. Ele parecia ter envelhecido um pouco mais em alguns meses, mas o sorriso cruel sempre estaria presente em seus lábios. Amara encarou a bengala, sabendo exatamente o motivo dele a usar.
— O gato comeu sua língua? — Ele disse bem-humorado. Sentou-se em uma cadeira sem ser convidado. Amara permaneceu em pé, traçando uma rota de fuga se fosse necessário. — Fiquei sabendo sobre seu cunhado, uma pena ele ter morrido. Lamento.
— Lamenta? — Ela conseguiu dizer. A mão estava fechada em um punho. As unhas grandes perfuravam a palma, mas aquilo nem de longe incomodava. — Você o matou!
— E seu marido se vingou, mandando que uma puta me matasse. — Ele deu um sorriso. Tirou de dentro do bolso do paletó uma mecha de cabelo escuro. Amara franziu o cenho ao deduzir de quem era aquela moita. — Mas eu dei meu jeito, ela não é tão esperta quanto parece. O problema das pessoas é quererem agir sozinhas, sem um exército.
— O que não é seu caso, pelo visto. — Falou entredentes. Andrea sorriu.
— Não mesmo, minha querida Amie. — Ele coçou o queixo. — Vocês também mataram alguns dos meus homens, mas ainda tenho mais, muito mais.
— Então veio aqui me matar pessoalmente? — Ela ousou perguntar, temendo pela resposta.
— Matar você? — Ele sorriu exibindo dentes brancos e alinhados. — Meu bem, eu decidi que quero que você e seu marido sejam os últimos a morrerem. Vim aqui declarar que foi muito fácil ficar a sós com você. A rainha de Birmingham, esposa do terrível diabo de Small Heath não conta com uma segurança muito grande em volta do jornal. Deveria andar com uma arma, Amie.
— Eu vou lembrar disso da próxima vez. Você ainda deve se lembrar bem do estrago que posso causar com uma. — Ela exibiu um riso cruel. Andrea se divertiu com aquilo, encarando a perna machucada. — O que fez com a Elisa?
Andrea não respondeu. Amara sentiu o sangue ferver, imaginando o pior que poderia ter acontecido com sua nova aliada. Tomando coragem, ela deu passos para frente, mas parou bruscamente quando uma tontura a atingiu fortemente. Mancini a estudou, vendo como a Shelby fechava os olhos e se apoiava na mesa, protegendo principalmente a barriga. Ele sorriu, tão maligno que se perguntou até onde iria para pegar o que realmente queria.
— Vamos ver. A família Shelby é bem grande, ainda faltam algumas cabeças antes de chegar na sua e na do Thomas Shelby. Por isso quero que fiquem vivos para verem toda sua família morrer, sei que isso vai machucar muito vocês.
— Você quer uma vendetta? — Amara se recuperou. Andrea abriu um sorriso. — Não mexa com nossas crianças.
— Eu adoro crianças. — Ele gesticulou cinicamente. — Eu disse que iria voltar se você não me matasse, Amara. Agora lide com suas consequências.
Andrea se levantou da cadeira. Deu passos pesados até a porta.
— Bem-vindo ao inferno, Sr. Mancini. — Ela falou antes que ele saísse.
— Grazie.
O sorriso maquiavélico foi a última coisa que recebeu de Mancini. Amara voltou a respirar quando o homem se foi. O inferno estava apenas começando e agora mais do que nunca uma guerra estava declarada.
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COMPANHIA SHELBY, SMALL HEATH
A noite caiu rapidamente graças ao clima invernal. Thomas ouviu quando Lizzie se despediu com um rápido aceno. Com a cabeça a mil se levantou da cadeira, disposto a ir procurar pessoalmente por Elisa. Até aquela hora era esperado que qualquer sinal fosse dado pela mulher, mas nada disso aconteceu. Antes que Thomas vestisse o casaco e fechasse a porta do escritório, ouviu o telefone tocar na recepção. Com passos largos, ele chegou até lá, atendendo o telefonema o mais rápido possível. Depois do 'alô' ouviu uma respiração ofegante, preocupando-o imediatamente.
— Thomas... — Era uma voz feminina e familiar, mas pelo tom usado, não parecia satisfeita por algo.
— Quem é? — Ele quis saber.
— Sou eu, porra!. — Disse a voz. Thomas fechou os olhos um pouco mais aliviado ao ouvir Elisa do outro lado da linha.
— Me diga que fez o que eu mandei.
— Acho que você pode me buscar, seja lá onde eu estiver nesse inferno. — A voz dela falhou por um momento. Thomas se moveu inquieto.
— O que aconteceu? — Perguntou. O silêncio se apossou do outro lado. — Elisa! Porra!
— Aquele italiano desgraçado! Eu não lembro de muita coisa depois que ele me deixou inconsciente, mas ele tentou me afogar me jogando em um rio com uma pedra amarrada no meu tornozelo. — Falou finalmente. O cigano rangeu os dentes.
Thomas não imaginou que Elisa iria pessoalmente matar Mancini, esperou um pouco mais inteligência vindo de uma das maiores traficantes de armas de Birmingham. Contudo, Elisa era uma máquina incansável de matar, e sua sede por sangue ultrapassava as barreiras de qualquer cuidado. Um barulho foi ouvido além daquele que era emitido do telefone, segundo depois a porta do escritório foi aberta à força. Thomas puxou a arma do coldre apontando para a pessoa parada do outro lado da sala. Amara retraiu o corpo. Um olhar feio caiu sobre o marido que abaixava a arma aliviado em saber que não era nenhum de seus inimigos.
— Ele foi até mim! — Amara praticamente gritou. A face vermelha mostrava sinais de raiva, o que não era saudável para uma mulher gestante. Thomas respirou fundo enquanto a cabeça assimilava tantas informações. — Andrea teve a coragem de vim até mim e me ameaçar pessoalmente. Temos que pôr um fim nisso, Thomas. A vendetta vai começar.
— Eu sei! — Falou exasperado. — Elisa, me diga exatamente onde você está.
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HORAS DEPOIS
Elisa tremia, mas não sabia dizer se era devido à raiva ou frio. Após ser resgatada de um pequeno vilarejo pelos famosos Peaky Blinders, estava abrigada em Small Heath, recebendo cuidados da Sra. Shelby e sob os olhos atentos de Thomas. Ela queria poder se divertir com aquilo, às vezes que se imaginou estando com aquelas pessoas, incluía uma situação diferente e mais tentadora. Amara deixou um copo com uísque na mesa, entendendo que a Romero precisava de algo mais forte que só uma xícara de chá. Elisa agradeceu em silêncio, ainda se sentindo deslocada em meios aqueles cuidados, mas se sentiu agradecida por isso. Amara emprestara roupas limpas e isso incluía um de seus vestidos caros. Depois de um longo banho, a mercenária ainda sentia as impurezas do rio percorrendo seu corpo e o peso da pedra em seu pé.
Tudo aconteceu rápido demais para que Elisa pudesse entender. Achou que estava no controle quando atraiu Andrea para o quarto do hotel, mas não esperava ser atacada por ele. Horas depois retomava a consciência ao ser atirada em um lago profundo, tendo que redobrar o fôlego para poder retirar a pedra que havia sido amarrada em seu tornozelo. Graças a push dagger que carregava nas vestes, conseguira soltasse das amarras. Também caminhou descalça por mais tempo que deveria. Os pés estavam doloridos e machucados, com calos inflamados e feridas feias. Elisa chegou à conclusão de que se ela não morresse naquele momento, ela não morreria nunca mais.
Ouviu vozes vindo da sala, reconhecendo rapidamente a mais carrancuda. Com passos firmes e descalços, Elisa chegou ao primeiro cômodo da casa. Além dos anfitriões, duas novas presenças preenchiam aquela pequena sala de estar. Arthur a encarou, visivelmente desnorteado. Elisa esboçou o melhor sorriso que tinha e deu passos seguros até ele, puxando-o para um abraço. Era estranho abraçá-lo depois de tantos anos e escolhas diferentes, mas algo ainda não havia mudado. Havia paixões que o tempo jamais deixaria que acabassem. Arthur limpou a garganta, se afastando da mulher como se o pecado mais cruel o queimasse perante os olhos de Deus. Ele sabia que era tentador estar no mesmo cômodo que a Romero, mas deveria se lembrar que sua esposa se encontrava grávida do outro lado da rua.
— Você não mudou nada. — Elisa o olhou dos pés à cabeça. Arthur se mexeu desconfortável, desviando o olhar para Thomas, em seguida para John. Engoliu em seco, voltando a encarar a ex-namorada.
— E você parece bem na medida do possível... — Falou sem jeito. Arthur não falaria sobre o estado que se encontrava horas antes, quando Thomas o avisara da situação de Elisa. Se preocupar com ela era um fato que ele não negava. Nunca deixaria de se importar com a latina, mesmo consciente de que ela sabia se virar muito bem sozinha.
— Que meigo, você ainda se preocupa comigo. — Elisa emitiu um sorriso sarcástico. Se afastou de Arthur, indo para o meio da sala. — Andrea deve achar que estou morta, assim como acredita que Arthur morreu.
— Mas não podemos esconder isso por muito tempo. — Amara cruzou os braços. — Andrea é inteligente e deixou claro que tem um exército. Ele quer pegar um Shelby de cada vez, até chegar em mim e Thomas.
— Então vamos deixar que ele venha até nós. — Thomas se colocou ao lado da esposa. Amara se perdeu no brilho escuro do olhar dele.
— Do que você está falando? — Perguntou ela.
— Hoje cedo eu recebi uma visita ilustre. — Disse. Amara ergue uma sobrancelha. — A mãe da Helena veio ao meu encontro.
— Helena... — Amara murmurou baixo.
Era difícil de esquecer o trágico e esperado final da jovem empregada de Boston. Amara sabia que a menina era apenas uma marionete de Andrea. Cegada pela ambição e usada como uma peça do tabuleiro de Mancini. Ela também não foi inocente em suas decisões e pagou um preço alto por isso. Não foi fácil dar a notícia da morte dela aos pais, mas fizeram da forma que podia. Depois disso, os Shelby 's nunca mais ouviram falar nos empregados mais antigos do palacete de Richard. Bem, não até agora.
— Ela quer se encontrar com você, diz que quer perdoá-la depois da morte da filha. — A voz de Thomas trouxe Amara novamente à realidade.
— É uma armadilha, Tommy! — Amara sabia que o perdão jamais viria daquela mulher. A culpa pela morte de Helena cairá sobre os Shelby com uma bomba.
— Eu sei, por isso estaremos preparados para o ataque. — Thomas falou. — John, preciso que reúna nossos melhores atiradores. Arthur, acho que está na hora de ressuscitar, assim como você, Elisa.
— Deixe o peixe maior para mim. — Elisa pediu.
— Não! — Thomas ergueu o queixo. — Eu pretendo matar Mancini pessoalmente.
— E quanto a mim? — Amara roubou a atenção de todos. — Não acho que seja seguro ir sozinha.
— Você não estará sozinha, querida. — Elisa deu um passo até Amara. — Eu vou estar com você, sí?
Amara pensou no bebê, imaginou um possível confronto. Ela tinha medo, agora mais do nunca. Sentiu a cabeça doer devido às preocupações. Era necessário partir para o encontro, aliás, ela era a isca principal, um risco indispensável. Às vezes temos que nos arriscar para conseguirmos o que queremos, era a frase de Thomas que Amara iria fazer uso de agora em diante.
— Eu vou precisar de uma arma. — Amara ergueu o olhar para o marido. Ela estava confiante e sentindo algo semelhante ao que sentira em Boston. Era adrenalina e a leve vontade de provocar dor em seus inimigos.
Com muita dor no coração venho dizer que estamos oficialmente em reta final, levou um ano e as desventuras de "Thomara" está se concluindo. Porém, vou trazer um capítulo extra delicioso após o epílogo e mais cinco capítulos bônus incríveis para curtimos o nosso casal por mais um tempinho.
Capitulo postado dia (03/04/2022), não revisado.
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