𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟐𝟖
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EPSOM
O tempo estava seco, assim como a garganta de Amara. Talvez ela bebesse um pouco antes da grande corrida, já que sentia seu interior pedir por algo forte para suportar o dia. Mas no momento, ainda tentava acostumar os olhos à imensa aglomeração de pessoas das mais diversas classes sociais. Mulheres usando vestidos caros e exibindo seus melhores chapéus competiam no espaço com homens bem-vestidos e usando cartolas. A barulheira era grande, risadas masculinas e femininas se uniam de maneira desgovernada. Felizmente, Amara já havia se acostumado a momentos como aqueles, não era muito diferente do que encontrava no hipódromo de Boston em seus dias de corridas.
Atravessar a multidão de apostadores não foi fácil. O cheiro de grama, perfumes e cigarros faziam com que o estômago dela revisasse ao abrir caminho para a área mais calma da Derby. Ficar com os cavalos até a hora da corrida parecia ser uma boa ideia, principalmente quando Amara se sentia nervosa para o que deveria fazer depois que Thomas completasse o serviço para Coroa. Entrou no estábulo com o pé direito, pedindo boa sorte para aquele dia, sabia que não seria fácil. Um sorriso surgiu nos lábios dela ao se encontrar com May, que infelizmente, não usava o vestido que fora presenteada.
— Você está sozinha... — May observou. Estava de pé ao lado de uma estaca, observando cuidadosamente Vega ser preparada para a corrida.
— O Thomas vai chegar daqui a pouco. — Amara respondeu ao se aproximar. Seu olhar desviou para Vega. — Aconteceu alguma coisa?
— Nada com o que se preocupar. — Disse. Amara mordeu o canto da boca. May estava diferente e aquilo a incomodava.
— Não está usando o vestido que lhe mandei. — Observou. May deu de ombros.
— Ele é muito chique para ser usado nesse lugar.
Amara evitou revirar os olhos com o comentário. Se aproximou de Vega acariciando a crina no animal. Ela jamais se cansaria de admirar a bela pelagem acinzentada da égua.
— Boa sorte, garota. — Amara desejou.
— Não precisava vir aqui. Pode ficar lá em cima, beber e festejar, principalmente quando ela ganhar.
— Eu me sinto melhor perto dos cavalos. — Amara a encarou. May tinha uma expressão séria no rosto e um pouco de feno preso no cabelo. De modo quase instintivo, Amara se aproximou para tirá-los. — Você poderia estar lá em cima comigo.
— Talvez eu encontre você lá depois. — May sorriu levemente.
— May, independente de tudo que possa acontecer hoje, quero que continue cuidando da Vega. — Amara disse. Puxou um cacho do cabelo castanho, enquanto olhos escuros a fitavam preocupados. — E dos meus outros cavalos na América.
— O que pretende fazer hoje? — May perguntou quase em um sussurro.
— Uma loucura. Uma grande loucura.
May soltou um suspiro rápido. Seu olhar vagou ao redor, se dando conta de que elas estavam sozinhas naquele estábulo. Talvez Amara não fosse a única a cometer uma grande loucura naquele dia, ela também faria algo que talvez se arrependesse futuramente. Naquele momento, precisava sanar seu maior desejo. Deixou que intensos olhos verdes motivassem sua força, para que assim, pudesse partir para ação.
Ao se aproximar mais da Abbott, May a puxou levemente para frente, deixando um demorado beijo nos lábios femininos. A sensação foi amistosa e diferente de tudo que já saboreara. Nunca em sua vida tivera oportunidade de sentir lábios femininos colados aos seus até aquele momento. Mesmo que sua atitude tivesse sido precipitada e um pouco tímida, ela gostava do sabor feminino, os lábios de Amara eram doces como cereja e licor.
May se sentia leve, enquanto se preocupava com os pecados julgados em sua morte ou o que poderia acontecer se alguém as flagrassem ali. Mas por alguns segundos desligou-se de tudo ao redor, principalmente quando sentiu o beijo ser retribuído da mesma forma. Quando se afastou, percebeu que Amara tinha um semblante pacífico no rosto e um singelo riso era esboçado em seus lábios rosados.
— Me desculpa, eu não sei o que me deu... — May se perdeu nas palavras.
— Está tudo bem, May. — Amara a confortou. Gostara do beijo delicado e quase casto. Não era a primeira vez que beijava uma mulher, mas aquela atitude a pegara desprevenida.
— Eu não sei o que pretende fazer, mas se você for embora hoje, se lembre desse beijo. — May deu um passo para trás. — E se preferir, pode não ser o último.
— Eu vou lembrar disso. — Respondeu sem hesitar.
May mordeu os lábios, mas sua expressão suave se desfez ao perceber que Thomas Shelby entrava no estábulo acendendo um cigarro. Por um momento se questionou se ele vira sua atitude, mas provavelmente ela havia dado sorte e o gângster não notará nada. Amara encheu os pulmões com ar quando o cigano se colocou ao seu lado, mas a atenção do Shelby estava presa em Vega, admirando-a em silêncio.
— Eu acho melhor deixar vocês a sós. — May se deslocou para fora do estábulo, antes que Amara ou Thomas protestassem por algo.
— Ela não gosta de você. — Amara disse a Thomas. Ele deu de ombros, soprando a fumaça do cigarro para cima.
— Ela vai ter que entrar na fila. — Disse. Se aproximou da égua. — Pronta para ganhar a corrida, garota?
O animal bateu as patas da frente quando sentiu o toque do Shelby acariciar os pelos. Thomas desviou o olhar para Amara, onde bochechas ruborizadas contrastavam com o brilho no olhar.
— Você já sabe tudo que vai fazer hoje? — Questionou ela. Thomas acenou.
— Sim. — Respondeu ele em um suspiro. Seu coração bateu mais depressa ao ter que encarar profundamente as esmeraldas verdes que pareciam mais brilhantes e firmes do que antes. — Quero que faça uma coisa.
— O quê?
— Não importa o que aconteça hoje, não venha atrás de mim. — Thomas segurou o queixo de Amara. — Eu irei até você. Quando Vega vencer, logo depois da corrida, você terá que ir para a estação de trem, e me esperara lá.
— E você?
— Eu chegarei a tempo, antes do trem sair. Só me prometa que você não virá atrás de mim.
— E se você não chegar a tempo? — Amara se desviou de Thomas. Algo no tom de voz dele a preocupava. — Por acaso está desistindo de fugir? Tirou na moeda o que deveria fazer?
— Não. — Ele engoliu em seco. — Eu não precisei tirar na moeda o que estou determinado a fazer. Eu apenas estou garantindo sua segurança. Eu prometo encontrar você.
— Não gosto do olhar que está me dando, muito menos seu tom de voz. — Amara andou de um lado para outro, aquilo a deixara inquieta. — Não gosto principalmente de imaginar que talvez você não me encontre naquela estação de trem.
— Confie em mim. — Ele a alcançou novamente, parando-a. — Eu vou causar uma confusão, um pequeno incidente. Terei que ser rápido antes que a polícia chegue, então talvez seja melhor você não estar aqui quando isso acontecer.
— O que vai fazer?
— Amie, só confie em mim. Me obedeça pelo menos uma vez. — Thomas estudou as expressões de Amara, ela não parecia satisfeita, mas acenou confirmado. — Eu amo você, não se esqueça disso.
— Thomas... — Amara soltou o ar dos pulmões.
Os lábios secos de Thomas rasparam levemente aos de Amara, iniciando um beijo calmo. Rendida ao toque, ela o puxou para mais perto, mantendo as mãos bem presas no rosto acentuado. O aperto que sentiu no coração fez com que uma pequena onda de tristeza percorresse seu corpo. Afastando-se dele, a viajante procurou nos olhos de Thomas algo que entregasse o que ele realmente tinha em mente. No entanto, foi em vão, o Shelby sabia bem como esconder seus segredos quando queria.
— Eu amo você, Tommy, não esqueça essas palavras quando fizer o que tem de fazer.
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Thomas sentiu o sabor da bebida protestar em seu estômago. Ele precisava sentir o sabor de algo alcoólico antes que matasse alguém, soava como um aquecimento. Ouviu o locutor anunciar que as corridas iriam se iniciar. Imaginou que a essa altura Amara estava segura na área vip da Derby, longe da confusão ele pretendia armar. O bar se esvaziava gradativamente conforme as pessoas tomavam caminho para seus lugares nas arquibancadas do lado de fora. A cada segundo que se passava, ele se aproximava da hora decisória.
— Você ainda está aqui? — A voz de Grace arranhou os ouvidos de Thomas.
— Não tenho pressa no que devo fazer. — Se virou para ela.
— Sabe, Thomas, eu até estou confiante com o que você deve fazer daqui há algumas horas. — Grace deu um passo para frente. Seu vestido vermelho contrastava com a pele pálida. — Mas isso não muda o que você fez anos atrás.
— Anos atrás não éramos inimigos. — Thomas descansou as mãos no bolso do casaco. — Mas você voltou para se vingar de mim.
— Foi ideia sua matar Campbell. — Grace disse entredentes. — Conseguiu convencer aquela mulher de matá-lo em seu lugar. Acho interessante a forma que ela se rendeu a você, esquecendo completamente o homem perigoso que você é. O que pretende fazer? Vai roubá-la quando tiver a chance?
— Se tem algo que não foi fácil, foi tê-la novamente. — Confessou. — Sei que muitos acreditam que homens como eu, não merecem ser amados. — Ele soltou uma respiração profunda. — Mas ela me ama, e é só isso que eu preciso nesse momento. O amor daquela mulher vai me salvar.
— Nossa! — Grace solto um riso sarcástico. — Isso quase me comoveu. Ela pode salvar sua carne, mas sua alma vai arder no inferno.
— Eu sei que esse dia será longo. — Thomas deu um passo para frente. — Eu não tenho certeza de muita coisa, mas sei que eu ou você poderemos morrer hoje e acordar queimando no inferno amanhã.
— Isso foi uma ameaça, Thomas Shelby? Não esqueça que ainda temos um acordo e você ainda tem muitos mais a perder hoje do que eu. — Grace ergueu o rosto. Thomas acenou, sorrindo levemente.
— Interprete como quiser. — Disse ele.
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Amara não estava com estômago para assistir aquela corrida, mas se orgulhava em ver Vega sair na frente dos demais cavalos. Caminhou para um lugar mais aberto em busca de ar. A área vip era espaçosa, mas não menos barulhenta que as arquibancadas. Quando um garçom passou ao seu lado, pegou duas taças de champanhe, bebendo-as rapidamente. Ouviu o nome ser chamado de modo seguro logo atrás, então se virou rapidamente.
— Não sabia que encontraria você aqui. — Amara estreitou o olhar para Polly. — O Michael veio com você?
— Ele ficou em casa, eu vim para me distrair. — Polly deu passos para frente. — E para agradecer você por ter me ajudado.
— Não precisa.
— O Tommy achou o homem que me machucou. — Polly suspirou. Ainda sentia seu sangue ferver com a agressão. — E eu o matei.
— Espero que esteja se sentindo melhor com isso. — Amara deu um passo para frente. Polly acenou.
As mulheres se encaram em silêncio. Não demorou para que um abraço apertado foi trocado entre as duas. Polly sentia que algo ruim aconteceria no dia da Derby, por esse motivo, optou por deixar Michael em casa e ir sozinha para a corrida. O abraço de Amara era forte, exatamente de quem estava se despedindo. Quando se afastou da viajante, estudou sua expressão.
— O que vai acontecer hoje, minha menina? — Polly perguntou.
— Você irá saber de qualquer forma. — Amara se afastou. Uma pequena rajada de vento a fez tremer. — Thomas e eu iremos fugir, vamos para o País de Gales.
— O Thomas? — Aquilo pegara a cigana de surpresa. Suas finas sobrancelhas estavam erguidas e seus olhos ainda mais escuros. — Ele disse isso a você?
— Sim. Vai acontecer depois da corrida, depois que ele...
— Eu deveria impedir essa ideia, precisamos do Thomas aqui! — Polly suspirou, exaurida. Se aproximou da sacada, deixando que sua atenção se prendesse à corrida de cavalos. — Mas talvez seja bom para ele, mas não se esqueça que o sangue cigano é inquieto, e não paramos por muito tempo em um lugar.
— É exatamente assim que me sinto.
— Sabia que existe uma grande diferença entre o amor e o desejo? — Polly a encarou. Amara negou. — O desejo é atrelado a morte, quanto o amor à vida. Às vezes queremos matar a vontade de alguma coisa, mas sempre queremos viver intensamente e não deixar que algo se acabe, isso é o amor, minha querida. — Polly sorriu levemente. — Você tem desejo pelo Thomas, mas seu amor por ele é muito maior.
— Eu demorei para entender isso. E agora que sei, não vou deixá-lo ter o mesmo final do Thomas que conheci no século vinte e um. — Amara deslizou a mão para a de Polly. — Ainda tenho que fazer uma coisa antes de fugir. Grace está aqui, em algum lugar.
— Esse brilho no olhar... — Polly o conhecia bem. — Eu posso fazer isso por você. Acho que suas mãos não merecem mais ser sujas de sangue e sei que o Thomas também não quer o mesmo.
— Pensei que já tivesse o que queria.
— Eu ainda sinto um pouco de raiva. — Um riso cruel deslizou pelos lábios de Polly. Amara acenou, sabendo que não conseguiria mudar a ideia da cigana.
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Thomas ainda tentava controlar o punho. Um homem se encontrava morto no banheiro masculino, enquanto ele prosseguia com o plano. Não fora fácil matar o marechal, principalmente quando o homem era um bom lutador. Contudo, Russell não era totalmente invencível e um tiro na altura do coração foi o necessário para matá-lo, assim como o suficiente para criar uma futura guerra civil na Irlanda. Thomas sabia ter poucas chances de sair vivo depois daquele serviço, por isso suas cartas de despedidas estavam prontas nas mãos de Ada. O cigano lamentava em saber que provavelmente não encontraria Amara na ferroviária. Era difícil para ele encarar aqueles olhos firmes e dizer que talvez ambos não fugissem naquele dia.
Thomas não esperava que Deus estivesse disposto a ajudá-lo, aliás, ele mesmo abandonara a fé no grande poderoso quando se encontrava a beira da morte durante a guerra. Mas naquele momento tentou a sorte. Em silêncio, enquanto seus ouvidos eram enchidos com os murmurinhos ao redor, orou para a divindade que quisesse ajudá-lo, pedindo por uma segunda chance. Ele precisava sair vivo daquele dia, só assim daria sentido a tal viagem no tempo que Amara o contara.
Com o rosto erguido, fitou seu inimigo entrar pela porta principal do restaurante. Thomas esboçou um leve sorriso, sabia que tudo estava ocorrendo conforme planejado. Nesse momento, do outro lado da Epsom, sabia que os rifles de Small Heath, os Lee e os Peaky Blinders estavam fazendo o que tinham sido orientados. Logo Thomas teria o controle de todas as pistas de corridas e seu nome ganharia força. Doía em seu coração saber que ao fugir, abandonaria essa vitória, mas ela estaria em boas mãos.
— Sr. Sabini, você demorou. — Thomas sorriu de lado. Apontou para uma cadeira quando o homem se aproximou. — Sente-se.
O silêncio perigoso daqueles homens não incomodava Thomas, mas foi divertido para o Shelby perceber que o nariz de um dos guardas de Sabini estava quebrado.
— O que aconteceu com seu nariz? — Thomas perguntou.
— Você deveria domar aquele seu irmão selvagem. — O homem disse entredentes, referindo-se ao Arthur.
— Eu já tentei isso e ele mordeu o veterinário. — Debochou.
— Estamos aqui para resolvermos nossos problemas, Sr. Shelby. — A voz rouca de Sabine chamou atenção de Thomas. — Eu disse para a polícia que você é um Peaky Blinders, além de um cigano sujo e um criminoso de merda.
— Muitos adjetivos, Sr. Sabini. — Thomas ironizou. — Sinto que deixou alguns de fora.
— Você vai ser preso! — Sabini concluiu. — Logo a polícia estará aqui, e você será levado para longe.
— Bom, pelo que eu sei, a polícia está bem ocupada. — Thomas soou despreocupado. — A Derby está bem cheia. Você ganhou muito dinheiro hoje?
Sabini travou o maxilar com a atitude do cigano. Sabia que Thomas Shelby não confiável tanto quanto nadar com tubarões.
— Como eu disse, a polícia está ocupada, assim como meus homens. — Thomas acendeu um cigarro.
— O que disse? — Sabini estreitou o olhar.
— O que eu disse? — Thomas sorriu de lado. — Eu disse que meus homens estão nas pistas, fazendo uma fogueirinha para queimar licenças, sabe?
— Merda. — Sabini praguejou.
— Sr. Sabini, o senhor quebrou sua promessa com o Alfie Solomons. — Thomas tragou o cigarro antes de continuar. — E ele ficou muito magoado quando você não cumpriu essa promessa, por isso eu e ele estamos com os negócios firmes de novo.
— Seu cigano de merda!
Thomas já esperava a reação furiosa de Sabini. Saltou da cadeira antes que o copo de vidro o atingisse. Em poucos segundos a mesa estava revirada no chão, assim como havia vidro por todo lugar. Vozes aumentaram no salão, enquanto as pessoas tentavam entender o que se passava. A porta foi aberta e Thomas foi puxado por dois policiais, levado para fora do restaurante enquanto ouvia seu nome ser dito com desgosto na boca de Sabine.
— Sabine, você é um mal perdedor! — Thomas gritou do lado de fora.
Arrastado a forças, Thomas tropeçou nos próprios pés ao ser levado até uma viatura. Foi dito em seu ouvido que ele agora se tornará um prisioneiro da mão vermelha, deixando o gângster atônito para o verdadeiro fim. Foi desarmado e jogado para dentro do veículo como um animal abatido. Thomas rangeu os dentes, arrumando o paletó enquanto se sentava em um banco. Nem a arma apontada na direção da sua cabeça o fez pensar em pedir perdão pelos pecados, ele se entenderia com o diabo quando o conhecesse pessoalmente.
Eu amo você, Tommy... Era como se ouvisse a aveludada voz de Amara em seus ouvidos, arrepiando os pelos da nuca e atiçando seus instintos. Essas foram as últimas palavras da mulher que ele amava, ao menos, teve a chance de dizer a mesma coisa a ela, então talvez, morresse em paz naquele dia.
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A área de apostas ainda estava cheia quando Polly chegou. Seu coração bateu mais forte decidida sobre o que faria a respeito de Grace, dessa vez, a antiga garçonete lidaria com alguém tão perigoso quanto Thomas Shelby. Avistou o vermelho contrastando com as madeixas loiras como ouro. Observou como Grace parecia entediada enquanto esperava por algo. A Gray foi rápida em pedir duas bebidas no bar e principalmente tirar da pequena bolsa o que carregava. Grace escolheria o próprio destino naquele dia.
— Eu imaginei que estaria aqui. — Polly disse de modo áspero. Sentiu uma leve vontade de vomitar ao sentir o perfume enjoativo de Grace.
— Você me parece muito bem. — Grace comentou, observando Polly deixar um copo com uísque acima da mesa.
— Não graças a você. — Polly respondeu entredentes.
— Eu sei que aconteceu com você, só quero dizer que não tive relação com seu abuso.
— Eu imagino que não seja uma pessoa tão baixa quanto parece.
— Nem pense em me ameaçar. — Grace sibilou.
— Isso seria fácil demais. — Polly inclinou o rosto. — Mas eu acho melhor tomar cuidado por onde anda. — Sorriu. — Não estou vendo nenhum policial por perto e você tem muitos inimigos.
— Você é uma mulher corajosa, Polly — Grace endireitou a postura na cadeira.
— Eu sei que sou. — A mais velha abaixou o tom de voz ao puxar uma cadeira para sentar-se. — Eu vim oferecer uma chance de sair viva daqui hoje.
— Uma chance? — Um sorriso cruel saiu da boca da loira. Polly ergueu o queixo, enquanto seus dedos brincavam em volta do próprio copo com uísque.
— Sim. — Respondeu de modo sério. — Eu sei que está na cidade para infernizar a vida do Thomas. Então o que tenho para propor hoje é que saia definitivamente da cidade, deixe em paz o meu sobrinho e seus negócios, e isso também envolve a mulher que ele ama. Se não se meter com os Peaky Blinders, não nos importaremos com você.
— E se eu recusar? — Perguntou em um tom baixo, enquanto se inclinava para frente. Grace parecia se divertir com aquilo.
— Então terei que matar você. — Polly respondeu sutilmente. — E diferente dos meus sobrinhos que não gostam de matar ou machucar mulheres, eu não terei nenhum problema em cortar sua garganta e deixar que agonize até morrer.
— Eu terei que recusar. Infelizmente a essa hora já é tarde demais para salvar seu sobrinho, Thomas Shelby. — Grace voltou a se encostar da cadeira. Polly engoliu um sabor amargo ao ver os olhos azuis queimarem na direção dela. — Thomas já deve estar muito longe e agora, e morto.
— O que você fez? — Perguntou de modo lento.
— Eu tive a minha vingança, Polly. — Sorriu. — E logo apontarei minhas armas para Amara Abbott, eu não esqueci o que ela fez a Campbell.
Polly puxou o ar para os pulmões com o que ouvira. Seu olhar foi de encontro aos copos com uísque. Grace havia escolhido o próprio destino. Com um riso amargo e bem ensaiado, Polly ergueu um copo na altura do olhar, convidando-a em silêncio para fazer o mesmo. Grace retribuiu o gesto, sabendo que saíra vitoriosa naquela situação. Não seria ela que acordaria no inferno no dia seguinte.
— A vinganças bem elaboradas. — Polly brindou, engolindo a bebida amarga no mesmo momento que Grace.
— A vinganças bem elaboradas. — Repetiu as palavras assim que engoliu a última gota de uísque. O líquido extremamente amargo atingiu seu estômago de maneira forte, incomodando ligeiramente a garganta. Grace odiava uísques e seus efeitos no corpo humano.
— Eu acho incrível quando temos a oportunidade de fazer as escolhas certas e acabamos por escolher as erradas. — Polly sorriu de lado.
— O que quer dizer? — Grace salivou, limpando a garganta quando o incômodo cresceu.
— Estricnina não é tão fácil de encontrar quanto parece. — Polly explicou. Cruzo as pernas se sentindo mais à vontade com o mal-estar da inspetora. — Talvez não conheça a planta, mas ela é usada como pesticida para matar ratos. Ela é conhecida por ter um sabor absurdamente amargo.
— O que você fez? — Pergunto ao sentir leves tremores percorrerem o corpo. Grace arfou, deixando que o copo de vidro caísse ao chão e partisse.
— Quando consumido, causa tremores, espasmos e convulsões. — Polly citou o que se lembrava bem. — E então, no último estágio, e o pior de todos, a morte por asfixia chega. É um processo lento e muito doloroso, infelizmente não há nenhum antídoto.
— Você me envenenou? — Grace sentiu a língua pesada. A garganta fechou, fazendo-a procurar por ar desesperadamente.
— Não deveria aceitar bebidas de inimigos. — Disse Polly ao levantar-se. Se aproximou da mais nova, sussurrando no ouvido as últimas palavras que Grace ouviria naquele momento. — Você escolheu seu destino, Grace. Não se meta com os Peaky Blinders. — Se afastou. Grace piscou algumas vezes enquanto sua face divergia entre o azul e roxo. — Que Deus tenha piedade da sua alma.
Polly deu um passo para trás, dando passos largos para fora da tenda antes que levantasse mais suspeitas. Ainda estava perto quando ouviu gritos eufóricos serem dados, e pessoas correrem para socorrer a mulher caída no meio do salão. Antes que pudesse sair completamente do lugar, olhou uma última vez para trás. Uma cigana letal, sempre teria os melhores venenos na bolsa. Ninguém que se metia com os Peaky Blinders saía impune.
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Vega ganhara o primeiro lugar na corrida, mas isso não foi o suficiente para afastar o aperto no coração que Amara sentia. Sentada, enquanto fumava um cigarro e secava sozinha uma garrafa do mais caro champanhe que podia pagar, imaginou quando Thomas apareceria para comemorar a vitória, talvez demorasse um pouco. Mesmo estando na área mais simples da Epsom, se sentiu invisível no meio de tantas pessoas e casais apaixonados. Abriu a bolsa apenas para checar as passagens compradas. Pensou que ainda tivesse a chance de encontrar May, no entanto, soubera que a mulher havia partido minutos depois do fim da corrida. Aquele beijo com certeza estremeceria a relação das duas, mas ao menos, Carleton cuidaria bem de Vega.
Amara foi surpreendida pelos irmãos Shelby, ela não esperava vê-los novamente, mas estava feliz por ter alguns rostos conhecidos para fazer companhia antes que partisse. Arthur soltou um alto suspiro enquanto se sentava à sua frente e John se acomodou ao lado dela, sorrindo satisfeito por ter um dia produtivo. Pensou em perguntar sobre Thomas, mas provavelmente os irmãos estavam tão perdidos quanto ela.
— Olha só para a porra desse lugar! — Arthur falou alto. — É tudo nosso!
— O que você está fazendo aqui no meio dos pobres? — John perguntou diretamente a Amara, que sorriu levemente. — Não deveria estar com os ricos? Soube que sua égua ganhou.
— Eu estou bem aqui. — Amara encarou o cigarro preso entre os dedos. — Ficar entre os ricos o tempo todo é entediante. Ricos de corridas são os piores, deveriam saber disso.
— Eu não me entediaria por ter bebida cara e comida boa para comer. — Arthur comentou.
— Amara, você está bem? — John alcançou a mão da mulher. Ela apertou os dentes, confirmando rapidamente. — Não me parece bem.
— É claro que ela está bem, acabou de ganhar uma fortuna com a égua. — Arthur derramou cocaína na mão. Seus pés fizeram um barulho alto ao colocá-los acima da mesa de madeira.
— Viu só? — John sorriu. Segurou o queixo de Amara, que parecia relutante para dar um sorriso. — Se anima! Será que é cedo demais para falar que faz parte da família? Eu sei que está com o Tommy, sei também que ajudou a Tia Polly. Você sempre está salvando essa família de uma forma ou de outra.
— Eu só faço o que posso. — Ela respondeu.
— Hoje nós acabamos com a concorrência. — Arthur respondeu animado. Amara ignorou o estado eufórico do Shelby mais velho, ele estava visivelmente alterado devido às drogas.
— É impressionante o brilho que vejo no seu olhar. — Amara segurou a mão de John. — Você é completamente diferente do Tommy e do Arthur... — Observou. — Sei que no fundo, você quer levar uma vida mais simples. Você é bom, John, então deixei essa vida enquanto pode.
— Que porra é que ela tá falando? — Arthur perguntou ao arrumar mais uma fileira de cocaína acima da mesa. — Cadê o Thomas?
— Você sabe, John. — Amara ignorou Arthur. — Tem coisas que o tempo não muda, a menos que queiramos muito. Se você mudar, talvez tenha chance de ter o que mais quer.
John engoliu em seco, desviou o olhar para as mãos rapidamente.
— Agora eu preciso ir. — Amara se afastou de John. Arrumou o casaco em volta do corpo e se preparou para levantar-se da cadeira.
— Espera! — John a segurou. — Como ela está?
— Bem, muito bem. — Respondeu com um sorriso orgulhoso. Pensou em dizer que Ariana havia seguido com vida e estava muito bem um novo relacionamento, mas que isso não afetava o que ela sentia internamente, no entanto, não cabia a Amara dizer o que realmente se passava no coração da amiga, isso era algo que somente Ariana poderia falar. — Ela é tão genial e caridosa. Talvez a pessoa com a alma mais pura e bondosa que já conheci em toda minha vida, e você sabe bem.
— Eu queria tanto vê-la. — John suspirou. — Talvez eu devesse mandar uma carta.
— Bem, você deve fazer o que seu coração mandar. — Amara se soltou sutilmente dele. Seu olhar foi deslocado para o outro lado da mesa. Arthur estava agitado, pupilas dilatadas e nariz sujo, aquela imagem não era agradável para Amara. — Arthur! — Chamou em um tom sério. O Shelby a encarou levemente agitado. — Pega leve com a cocaína! Esse é um vício sem volta e dentro de você ainda tem algo bom que não merece ser destruído.
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HORAS DEPOIS
O apito do trem soou alto nos ouvidos de Amara. Ela mordeu os lábios com força quando as pessoas se apressaram para embarcar. Diferente deles, Amie ainda se encontrava sentada no banco de madeira, com as pernas e braços cruzados, em uma postura tão ereta que facilmente poderia ser confundida com um manequim. Respirou fundo e com força ao ver que mais um trem saía para longe e ela se encontrava sozinha.
Seu rosto virou-se em direção a um relógio no alto de uma coluna. Era quase oito horas da noite e logo o último trem sairia para o País de Gales. Angustiada, levantou-se e caminhou de um lado para o outro, enquanto sua cabeça trabalhava em milhões de teorias. Talvez devesse ter ido atrás de Thomas e tentasse proteger o homem de alguma forma. Os murmúrios e boatos de duas pessoas mortas em outras áreas da Epsom a assolara, era claro que Amara sabia serem obras dos Peaky Blinders, o que a deixava mais nervosa.
Quando a noite ficou mais fria e a hora mais tarde, Amara se viu sozinha na estação. O último trem havia partido. A conclusão trágica a atingiu impiedosamente. Thomas Shelby não viria e isso queria dizer que ela falhara em sua missão. Evitando soltar lágrimas e xingamentos, girou os calcanhares para a pequena mala com os poucos pertences que arrumara. Suspirou de modo doloroso, sentindo a garganta apertar enquanto seus olhos ardiam cada vez mais.
Não podendo mais segurar as lágrimas, ela desabou em silêncio, mordendo os lábios com força até sentir o sangue inundar sua boca com um gosto de ferro. A neblina que a cercava envolvia seu corpo como um lençol fino. O frio não a incomodava, muito pelo contrário, ela se sentia parte dele, assim como um pouco mais vazia. Levantou o rosto para o céu, fitando as estrelas brilhosas daquele dia exaustivo. Embora não quisesse acreditar, ela sabia qual possivelmente destino o cigano tivera:
Thomas Shelby estava morto. Só isso explicava sua ausência.
Quando finalmente teve forças para se mover, caminhou em direção ao portão que a levaria para longe da estação, talvez com muita sorte achasse um carro para levá-la até Londres. Amara tentou não imaginar no fim trágico de Thomas, isso era doloroso demais para suportar. Também tentou não pensar que teve o mesmo destino de Zaira, e tivesse sido traída e abandonada pelo amante por qual ela saltara no tempo para salvar. O escuro deveria ser assustador para uma mulher desacompanhada, mas Amara não era capaz de sentir nada naquele momento. Seu olhar vagou lentamente para ambos os lados. Ela se encontrava completamente sozinha naquela estação, e o caminho para casa era longo e exaustivo.
Franziu o cenho quando ouviu passos serem dados a alguns metros. Uma figura alta cortava a neblina em passos lentos e quase carrancudos. Amara uniu as sobrancelhas, torcendo para ser alguma alma boa disposta a ajudá-la. Ela abriu os lábios, mas antes que pudesse dizer algo, a voz grossa e rouca, carregada de dor e cansaço a envolveu de modo caloroso, fazendo com que mais algumas lágrimas escorressem pelo seu rosto, mas agora, de felicidade.
— Amie!
Capitulo postado dia (23/01/2022), não revisado.
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