𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟏𝟗
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A confusão de sentimentos como tristeza, raiva, saudade, e principalmente, impotência e solidão, formam o luto. Amara acreditou que estivesse preparada para passar por isso quando Richard se foi. Ela estava enganada. O primeiro mês foi o mais doloroso, não só para ela, mas como para todos que eram próximos do Abbott. Amara poderia fingir ser forte, aliás, ela havia aprendido a disfarçar muitas dores, mas aquela era de longe a mais difícil. Em meio às lápides, Amara sentou-se na mais alta. Richard havia sido sepultado ao lado da esposa, sob as sombras de uma árvore. O vento frio fez com que os pelos da nuca da mulher arrepia-se. Um buque de girassóis foi deixado sobre o mármore escuro, abaixo de uma fotografia.
— Suas preferidas. — Ela murmurou. — Talvez queira saber que até então tudo tem andado nos conformes. Andrea está até me ouvindo, mesmo que ainda tente controlar muitas situações. — Sorriu levemente. — Sabe, Richie, eu te contei minha história, mas nunca tive a chance de dizer quem eu realmente sou. Na verdade, nunca tive coragem.
Amara abaixou o olhar. A aliança estava no dedo, pesando ainda mais com os julgamentos. Aquela notícia pegara muitos de surpresa. Ninguém esperava ver Amara Flynn se tornar uma Abbott da noite para o dia. Com a novidade, novos problemas chegaram. Outros veículos de comunicação soltavam informações fúteis sobre a nova Abbott. 'Interesseira' era a palavra mais leve que usavam para se referir a ela. Amara tentou não se incomodar, mas era a imagem dela que estava sendo manchada por falsas notícias. Rebater aquelas questões só faria com que outras surgissem, e isso poderia ser muito mais prejudicial para ela e o jornal. Assim como qualquer outra notícia, essa também deixou de ser importante quando outros problemas ao redor do mundo começaram a surgir. Foi então quando Amara pôde voltar a respirar em paz, assim achava.
— Eu deveria ter sido sincera com você desde o começo. Mas acredito que quanto menos souberem sobre mim, melhor será. — Suspirou. A garganta apertou enquanto os olhos arderam. — Eu fui atacada pela mídia só por carregar seu sobrenome. Foi como ser picada por um enxame de abelhas. Eu saí ferida, mas pelo menos sobrevivi. — Amara ergueu o rosto. Era da consciência dela estar sozinha ali, mas sabia que em algum lugar Richie a ouvia. — Andrea disse que eu deveria atacar, mas isso seria pior, levantaria outras questões. Eu sei que tudo que fez foi para o meu bem. Eu agradeço por ter me ajudado a realizar meus sonhos. Talvez no futuro eu não conseguisse muita coisa a não ser um livro publicado.
Amara tentou imaginar o que viria depois da morte. Céu e inferno realmente existiam? Se sim, ela esperava que Richard e a verdadeira esposa, Alice, estivessem no melhor paraíso feito por Deus. Permaneceu em silêncio por um longo tempo, maior do que esperava. Quando sentiu algo pingar no colo, percebeu serem as próprias lágrimas. Amara chorou, dessa vez, como ela realmente deveria. Não era regra ser forte o tempo todo, ela era humana, afinal. A solidão a acolheu como um manto frio, causando um pequeno vazio no peito. Não era só por Richard que estava chorando, mas pelo que também havia deixado no futuro: pai, mãe, amigos...
— Eu vou atrás da verdade, Richie. — Ela passou a língua pelos lábios ressecados. — Eu vou saber o real motivo de ter voltado no tempo.
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O segundo, assim como o início do terceiro mês foram menos turbulentos na vida da Abbott. Amara havia voltado a sorrir de modo verdadeiro, e a dor de perder Richard havia sido substituída por lembranças felizes ao lado dele. O velho Abbott iria querer assim. Os negócios estavam crescendo. Amara agora liderava não só o jornal, mas como o ramo imobiliário e de turfe. Estava satisfeita com todos os negócios, mas se sentindo esgotada com tanta responsabilidade que assumira. Gostaria de entender como Richard conseguia dar conta de tantas coisas com um riso simpático no rosto, enquanto ela perdia algumas noites de sono lendo todas as papeladas que chegavam ao seu escritório. No final, ele estava certo, ela deveria viver um pouco mais ao invés de passar dias em salas fechadas.
— O Pacific Modern Diary aumentou seu lucro nos últimos trimestres liderando as vendas principalmente em Washington, Baltimore, Filadélfia, e claro, Nova York. Fico feliz em relatar que somos, pelo segundo ano consecutivo, um dos maiores jornais na América do Norte. Estamos entre os mais lidos do ano. — Andrea animou-se antes de beber o último gole de uísque que havia em seu copo.
— E quanto às corridas? — Perguntou Amara, sem desviar os olhos das planilhas que tinha em mãos. Andrea limpou a garganta, antes de respondê-la.
— Estão indo bem. — O advogado empurrou outro papel para a sua superior. — Essa semana receberemos alguns cavalos. Somente raças valiosas e puras.
— Temos treinadores suficientes? — Amara perguntou.
— Só os melhores. — Respondeu.
Amara encarou os papéis. Estava admirada com as fotografias dos belos animais que comprara, mas ainda assim, não satisfeita. Precisava de um cavalo para corrida e sabia que aqueles, embora puros e belos, não seriam bons o suficiente para isso. Sabia também que treinar aqueles cavalos fariam seu trabalho ser triplicado e não alcançaria o que pretendia. Em seus planos, despesas desnecessárias ficavam em último lugar.
— Mas há quanto tempo não levamos o primeiro lugar? — Ela o encarou, usando um tom ríspido. — Ter os melhores treinadores e ainda assim os cavalos continuarem chegando em segundo ou terceiro lugar não adianta nada.
— Compreendo, mas às vezes não levarem o primeiro lugar não significa que o perdeu. — Andrea disse.
— Então o que significa? — Amara abandonou o papel. Estreitou o olhar para o advogado, esperando por uma boa resposta.
— Mesmo não ganhando as corridas ainda temos muito lucro com o hipódromo. Cada vez mais estamos tendo apostadores e sócios.
Andrea era alguns anos mais velho que Amara. Seu sotaque italiano era charmoso assim como todo o resto. Os olhos negros combinavam com os cabelos escuros e sempre bem penteados para trás, contrastando perfeitamente com a pele branca. Uma leve lembrança passou pela cabeça dela. Amara ainda se lembrava da manhã onde acordou nua ao lado de Andrea. O sexo da noite de sábado havia se estendido por todo domingo. Porém, mesmo que tivesse compartilhado a cama algumas vezes com ele, Andrea jamais deveria esquecer qual era sua verdadeira obrigação naquela empresa. Sexo e negócios não deveriam ser misturados.
— O Sr. Abbott nunca se importou em levar o primeiro lugar em corridas. Ele fazia tudo por pura diversão e entretenimento. — Andrea murmurou baixo, torcendo para que a mulher não o ouvisse com tanta clareza.
— Mas ele não está mais aqui, está? — Perguntou, inexpressiva. — Existe um investimento alto nesses animais. Em rações de primeira qualidade e de pessoas que se dizem boas treinadoras. — Ela se inclinou para frente, apoiando o queixo sobre as mãos. — Eu digo que levar o primeiro lugar é importante, pelo menos para manter certas pessoas empregadas, você me entendeu?
— Irei cuidar disso, senhora. — O homem cruzou a perna ligeiramente desconfortável. Amara ergueu uma sobrancelha esperando por algo a mais. — E procurarei os melhores treinadores...
— E cavalos. — Acrescentou como uma ordem.
— E quanto a esses? — Andrea encarou as fotografias.
— São belíssimos animais, mas não para vencer corridas. — Deu de ombros. — Não estão perdidos. Venda alguns, coloque outros para se reproduzir. Ainda podemos faturar com eles e vender para haras ou colecionadores de animais. Você vai dar um jeito.
— Tudo bem, se assim preferir. Eu buscarei o que precisa ainda essa semana. — Respondeu. Amara sorriu de lado, satisfeita.
— E quanto nossos imóveis? — Perguntou, desviando o assunto para seu outro ramo favorito.
— Tiveram um aumento significativo. — Disse. Amara puxou um cigarro da caixinha de madeira. O acendeu quando o cano escuro se encontrava bem preso entre os lábios pintados de vermelho.
— Acho que já está na hora de estender esses negócios para outros países. — Soprou a fumaça para cima. — Penso em comprar alguns imóveis residenciais na Inglaterra, Espanha e Itália.
— É um bom investimento.
— Quero levar o Pacific Modern Diary para esses lugares também. — Disse ela. Um riso leve deslizou em seus lábios.
— Bem, talvez seja cedo para isso, ainda temos muito para trabalhar. — Respondeu ele. Amara não encarou o advogado, ao invés disso, se levantou da cadeira, indo em direção a janela. Encarou o clima nublado de Boston, ao qual já havia se habituado.
— Então vamos começar o quanto antes. — Disse ao soprar a fumaça para cima. — Procure por bons vendedores de imóveis e me fale quando os conseguir. Está dispensado por hoje, Andrea. E claro, não esqueça das suas funções, seja rápido! — Não o encarou. Ouviu o barulho dos papéis serem arrumados, mas não ouviu um adeus ou a porta batendo.
Ao invés disso, sentiu a presença masculina mais presente. Amara soprou a fumaça do cigarro para cima quando lábios macios tocaram seu pescoço. Andrea tinha um jeito particular de possuí-la e ela não negava que gostasse de se sentir desejada. Estranhamente passará a apreciar as sensações que causava nas pessoas ao redor. Sentiu a mão grossa descer para o meio das pernas, adentrando abaixo do vestido, alcançando rapidamente o calor feminino.
— Estou com saudades da outra Amara. — Andrea sussurrou no ouvido dela.
— Só existe uma Amara. — Ela disse rispidamente. Fechou os olhos e mordeu os lábios quando sentiu os dedos masculinos a invadirem no ponto mais fraco.
— E onde está a Amara que gemeu meu nome a noite inteira na semana passada?
— Não vou trepar com você no meu escritório, alguém pode entrar. — Se virou para o homem, tendo os lábios capturados rapidamente.
Amara gemeu levemente quando seu corpo foi puxado para o de Andrea. Deixou que o cigarro caísse para o chão, assim que foi levada para o sofá de couro.
— Eu deixei a porta trancada. — Falou quando a acomodava no sofá. — Krishna não vai deixar ninguém entrar enquanto eu estiver aqui. Então temos um tempinho antes de voltarmos a ser chefe e empregado. — Deu uma piscadela a ela.
— Será? Você continua sendo meu empregado mesmo quando deixo que me foda. — Foi clara. — Isso é só por diversão, também tenho necessidades.
— Ah! Essa maldita boca que me deixa doido! — Falou com desejo. — Então eu tenho que fazer um bom serviço.
— Você tem dois minutos para isso. E não amasse minha roupa ou bagunce meu cabelo.
Andrea lançou um sorriso avassalador. Sua agilidade permitiu que soltasse a ereção dolorida de dentro da calça. Amara abriu mais as pernas para acomodar o homem entre elas. Segundos depois fechava os olhos com o início do coito. Seus lábios foram puxados novamente para um beijo lascivo e excitante. Ela não fazia ideia de quanto Andrea a queria, até ele demonstrar na penetração todo o desejo que sentia. Amara gemeu quando seu seio foi apertado por cima do vestido e a pele do pescoço foi chupada com força. Talvez eles não precisassem de dois minutos para alcançar o clímax. Amara já se sentia sensível e pronta para gozar a qualquer momento. O corpo parecia sucumbir ao prazer rapidamente após horas de trabalho. Suas unhas afundaram no couro do sofá, e ela se conteve em gemer alto quando seu interior desmoronou. Andrea sorriu. Gostava da forma que a mulher se rendia facilmente para ele, fazendo-o gozar fora dela segundos depois.
Depois do sexo rápido, e quando Andrea já havia ido embora, Amara deu passos em direção a uma pequena mesa. Se serviu com uísque irlandês, o qual aprendera a apreciar com o tempo. Seus dedos envolveram o copo pequeno e robusto de cristal, levando-o para os lábios. A mulher estremeceu com o gosto amargo, embora delicioso da sua maneira. Naquele momento, algo no fundo da sua mente acendeu, se lembrando do homem que fazia aquilo com grande sutileza. De volta a janela, se perguntou o que Thomas estaria fazendo do outro do mundo. Provavelmente, indo tão bem nos negócios quanto ela estava. Após anos, ainda se lembrava bem do toque do cigano em seu corpo, sabendo que nenhum outro homem, nem mesmo Andrea, seria capaz de fazer igual.
Esquecê-lo seria algo que Amara jamais conseguiria, e isso envolvia inúmeros motivos que ela listaria facilmente. Um bom tempo já havia passado. A essa altura, Thomas já até deveria ter se casado, ou talvez, continuava focado no próprio sucesso, não dando a mínima para o amor. De uma forma ou de outra, Amara sabia que ambos tomaram decisões diferentes na vida e que talvez nunca mais cruzassem os mesmos caminhos novamente.
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DIAS DEPOIS
Acima da mesa, partilhando espaço com outros documentos, duas cartas chamaram atenção de Amara um pouco mais do que as outras. Talvez, o endereço dos remetentes despertasse a curiosidade na mulher, aliás, não era todo dia que recebia cartas vinda da Inglaterra. A primeira, que chegara ainda cedo, era assinada no nome de Alfie Solomons. Segundo o judeu, dono de bons imóveis em Camden Town, estaria disposto em fazer negócios com a viúva Abbott se ela tivesse boas propostas para apresentar em troca. A segunda correspondência também era interessante. A carta enviada diretamente dos Carleton, uma tradicional família de adestradores da Inglaterra, era escrita a punho por May Carleton que oferecia seus serviços de adestramento e boa parceria com o hipódromo da América.
Amara manteve as duas cartas nas mãos. Andrea estava fazendo bem seu serviço e sendo muito útil além do que oferecia na cama. Ele sabia que caso contrário, seria descartado sem menor pudor. Amara estava cada vez mais certa que trabalhar com homens italianos era difícil. O orgulho os impedia de fazer o que eram mandados, mas Andrea cumpria bem as ordens, mesmo que levasse certos puxões de orelhas quando necessário. Contudo, ela tinha obrigações maiores para lidar do que a masculinidade frágil do amante. Novos negócios estavam surgindo e Amara sabia que logo teria que fazer uma viagem de trabalho. Só de imaginar em pôr os pés novamente na Inglaterra fazia seu interior tremer. Voltou atenção para os papéis sobre a mesa, afastando os pensamentos tenebrosos para longe. O que fizera anos atrás, deveria ficar no passado. Duas batidas na porta despertaram Amara da concentração que tinha ao começar a trabalhar. Sua voz saiu suave com a autorização, e em poucos instantes, Krishna entrava pela porta com seu jovial sorriso.
— Um rapaz está aqui para vê-la. Ele diz ser importante falar com você e não irá sair até ser atendido. — Disse Krishna. Amara franziu o cenho, não se recordando de nenhuma reunião ou entrevista marcada para aquele dia. Aquilo a pegará de surpresa, tanto quanto a deixará curiosa.
— Um rapaz? — Perguntou ao abandonar a caneta sobre alguns papéis. — Quem é esse garoto?
— Eu posso mandá-lo entrar? — Krishna pareceu inquieta. Amara limpou a garganta, piscando algumas vezes.
— Eu não costumo atender ninguém sem hora marcada. — Amara se encostou na cadeira, gesticulando para Krishna agir rápido. — Mas já que ele parece insistir tanto, mande-o entrar.
Poucos segundos se passaram. Amara inclinou o rosto quando um rapaz jovem, recém-saído da adolescência, atravessava as portas e se posicionava à sua frente. Ela o checou, buscando algum registro nas lembranças, no entanto, não o conhecia. Diferente dele, que ousava sorrir para ela como se a conhecesse bem. O jovem deu um passo para frente, pigarreando alto, deixando claro seu nervosismo.
— Disse que gostaria de falar comigo? O que é tão urgente assim? — Perguntou ela.
— Eu vim pela vaga de advogado. — Disse rapidamente. Amara sorriu de lado.
— Eu não estou procurando nenhum advogado. Talvez tenha vindo ao lugar errado, meu querido. — Amara disse. O jovem garoto sorriu, puxando algo dos bolsos. Era um pequeno envelope, empurrado sutilmente na direção da mulher.
— Então você não é Amara Abbott? Proprietária de um dos maiores jornais da América, além de dona do maior hipódromo de Boston e de muitos imóveis? — Perguntou com certa ironia, fazendo a mulher franzir o cenho.
— E quem é você? — Amara perguntou mais alto. Aquilo fez com que o garoto se calasse, mostrando quem realmente deveria ter autoridade naquela sala.
— Eu costumava me chamar Henry Johnson...
— Costumava? — Perguntou, espontaneamente.
— Sim, até descobrir minha identidade verdadeira. — Ele pigarreou mais uma vez. Estendeu a mão para ela, enquanto abria um presunçoso sorriso. — Meu nome é Michael Gray.
— Gray? — Amara passou o dedo levemente pelo queixo, ignorando o aperto de mão. Analisou o garoto à frente. Em toda sua vida só conhecerá um Gray, e se perguntava como aquilo estava acontecendo. — Quem mandou você aqui?
— Essa resposta está na carta aí na sua frente. — Ele apontou. Amara abaixou o olhar, puxando a carta para perto. — Fui mandado para a América, pois me disseram que aqui eu teria uma oportunidade melhor e que você não me diria não.
— Então é advogado? Parece-me muito jovem. — Comentou ela, abrindo a carta.
— Sim, sou recém-formado. Completei dezenove anos recentemente. — Respondeu.
Amara abriu a carta. Sentiu as pontas dos dedos gelarem com a primeira linha. Não pôde deixar de sorrir com o que era pedido ali. Depois de tanta implicância, Polly Gray pedia uma chance para o filho perdido. Mantê-lo longe dos esquemas sujos dos primos era seu dever como mãe e ninguém melhor do que Amara para ajudá-la nesse momento. Uma parte da Abbott se agitava ao saber que estava diante um membro da família Shelby. Pelo que parecia, não era tão fácil se desligar daquelas pessoas.
— E então? — Michael chamou. Amara o encarou, ponderando o que faria naquele momento.
— Confesso que fiquei intrigada com a atitude de Polly Gray e principalmente, por ela ter um filho. — Amara cruzou as pernas. — Então ela o quer longe dos negócios da família?
— Ela só me disse que eu merecia trabalhar com algo justo.
— Mas você não se importaria em trabalhar para Thomas Shelby, não é?
— Até onde sei, Thomas trabalha com corridas. — Michael pronunciou lentamente, arrancando um riso seco de Amara.
— É claro, corridas. — Ela ironizou.
— E ele não me ofereceu um emprego, nem quando pedi. — Michael se recordou de algumas semanas atrás, onde procurou o primo. Thomas não pensou duas vezes em recusar os serviços do garoto, alegando que compraria uma briga grande com Polly.
— Tem alguma experiência? — Amara perguntou, trazendo o jovem novamente a realidade.
— Sim, sim. — Acenou rapidamente. — Trabalhei em um escritório pequeno em Londres. Foi um estágio, para ser mais exato. Deixei uma cópia do meu currículo com sua secretária.
— Então conhece bem Londres. — Não era uma pergunta. Assim como sabia que talvez ter Michael ao seu lado não seria tão ruim. Jovens recém-formados tinham vontade de pôr em prática tudo que haviam acabado de aprender. E pelo que parecia, Michael não era diferente, assim como exalava um leve instinto ambicioso. — Irei para lá em algumas semanas, a negócios, é claro. Provavelmente meu advogado não poderá me acompanhar, então talvez sua ajuda seja útil.
— Acabei de chegar de viagem e já tenho que partir em outra. — Michael sorriu sem graça. Seu riso se fechou quando percebeu o semblante sério de Amara. — Eu aceito, senhora, seja o que for, desde que seja um emprego.
— Ótimo. — Amara disse.
— E quando começo? — Ele perguntou.
— Vou entrar em contato com você, então esteja preparado e não desfaça as malas. — Disse. — E quanto sua mãe, suponho que queira dar as boas notícias a ela. E diga-lhe que Amara Abbott, não guarda mágoas.
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Krishna acenou para o jovem garoto quando ele passou novamente por sua mesa usando o mesmo riso de mais cedo. Horas antes, a indiana se surpreenderá com a determinação dele. Não eram muitos os que insistiam em estar na presença de Amara Abbott, principalmente quando ela pedia para não ser interrompida. Krishna havia gostado do jovem Gray e da coragem que ele carregava. Amara surgiu logo depois, com um semblante desconfiado que Krishna havia aprendido a reconhecer bem.
— Ele é bem bonitinho. — A Kapoor comentou em um tom que somente a chefa pudesse ouvir.
— Mas é muito novo para você. — Amara respondeu sem encará-la.
— E então? Ele conseguiu o que queria? — Perguntou curiosa. Amara acenou levemente.
— Avise Andrea que temos um novo funcionário. — Disse Amara.
— É claro, Sra. Abbott. — Krishna respondeu bem-humorada.
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BIRMINGHAM
Polly sabia que fizera o certo. Após anos sem saber onde realmente estavam seus filhos, precisou de sonhos fragmentados para descobrir que ainda tinha esperança de achá-los, ou pelo menos, achar seu garotinho. Saber que Michael crescerá bem e se tornará um homem justo aquecia seu coração. Diferente dos primos, Michael deveria ter a chance de seguir uma vida longe da criminalidade, e foi por isso que Polly Gray tomou aquela decisão. Não foi difícil achar Amara novamente, seu nome estava se tornando popular fora da América, o que não era costumeiro, aliás, ver mulheres no controle de grandes negócios ainda surpreendia muita gente de mente fechada. Polly não pensou duas vezes em escrever uma carta e manter seu filho longe das encrencas dos Peaky Blinders. Mesmo que seu relacionamento com a viajante não tivesse sido dos melhores, sabia que Amara não recusaria ajudá-la.
Logo Thomas teria que comprar outro cofre para acomodar toda a fortuna que as apostas e os negócios da empresa Shelby faturavam por semana. Polly sabia que tirar um pouco daquele dinheiro e dar ao filho para ter uma vida melhor na América não seria ruim. Thomas pouco daria importância ou pela falta da quantia em seu cofre. Ele parecia muito ocupado com todos os problemas que reunia com o passar dos dias. O cigarro preto, feito de ervas, estava bem preso nos dedos da cigana, enquanto ela ainda colocava os pensamentos em ordem depois dos últimos acontecimentos que passará. Ver Grace de volta na cidade como inspetora a assombrava. A Gray sabia que aquilo não seria bom para os negócios e muito menos para Thomas.
A explosão do Garrison; o espancamento de Thomas a mando de Sabini, entre outras confusões, faziam com que alguns fios grisalhos surgissem na cabeça da mulher antes do tempo. Além de difícil, Polly sabia que Thomas não daria ouvidos ao que ela tinha a dizer. Mesmo que ele insistisse em falar que a companhia Shelby acreditava em direitos iguais para homens e mulheres, aquela não passava de uma falsa ideia que parecia quase doce nos lábios do sobrinho. Thomas se fechava cada vez mais, e embora Polly não quisesse acreditar nisso, sabia que Amara tinha uma parcela de culpa em dilacerar o coração do cigano uma segunda vez. Por isso, envolver essa figura enigmática na vida do clã Shelby era um ato arriscado. Polly tinha consciência disso, e só por esse motivo tirou algumas cartas do seu velho tarô. O que viu a fez ter pesadelos por várias noites. O destino parecia ter reservado ao seu sobrinho um caminho ainda mais conturbado do que ele já trilhava. Felizmente, ou não, só uma pessoa poderia evitar que Thomas Shelby se matasse de vez.
— Polly, preciso da senha do cofre. — Disse Thomas. Sua figura surgiu nos corredores escuros da casa de apostas, passando pela mulher como um furacão.
— Como tesoureira, preciso saber para que quer o dinheiro. — Se levantou da cadeira. Thomas suspirou, encarando a tia por cima do ombro.
— Negócios em Londres. São sempre negócios. Você sabe que estamos em reforma com o novo clube. — Respondeu impaciente.
— Seu rosto ainda está marcado com o último negócio que se meteu. — Polly disse baixo de modo arisco. Se aproximou de Thomas, estudando-o. — Tem feito algo que ainda não foi especificado a mim.
— Do que está falando? — Perguntou. — Polly, me dê a senha do cofre.
— Estou falando da antiga garçonete e cantora, Grace. — Polly estremeceu ao proferir aquele nome. — Disse que ela voltou, mas não o que ela quer exatamente como você.
— Bem, se serve de consolo, eu também não sei exatamente a qual tarefa estou sendo solicitado.
— Você sabe exatamente onde está se metendo. Não banque o burro, não combina com você. — Polly apontou para Thomas. — Só espero que esse não seja seu fim.
— Eu não pretendo morrer. Agora, me dê a senha do cofre.
Polly travou o maxilar, passando pelo sobrinho. De modo ágil, abriu o cofre, deixando que o homem passasse e recolhesse o que precisava lá dentro. Polly voltou para a mesa, apagando o cigarro, enquanto encarava uma nova carta que escrevia para Amara. Assim como Thomas, ela também tinha cartas não enviadas para a viajante.
— Você age como se eu não soubesse o que realmente acontece embaixo do meu teto. — Thomas disse próximo. Polly o encarou por cima do ombro, vendo-o arrumar algumas notas de dinheiro no paletó caro.
— Todos temos segredos. — Murmurou ela. Não era uma boa resposta, mas era a única que daria ao sobrinho naquele momento.
— Eu sei! Por isso eu não me intrometo nos seus, então não faça o mesmo com os meus. — Disse de modo ríspido.
— Essa empresa funciona à base de inteligência. Acredito que você não tem feito muito o uso dela em seus negócios.
— Eu sei o que faço, Polly. Aliás, espero que o Michael tenha conseguido um bom emprego em Boston. — Disse alto. Polly bufou, enquanto via as palavras irem embora com o sobrinho.
Thomas Shelby estava cavando uma cova com as próprias mãos e não parecia se importar com isso.
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BOSTON
— E como isso é uma boa ideia? — Ariana perguntou do outro lado da linha.
— Polly foi clara na carta: ela não quer o filho envolvido com os negócios do Thomas. E o confiou aos meus cuidados. — Explicou. Amara sabia que precisava desabafar, e ninguém melhor que Ariana para isso. Mesmo que as ligações custassem uma fortuna, tudo valia a pena quando ouvia a voz da amiga do outro lado da linha.
— E daqui a pouco você cairá novamente no meio dos problemas dessa família.
— Eu vou ser cautelosa. — Amara suspirou, colocando os pés para cima da mesa, admirando os novos saltos. — Irei para Londres em uma semana. Tenho alguns negócios para resolver lá e Michael irá comigo, já que o Andrea terá que tomar de conta dos negócios daqui.
— E depois disso?
— Irei para o País de Gales, tenho algumas coisas para fazer lá.
— Ainda com a ideia de conhecer seus parentes distantes?
— Se a vida me dá limões, eu faço uma boa limonada. — Sorriu, mas logo mudou o semblante. — Foi a última coisa que Richard me deixou. Sinto que adiei muito esse momento por puro medo do que realmente vou encontrar lá. Eu preciso descobrir sobre meus parentes, e quem sabe, achar respostas que procuro.
— Por favor, fique longe dos Shelby, pelo seu próprio bem.
— Como você consegue? — Amara perguntou. Ariana ficou em silêncio por poucos segundos.
— Fácil, não vivendo no mesmo país que eles. — Ariana disse, mas um suspiro veio logo depois. — Eu mantenho meu foco na frente sempre. — Respondeu, segura. — Nesse tempo eu tive chance de me amar um pouco mais e permiti amar outra pessoa, mesmo que não seja na mesma intensidade.
— Não sente falta? — A palavra 'dele' ficou subentendida. Amara não queria tocar no nome de John Shelby naquela hora.
— Eu tento não pensar nisso e sugiro que faça o mesmo. Mas sei que será impossível, já que agora um deles trabalha para você e logo partirá para Londres.
— Agora é diferente, Ari. — Amara disse. — Tudo é muito diferente.
— Sentimentos não mudam. Eles só ficam adormecidos até uma faísca acender a chamas novamente. — Disse de modo melancólico. Amara revirou os olhos. — Você manteve sua cabeça presa em um único objetivo por muito tempo e não se permitiu viver um novo amor. Eu realmente queria estar com você nessa viagem, mas ainda não poderei. Só me prometa, por favor, não faça nenhuma merda.
— Eu não faço merda. Eu faço negócios. — Respondeu, antes de desligar a chamada.
Puxou um documento da mesa, lendo-o em silêncio. Era o novo endereço de onde seus parentes supostamente estariam. Sendo ciganos, o clã Flynn não parava, assim como não saíam do País de Gales, apenas se movimentavam de cidade em cidade. Newport parecia ter caído no gosto da família de ciganos, vivendo lá por muitos meses. Amara sentiu o interior congelar com os pensamentos sobre o que contaria quando os encontrasse. Aquela não era uma tarefa fácil.
Desviou o olhar para o dedo anelar, vendo a aliança brilhar com esplendor. Ariana estava certa em dizer que durante todo esse tempo Amara não tinha se permitido viver um novo amor. O fato era que ela jamais se sentiu atraída por outro homem que não passasse apenas de algo sexual. Se sentindo amaldiçoada por ter se entregado tão facilmente a Thomas e permitido que ele tomasse posse de seus sentimentos. Amara sabia que não encontraria outro homem que a faria se sentir viva depois de uma viagem trágica que a levará para o passado. Tampouco acharia um homem que despertasse os mesmos sentimentos que o Shelby conseguirá acender dentro dela em pouco tempo. Ainda assim, após anos, Amara tivera tempo para amadurecer seus verdadeiros objetivos e propósitos. Assim como sabia que Thomas provavelmente fizera o mesmo, enquanto seguia sua vida na mão dupla de negócios legais e ilícitos.
Ariana até poderia estar certa sobre os sentimentos serem como faíscas adormecidas, mas Amara estava segura de que se manteria longe desse acidente. Se poupando mais uma vez de machucar o que ainda não havia se curado.
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BIRMINGHAM
Nas palavras de Amara, Kevin Mooney era um homem audacioso e perspicaz. Levou um mês para que Thomas absorvesse tudo escrito naquele livro e visse as principais semelhanças entre ele e Kevin. Mooney era conhecido por ter uma personalidade fria e intimidadora, da mesma forma que Thomas. Embora Kevin parecesse rígido, ele ainda tinha emoções. Isso soou fascinante para o Shelby, aliás, ele se sentia igual. A verdade era que ambos eram completamente racionais e capazes de manipular suas próprias emoções, mas não deixando de senti-las. Além disso, ambos os ciganos eram bem-sucedidos em tudo que faziam e não se desesperavam facilmente. Amara foi cuidadosa em explicar essa personalidade, mas Thomas não foi capaz de entender toda aquela linguagem científica.
Não foi difícil para o Shelby perceber que Kevin e ele eram a mesma pessoa. Amara o estudará por um mês e meio, sendo ela a mente mais engenhosa enquanto fingia ser uma garçonete no Garrison. O envolvimento deles veio apenas como uma consequência devida à aproximação — no qual ela não citou no livro. Thomas poderia dizer que estava orgulhoso do trabalho da mulher, se não se sentisse usado mais uma vez. No entanto, buscou ver aquele livro com outros olhos. Quem sabe Amara estivesse buscando um meio de passar uma mensagem para o mundo? O fato era que Thomas queria conquistar tudo que Kevin conseguiu, mas não gostaria de ter o mesmo fim. Ele não morreria ou muito menos sucumbiria à loucura.
Thomas desejou que o frio o impedisse de sair de casa, mas o tempo não foi capaz de fazer isso. As vielas de Birmingham estavam ainda mais sujas do que estava acostumado. Prostitutas se atiravam em sua direção, exibindo-se como mercadorias. Thomas abriu caminho em um grupo de bêbados, sabendo que ninguém ali ousaria ficar em sua frente ou ousar pisar em sua sombra. Poderia ter feito facilmente o caminho para o novo Garrison, aliás, o pub havia ficado mais bonito do que imaginava e a bebida que serviam agora era de boa qualidade. Mas naquela noite ele jogaria suas cartas com quem deveria, só para ter uma chance de barganha quando precisasse. Pelo menos, era isso que esperava.
Quando a mulher passou ao seu lado, Thomas se prontificou ao lado dela. Acendeu um cigarro, enquanto deixava um riso escapar ao notar o desconforto dela. Grace, ardilosa e manipuladora. Thomas realmente havia sido pego de surpresa com a nova versão da mulher, agradecendo por nunca ter caído nos charmes dela há alguns anos. De todos seus inimigos, ele nunca esperou que fosse ser confrontado por uma mulher, mas sabia que um tiro disparado por ela, doeria tanto quanto um tiro disparado por um homem.
— O que pensa que está fazendo? — Ela perguntou rispidamente. Thomas a encarou de lado.
— Acompanhando uma moça sozinha até sua casa. — Explicou. — Birmingham é uma cidade perigosa, nunca sabemos quando um maníaco pode cruzar nosso caminho.
— Para minha sorte, eu carrego uma pistola bem carregada. — Grace rebateu bem-humorada. — E sua chance de me cortejar já passou, meu querido.
— Eu não tentaria cortejar você nem se fosse a última mulher da face da terra, minha querida. — Thomas usou o mesmo tom de voz para retrucar. Recebeu um olhar feio, mas aquilo não o incomodou.
— E eu não seria tola em cair em seus galanteios baratos. — Disse. Thomas emitiu um ruído baixo. — Então, por que realmente está aqui? Por acaso está antecipando nossa reunião?
— Você é esperta, me pergunto se sempre foi assim. — Comentou. Grace sorriu de lado, dobrando um canto quase escuro.
— Eu conheço você, sei como age com seus inimigos. Só está me acompanhando, pois quer me mostrar que sabe onde eu moro. — Grace apontou com o queixo para um prédio de três andares.
— Sabia que o sr. Churchill ficou impressionado? Ficou mesmo. — Comentou ao retirar o cigarro dos lábios. — Todos meus pedidos foram atendidos, ele não te contou?
— Sim, deve ter comentado algo. Sua carta foi lida em voz alta, rimos muito por sinal. — Grace o encarou. — É um homem engraçado, Thomas.
— Engraçado, será que eles riem de você também?
Grace parou bruscamente, se virando para Thomas. Se sua missão não tivesse que ser tão miticamente feita, ela certamente mataria o cigano Shelby ali mesmo sem menor pudor.
— Não tente me diminuir por eu ser mulher. — Ela deu um passo ameaçador na direção de Thomas.
— Não estou. Eu só não quero que caçoem de você. Eu admiro uma mulher com poder nas mãos, até mesmo você, Grace. — Thomas levou as mãos para o bolso. — Mas nem todos os homens pensam da mesma forma. Você se coloca em perigo se expondo tanto. Se metendo em coisas que não conhece, escolhendo esse lugar para viver e...
— Já chega! — Deu um basta nas palavras do homem. — Thomas, a única coisa que quero de você será resolvida na data que marcamos.
— Só estou tentando provar minha amizade. Pelo visto, me enganei novamente. Te vejo no dia da reunião. — Disse ele, girando os calcanhares para longe de Grace.
— Você leu o livro, Thomas? — Ela perguntou alto, fazendo o homem parar a alguns metros. — Não tivemos muito tempo para conversar sobre.
— É um bom livro, se quer tanto saber. — Respondeu sem encará-la. — Até está me fazendo refletir um pouco sobre certas coisas. — Thomas se virou brevemente para Grace. — A ruína é o caminho que leva à transformação. — Citou um trecho. — Bem, eu ainda tenho muito o que aprender, principalmente com meus inimigos.
Boatos de que no próximo capítulo vai rolar o reencontro de Thomas e Amara, qual será a reação dos envolvidos? Teorias?
Capitulo postado dia (04/10/2021), não revisado.
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