𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟏𝟑
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O grito fino de Ariana foi alto o suficiente para despertar Amara em um salto. Antes que pudesse descer as escadas, espiou pela janela. Os homens que Thomas havia mandado para a vigiar a casa também parecia ter ouvido o estridente grito, se preparando para qualquer ameaça que surgisse, e tudo que Amie não queria naquele momento era que aqueles dois homens armados entrassem pela porta como uma bala de canhão. Amara vestiu o roupão, descendo até o andar de baixo, onde se deparou com uma enfermeira em um estado de euforia. Ariana pulava com uma mão no rosto, enquanto a outra segurava uma carta. Sarah estava ao lado da irmã mais velha, com um semblante quase indecifrável no rosto.
— O que aconteceu? — Perguntou Amara, preocupada.
— Eu fui aceita! — Respondeu Ariana. Sarah se aproximou da irmã mais velha, puxando das mãos dela o papel.
— Foi aceita para a academia exclusivas de mulheres no estado de Ohio? — Sarah a encarou surpresa. — Vai estudar em outro país?
— Sim, eu me esforcei muito para conseguir essa vaga. Fui aceita em uma boa faculdade de medicina, quer dizer, uma das poucas que aceitam mulheres. — Ariana tomou o papel das mãos da irmã. — Eu não podia estar mais realizada. — Ela desviou o olhar para Amara. — Sei que não será fácil, mas tenho certeza de que isso será lembrado no futuro. Estão olhando para uma futura cirurgiã médica.
— Com toda certeza. — Amara deu um passo até a amiga, puxando-a para um abraço. — Estou orgulhosa, sei que será a melhor médica cirurgiã que o mundo vai conhecer.
— Espera aí, como conseguiu uma autorização? — Sarah perguntou alto, roubando atenção das mulheres. Seu olhar se estreitou na direção da irmã mais velha, julgando-a silenciosamente. — Não é casada e o nosso pai não está mais vivo para autorizar seus estudos. — Disse. Ariana revirou os olhos.
— Eu dei meu jeito, Sarah. — Ariana respondeu sem mencionar os detalhes da sua pequena falsificação dos documentos que usara para conseguir a vaga. — Ah! Meu Deus! — A enfermeira se afastou, encarando a viajante. — E quanto a você? Terei que partir em poucos dias.
— O quê? — Sarah falou alto. — Eu não quero ir! Posso ficar com a Amara, aqui em Birmingham.
— Sarah, sabe que isso não é negociável. — Ariana reprimiu a irmã. — Você poderá vir com a gente. — Disse ao se aproximar de Amara. — Quando chegarmos em Ohio ficaremos em uma pensão exclusiva para moças, sei que será bem-vinda também, você já faz parte da família.
— Eu nunca saberei como agradecer tudo que tem feito por mim. — Amara segurou as mãos da amiga. — Mas, tenho algumas coisas não resolvidas aqui e não sei o que me resta para o futuro.
— Isso ficará ao seu critério. — A enfermeira sorriu bondosamente. — O convite está feito, pense sobre isso, talvez em Ohio você encontre algo para o seu futuro. Agora preciso organizar tantas coisas, por onde começo...
Ariana sumiu no corredor enquanto planejava a rotina que levaria até o grande dia da sua partida, seu tom esperançoso e animado era quase contagiante. Do outro lado, Sarah fungou, não queria ir embora, sentia raiva da irmã mais velha por estar afastando-a de todos. A garotinha virou o rosto para Amara, correndo para abraçá-la pela cintura, pegando-a de surpresa por tal atitude.
— Se ficar aqui, posso viver com você? — Sarah perguntou. Amara engoliu seco. Afastou alguns fios de cabelo do rosto da menina, era nítido seu descontentamento.
— Eu sei como é difícil ir para um novo lugar e se adaptar com tudo. — Amara se abaixou, ficando na mesma altura que a garotinha. — Esqueceu de onde eu vim?
— Nova York. — Respondeu baixo.
— Vim do século vinte e um para o século vinte em um salto, literalmente. — Amara disse, sentindo um aperto no coração. — No meu século, as coisas são muito diferentes do que as que estou vivendo aqui. Eu tive que me adaptar com tudo, passar por situações ruins e acreditar que o dia seguinte poderia ser mais fácil. — Limpou uma lágrima de Sarah, enquanto tentava segurar as próprias emoções. — Só não estou tão sozinha, pois tenho você e sua irmã, pessoas maravilhosas que me ajudaram.
— Eu não quero ir embora! Não quero deixar meus amigos ou a última lembrança dos meus pais nessa casa... — Sarah fungou.
— Eu também deixei meus pais, meus amigos e outras pessoas que amava para trás, eu nem tive como me despedir deles como deveria. — Amara segurou o queixo da menina. — O que estou querendo dizer é que mudanças mexem profundamente com nossas emoções e com o que somos, às vezes o que parece ser ruim, pode ser bom no final. Sua irmã está tendo uma oportunidade única, e muito em breve, você também poderá ter uma.
— E você por acaso lê a sorte? — Sarah perguntou, curiosa.
— Não. — Sorriu. — Mas sei que vai se divertir em Ohio, é uma cidade cheia de coisas para se fazer.
Sarah não respondeu, se afastou da mais velha subindo as escadas, rumo ao quarto. Lembrar do que havia deixado no futuro era doloroso para Amie. Pensar se um dia conseguiria voltar para lá fazia a angústia tomar de conta do seu peito. Amara subiu para o segundo andar, procurando entre as coisas pessoais o único objeto que poderia matar sua saudade, o celular. Na galeria, achou a última foto que havia tirado com os pais. Era ano novo, momentos antes da grande virada, um riso fino maquiou seus lábios, ela estava no meio, sendo espremida amorosamente pelas outras duas pessoas. Amara era uma legítima xerox da mãe cubana, Amália, mas os olhos verdes eram heranças do pai, Anthony, ambos já possuíam fios grisalhos, mas carregavam risos joviais e uma áurea iluminada e contagiante. Uma lágrima escorreu de seus olhos, acumulando-se no queixo, por fim, pingando na tela do aparelho. Amara se recordou ainda da última ligação que fizera a eles, antes de voar até Birmingham.
"Diga para a mamãe que eu sei me cuidar, é só outro país, não outro planeta." Amara sorriu ao dizer aquelas palavras. Ouviu o suspiro cansado do pai do outro lado da linha, sabendo que o fardo de ser filha única era receber pais superprotetores, mesmo quando ela já era uma adulta bem resolvida.
"Meu bem, sabemos que é responsável, mas sempre será nossa menininha, dê um desconto para a preocupação da sua mãe, sabe como ela é. Nós ligue quando chegar, use seu celular para ligações também, ele não serve só para jogar candy crush e baixar livros em pdf para suas pesquisas." Um riso humorado preencheu os ouvidos de Amara, fazendo ela imitar o gesto.
"Pai, eu não sou mais viciada em candy crush!" disse. Desviou o olhar para o telão do aeroporto, o voo que pegaria estava sendo anunciado. "Bem, eu tenho que ir, amo vocês, logo estaremos juntos, fazendo um belo churrasco na casa nova."
Agora, uma promessa tão simples parecia inalcançável. Amara fungou, se sentindo indecisa entre ficar no passado ou realmente achar uma maneira de partir para o futuro, mas de uma coisa tinha certeza, ela merecia uma vida muito melhor do que a que estava levando ultimamente. Ariana surgiu na porta, tomando atenção da amiga com um pigarreio.
— Sarah vai se acostumar com a ideia, então não se preocupe com a chantagem emocional que ela fizer. — Disse ela, dando passos para dentro. Encarou o aparelho estranho nas mãos de Amara, tentando entender ainda a utilidade daquilo no futuro, mesmo assim, sua atenção se prendeu nas pessoas que aquela tela brilhosa exibia como uma espécie de fotografia com cores. — Quem são?
— Meus pais. — Amara respondeu, baixo.
— Você tem a beleza da sua mãe, mas os olhos são do pai, com toda certeza. — Observou. — Sente falta deles, não é?
— Eu nem tive chance de fazer uma despedida decente, tudo aconteceu tão rápido. — Amara disse. — E agora, não faço ideia de como eles estão e o que realmente vai acontecer daqui para a frente.
— Eu entendo você, me senti da mesma forma quando perdi meus pais para a gripe. — Ariana confortou a amiga. — E eu sinto falta deles e a Sarah também. — Disse. Amara desligou o telefone, aquela era a última memória que restava para se lembrar de onde tinha vindo, deveria poupar a energia.
— Eu espero que tudo dê certo para você. — Amara colocou a mão sobre a de Ariana. — Você pensou em tudo na sua vida, já falei que admiro você?
— Bem, depois de tudo que passei, percebi que mereço algo melhor e sei que não vou conseguir nesse buraco abandonado por Deus. — Ariana sorriu de leve. — E quanto a você?
— Eu também acho que mereço algo melhor, mas tem tantas coisas para fazer ainda. — Murmurou. — Vou ficar bem, eu sempre fico. — Forçou um riso, recebendo um de volta.
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Grace não havia aparecido para o trabalho, assim como o dia inteiro não tinha tido notícias de Thomas ou qualquer um dos outros irmãos. Amara se questionava se o que fez era o certo. Entregou Grace antes que a espiã tivesse tido tempo de avisar Chester sobre o verdadeiro esconderijo das armas. Seu estômago congelou ao lembrar que poderia se tornar um alvo fácil para o inspetor, mas confiaria em Thomas, mesmo que também não fosse algo tão certo a se fazer, mas ainda confiava mais na proteção do criminoso do que da própria polícia corrupta de Birmingham.
A noite chegou serena, uma calmaria suspeita para a cidade do caos. Sozinha no pub, Amara decidiu fechá-lo mais cedo e não chegar tão tarde em casa, por sorte, acreditava na segurança que teria até lá. Thomas estava cumprindo com a promessa de mantê-la segura, deixando dois Peaky Blinders de guardas, mas ainda se sentiria melhor se tivesse uma arma. Ainda assim, outra coisa a intrigava, mesmo que o Shelby a protegesse, sabia que algo tinha mudado entre eles, principalmente depois da confissão no cemitério. Vou voltar a confiar em você quando fizer exatamente o que eu mandar, essas palavras revirarão seu estômago. O último serviço que fez a ele não tinha sido nem um pouco agradável e sabia que o próximo que faria não seria também.
Amara levou as mãos para o rosto, sentindo a pele quente e febril devido à preocupação. Se assustou ao ouvir a porta abrir e o homem passar por ela como uma bala. Thomas estava ofegante, passeando o olhar por todo salão para se certificar que não havia ninguém ali além de Amara. Ele olhou para a mulher, se aproximando do balcão. Não queria colocá-la em perigo, mas sabia que não tinha outra opção. Amara estava mais uma vez no lugar errado, na hora errada.
— Parece que viu um fantasma. — Ela comentou. Thomas tirou a boina, dando um passo largo na direção dela.
— Não vi nenhum fantasma, apenas dois homens do IRA chegando. — Ele disse, ofegante. Amara congelou onde estava.
— Eu deveria imaginar que para você está a essa hora aqui, era confusão chegando. — Disse. Thomas sacou uma arma do sobretudo, checando a quantidade de balas. — Tenho que ir embora.
— Você vai ficar. — Colocou a arma no balcão, fitando profundamente os olhos claros da garçonete. — Me escuta com atenção, quando o sino bater meia-noite, dois homens do IRA vão entrar por aquela porta e quando conseguirem o que querem, vão tentar me matar. — As últimas palavras causaram calafrios em Amara. Thomas deu a volta no balcão, parando ao lado dela. — Seu trabalho é impedir que isso aconteça.
— E quem vai impedir que eles me matem? — Amara perguntou furiosa. Thomas a encarou. — Deveria ter me avisado que a minha missão em recuperar sua confiança era suicida. Eu teria pensado mais a respeito de querer ela ou não.
— Eu não estava planejando isso, Amie. — Ele encurtou o espaço, podia sentir a respiração da mulher acelerada devido à notícia, ele também não estava nem um pouco satisfeito com a novidade que tinha recebido da polícia. — Você está tão encurralada quanto eu, não pode sair por aquela porta porque também é um alvo, então vamos proteger um ao outro.
— Vá se foder, Thomas! — Ela disse entredentes. Thomas trincou o maxilar. — Não faço parte do seu esquema sujo. Mas não se preocupe, vou acender uma vela no seu funeral. — Ela disse ao tentar passar por ele. Thomas a segurou, puxando-a de volta.
— Agora você faz! Campbell está de olho em você, precisa de mim para protegê-la. — Ele disse. Armara revirou os olhos, ela não era uma mocinha em perigo, sabia se proteger sozinha muito bem. — Me ajudou uma vez, me ajude agora e eu não pedirei mais nenhum favor.
— Engraçado, já ouvi isso antes e todas às vezes você me procura para te salvar de alguma forma. — Comentou sarcasticamente. — E eu não faço ideia de como ajudar você. — Disse de modo firme, notando que Thomas parecia se remoer com algo. Odiava se sentir derrotada.
— O plano é o seguinte. — Ele a soltou, voltando atenção para a arma no balcão, logo depois, retirou outra de dentro do colete. Amara se perguntou quantas armas Thomas carregava. Ela o encarou, engolindo seco. — Eu vou ficar sentado ali, enquanto você fica escondida nos fundos. Quando eu fizer um brinde, você vai sair e apontar a arma. Não atira, só aponta. Eu cuido do resto.
— Eu cuido do resto. — Imitou o tom de voz do homem com ironia.
Thomas empurrou a arma nas mãos dela. Amara sentiu o peso incomodar as mãos. Nunca em toda sua vida havia manuseado uma arma, nem mesmo as dos parques de diversão. Thomas a encarou, percebendo a palidez instantânea da mulher. Ele se colocou atrás dela, colando o corpo um pouco mais do que pretendia. Arrumou a arma nas mãos da garçonete, se sentindo embriagado com o perfume dela. Piscou algumas vezes, tomando o controle da situação. Amara sentiu o corpo enrijecer com o toque de Thomas, sentia todas as partes dele roçar calorosamente atrás dela. O hálito quente do Shelby tocou a pele nua do pescoço feminino, arrepiando alguns pelos instantaneamente.
— Não é difícil. — Ele disse baixo, quase sedutor, de uma maneira inapropriada para aquele momento. — Só precisa mirar e atirar. Tenha pulso e pés bem firmes no chão, entendeu?
— Vai matá-los? — Perguntou no mesmo tom. Virou o rosto, encarando parcialmente Thomas.
— A polícia quer os dois vivos. — Disse. Amara se afastou de Thomas, quebrando o contato caloroso.
— A polícia sabe disso? — Ela o encarou, perplexa. — Que tipo de suicida você é? Agora faz negócios com a polícia?
O relógio anunciou a meia-noite antes que Thomas a respondesse. Amara soltou um ruído de desaprovação, apressando os passos para os fundos. A mulher não teve tempo para pensar, ouviu a porta do pub ser aberta e passos serem dados para dentro. O silêncio se fez presente por alguns segundos, Amara pode jurar ouvir os próprios batimentos cardíacos naquele caos. Espiou por uma brecha dois homens se sentarem na mesma mesa que Thomas estava. Não sabia qual expressão Thomas tinha no rosto, mas ele parecia calmo enquanto servia dois copos com uísque.
— Anda logo com isso, não temos a noite toda! — Um dos homens disse, impaciente. Thomas mexeu no paletó que usava.
— Vão precisar de uma pá. — Disse, empurrando um papel dobrado na mesa.
Amara sentia que aquela reunião terminaria muito ruim, não seria como a primeira vez que ouviu uma conversa sem autorização. Dessa vez, ela estava envolvida e com uma tarefa suicida. Encarou a arma nas mãos, o ferro gelado causava calafrios nela, mas ao menos, havia se acostumado com o peso e talvez, até pudesse atirar. Ouviu um barulho vindo do lado de fora novamente. Virou o rosto rapidamente, vendo um dos homens apontar a arma para Thomas. Amara cerrou os dentes, sua atenção desviou para o outro homem, percebendo que ele também tinha uma arma apontada para Thomas, só que escondida embaixo da mesa. Traidores, aqueles homens iam matar Thomas de qualquer maneira.
— Faça sua despedida, cigano maldito. — Disse o homem de boina, o mais impaciente.
— Minha despedida... — Thomas ergueu o copo no ar. Depois disso, Amara não soube o que Thomas dissera.
A adrenalina pareceu tomar conta do corpo da mulher. Aqueles homens iam matar Thomas e matá-la em seguida, quando descobrisse que eles não estavam a sós. Sabia muito bem que a polícia não se importava com a morte de ciganos ou de garçonetes. Então fez a única coisa que podia naquele momento, aliás, era sua vida que estava em jogo. Saiu de onde estava, erguendo a arma na direção dos homens. O disparo a ensurdeceu, o soco que sentiu nas mãos quase a desestabilizou. Viu Thomas cair da cadeira no mesmo instante que um dos homens caiu para frente, com buraco profundo na testa. Atirou mais uma vez quando viu que o homem que sobrara tentava disparar na mesma direção que ela estava. Thomas foi mais ágil, desviando a mão do homem para o alto. O tiro acertou o teto, deixando um pedaço dele e de estilhaço de lâmpadas caírem no chão.
Uma luta corporal se iniciou diante dos seus olhos. Amara se viu perdida, mantendo o pulso firme para acertar o homem, mas não teve a mesma sorte como o primeiro. Thomas o arremessou para o balcão, quebrando o que via pela frente, tentando a todo custo arrancar a arma da mão dele. Amara tentou mirar novamente, mas eles eram mais rápidos, em segundos, estavam no chão, rolando entre gemidos de luta. Por um momento, viu Thomas perder a luta, o homem do IRA o asfixiava. Amara disparou em direção ao chão, atingindo a coxa do homem de raspão, fazendo Thomas revidar quando pôde, alcançando uma das cuspideiras para usar como arma e finalmente se defender como podia.
Amara virou o rosto, não queria ver a cena a seguir. No entanto, não pôde deixar de ouvir os grunhidos de raiva de Thomas, enquanto amassava o crânio daquele homem com o ferro inúmeras vezes. O barulho parou. Amara se virou para ele, evitando encarar o estado que o chão de madeira se encontrava. Thomas tinha as pupilas dilatadas, estava sujo de sangue e ofegante. Naquele momento, sua expressão despertou calafrios tenebrosos em Amara. Ele se aproximou dela, ao mesmo tempo que ela recuou alguns passos até esbarrar em um pilar.
— Por que atirou? Porra! — Ele gritou. Seus olhos vidrados a assustavam. Thomas parecia ter se tornado outra pessoa, uma versão pior do que já era. Suas mãos a puxaram para frente, prendendo o rosto feminino entre elas. — Não era nosso plano, não era...
— Eles iam matar você! — Ela gritou mais alto. — Era eles ou você, e eu escolhi você!
Aquelas palavras o fizeram parar. Amara deixou que uma lágrima descesse involuntariamente pelo rosto. Odiava chorar ou demonstrar fraqueza na frente de qualquer um, mas estava apavorada demais para lutar contra elas. Thomas engoliu o sabor amargo da bile misturado com o sangue, secando a lágrima de Amara, se dando conta que estava perdendo a cabeça e assustando-a.
— Agora já sabe como eu sou, viu meu pior lado, o que eu não queria que presenciasse. — Ele disse, unindo as testas suadas. — Agora sabe de tudo que sou capaz.
— Agora você também sabe até onde eu posso ir quando minha vida é colocada em perigo. — Disse entre um soluço. Deixou a arma cair no chão no momento que foi puxada para um abraço desengonçado e apertado. Thomas não tinha prática em abraçar, mas naquele momento, isso era tudo que ele queria.
— Me desculpa. — Sussurrou ele nos ouvidos dela.
Amara se entregou ao abraço, sentindo terror ir embora. Ouviu os batimentos cardíacos de Thomas e dela se tornarem quase um só. Sentiu o corpo ser apertado ainda mais por Thomas, enquanto a respiração dele aquecia a sua nuca. Aquele momento durou pouco, ela viu por cima do ombro de Thomas alguns policiais entrarem no pub, avaliando estado com semblantes apáticos no rosto.
— Deveriam ter entrado na sexta badalada! — Thomas se afastou de Amara. Seu tom de voz aumentou, deixando-o transtornado. — Deveriam ter entrado na porra da sexta badalada!
O policial o encarou sem expressão, então desviou o olhar novamente para os corpos. Amara apertou a mão em um punho, conhecia aquele policial, era o mesmo que entregara o bilhete e as flores de Campbell. Naquele momento, ela entendeu brevemente o que tinha realmente acontecido ali. Assim como Thomas, que percebeu que foi usado, o que não era surpresa, sua vida não valia nada, nem mesmo quando um trato fora selado. Ele se aproximou do balcão, respirando pesadamente.
— Eles não quiseram se render. — Thomas mentiu. O policial se aproximou, não parecia acreditar naquilo. — Lutaram bem, devo admitir.
— Parece que esse aqui foi assassinado por um animal selvagem. — Disse o homem com tom de escárnio. Thomas encarou o teto de uma maneira calma e suspeita. — Que seja! Não tem mais o que fazer aqui, né?
— Podem tirar os corpos? — Perguntou Thomas.
— Claro. — O policial disse de modo sarcástico, desviou o olhar para Amara. — É melhor levar sua namorada para casa, ela parece bem desconfortável com essa carnificina.
Amara soltou o ar dos pulmões vendo os policiais retirarem os corpos. Uma nova morte subia para seu bloco de notas sombrio e o sangue se espalhava por suas mãos que antes apenas escreviam palavras. O caminho até a casa de Ariana foi feito em silêncio, Amara agradeceu por isso, não sabia o que podia conversar com Thomas e entendia que ele se encontrava na mesma situação. As luzes apagadas diziam que as pessoas da casa já estavam dormindo. Thomas soprou a fumaça do cigarro, estava prestes a levar aos lábios quando Amara o puxou, tragando-o generosamente. Ele nunca a viu fumar, aquela atitude o pegou de surpresa. Amara devolveu o cigarro, soprando a fumaça para o alto, deixando-a se misturar com a brisa gelada da noite.
— Obrigado por me trazer. — Disse ao dar um passo para a porta. Thomas a parou, segurando sutilmente o pulso fino da mulher.
— O que aconteceu agora a pouco...
— São seus negócios, seu mundo. — Amara disse de modo quase severo. Thomas a encarou.
— Você não merecia ver isso. — Disse, parecia arrependido, evitando encará-la firmemente. — Vou entender se quiser ir embora.
— Você tem razão, mas quero que diga isso olhando para mim. — Amara exigiu. Thomas levantou o olhar. — Quer que eu vá embora?
Thomas trocou o peso da perna e jogou o cigarro fora. Ele não queria que ela partisse, mas sabia que isso era a coisa mais certa a se fazer. Seu mundo era perigoso demais para pessoas como Amara.
— Não! — Ele iniciou, engolindo o sabor amargo do cigarro. — Não quero que vá embora, mas não quero que se machuque por minha causa. Mas sei que enquanto estiver perto de mim, correrá perigo.
— Então... Talvez seja a hora de aprender a atirar melhor. — Amara se aproximou de Thomas, levando as mãos para dentro do sobretudo dele. Sentiu uma energia estranha percorrer o próprio corpo quando tocou na arma que o homem carregava no coldre. Thomas uniu os lábios em uma linha dura.
— Tem algo diferente em você. — Thomas levou uma mão para o queixo de Amara. Por um momento, viu os olhos verdes brilharem maliciosos. — Não parece mais a mesma mulher que conheci no Pub. Não. Você parece ter perdido um pouco daquela essência inocente.
— Sinto o mesmo, esse lugar e você estão me corrompendo. — Ela disse. Riu de leve ao sentir que de fato, estava se tornando outra pessoa, o que poderia ser ruim ou não. — Mas não acho que seja um problema, a menos é claro, que você tenha medo de se envolver com uma mulher fria e calculista.
— Mulheres por natureza já são frias e calculistas. — Ele a puxou para mais perto. O gemido involuntário que Amara deu naquele momento o atiçou. — Não quero que deixe que aquela Amara que conheci se vá. Quando deixamos nosso lado bom partir, dificilmente o encontramos novamente.
— Diz isso por experiência própria? — Perguntou, aproximando o rosto ao de Thomas. Deixou que os olhos caíssem para os lábios carnudos que ele possuía.
— Sim, aqui dentro, eu sou um pouco problemático. — Disse em um sussurro.
— Um pouco? — Riu de leve. — Tommy, eu sempre soube da sua confusão e me meti propositalmente no seu caos. — Ela o puxou para mais perto.
Ligeiramente ofegante, Amara passou a língua pelos lábios de Thomas, antes que pedisse passagem para aprofundar o beijo. A nicotina do cigarro acentuava o sabor, assim como gostava da forma que ambas as línguas deslizavam facilmente e quentes. Ela não se admirava pelo modo viril que ele a beijava, pelo contrário, era o tipo de beijo que esperava de um homem como Thomas Shelby, totalmente dominante, apertando-a cada vez mais, como se quisesse torná-los um só. Thomas era habilidoso e confiante, sabia usar muito bem a língua e demonstrava isso com clareza. Ela gemeu baixo quando ele a confinou contra parede, quase a levantando do chão. Se de alguma forma eles pudessem sumir naqueles tijolos, com certeza seria naquele momento. O calor que irradiava do meio das pernas dela surtia efeito nele, que já se encontrava tão rígido quanto as armas que carregava.
— Tommy... — Chamou, sentindo os lábios dele estarem em seu pescoço. Ela o queria, doía por desejá-lo, mas seu lado racional dizia que aquilo seria um empurrão no escuro incerto. — Thomas!
Ele a encarou, com as bochechas vermelhas e lábios inchados. Os olhos azuis como o céu brilhavam luxuosos por baixo dos cílios grossos e escuros.
— Eu tenho que entrar. — Ela disse. Thomas piscou algumas vezes.
— Tudo bem. — Respondeu depois de um tempo. Então se afastou, passando a mão pelo rosto. Ele queria terminar o que tinham começado ali mesmo na rua, encostado na parede de tijolos, seria um bom jeito de aliviar o que havia acontecido há algumas horas, mas não desrespeitaria Amara, ela não era uma puta e merecia um belo tratamento, principalmente depois de tudo que tinha passado. — Boa noite, senhorita Flynn.
— Boa noite, senhor Shelby. — Amara disse, com as bochechas ruborizadas e lábios levemente inchados, antes de abrir a porta e sumir por ela.
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A manhã chuvosa despertou Amara. Por algum motivo, Ariana se encontrava alegre pela casa e o pretexto veio segundos depois. Uma reunião sobre os direitos femininos aconteceria naquele dia. Não foi surpresa para Amara saber que Ariana participava desse tipo de reuniões, a enfermeira exalava feminismo. Amara se sentiu animada, sabia que a luta pelos direitos iguais era árdua e a década de vinte ainda engatinhava em direção a eles, mesmo sendo uma época muito marcada por grandes manifestações. Ariana explicou sobre o movimento, as reuniões aconteciam aos fundos de uma loja de roupas femininas, e o dia teria uma presença especial, mas talvez, chegassem um pouco atrasadas.
— Então a pauta é sobre direitos que nós mulheres podemos exercer além da cozinha. — Ariana disse ao dobrar o canto de uma rua. Sarah caminhava à frente, a garota parecia tão animada quanto a irmã mais velha. Amara olhou por cima do ombro, vendo dois Peaky Blinders a seguirem como cães de guarda. — Não que cozinhar e cuidar da família seja algo terrível, mas as mulheres devem saber que podem ser outras coisas além do que já estão acostumadas. Eu sei que tirei você do seu serviço, mas tenho certeza de que seu ponto de vista do futuro pode fazer com que muitas mulheres se importem mais com o que podemos ser, além disso, você está precisando se afastar um pouco daquele pub.
— Nunca me senti tão animada como agora. Tem ideia do que está sendo participar de algo que vai ficar registrado na história? — Amara disse. Ariana parou em frente a uma loja, batendo algumas vezes na porta. — E sobre o Garrison, não posso discordar de você.
— Por isso estamos aqui. — Ariana disse.
Segundos se passaram até uma mulher de meia-idade aparecer na porta. Amara e Ariana foram guiadas por um corredor simples, descendo escadas até que chegassem a uma sala modesta e confortável. Um pequeno grupo de mulheres estavam sentadas, enquanto outra fazia um discurso encorajador sobre um pequeno palanque improvisado.
— ... Em mil oitocentos e vinte sete conquistamos o direito a frequentar escolas, no entanto, nos limitaram a isso. Em mil oitocentos e trinta e sete conseguimos entrar para o ensino superior, ingressar é uma universidade. Estamos em uma década revolucionária, nosso movimento vem conquistando muito, inclusive o direito ao voto, mas não podemos parar por aí, precisamos continuar lutando, nossa voz é tão importante quanto a dos homens que se acham superiores a nós. — Disse. Seu tom de voz era contagiante, ela era segura. A palestrante ergueu o punho ao receber uma salva de palmas das mulheres que havia ali. — Precisamos de banheiros exclusivos para mulheres nas fábricas em que trabalhamos. Temos direito a um salário digno, somos mães, esposas, irmãs, mulheres, muitas de nós precisamos prover sozinha uma família inteira. Precisamos ser respeitadas ao passar pela rua, ganhamos vozes e não sermos as culpadas por assédios, estupros e outras agressões.
— O nome dela é Jessie Eden. — Ariana murmurou para Amara. A jornalista sentiu o coração acelerar, estava diante de uma das maiores vozes da revolução industrial e uma figura importante para o partido comunista.
— Eu deveria ter adivinhado. — Amara respondeu à amiga. Jessie transbordava a energia que só uma adolescente poderia causar. — Você já deve imaginar que Jessie vai se tornar uma figura muito importante na história, e não acredito que estou na frente dela, em carne e osso e tão jovem.
— Eu apresento vocês. — Ariana a puxou para mais perto. — Eden sempre esteve à frente do seu tempo.
— Você não faz ideia. — Amara vibrou.
Jessie desceu do palanque, conversando com algumas mulheres que a rodearam. Amara recebeu um folheto, o movimento sufragista estava se popularizando rápido entre as mulheres menos favorecidas, esse era o primeiro marco do movimento feminista, agora presenciado pessoalmente por Amara. Depois da primeira guerra, que deixou muitos homens incapacitados, a Inglaterra precisava da força das mulheres para se reerguer, claro que esse foi o fator decisivo para que o voto feminino e o direito à participação ativa em cargos políticos fossem atendidos. Agora as mulheres inglesas tinham direito ao voto e vozes que não se calariam facilmente.
— Jessie! — Ariana chamou.
Amara sorriu quando a viu se aproximar. Jessie era jovem, talvez não tivesse muito mais que dezoito anos, no entanto, seu modo de expressar mostrava força e perseverança, tornando-a madura até mesmo antes do tempo. Jessie cumprimentou primeiro Ariana, antes de voltar atenção para Amara.
— Jessie, essa é Amara Flynn, uma amiga que também tem interesse no movimento e tenho certeza, que tem muitas ideias. — Ariana disse.
— Devo dizer que é uma honra estar na companhia de uma jovem revolucionária, você tem um futuro promissor, Eden! — Amara a cumprimentou com certa empolgação.
— Obrigada. De onde você é? Só pelo sotaque sei que não é inglesa. — Jessie perguntou.
— Estados Unidos.
— Hum. O movimento sufragista tem também ganhado força por lá. — Jessie sorriu.
— Sim, ainda não conquistamos o direito ao voto como vocês, mas isso é só uma questão de tempo. — Amara disse. Sabia que o voto feminino nos Estados Unidos chegaria apenas em mil novecentos e vinte e que o movimento por lá, seria mais pacífico que o europeu.
— É bom saber que é otimista. — Jessie disse. — Ariana mencionou sobre suas ideias. O que tem em mente.
— Bem... — Amara trocou o peso da perna. Sabia que muitas questões deveriam ser colocadas em pautas, muitas que ainda seriam um tabu a serem tratados naquela época, principalmente o racismo. — É bom saber que o movimento tem ganhado força no meio de mulheres periféricas, e quanto as mulheres negras? Sabem que elas também procuram a igualdade de gênero e racial. Se uma mulher branca passa por alguma dificuldade, uma negra sofre o dobro.
Em menos de um ano, as mulheres brancas receberiam o direito de votar nos Estados Unidos, no entanto, apenas no ano de mil novecentos e sessenta, mulheres e homens negros poderiam ter direito ao voto. Essa luta por direitos iguais seria mais longa e difícil do que aquelas pessoas poderiam esperar.
— É uma boa observação. O nosso propósito é lutar pelo poder feminino, trazer mulheres de todas as raças e classes para essa luta. Sei que juntas somos mais fortes. — Jessie disse, sua atenção se prendeu à porta. Eden voltou a encarar Amara. — Espero poder ver você em outras reuniões, sinto que tem ideais que nosso movimento precisa, é aliada ao comunismo?
— Um pouco, os princípios me agradam. — Amara comentou.
— Então mais um motivo para conversarmos. — Eden sorriu. — Agora preciso ir, mas fiquem à vontade na reunião, essas mulheres estão aqui para ouvirem que podem fazer o que bem-quiserem.
Jessie se foi. Amara foi puxada para uma roda de conversa com outras mulheres. Horas depois, se via caminhando para o Garrison, sozinha, já que ao sair na rua após a reunião, não encontrou mais os seguranças. Mesmo assim, estava se sentindo um pouco mais forte e confiante depois de uma boa dose de troca de informações. Era bom poder acrescentar um pouco na história, mesmo que seu nome não se tornasse tão relevante como o de Jessie Eden, por exemplo. Sua volta no passado estava ficando interessante, se tornando a aventura mais importante que já pôde desejar. Quando entrou na rua que a levaria para o Garrison, avistou Grace, parando bruscamente no meio do caminho. A loira não tinha um semblante agradável, muito menos um tom de voz amigável quando se aproximou dela.
— Precisamos conversar, de mulher para mulher! — Disse de modo áspero. Amara uniu os lábios em uma linha dura, sabendo que algo bom não viria dessa conversa.
E S P E C I A L 2 0 K
eeeeh finalmente chegamos aos 20k e como eu queria muito comemorar esse número, fiz um novo video, dessa vez, um BOOK TRAILER OFICIAL para a fic [fiquem atentos aos spoilers rs], o video vai ficar na introdução do livro, mas vocês podem dar aquela olhadinha por aqui, espero que gostem tanto quanto eu gostei. Eeee tem mais, notaram a capinha nova? Eu to apaixonada por ela, também foi feita especialmente para comemorar essa meta que claro, eu não conseguiria sem vocês! Como já disse, quando eu pensei em escrever essa fic [depois de um surto da madrugada] eu achei que ela seria flop, mas tem se mostrado o contrário, eu to muito feliz com todos os leitores que ela tem ganhado todos os dias e me sinto grata por isso, meus romances são complicados, cheios de altos e baixos, quem já me conhece sabe, então não desistam de mim, no final, tudo dá certo rs. E mais uma vez, obrigado clã, vocês são maravilhosos.
https://youtu.be/_RqwKw2AQlM
Capitulo postado dia (16/07/2021), não revisado.
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