𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟏𝟏
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A cada curva que o carro de Thomas fazia, Amara perdia um pouco mais de fôlego. Estava nervosa, e embora soubesse disfarçar bem a angústia daquele momento, sabia que o homem ao seu lado era capaz de farejar seu medo como um cachorro selvagem. Em poucos minutos o veículo parou em frente ao que parecia ser uma oficina. Thomas encarou a mulher ao seu lado por um curto tempo antes que abrisse a porta para que pudesse sair.
Amara pôde sentir o frio atingir sua pele como navalhas. Em silêncio, Thomas a guiou para dentro do lugar. A mulher torceu o nariz ao sentir um odor duvidoso no ar. Seus passos faziam barulhos sobre os pedregulhos do chão. Ela queria dizer algo, aquele silêncio que pairava entre eles era angustiante. Thomas seguiu em frente, levando-a para um galpão, onde pôde ouvir barulhos familiares. O cheiro das selas trouxe lembranças alegres a Amara, fazendo-a sorrir brevemente. Cavalos, havia cerca de três deles. Os animais pareciam curiosos com as presenças humanas.
— Então é para cá que traz seus funcionários? — Ela deixou escapar, notando que além dos animais, eles estavam a sós. Thomas permaneceu de costas. Levou uma mão para o bolso, enquanto a outra tirava a boina da cabeça.
— Iria levá-la a igreja, mas você não me parece religiosa. — Ele disse, ainda sem encará-la. Amara deu um passo cauteloso até Thomas. — Lembrei do que me disse há alguns dias, que tinha contato com cavalos na infância, então julguei que se sentia mais à vontade entre eles.
— Sim, meu pai trabalhava em uma fazenda e cuidava de cavalos. — Amara caminhou até um cavalo negro, acariciando sua crina brilhosa. — São belos.
— É, eles são. — Thomas se virou para mulher. Ele a fitou, em silêncio e admirado. Amara parecia ter um dom especial com os cavalos, assim como parecia entendê-los facilmente. Ele daria tudo para saber como ela conseguia ser tão enigmática e ágil com o que se colocava para fazer.
— Mas não me trouxe para ver cavalos, não é? — Amara o encarou. Thomas ergueu o queixo.
— Não conversamos sobre o que aconteceu na corrida. — Thomas começou. Amara engoliu seco. — Sei que o que fiz com você não foi certo, mas talvez queira saber que conseguir a autorização do Kimber, e mesmo que tenha pedido para não agradecer, aqui vai, obrigado por me ajudar.
— Então era só isso? — Ela sorriu de lado sem achar graça nas palavras de Thomas. Ele deu mais um passo em sua direção, com uma expressão séria no rosto.
— Não. Eu cumpro com minha palavra, senhorita Flynn. Eu prometi um cargo a você na minha empresa e é o que terá.
— Eu pensei que já trabalhava para você, no Pub. — Amara manteve o contato visual. Thomas estava rígido, como uma parede de tijolos, não esboçava qualquer reação.
— Eu preciso de alguém, Amara. — Ele disse. Deu mais um passo na direção dela. Amara não se moveu, aos poucos a distância entre eles era encurtada. — Talvez você seja a pessoa que procuro.
— Eu não sou contadora, muito menos advogada.
— Eu sei, assim como sei que é uma boa mentirosa. — Suas palavras a pegaram de surpresa. Amara prendeu a respiração por poucos segundos. — Quando olho para você, me pergunto quem realmente é. Tem prática com as bebidas, então provavelmente deve ser verdade que já trabalhou em outros bares. Mas quanto ao resto, você parece um enigma.
— Eu não quero terminar minha noite em um interrogatório, Thomas. — Amara travou o maxilar, antes de dar dois passos em direção a porta.
— Eu não terminei. — A voz de Thomas saiu alta, como uma ordem, fazendo-a parar onde estava. — Olhe para mim! — Ouviu a voz do homem mais próximo.
Amara fechou a mão em um punho, sentindo as próprias unhas machucarem a pele. Ela se virou para Thomas, se mantendo mais firme que poderia. Ele estava perto, seus olhos brilhavam sob a luz modesta que pousava em seu rosto, ainda assim, ele parecia amedrontador.
— É notável que você veio parar em lugar ao qual não pertence e sei que passou por situações desagradáveis, algumas por minha culpa. — Ele disse. Amara uniu as sobrancelhas. Thomas não parecia realmente culpado pelas situações que a havia colocado, mas queria se redimir por elas. — Já deve ter percebido que as coisas que faço são ilegais.
— Você não faz muita questão de esconder isso de mim. — Ela disse, de modo ácido. Thomas inclinou levemente o rosto.
— E mesmo assim continua trabalhando no Garrison. Ajudando o Arthur com as finanças e dando dicas para os negócios.
— Seu irmão é péssimo com contas. Você não possui uma boa administração e pelo visto, nem modos para lidar com empregados.
— É por esse motivo que quero contratá-la, você tem tudo que preciso. — Thomas ergueu a mão, segurando uma mecha de cabelo da mulher. O espaço que havia entre eles foi encurtado mais ainda. — Também tem um motivo a mais de estar empregando você, algo que deveria saber, um detalhe essencial.
A mão que segurava a mecha de cabelo, pousou delicadamente sob o queixo de Amara. Thomas deixou que seu olhar caísse para os lábios rosados e bem definidos. Naquele momento, Amara não soube como reagir. O zunido cresceu em seus ouvidos, assim como seu coração acelerou as batidas dentro do peito. Thomas a puxou, colando seus lábios de maneira delicada e firme nos dela. Amara não esperava sutileza vinda de um homem como ele, mas foi isso que recebeu naquele momento. Os lábios permaneceram unidos por poucos segundos. E ainda que Thomas quisesse continuar, tinha que se controlar ou colocaria tudo a perder. Ele encarou Amara, que abria preguiçosamente os olhos, como se estivesse acordando de um sonho. Estudou a reação da mulher, não sabia se ela estava em choque ou perdida com sua atitude.
— Aceita trabalhar para mim? — Perguntou ele, quase em um sussurro.
— Você tem uma maneira estranha de contratar seus funcionários. — Disse Amara. Encarou Thomas, onde um riso fino deslizava por seus lábios bem desenhados. — Tenho que pensar melhor sobre isso, você me pegou de surpresa.
— E vai dar uma resposta?
— Sim, embora não seja certo misturar o profissional com o pessoal. — Ela respondeu.
Thomas se afastou da mulher indo para a porta do galpão, tomando controle dos seus desejos sórdidos com toda força que tinha, e precisava fazer isso longe dela. Amara sorriu, mordendo os lábios antes que caminhasse na mesma direção de Thomas. Algo em seu peito havia acendido de forma exorbitante, e ela não sabia se gostaria de sentir aquilo.
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O calor havia subido, e as respirações se tornado únicas e ofegantes. Amara jogou a cabeça para trás, sentindo os lábios de Thomas percorrer cada centímetro da sua pele nua. Olhos azuis e selvagens a fitaram, desejosos e curiosos para conhecer minuciosamente o corpo feminino que se movia com maestria abaixo dele. Amara mordeu os lábios, sentido Thomas explorar seu sexo com a língua, indo mais fundo que podia, se saciando com o sabor feminino levemente adocicado. Ela se contorceu, sentindo que seu orgasmo era empurrado cada vez mais para a beira do precipício. Suas mãos se agarraram na cama, soltando um gemido alto quando seu interior pareceu desmoronar em uma explosão de prazer.
Em um salto, Amara abriu os olhos. Seu corpo tremia, estava suada ao ponto de encharcar a camisola que usava. Sentou-se na cama, passando as mãos pelos cabelos para ter certeza de que havia acordado. O beijo de Thomas, embora a tivesse pegado de surpresa, havia sido forte o suficiente para ficar em sua mente. Praguejou a si mesmo por se deixar ser seduzida facilmente por ele. A resposta para o que Thomas queria gritava em sua mente, assim como os desejos que começava a nutrir por ele. Amara sentia que havia caído de vez na sua própria armadilha, perdido por completo as rédeas da situação que havia criado. Definitivamente, misturar trabalho com o pessoal não era o certo.
Pela primeira vez o clima de Birmingham parecia agradável, diferente do humor de Amara. Naquela manhã, antes que saísse para trabalhar, foi surpreendida por um garoto um pouco mais velho que Sarah. O menino usava roupas surradas e parecia faminto. Em suas mãos havia um bilhete, que foi entregue para a mulher em troca de pães e café. Campbell solicitava um novo encontro. Amara fez o caminho diferente do habitual, contra sua própria vontade. O museu sempre era o lugar de escolha do inspetor. Pela primeira vez, Amara havia começado a detestar estar no meio de obras de arte e registros históricos. Foi pega de surpresa quando o homem a puxou cordialmente para um corredor. Campbell gostaria de parecer discreto. Ninguém suspeitaria dos seus encontros ali, havia quem dissesse que Amara era sua filha e de fato, ela poderia ser, mesmo que ele não sentisse qualquer afeto por ela.
— Agora manda crianças em situação de rua para entregar seus recados? — Questionou ela. Chester a encarou sem responder.
— Só encontramos cigarros e uísques. — Campbell disse quase em um sussurro. Amara se divertiu internamente com seu descontentamento.
— Significa que ele não é burro. Espero que tenha deixado tudo no lugar. — Amara sorriu para um casal. Campbell a puxou novamente para outro corredor.
— Também não somos burros, senhorita Flynn. Você tem ido bem, mas preciso mais do que isso. — Disse próximo ao ouvido dela. Amara odiava o modo como o inspetor invadia seu espaço.
— E quanto a sua outra espiã, o que ela tem conseguido? — Perguntou. Campbell limpou a garganta.
— Agente. — Corrigiu com inquietação. Então continuou. — Ela tem se esforçado também. — O inspetor não a encarou. Amara pôde deduzir que ela continuava estagnada.
— Thomas me fez uma proposta. — Mencionou. Sentiu as pontas dos dedos gelarem. — Quer me dar uma vaga na empresa que está abrindo.
— Então ele quer promover você? — Campbell a encarou.
— Ele precisa de uma contadora e secretária. — Disse. O inspetor gargalhou.
— Um gangster assassino com uma secretária. — Era nítido o tom de escárnio em sua voz. Aquilo incomodava Amara, ainda que não demonstrasse. — As pretensões desses criminosos são impressionantes. Não acha?
— Minha opinião não é relevante. — Deu de ombros.
— Thomas não ofereceria esse cargo para alguém que simplesmente caiu em sua frente. — Amara manteve a atenção presa em uma escultura, mesmo que não se importasse com os detalhes entalhados no mármore. — Suponho que tenha se envolvido com ele, como sugeri. E agora Thomas está se apaixonando por você.
Aquelas palavras fizeram o estômago de Amara congelar. Thomas apaixonado? Ainda por cima por ela? Um riso escapou por suas narinas.
— Talvez esteja lendo muitos livros de romance, senhor Campbell. — Ela sorriu. — Homens como Thomas Shelby não se apaixonam facilmente, nem têm tempo para o amor.
— Estou dizendo que um homem que corta orelhas e línguas, está oferecendo uma vaga alta no esquema dele, e acha que ele não sente nada por você? — Por um momento, Amara sentiu a tensão a consumir. Chester parecia irritado, sua face vermelha demonstrava isso. Um ataque cardíaco poderia cair bem agora, pensou de forma maldosa.
— A parte mais difícil é saber quem realmente é o Thomas, sem esquecer quem eu sou de verdade. — Disse ela. Seu olhar desviou da escultura para o inspetor. — Por esse motivo, não pretendo aceitar a proposta dele.
— Acho o contrário, deveria aceitar. Precisa saber sobre as armas roubadas. — Amara o encarou, curiosa.
— Que armas? — Enrugou a testa.
— Thomas roubou armas e munições que deveriam ser enviadas para a Líbia Italiana. — Respondeu, seu tom de voz havia diminuído, aquele era um assunto confidencial que ninguém mais deveria saber. — Ele sabe que pode conseguir poder com elas, por isso estou nessa cidade. Eu preciso saber onde elas estão.
Tudo fazia sentido agora, inclusive a conversa e a acusação sobre o roubo de armas feita por aqueles homens que haviam frequentado o pub. Amara compreendia agora toda a obsessão de Chester em por Thomas atrás das grades ou o mais provável, sentenciá-lo à morte. Uma mão pousou no ombro da mulher, trazendo-a de volta para a realidade sólida.
— Isso não irá durar muito, minha querida. — Campbell disse.
— Eu garanto que não! — Respondeu entredentes.
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Quando Thomas atravessou a porta dupla do Garrison, Amara soube que teria que dar uma resposta a ele. Observou em silêncio, enquanto o Shelby se movimentava atrás do balcão, servindo dois copos com uísques com certa autoridade. Thomas empurrou um copo para a garçonete, um meio sorriso estava presente em seus lábios. Por um momento, Amara se lembrou do beijo tímido e rápido que tinha recebido na noite anterior, assim como sonho erótico que havia tido mais tarde. Ela corou com as lembranças, aceitando a bebida para disfarçar o rubro das bochechas.
— O que estamos comemorando? — Perguntou. Thomas puxou um papel de dentro do paletó.
— Espero que tenha pensado na proposta, porque diante dos seus olhos está o seu contrato. — Disse com certo orgulho.
Amara encarou o papel amarelado. Seu nome estampava a primeira linha, sendo seguida por sua futura função: secretária. O sabor amargo da bebida subiu para sua boca novamente. Evitou olhar para Thomas, seria difícil dizer a ele que recusaria a oferta. Embora aqueles olhos fossem frios, eles conseguiam queimá-la como fogo.
— Thomas... — Iniciou tomando coragem. Levantou o olhar para ele, unindo forças para não vacilar no que diria a seguir. — Não posso aceitar sua proposta.
— Achei que pensaria sobre o assunto. — Ele parecia decepcionado, embora fosse bom em tentar disfarçar, mas seu tom de voz entregava sua verdadeira emoção.
— Eu não me sinto suficiente para esse cargo. Talvez deva procurar outra pessoa. — Disse.
Thomas puxou um isqueiro do bolso antes de dar as costas para a garçonete. Prendeu um cigarro entre os lábios, acendendo-o em seguida. Soprou a fumaça para o alto, deixando um suspiro ir junto. O Shelby sabia que havia sido precipitado ao beijá-la na noite anterior, mas era isso que acontecia quando deixava os sentimentos falarem mais alto que a razão.
— Ainda está com raiva? — Ele partiu o silêncio do salão. Amara se aproximou do balcão. Thomas permanecia de costas.
— O quê?
— Por causa do Kimber. — A encarou novamente.
— Acha que eu não aceitei sua proposta por causa daquele homem? — Ela sorriu, descrente. — Você não me pediu desculpas por aquilo, mas quer se redimir com uma proposta decente de trabalho. — Amara disse, desafiando o homem à sua frente com o olhar. — Ainda assim, Thomas, você precisa de uma pessoa apta para isso, e eu sou apenas... uma garçonete.
— Não posso fazer você mudar de ideia, assim como não posso obrigá-la a aceitar. — Soprou-a fumaça do cigarro. — E sobre aquele dia, fizemos o que tínhamos que fazer e estou recompensando você por isso.
— E você acha que isso vale mais que um pedido de desculpas? — Amara perguntou. Thomas desviou o olhar rapidamente para as mãos.
— Então tudo que quer é um pedido de desculpa? — Ele perguntou. Amara emitiu um ruído de desaprovação.
— Se for verdadeiro, mas talvez seu orgulho não deixe...
— Me desculpe. — A cortou. Amara cruzou os braços, esperando por mais. Thomas quase revirou os olhos. — Eu não deveria ter te vendido como uma puta, eu não honrei com minha palavra. E situações como essa, não voltará acontecer.
— Ah meu Deus! Você ainda tá inteiro aqui na minha frente. Não doeu, não é? — Ela perguntou com um humor ácido. Thomas uniu as sobrancelhas, confuso. Havia feito o que ela pediu e ainda assim, Amara não parecia satisfeita. — Você me deixa realmente confusa, Thomas. Não diria decepcionada, pois não espero nada de você, sem querer ofender seu ego de cuzão, é claro.
— Por acaso quer pedir demissão? — Perguntou ele. Amara negou com a cabeça. — Muito bem, eu ainda preciso de um favor seu, o último. — Disse a última frase rápido, antes que a mulher lhe desse mais uma resposta afiada.
— O que quer dessa vez? — Amara perguntou.
— Preciso que entregue isso para minha irmã. — Thomas deslizou um envelope no balcão.
— Não fala com ela?
— Ninguém fala. Ela tem se escondido da família. — Disse.
— Ou ela tem se escondido de você? — Perguntou, audaciosa. Thomas travou o maxilar.
— Um pouco dos dois. — Respondeu insatisfeito. — Ela frequenta a casa de banho na Rua Montague, só nos dias para as mulheres. Preciso que você entregue pessoalmente para ela.
— E o que vou entregar? — Sua curiosidade falou mais alto. Amara puxou o envelope, era simples e sem qualquer informação por fora.
— É um convite, para uma festa de família e eu quero que ela vá. — Thomas coçou o espaço entre as sobrancelhas. — Diga que faremos uma trégua.
— Você deve ter feito algo muito ruim para sua irmã se afastar. — Deixou o envelope na mesa novamente, batendo um dedo no papel. — Isso aqui é a iscar para pegá-la novamente, não é?
— Sem perguntas. — Thomas e encarou mais de perto. O riso que recebeu fez seu interior se aquecer. De certa forma, gostava do modo como aquela mulher o provocava. — Apenas entregue o convite para minha irmã, por favor.
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Amara pode se sentir um garotinho de recado, ainda sim, essa tarefa era mais fácil do que seduzir o rei das corridas e deixá-lo em coma por três dias. A casa de banho para mulheres não era tão movimentada quanto Amie esperava. Brincou com o envelope pequeno nas mãos. Seu olhar era atento por cada rosto feminino que cruzava seu caminho. Amara ainda se lembrava bem de Ada, rosto redondo, cabelos curtos como a moda ditava e seus intensos olhos azuis, um conjunto que não sairiam facilmente da mente da jornalista. Ada também parecia mais distante da família Shelby, talvez tivesse seus próprios motivos ou algo que envolvesse seu amado marido.
Um grupo pequeno de mulheres adentrou na sala de espera. Amara encarou cada rosto, se familiarizando rapidamente com o mais bem feito e cuidado. Ada a olhou de volta, com a testa franzida como se puxasse do fundo da memória quem era a mulher que a encarava. Um riso tímido parou nos lábios dela, assim como um dedo se levantou na direção de Amara.
— Conheço você. — Ada disse. Logo seu sorriso se desfez, ela sabia o que a garçonete estava fazendo ali. — O Tommy mandou vim atrás de mim, não foi? Inferno!
— Sim, tenho uma coisa para te entregar. — Amara se levantou da cadeira, parando a poucos passos da mulher. Ada era jovem e tinha a fúria dos Shelby, mesmo que já não usasse o sobrenome, ela não poderia negar o sangue que corria em suas veias. Suas bochechas cobertas por sardas estavam ruborizadas, ela respirava impaciente. — O Thomas pediu para entregar isso. — Amara puxou o envelope. Ada não se moveu, seus olhos ainda estavam presos no rosto da garçonete. — É um convite, para uma festa.
— Santo Deus! — Ada bufou. Se levantou da cadeira com certa dificuldade. Sua barriga estava muito grande e isso a assustava levando a acreditar que talvez tivesse dois bebês ao invés de um. — Vamos para um lugar reservado.
Amara seguiu Ada. A Thorne a levou para os fundos da casa de banho, onde toalhas de banho lavadas estavam estendidas em uma quantidade generosa. Sem pedir por licença, Ada puxou o envelope das mãos de Amara, lendo baixo. Era uma festa de casamento, seu irmão John iria se casar com uma garota cigana. Ela sorriu mais alto do que pretendia. Ada sabia que John jamais aceitaria um casamento forçado, ainda mais com uma catadora de cogumelos da família Lee.
— O meu irmão não tem escrúpulos. — Sorriu mais uma vez, ainda encarando o bilhete. — Thomas e suas manias de querer decidir o futuro dos irmãos.
— Talvez ele esteja apenas pensando no melhor para vocês. — Amara disse. Mordeu a língua quando recebeu um olhar feio da jovem grávida.
— Ele pensa somente nele e nos cavalos que vencem as corridas manipuladas. — Ada começou a rasgar o papel. — Por causa dele não posso sair na rua ou viver em paz com meu marido.
— Eu sinto muito.
— Não sinta, você não tem culpa de nada. — Ada a encarou com certa piedade. — Agora ele quer se aproximar de novo. Eu não irei a essa festa, e mande ele ir a merda por mim!
— Talvez devesse ir, não pelo Thomas, é claro. Mas, pelos seus outros irmãos e sua tia. — Amara segurou o pulso de Ada, evitando que ela rasgasse o resto do papel.
— Não acho que John irá se casar. — Ada sorriu maldosa. — Mas confesso que gostaria de ver a expressão dele ao conhecer a nova noiva ou ajudar a dar um soco bem dado na cara do Thomas.
— Nova noiva? — Amara perguntou.
— Era óbvio que Thomas não aceitaria a Lizzie na família, então tratou de achar outra. — Disse. Amara se recordou da reunião de família e da maneira que todos agiram ao ouvir o nome da futura noiva de John. Casar-se com uma prostituta era tão ruim assim para a família Shelby?
— Então mais um motivo para você ir para a festa, seu irmão vai precisar de você.
— Talvez você também devesse ir. — Ada disse. Amara negou com a cabeça.
— Não faço parte da família.
— Vai como minha convidada. — Sugeriu. — Também não quero ir sozinha.
— Eu preciso trabalhar.
— Um dia que faltar no pub não irá levá-lo à falência. — Amara trocou o peso da perna. Os olhos de Ada brilharam. — Sabe que não pode recusar o pedido de uma grávida!
— Você é realmente uma Shelby. Sendo assim, eu vou. — Amara disparou. Um riso satisfeito surgiu nos lábios de Ada, que estava começando a gostar da garçonete.
— Ótimo, me encontre na frente da igreja às dezenove horas e podemos ir juntas. — Ela acariciou a barriga. — Você me parece ser uma garota legal, pena que trabalha para o diabo de Small Heath.
Amara sorriu, o diabo não era ruim para todos, afinal.
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A parte mais difícil era contar a Ariana o motivo de ter saído cedo do serviço e para onde estava indo. No fim de tudo, a Lowry não demonstrou qualquer reação sobre a notícia que John iria se casar com outra mulher e mandou felicidades ao novo casal, mesmo que não estivesse sendo verdadeira. Amara teve ajuda em escolher uma roupa para o casório. Um vestido bege e de mangas curtas que pertencia a Ariana havia caído como uma luva em seu corpo. Um cinto fino marcava bem sua cintura, o casaco da mesma cor cobria seus ombros para que lhe protegesse do frio de Birmingham. Aos poucos, Amara se sentia parte daquela época, quase se esquecendo como havia parado lá.
Ada a esperava no lugar marcado, acariciando a barriga pontuda como um meio de afastar o estresse. Um riso amigável foi trocado entre as mulheres. O caminho para o casório era maior do que Amara esperava, mas foi feito com um táxi solicitado por Ada. Amara foi a primeira a saltar do carro, sentindo a brisa gelada pinicar sua pele. A vila onde os ciganos viviam era simples, mas as cores saltavam vivas das carroças. Uma música alta tocava ao longe, assim como gritos de homens e uivos de cachorros. Haviam chegado tarde, perdido a cerimônia de casamento. No final, tudo estava dando certo e John havia dito sim para a sua nova esposa.
Polly Gray parou onde estava, segurando firme o copo de uísque na mão. Sua atenção passou de Ada para a mulher que a acompanhava, Amara, lembrou-se vagamente do nome. Mesmo que quisesse perguntar o que a garçonete estava fazendo ali, correu para acolher a sobrinha em um abraço, ela havia aceitado o convite, finalmente algo estava dando certo.
— Tia Polly! — Ada disse, contente. Amara permaneceu afastada, ainda não se sentia totalmente à vontade na presença da Shelby mais velha, principalmente depois do que ouviu a mulher proferir.
— Que bom que veio. — Polly se afastou da sobrinha, torcendo a boca em desaprovação ao encarar por cima do ombro de Ada. — Trouxe uma convidada?
— Amara. — Ada a chamou, voltando atenção para a tia. — Eu não viria sozinha.
— E não foi fácil convencê-la. — Amara disse. Polly sorriu de leve, desviando a atenção para a sobrinha novamente.
— Venha, Ada, precisa conhecer sua cunhada. — Polly dispensou o comentário de Amara com um aceno. — Hoje é dia de família!
Amara mordeu o canto da boca, sabia que não era bem-vinda entre aquelas pessoas e Polly parecia deixar bem nítido. Ada partiu, prometendo que logo voltaria. Uma cantoria começou mais alta após um disparo. Amara caminhou até uma fogueira, deixando o calor aquecer seu corpo de fora para dentro. Sentia uma energia transbordar em seu corpo, estava sendo contagiada pela dança e a cantoria daquele povo. Uma mulher ofereceu uma caneca, Amara aceitou, sabendo que não se negava nada a um cigano. Bebeu um gole generoso da cerveja, observando cada rosto daquele lugar.
Fogos de artifícios e gritaria animavam o ambiente, o povo cigano realmente sabia como dar uma festa. Amara vagou entre eles, achando Ada momentos depois com John e uma bela moça, provavelmente, a noiva. Thomas estava sentado mais distante, dividindo mesa com uma mulher mais velha, e ao julgar pelas suas vestes, Amara soube que ela certamente era a rainha dos ciganos. Amara sorriu quando Ada a abordou novamente, uma covinha marcou sua bochecha, gargalhou quando foi puxada para o centro da roda para uma dança.
A bituca de cigarro havia ido ao chão, Thomas se preparou para acender mais um cigarro até sua atenção se prender do outro lado da festa. Foi como se tudo tivesse parado e os foliões ao seu redor não existissem mais. Nesse momento, Thomas se perguntava o que Amara fazia ali, mas o modo como sua irmã a abordou segundos depois, respondeu sua pergunta. Ele a contemplou como se fosse uma obra de arte cara e rara.
Thomas cruzou as pernas, bebendo um gole do uísque que havia trazido de casa, agora tinha ganhado um novo entretenimento na festa. Amara rodopiou no centro da roda com sua irmã mais nova, pareciam duas crianças se divertindo longe das vistas adultas, sem se importarem com julgamento. Viu quando John se juntou a elas com a esposa. Aquele era um momento de paz, a família Lee e os Shelby se divertiam juntos.
— Ela trouxe a garçonete. — Ouviu quando Polly murmurou ao seu lado.
— Estou vendo. — Respondeu. — É uma festa, Polly.
— Uma festa de família, ela não deveria estar trabalhando? — Thomas levantou o rosto, se divertindo com o descontentamento da tia.
— Como disse, é uma festa. — Ele se levantou da cadeira.
— Sabe que eu não confio nessa mulher. — Polly encarou Amara novamente.
— Apenas porque não consegue ler o futuro dela como consegue ler das outras pessoas. — Ele disse, arrancando um olhar furioso da mulher.
Amara se sentia tonta, seus pulsos estavam doloridos devido às mãos de Ada que a seguravam com força enquanto giravam juntas. O suor gelado percorria seu corpo. Amara parou para tomar um ar, enquanto sua nova amiga a chamava para dançar mais, ela ainda se perguntava como uma grávida conseguia ter tanta disposição, mas talvez o álcool que estava ingerindo tinha uma parcela de culpa.
— Ada, que bom que veio. — A voz de Thomas soou a alguns metros de Amara. — Senhorita Flynn.
Ele a cumprimentou com um aceno de cabeça. Amara retribuiu o gesto em silêncio.
— Não por você, Thomas. — Ada se aproximou do irmão. Amara percebeu como seu tom de voz começava a ficar mais arrastado devido à bebida alcoólica que estava ingerindo.
— Mesmo assim fico feliz que tenha vindo. — Thomas levou a mão para o bolso, assumindo uma postura relaxada. — Como vai seu marido?
— Ele não está falando comigo e quando fala, me chama de Maldita Shelby, mesmo que agora eu seja uma Thorne. — Ela disse.
— Uma Thorne que incomoda, com certeza. — Thomas sorriu. Seu olhar desviou da irmã para Amara, que ouvia a conversa em silêncio.
— Amara veio comigo, minha convidada, então nem pense em descontar do salário dela. — Ada se adiantou. Conhecia bem o olhar que seu irmão dava a sua nova amiga.
— Eu não faria isso. — Disse ele. Sua mão ergue-se na direção de Amara. — Sei que só aceita pedidos de dança se forem feitos da maneira certa. Então, me concede essa dança, senhorita Flynn?
— É bom saber que não esqueceu disso, eu aceito. — Amara respondeu. Ada revirou os olhos quando viu Thomas puxar Amara para a roda de dança.
Thomas uniu o corpo com o de Amara. Seus rostos próximos dividiam o mesmo oxigênio. Um riso fino surgiu em seus lábios, enquanto suas mãos apertavam a cintura fina da mulher, movimentando-a para um lado e outro. A música era mais animada que a primeira que haviam dançado no Garrison ou no salão de corridas. Mesmo assim, a energia prevalecia. Quando Thomas a tocava, seus demônios dormiam. Amara foi a primeira a sair da roda de dança, dessa vez, verdadeiramente exausta. Caminhou para longe da festa, para um lugar mais calmo e menos barulhento.
A lua cheia brilhava com todo esplendor no céu, mesmo assim, não ofuscava o brilho singelo das estrelas. Uma respiração leve chamou atenção de Amara, Thomas estava ao lado, contemplando a beleza da noite. O silêncio havia pairado entre eles, talvez não houvesse palavras para serem realmente ditas naquele momento. Então, uma luz cortou o céu, uma claridade que fez o interior de Amara ferver. Ela abriu os lábios, puxando todo o oxigênio que podia para seus pulmões.
— Uma estrela-cadente. — Thomas apontou para a luz que sumia gradativamente no céu. — Deveria fazer um pedido.
Amara fechou os olhos, no entanto, não teve forças para pedir o que tanto queria. Uma força maior a fez abrir os olhos e se assustar com Thomas a sua frente, curioso com o que a mulher havia desejado.
— Acha que estrelas podem realizar pedidos? — Ela perguntou-lhe. Thomas se aproximou dela, encurtando de vez toda a distância.
— Quando desejamos muito uma coisa, elas acontecem. — Ele disse.
Thomas não esperou por uma resposta e a puxou para um beijo mais intenso, saboreando o sabor alcoólico das bebidas que Amara havia bebido momentos antes. De alguma forma, ela havia se tornado mais saborosa. Dessa vez, Amara consentiu aprofundar o beijo, pedindo passagem com a língua para encaixar os lábios de uma forma prazerosa e confortável. O frio não importava mais naquele momento. O calor subia entre o casal em uma sintonia única, enquanto suas línguas deslizavam sutilmente uma na outra de forma quente e macia. O fôlego faltou entre eles, mesmo assim, não se soltaram. Thomas a mantinha bem presa em seus braços, enquanto deixava beijos estalados na pele nua e salgada, talvez um dia tivesse a oportunidade de deixar beijos em lugares mais escondidos. Se lembraria de pedir isso a próxima estrela-cadente que visse.
— Tommy! — Era Polly, que parou abruptamente ao ver seu sobrinho com a garçonete.
Amara se afastou com a mão na boca, evitando olhar na direção de Polly.
— O que foi? — Perguntou ele, furioso.
— Diga para a Ada ir mais devagar, ela está descontrolada. — Polly não deu mais nenhum passo.
— Como se ela fosse me escutar. — Thomas desviou o olhar para Amara.
— Eu acho melhor ir para casa, adeus. — Amara disse, sentindo que o clima da festa iria mudar. Deu alguns passos antes de o seu pulso ser seguro.
— Eu levo você e a Ada para casa, vamos. — Disse. Amara não o contrariou, afinal, estava muito longe para voltar a pé.
De volta a multidão barulhenta, Amara se deparou com uma Ada ainda mais animada do que havia deixado. Arthur estava impaciente, enquanto tentava segurá-la de alguma maneira. Thomas xingou em um idioma diferente, indo na direção da irmã mais nova.
— Ada, vamos para casa. — Thomas disse, puxando-a pelo braço.
— Me solta! — Se desviou dele. — Venha ver, Esme! — Ada disse. — Venha ver a família à qual se uniu!
— Thomas, controla ela! — John disse, irritado.
— Olhe para o homem que manda nessa família, ele escolhe a mulher do irmão! — Gritou ela. — E ele caça a própria irmã como se fosse um rato e tenta matar o cunhado.
— Ada, já chega! — Thomas a segurou.
O clima da festa havia mudado drasticamente. A música alta tinha parado, sendo substituída por cochichos e murmúrios feitos na direção dos Shelby.
— E agora ele não me deixa nem dançar nessa merda em paz! — Disse entre lágrimas.
Amara apressou os passos quando Ada parou de falar, sua face empaleceu. Ela gemeu dolorosamente. Em poucos segundos uma água escorria por suas pernas, o estresse daquela confusão a havia colocado em trabalho de parto.
— A bolsa dela estourou. — Polly disse. Thomas se afastou, sem saber como reagir.
— Que merda Ada, você sempre estraga tudo. — Amara não soube decifrar quem havia dito aquelas infelizes palavras.
Com a ajuda dos irmãos, Ada foi colocada em um carro. O caminho para Small Hearth foi feito as presas, Thomas era um bom motorista até mesmo quando agia sob pressão. Amara nunca havia presenciado um trabalho de parto e sabia que aquele com certeza não seria fácil, gostaria de ficar para ajudar se Polly Gray não interviesse, alegando que ela seria mais útil no pub servindo bebidas. Amara não discutiu, não era o momento para isso.
— Sua tia me detesta. — Amara cortou o silêncio. Thomas desligou o carro ao parar em frente à casa de Ariana.
— Ela não detesta você, só não a conhece bem para dizer que gosta. — Ele disse em um ato de tranquilizá-la.
— Isso pode ser um problema? — Amara perguntou. Thomas a encarou pensativo.
— Bom, não posso dizer ainda. — Disse. Amara mordeu os lábios inferiores, ter uma guerra pessoal com Polly Gray não estava em seus planos.
Uma luz foi acesa dentro da casa, acompanhada por uma silhueta pequena. Amara fitou Thomas, deixando que o silêncio constrangedor caísse novamente entre eles.
— Você fez um pedido para a estrela? — Perguntou Thomas, curioso.
— Não. — Disse, sincera. — Você fez?
— Sim.
— E acha que vai se realizar?
— Eu acho que já se realizou. — Thomas disse.
O calor dos seus lábios aqueceu os de Amara novamente. Sua mão prendeu atrás da nuca da mulher, intensificando novamente o beijo molhado. A outra mão traçou o caminho para as coxas femininas, indo em direção a parte mais quente, explorando cada ponto que podia. Amara arfou, se afastando de Thomas quando percebeu que estava indo depressa demais. Mesmo que seu interior gritasse por ele, sua outra parte pedia por distância, de alguma forma as lembranças do dia do ataque que sofreu ainda trazia sensações ruins.
— Melhor eu entrar. — Disse. Thomas acenou em silêncio. — Boa noite, Tommy. — Ela sussurrou. Thomas sorriu, era a primeira vez que ela o chamava pelo apelido.
— Boa noite, Amara. — Respondeu.
O beijo finalmente veio e a Amara já tendo aqueles sonhos que possivelmente muitas já tivera (ou só eu tive? abafa rsrs.) Espero que tenham gostado do cap de hoje e se preparem pq os próximos serão maiores e espero que não seja problema.
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Capitulo postado dia (21/06/2021), não revisado.
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