𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎┊𝟎𝟏𝟎
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Nenhuma alma viva gostaria de esbarrar na enfermeira que caminhava em passos firmes pelas ruas de Small Heath. Aquilo havia sido a última gota, o empurrão no precipício que Ariana não estava preparada. A mulher puxou a arma da bolsa quando dobrou um canto mais vazio, aguardando o momento certo para apontar para a pessoa que esperava. Ela sabia que ele passaria por ali, aquele era o caminho preferido do Peaky Blinder. Ariana contou os minutos e ergueu os pulsos, no entanto, suas mãos tremeram. Ela não faria nada, não colocaria tudo a perder quando ainda tinha uma vida inteira pela frente.
John jogou o fiel palito de dente fora e acendeu um cigarro. De cabeça baixa e distraído, não percebeu a presença feminina, nem mesmo quando ela o acertou com uma coronhada. Um xingamento raivoso voou da sua boca assim como o cigarro, enquanto ia em direção ao chão de lama escura. Puxou a própria arma que guardava dentro do paletó caro, apontando para a mulher à sua frente. Aquela mulher, que conseguiu arrancar um riso doloroso dos seus lábios.
— Que porra! Ariana... — Ele gemeu entredentes, levando a mão para a cabeça ainda sentindo a dor da pancada. Sua boina e marca registrada, estava caída a alguns metros.
— Eu disse que não queria que nenhum Shelby se aproximasse de mim ou da minha irmã! — Ela disse. Seus olhos estavam vidrados, enquanto o peso da arma ainda incomodava suas mãos.
— Do que está falando? — John se levantou do chão, batendo a lama das roupas. Não desviou o olhar da arma enquanto juntava a boina de uma pequena poça de água escura.
— Não reconhece a arma? — Ela a ergueu para o alto. John franziu o cenho.
— Pensei que enfermeiras lidavam com seringas e remédios, não com armas. — Um riso passeou pelos lábios de John, arrancando um gemido furioso da mulher. Ele encarou mais de perto a arma. — Espere aí...
— É sua arma, não é? — Ela perguntou. John engoliu seco vendo sua inicial marcada no ferro. — O seu irmãozinho, Finn, quase atirou na Sarah na porta da minha casa enquanto brincavam.
— Eu não sabia que ela havia sumido e nem que ele havia pegado. — John estendeu a mão para Ariana, pedindo silenciosamente pela arma.
— Eu tomei dele antes que algo pior acontecesse. Você e seus irmãos deveriam ter um pouco mais de cuidado com essas coisas.
— Você tem razão, agora pode me devolver? Por favor? — John pediu. Ariana sorriu de lado.
— Então aprendeu a dizer por favor. A guerra realmente pode mudar um homem. — Ela disse de modo sarcástico. John suspirou.
— Você fica bonita quando sorri dessa forma. — Disse, paquerador. Ariana fechou o riso, abaixando a arma.
— Ainda se lembra disso?
— Eu sei que você e eu não terminamos da maneira que queríamos...
— Não vim aqui para falar sobre o passado. Só quero que deixe seu irmão longe da minha irmã!
— Eles são crianças e estudam juntos, assim como parecem ser bons amigos. — John se aproximou de Ariana, arrancando sutilmente a arma das suas mãos. — Não posso interferir nisso. Não da mesma forma que...
— Adeus, John. — Ariana passou por ele.
— É sério? Pensei que agiríamos como adultos depois de tanto tempo. — Sua voz saiu alta o suficiente para fazer Ariana parar onde estava. John tomou coragem para falar o que queria. — Eu sinto muito por tudo, mas às vezes não fazemos as coisas que queremos.
— Excerto os Shelby. — Ariana se virou para John. — Vocês fazem tudo que querem ou pelo menos o que o Thomas quer.
— Ari... O Thomas só me fez refletir sobre o que era o certo e o errado, eu tomei a decisão e não ele.
— O Thomas isso, o Thomas aquilo. Você tem medo dele, aliás, todos, não é? — Ela avançou mais um pouco, segurando o nó que se formava em sua garganta.
— Olha, eu sinto muito por não termos nos casados como eu havia prometido. Eu errei em trair você e tive que subir ao altar ao lado da mãe dos meus filhos, você preferiria que eu a abandonasse para ficar com você, hein? — Ele a encarou. Ariana não respondeu. — E aí veio a guerra e você realmente não faz ideia do quanto aquela porra nos muda. Eu morri em combate, Ari.
— Você quer ouvir que tem razão, que fez o certo. — Ela disse mais baixo. — Mas não é isso que vou dizer. Você não fez mais sua obrigação em se casar aquela moça, é uma pena ela o ter deixado tão cedo e com tantos filhos pequenos.
— E é por isso que vou me casar de novo. — Disse quase em um sussurro.
— O quê? — Ela o encarou. Perplexa.
— Meus filhos precisam de uma mãe e eu de uma esposa. Por isso vou me casar com a Lizzie Stark. — Disse sério. Uma risada seca saiu sem intenção da boca de Ariana.
— Lizzie, a prostituta? — Ariana cruzou os braços. — Acha que mesmo que o Thomas vai deixar isso acontecer?
— Por que ele não deixaria?
— Eu era só uma garota quando ele disse que não era boa o suficiente para você. — Ariana se lembrava das palavras ditas por Thomas naquela época, que ainda doíam em seu peito quando se lembrava. — Isso porque brincávamos todos juntos... Mas quer saber, não é só a guerra que é capaz de mudar as pessoas, palavras também fazem isso. — Ela suspirou. — Torno a repeti, deixe seu irmão longe da minha irmã.
— Ari... — Ela ouviu John chamar uma última vez, mas o ignorou, como vinha fazendo por tanto tempo.
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Amara desceu as escadas de casa, sabendo que seu dia provavelmente seria longo. Sua atenção se fixou na garotinha sentada em frente a janela. Era visível o estado aborrecido de Sarah, sabia que a garota não era tão quieta daquele jeito. Mais cedo, Amara ouviu uma pequena discussão e a porta se fechando em seguida. Algo muito ruim deveria ter acontecido para deixar Ariana tão furiosa.
— O que aconteceu? — Amara se aproximou de Sarah.
— Ariana ficou furiosa porque me viu brincando com o Finn. — Sarah murmurou sem desviar o olhar da janela.
— Só por causa disso? — Amara perguntou, curiosa.
— Não, ela não gosta dos Shelby e quer que eu os odeie também. — A garotinha suspirou descontente.
— E o que eles fizeram de tão grave para ela? — Perguntou se aproximando mais alguns passos.
— A única coisa que sei é que o John Boy partiu o coração da Ariana e ela o odeia profundamente. — Sarah a encarou. Amara piscou algumas vezes chocada com o que havia ouvido. — Por que adultos são tão complicados?
— Eu não faço ideia! — Amara arriscou um sorriso. Caminhou até a garota se abaixando para que pudesse encará-la melhor.
— O Finn é diferente dos irmãos. — Disse Sarah, sincera. — Agora estou de castigo por apenas brincar com ele e nem posso mais vê-lo. Ariana disse que vai pedir para me trocarem de turma.
— Eu sei que ele é diferente. Ela não deveria proibir você de falar com ele. — Amara levou as mãos para o rosto de Sarah.
— Então vai me ajudar a sair do castigo e poder brincar com ele novamente? — Perguntou esperançosa. Aquilo quase partiu o coração de Amara. — Eu não tenho muitas amigas, mesmo o Finn sendo irritante, ainda é meu único e verdadeiro amigo.
— Não sei como posso ajudar você, mas é melhor obedecer a sua irmã por enquanto. — Amara pigarreou. — Depois que a poeira abaixar, vocês podem voltar a brincar, nisso talvez eu possa ajudar.
— Você até que é legal. — Sarah a encarou, contente.
— É, você também... — Amara confirmou. Ambas sorriram.
— Amara, posso te perguntar uma coisa? — A garota encarou a mais velha.
— O quê?
— Você beijou o Thomas quando saiu ontem com ele? — Sarah perguntou. Amara se levantou, cruzando os braços, evitando sorrir com a pergunta da garota.
— Não teve beijo, Sarah. E acho que isso não é assunto para conversar com você. — Amara disse.
— Desculpa. — Disse. Mas então, um riso travesso pousou em seus pequenos lábios. — Mas quer beijar ele um dia?
— Sarah, você não tem tarefa de casa para fazer? — Amara perguntou.
A garota pulou do sofá gargalhando, enquanto subia as escadas para o andar de cima. Amara passou a mão pelo cabelo. Ainda se sentia péssima pelo dia anterior, quando havia sido a peça fundamental no contrato de Thomas. Ela afastou os pensamentos para longe, tinha ainda uma missão para cumprir, mesmo que essa não fosse nem um pouco do seu gosto.
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O Garrison não estava movimentado, era sempre assim pelas manhãs. Amara ainda varria o chão quando John e Arthur Shelby atravessaram as portas duplas. Mesmo que não quisesse reparar tanto nos homens, notou que John possuía uma marca vermelha na cabeça, algo que era lembrado e caçoado pelo irmão mais velho.
— Bom dia, Amara. — Arthur disse, quando John sumiu mal-humorado dentro da porta que levava para a sala reservada. — Como vai os negócios?
— Você está sendo praticamente o primeiro cliente do dia. — Respondeu sem emoção. Arthur sorriu de lado, pegando uma garrafa de uísque e alguns copos.
— Isso é para a reunião de família. — Disse. Amara o encarou. — Depois vamos ter alguns trabalhos, algumas bebidas estarão chegando e preciso que me ajude a organizar tudo.
— Tudo bem. — Amara forçou um sorriso para o novo chefe.
Arthur entrou na sala reservada. Ela voltou a atenção para as cadeiras, empilhando-as sobre a mesa para que pudesse limpar o chão sem obstáculos. As portas foram abertas novamente, dessa vez, Amara prendeu a respiração ao encarar quem entrava por ela. Thomas a cumprimentou em silêncio, estava acompanhado por uma mulher mais velha, que por sua vez, checou Amara dos pés à cabeça. Polly Gray, não precisava de apresentações formais, já que transmitia uma carga de energia quase magnética em volta do corpo, deixando bem claro quem era e o nível de poder que tinha em mãos.
— Meus irmãos já chegaram? — Thomas perguntou sem encará-la nos olhos.
— Sim. — Amara respondeu, desviando o olhar para a mulher, que ainda mantinha a atenção presa nela.
— Polly. — Thomas chamou, entrando na sala reservada em seguida.
Amara sorriu sem jeito para Polly. Ser encarada pelos olhos negros e inexpressivos da mais velha, lhe trazia calafrios, ainda assim, admirava aquela mulher que exalava poder. Clientes chegaram ao pub, Amara os atendeu com pressa, gostaria de escutar o que os Shelby tratavam na reunião de família. Harry conversava com alguns homens, quando Amara se aproximou da pequena janela, limpando com cautela para que pudesse ouvir o que se passava do outro lado.
—... Ela estava furiosa comigo... — John disse. — Quase quebrou minha cabeça.
— Sabe que a Lowry, desde pequena, sempre foi difícil de lidar. — Thomas se pronunciou. Pelo seu tom, Amara sabia que ele estava próximo à janela.
— Eu fiz o que você pediu, Tommy. — John disse entredentes. — E em troca, perdi a única mulher que amei de verdade.
— Eu só consertei seu erro, John. Se a amasse da mesma forma que ela amou você, manteria seu pau dentro das calças e não engravidaria outra. — Thomas disse. Era impressionante seu tom de voz autoritário, agindo como pai ao invés de irmão.
— Você disse que ela não era boa para mim. — Um soco na mesa ecoou pelo cômodo.
— E eu não estava errado. Ela não era a mãe dos seus filhos. — Thomas rebateu.
— E agora ela faz parte do seu passado, querido. — A voz de Polly se fez presente na sala. — Como pode entender que você escolheu o certo?
— E por isso que irei fazer isso novamente. Vou me casar. — Disse John. Amara parou de limpar a janela com a notícia. As pessoas dentro da sala sorriram.
— A pobre sabe que vai se casar com ela ou vai dar a notícia de supetão? — Polly perguntou, tentando afastar a vontade de rir.
— Eu já propus, e ela aceitou. — John disse. — É a Lizzie Stark.
— John... — Polly fez uma pausa, antes de sorrir novamente.
— Vai se casar com uma prostituta? — Dessa vez foi a voz de Arthur que preencheu o ambiente.
— Ela mudou. — John disse alto. — As pessoas mudam... Igual religião.
— Então a Lizzie Stark agora é religiosa? — Thomas perguntou, parecia entediado.
— Não, ela não é. Mas ela me ama. — Amara engoliu seco, era possível sentir o desespero na voz de John. Ele não estava se casando por amor e sim por necessidade. — Tommy, sabe que não farei nada sem a sua bênção. De todas as pessoas no mundo, eu quero que você veja... Como um ato de coragem.
— Haja coragem para isso... — Arthur cortou o diálogo.
Amara se afastou da janela, enjoada demais para ouvir o resto da conversa. Voltou a atenção para algo que não envolvesse o drama da família Shelby, sabia que não iria conseguir nenhuma informação importante ali. Um homem parou em frente ao balcão, a Flynn pôde jurar já tê-lo visto antes.
— Posso ajudá-lo? — Ela perguntou. O homem abriu o casaco que usava, retirando um pequeno bilhete de lá.
— Esteja nesse lugar, nesse dia, em ponto. — Ele disse. Amara puxou o bilhete, conhecendo os garranchos que o preenchia, seus lábios se abriram, mas o homem não esperou por uma resposta e partiu em seguida.
Amara teria que encontrar Campbell em um museu, certamente seria um dos poucos lugares que eles não correriam risco de esbarrar com algum Peaky Blinders. Com o papel amassado e enfiado no bolso, Amara fitou quando a família saiu da sala reservada, provavelmente já haviam chegado alguma decisão sobre o casamento de John. O clima denso parecia pousar no salão, principalmente quando Polly se aproximou do balcão.
— Como é o seu nome? — Polly perguntou de queixo erguido.
— Amara Flynn. — Respondeu.
— Amara. — Pronunciou as palavras lentamente, como se saboreasse o sabor de cada letra. — Como a graça e a misericórdia, e claro, ao amor. A persistência corre em seu sangue, menina.
— Sim, eu acho.
— Me dê a sua mão... — Polly sorriu de lado. Amara obedeceu com certa cautela. O toque frio fez com que o interior da mais nova estremecesse. Ela olhou para Thomas, que hora ou outra desviava o olhar dos irmãos para o que ambas as mulheres falavam. — Meu sobrinho estava certo, você é indecifrável.
— Perdão? — Amara franziu o cenho. Polly se afastou do balcão sem respondê-la.
A porta dupla foi aberta, onde uma figura pequena surgiu correndo. Finn estava ofegante, com bochechas vermelhas, tomando atenção de todos os adultos em um só segundo.
— Tommy, Tia Polly, fomos atacados! — Avisou o menino, ofegante.
— Santo Deus. — Polly disse ao levar uma mão para o peito. — Fique aqui, Finn.
Amara encarou Harry, alarmada, se perguntando internamente quem em sã consciência atacaria Thomas Shelby. Quando os Shelby mais velhos partiram, Finn fez o mesmo, era claro que ele não passava de mais um membro teimoso do clã.
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Arthur não estava no Garrison quando caixas de madeiras foram deixadas nas portas dos fundos por alguns homens que trabalhavam para os Shelby. Amara sabia que a ausência do homem era por conta do ataque que sua família havia sofrido, uma medida audaciosa partida dos inimigos de Thomas, que provavelmente, não temiam a morte. Uísques e cigarros enchiam as caixas de madeiras, assim como o odor horrível que vinha delas.
— Onde eles guardam essas bebidas? No esgoto? — Amara perguntou com o nariz torcido.
— Acho melhor nem saber. — Harry comentou com um meio sorriso.
— Quem você acha que atacou o Thomas? — Amara encarou o antigo chefe. Harry deu de ombros, enquanto checava o estado de cada bebida.
— Não tenho ideia.
— Thomas parece ter muitos inimigos. — Murmurou ela.
— E falando no diabo... — Harry disse mais baixo quando Thomas atravessou o salão em direção a sala reservada. — Você faz isso ou eu tenho que ir lá?
— Tudo bem, eu atendo. — Amara disse.
Esquecer o que Thomas tinha feito ela passar no dia anterior era difícil, mesmo assim, Amie deveria continuar sua obrigação no pub, agora agia por pura sobrevivência nas mãos do inspetor. Amara abriu a porta da sala, colocando um copo acima da mesa e servindo com uísque irlandês, o favorito dele. O Shelby puxou uma pequena carta de dentro do paletó cinza, brincou com o papel antes de jogá-lo na mesa.
— Dia difícil? — Amara cruzou os braços.
— Nenhum dia é fácil, mas consigo vencer todos. — Thomas disse, encarando o copo de bebida. Amara percebeu que ele não falaria a menos que fosse indagado, como sempre.
— Então conseguiu vencer mais uma vez?
Thomas levantou o olhar para Amara, acendendo um cigarro. Não era fácil encará-la depois dos maus lençóis que ele a havia colocado para que conseguisse uma autorização. Embora no dia anterior ela estivesse furiosa ao ponto de xingá-lo e partido sem se despedir, agora parecia ter virado essa página, ainda assim, uma parcela de culpa o corroía, e sabia que um simples pedido de desculpas não facilitaria as coisas entre eles.
— Eu sempre venço. — Sorriu de lado.
— E sempre consegue o quer. — Amara disse ríspida. — Já conseguiu a autorização com o Kimber?
— Ainda não, mas é questão de tempo e claro, se ele acordar. — Thomas disse. Amara sorriu com certa maldade.
— Ele vai acorda logo. Quando isso acontecer, não precisa vir aqui me agradecer. — Amara caminhou até a porta, sem dizer mais nenhuma palavra.
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Disposto a fazer qualquer coisa pelo poder, Thomas Shelby não teme a morte, assim como não parece ter grande apreço pela vida, pelo menos, não como deveria. Um homem que sabe exatamente onde pisar, ciente que o céu é o seu limite. Com tudo, o líder da gangue mais perigosa de Birmingham é uma figura solitária, assombrado pelo passado da guerra e preso a correntes de uma dor infindável. Seu olhar carrega o frio de forma angustiante, que parece pedir por socorro para sair da casca-grossa que envolve seu corpo como uma barreira. Por que Thomas se recusa a sorrir? Parece temer a felicidade, como se isso de alguma forma demonstrasse fraqueza. Talvez, o desejo de chegar à plenitude dos negócios o tenha cegado ou ele esteja se protegendo de algo ainda mais doloroso do que já passou. Quem sabe, homens como Thomas Shelby não saibam o verdadeiro significado da felicidade ou tampouco se importam com ela. Há também a probabilidade de que não a mereçam e estejam fadados a viverem no limbo de uma vida vazia.
O lápis pousou acima do Watson com as considerações a respeito de Thomas Shelby. Por um momento, Amara pensou no que mais escreveria sobre ele. Um riso amargo pousou por seus lábios. E pensar que ela havia voltado no tempo para ver com os próprios olhos o tipo de homem que Thomas realmente era, não que não tivesse ciência do que ele realmente fazia. Não estava sendo fácil se embolar nesse ninho de problemas. Amara passou as mãos pelo caderno, relendo cada parágrafo que havia escrito sobre o Shelby. Ainda se perguntava se realmente tinha pena do homem quem ele realmente era, mesmo depois do que ela havia passado. Talvez Thomas realmente merecesse o destino da solidão.
— Insônia? — Ariana perguntou. Amara fechou o caderno.
— Um pouco. Quando isso acontece, escrevo ou leio algo. — Colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha. Amara olhou atentamente para a amiga, percebendo que Ariana não se encontrava no melhor dos humores. — Aconteceu algo?
— Hoje mais cedo, tive o encontro com o passado... — Disse após um suspiro cansado. Ela fechou o roupão que usava em volta do corpo, sentando-se em um espaço da cama. O dia da enfermeira tinha sido cheio pensando no novo casamento de John, desviando seu foco do trabalho.
— E isso envolve o John Shelby? — Amara perguntou. Ariana fechou os olhos brevemente, rugindo baixo. — A Sarah me contou.
— Você já teve o coração partido? — Ariana a encarou. Amara desviou o olhar para a janela pensando sobre a resposta. Tinha tido poucos namorados na vida, ao menos nenhum havia partido seu coração, como provavelmente o de Ariana se encontrava.
— Não. — Respondeu, baixo.
— Bom, eu já tive. — Ariana sorriu sem emitir som. — Quando cheguei a cidade, ainda era muito pequena, mas não demorou para que os conhecessem. — Disse. — John era o mais engraçado e o Thomas o mais mandão. O Arthur era o mais velho e queria sempre agir como um adulto, então não se envolvia em nossas brincadeiras e claro, tinha a Ada, que era só um bebê.
— Vocês cresceram juntos? — Amara perguntou. A enfermeira confirmou em silêncio.
— Era divertido. Naquela época, os Shelby não eram... Quem são hoje... — Ariana fez uma pausa. — Eu era mais próxima do John e com o tempo, percebemos que nossa amizade estava crescendo e indo para outro lado. Tudo mudou quando ele me beijou na oficina que brincávamos. — A Lowry sorriu, fazendo Amara imitar o gesto. — Descobrimos tudo juntos e quando ficamos um pouco mais velhos, ele disse que nos casaríamos e ficaríamos longe de Birmingham e dos negócios sujos da família.
— E então a guerra chegou. — Amara pronunciou as palavras lentamente.
— Não, antes disso ele me traiu e quando descobri e o confrontei sobre isso, ele disse que iria resolver tudo e que ficaríamos bem...
— Mas o Thomas impediu, não foi? — Amara a encarou.
— Ele disse que eu não era boa para o John e que o irmão dele deveria se casar com a Martha, a garota que John havia engravidado. — Ariana se levantou da cama, passando a mão pelo rosto. — Eu não soube o que fazer, eu perdi meu chão ali mesmo. Então fiz a única coisa que estava ao meu alcance, abrir mãos do único amor da minha vida.
— Ari...
— Eu acho que fiz o certo, aquela garota precisava de um marido mais do que eu precisava de um namorado. — Ariana mordeu o lado de dentro das bochechas com força. — E agora ele vai se casar de novo.
— Eu acho que esse é o maior ato de amor que uma pessoa pode fazer pela outra. — Amara se levantou da cama, puxando Ariana para um abraço. — Eu ouvi algo sobre o novo casamento no Pub, o Thomas pareceu não gostar da ideia.
— Nada agrada ao Thomas. — Ela disse. — Eu o deixei ir, mas ele sempre parece para me assombrar e agora a Sarah é a melhor amiga do irmão dele. — Ela disse se afastando. — Prometi aos meus pais que cuidaria dela como se fosse minha própria filha.
— Finn não é um problema, talvez seja melhor não acabar com a amizade deles, são só crianças...
— John e eu também éramos.
— A Sarah está chateada e uma amizade a mais não vai fazer com que sua promessa se quebre. Você é a melhor irmã mais velha que já conheci. — Amara sorriu.
— Talvez tenha razão. — Disse baixo. — Você tem irmãos? — Ariana perguntou.
— Não, sou filha única. — Amara se afastou da amiga.
— Acho que ganhou uma irmã então. — Ariana sorriu, suspirando em seguida. — Desculpa encher seus ouvidos com meus dramas.
— Está tudo bem.
— Você não falou como foi seu trabalho com o Thomas. — Ariana cruzou os braços. Amara prendeu a respiração por poucos segundos.
— Você estava certa, eu não devo confiar em homens, muito menos nos Shelby. — Sorriu, mesmo que não tivesse achado graça nas próprias palavras.
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ALGUNS DIAS DEPOIS
— Arthur, essas bebidas e esses cigarros possuem um odor horroroso. — Amara queixou-se ao adentrar no escritório. No entanto, seu chefe parecia perdido no meio de tantos papéis. — Pretende matar seus clientes?
— Hora essa, ninguém vai morrer se um ou dois cigarros estiverem fedidos. — Arthur disse, jogando a caneta sobre os papéis. Sua face estava vermelha, o que quase fez Amara sorrir, era nítido que ele não sabia lidar com a contabilidade do pub. — Você é boa em contas?
— Sou boa com palavras. — Ela deu de ombros. Se aproximou da mesa, vendo contas e mais contas estamparem as folhas. Amara encarou Arthur, sorrindo bondosamente para ele. — São roubados, não são?
— Não diga besteira, menina. — Ele respondeu, mal-humorado.
— Fedem assim por que vocês o escondem em barcos, não é? — Perguntou.
— Pode parar de fazer perguntas sem sentido e checar minhas contas, por favor? — Ele ergueu uma sobrancelha grossa, irritado.
— Esse lugar tem que começar do zero. — Disse ela ao checar as contas. — Deveria contratar alguém para lidar com as finanças visto que não sabe o que faz. — Amara observou as planilhas, mesmo que não entendesse tão bem de contas, ainda saberia fazer aquilo melhor que o Peaky Blinder. Arthur se encostou na cadeira, ouvindo cada palavra, atento. — Seus uísque e cigarros são dos bons, mas se guarda em um lugar medíocre para vender, então não terá lucro, apenas prejuízos.
— E o que sugere, senhorita Flynn? — Perguntou o homem.
— O óbvio, guardar em um lugar seco para serem bem conservados. — Amara disse ao rabiscar alguns papéis.
— Eles devem ficar longe da polícia.
— E dos ratos, não? — Ela sorriu.
— Todo cais tem rato, minha querida. — Arthur passou um dedo pelo bigode. — E são as ordens do Tommy.
— É claro. — Ela revirou os olhos. Parou de escrever por um momento, aquela informação poderia ser valiosa a Campbell, ao menos teria algo a dizer a ele quando fosse encontrá-lo. — Que ordens?
— Devemos manter o contrabando perto dos ancoradouros de barcos. — Arthur era um bobo, ela pensou em silêncio.
— Não tem medo deles serem revistados? — Ela deixou a caneta de lado e encarou Arthur.
— Não quando são ancorados em cruzamentos, assim temos mais de uma saída. — Ele bateu com o dedo na cabeça, sorrindo sutilmente. Amara sorriu também, satisfeita com as informações. — E não pode haver bloqueios por dois quilômetros, para movermos as coisas rapidamente.
— Eu realmente tiro o chapéu para seu irmão. — Amara disse. — Ele não obedece à lei, mas é rigoroso com as regras.
— Eu também sou. — Ele deu uma piscadela. Desviou o olhar para o papel, assumindo um semblante sério. — Minhas contas estão certas?
— Agora estão. — Ela confirmou. — Pense bem no que eu disse a você.
— Por que eu ouviria uma mulher? — Arthur perguntou. Amara mordeu o canto interno da boca, fechando a mão em um punho.
— Porque se os homens tivessem a mesma lógica e sutileza das mulheres, não teríamos tantas guerras e outros conflitos. — Foi a vez dela de lançar uma piscadela a Arthur, deixando-o no escritório sozinho.
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A brisa sutil soprou o cabelo de Amara, fazendo-a despertar para o que estava prestes a fazer. Seu coração estava acelerado, suas mãos tremiam levemente segurando a pequena bolsa com algumas moedas local. Ela subiu as escadarias que a levariam para o museu. Talvez tivesse outra oportunidade para visitar o lugar sem que fosse para entregar o esquema sujo dos seus chefes.
— Você demorou. — O inspetor disse. O homem usava um sobretudo grosso e escuro, o chapéu era uma peça fundamental para compor sua vestimenta. Amara ergueu o queixo, passando pelo homem, indo para a área menos movimentada do museu.
— Não é fácil sair do Garrison sem chamar atenção, o Arthur e o Harry também são curiosos. — Disse. Havia usado uma desculpa esfarrapada para sair do serviço, torcendo para que ninguém a visse cruzar as ruas em direção ao centro da cidade.
— Sabe que isso é por pouco tempo, Amara. Só preciso que me passe as informações certas. — Chester disse. — O que já descobriu.
— Descobrir onde ficam as bebidas e os cigarros contrabandeados, talvez lá você ache o que tanto quer. — Ela disse. Pôde sentir o frio percorrer seu corpo. Abriu a bolsa para tirar o bilhete com as informações que havia recebido de Arthur.
— O que teve que fazer para conseguir essas informações? — Chester a encarou, com o papel em mãos.
— O Arthur não sabe guardar segredos, diferente do irmão, ele se abre facilmente. — Amara disse. Observou um quadro onde anjos travavam uma guerra, ela quase pôde sentir a tensão daquela pintura.
— Muito bem, você está se saindo bem. — O inspetor se colocou ao lado da moça. — Se continuar cooperando com a polícia, pode ganhar uma boa recompensa.
— A única coisa que quero é ficar fora do seu caminho. — Ela disse entredentes. Sua pele formigou quando Campbell tocou em seu braço, tomando a atenção feroz da jovem mulher.
— Não queria ameaçá-la, mas minha outra agente não tem feito tanto progresso, então tive que recorrer a outras medidas. — Ele disse. Embora quisesse soar sincero, não a convenceu.
— Está tão cego em pôr o Thomas na cadeia que é capaz de passar por cima de qualquer princípio. — Amara se afastou do homem. — Adeus, Campbell.
Amara não esperou por uma despedida. Por um momento achou que fosse fraquejar, mas se encostou na parede para tomar fôlego e continuar sua caminhada para longe do museu e do asqueroso inspetor. Outra agente, as palavras ecoaram em sua mente. Amara se perguntou internamente quem era a outra pobre coitada que havia caído no golpe de Campbell e que para infelicidade do homem, não estava cumprindo sua missão.
De volta a Small Heath, a noite caiu sutilmente, assim como o frio congelante. Amie ainda temia por andar sozinha, seria difícil de esquecer o que havia acontecido há poucos dias. Talvez seus pensamentos tivessem alto o suficiente para não perceber o carro que parava à medida que a alcançava. Amara encarou o motorista, reconhecendo a boina cinza cobrindo parcialmente o rosto. Thomas parou o veículo quando finalmente conseguiu a atenção da garçonete.
— Não a encontrei no Garrison. O Arthur disse que você tinha ido ao hospital visitar uma amiga. — Thomas disse. Amara cruzou os braços para que seu corpo aquecesse. — Mas você também não estava no hospital...
— Então é isso que você faz nas horas vagas, vigia seus empregados? — Ela deu um meio sorriso. — Achei que Thomas Shelby fosse um homem mais ocupado.
— Arthur me falou sobre suas perguntas sobre nossas operações. — Ignorou o comentário maldoso da mulher, prosseguindo. Amara engoliu seco. — De como conseguimos nossas bebidas e de onde guardamos. Ele também me disse que você sugeriu uma ideia e organizou as contas.
— Eu só estava ajudando. — Amara disse. Thomas sorriu de lado, a boina fazia uma sombra sutil sobre seus olhos, permitindo que apenas seus lábios ficassem à mostra.
— Entra no carro, preciso ter uma conversa com você. — Thomas abriu a porta.
— Não posso chegar tarde em casa. — Disse.
— Não se preocupe com isso.
Amara pensou no que deveria fazer. Por um momento, um pensamento infernal passou por sua cabeça: Thomas havia descoberto sobre seus encontros com Campbell e esse provavelmente seria seu fim. Ela amaldiçoou todos os universos, maldito o dia que tinha sido jogada no passado por um pedido bobo. Deu o primeiro passo em direção ao carro, torcendo para que essa não fosse sua última viagem.
Oie, foi daqui que pediram cap longo? Juro que deu trabalho, mas conseguir, os proximos também serão grandes e minha nossa, a Amara tem muita coisa para viver ainda e o Thomas que lute kkkkk.
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Capitulo postado dia (05/06/2021), não revisado.
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