𝐂𝐀𝐏𝐈𝐓𝐔𝐋𝐎 𝐄𝐗𝐓𝐑𝐀
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ARROW HOUSE, WARWICKSHIRE
Não era um bom dia para sair de onde estava. Foi isso que minha mãe um dia me disse. Era seu pensamento mais sincero antes que uma imensa mudança ocorresse em sua vida. Hoje entendo o que ela quis dizer com aquilo, mas eu não estava preparado para passar pelas mesmas coisas. Não. O medo e a ansiedade me acompanharam desde pequeno até a fase adulta. Cresci vendo meus pais sussurrando pelos cantos, escondendo diários e fotografias como algo perigoso, semelhantes a armas letais que me machucariam. Minha mãe detestava a ideia de me ver longe, e meu pai acreditava que o destino não poderia ser alterado. Nunca entendi bem o motivo de algumas brigas deles, e principalmente, do que eu deveria fazer quando a hora chegasse. Que hora?
Meu pai sempre me falou sobre sua família, me levando inclusive ao cemitério onde me apresentou a cada irmão e parente que um dia possuiu. Ele dizia que eu deveria aprender sobre eles, para saber lidar quando a tal hora chegasse. Eu tinha oito anos e isso era confuso demais para minha cabeça. Aquelas pessoas estavam mortas, então, porque eu deveria saber sobre elas?
— Se elas morreram há muitos anos, por que você ainda está vivo? — Perguntei ao meu pai. Ele suspirou, se ajoelhando para ficar na minha altura. Encarei o fundo dos seus olhos azuis-claros, exatamente como os meus.
— Anthony, com o tempo você vai aprender que o universo guarda segredos que nem os mais estudiosos dessa época poderão responder.
— Ainda não entendo, pai. — Unir as sobrancelhas.
Ele segurou meu queixo da mesma forma carinhosa que fazia com minha mãe.
— Eu sei que é confuso, mas confie em mim, tudo bem? — Sorriu levemente. Acenei. Então ele arrumou a boina em minha cabeça e me puxou para longe das lápides.
Nunca compreendi as palavras do meu pai, mas acreditava nele. Thomas Shelby era um homem reservado e às vezes, agia como se tivesse vindo de outra época, algo que também era observado por muitos. Contudo, o tempo se encarregou de fazer com que esses questionamentos dissipassem da minha cabeça. Talvez fosse melhor assim.
Tive acesso a muitas coisas, mas também fui proibido de descobrir outras. Contudo, possui uma infância saudável, mas tendo privilégios que muitas crianças não tinham. Meu pai sempre agiu com a razão, me explicando sobre o mundo dos negócios e principalmente, sobre os descasos que poderia encontrar nesse ramo e as traições. Sempre quis ser como ele, ter toda a sua confiança em fechar negócios e comandar tantas empresas. Minha mãe agia mais sentimentalmente, mas não deixava de me ensinar a diferença do certo e errado, acrescentando que deveríamos fazer sempre o que fosse mais cabível. Todavia, não posso negar que sentisse que durante toda a minha vida, fui treinado por algo maior do que realmente esperava. Meus pais me preparavam para comandar algo mais além do que as empresas da família, mas não diziam isso em voz alta.
Em muitos momentos da minha vida fui assombrado por sonhos sem sentido e fragmentos de lembranças que nunca vivi. Foi então que comecei a pintar telas quando as noites mais difíceis me afligiam. A garota de semblante triste e olhos azuis me hipnotizava. Não sei quando comecei exatamente a sonhar com ela, mas sempre senti que a conhecia de muito tempo. O sentimento que eu tinha pela musa dos meus quadros não chegava nem perto do que senti por qualquer namorada que tive da adolescência até a fase adulta. Era algo grande, forte. Talvez o que eu sentia por ela comparava-se ao amor que meus pais sentiam um pelo outro: Real, sincero, intenso.
Quando voltei para casa após me formar em Economia e Administração, pronto para assumir de vez as empresas Shelby, fui chamado para uma reunião. Eu nunca havia visto meus pais tão apreensivos, dando olhares vazios ao nada. Eu havia tido muito tempo para aprender a lê-los exatamente para saber que algo não estava certo. Até mesmo a Tia Claire parecia distante. As explicações vieram como uma enxurrada devastadora de verdades. Minha mãe viajou no tempo, assim como meu pai veio de outro século. Passado, presente e futuro se misturando para que o universo pudesse acontecer de maneira linear ou o mais próximo disso. Um verdadeiro roteiro de filme de ficção científica ou de terror. E o pior, era eu o grande responsável por tudo, principalmente pelo o que eles haviam deixado no passado. Eu estava fodido. Muito fodido.
— Puta merda. Merda. Merda. Merda! — Me levantei da cadeira. Meu coração batia forte e eu não conseguia ouvir mais nada. — Então as histórias que me contavam antes de dormir... As pessoas que o papai me apresentou quando eu era criança...
— Anthony. — Era a minha mãe me chamando. Virei-me para ela. Mamãe uniu as sobrancelhas, deixando algumas rugas marcantes em seu rosto bonito. Seus olhos verdes estavam brilhando devido às lágrimas que ela tentava segurar. — Sentimos muito por guarda isso por muito tempo, mas antes você era só uma criança, agora é um adulto e deve compreender que...
— Vocês têm noção de como eu estou agora? — Dei um passo até ela. Meu pai se levantou da cadeira, puxando-a para trás. Minha mãe apenas engoliu em seco. — Minha cabeça parece estar dando voltas em cima do pescoço. Essa história de me contaram, isso não faz nenhum sentido!
— Eu sei que é difícil, Anthony. — Meu pai falou. Abrir a boca, soltando um gemido frustrado. Eu não queria ouvir mais eles. Toda a história que ouvi parecia uma enorme alucinação coletiva. — Não tem como fugir disso. E antes que questione algo mais, nunca quisemos isso para você, mas também apreendemos que o destino nem sempre pode ser controlado.
— E quando isso vai acontecer? Que horas? Que dia? — As perguntas fluíram de mim. Meus pais se entreolharam.
Ninguém sabia ou não queriam me dizer.
— Tem algo para você, próximo à fonte. — Minha tia veio até mim. Encarei ela. Algo brilhou em suas mãos, me fazendo questionar o que mais viria pela frente. — Isso pode deixar as coisas mais fáceis de serem entendidas.
Quando a Tia Clarissa entregou em minhas mãos uma chave e me indicou o local que deveria ir, relutei. Tudo parecia fazer parte de um grande pesadelo, e sentir raiva dos meus pais terem me escondido tantas coisas por vinte e cinco anos. Infelizmente, sabia que eles se sentiam da mesma forma.
Ao lado da fonte do jardim, havia algo que me esperava por mais de cem anos. Eu não possuía muita coragem para ir lá sozinho, mas fui de qualquer forma. Ao colocar a chave e girar a fechadura, algo emergiu do chão. O concreto abriu-se de maneira preguiçosa, como uma engenhoca antiga. A porta estreita dava a uma espécie de porão, onde uma escada de concreto levava ao fundo. Desci cauteloso, usando a lanterna do celular para poder iluminar o lugar. Era um espaço grande e úmido, do teto era possível ouvir a água da fonte transbordando. Levemente admirado, imaginei como pisei por tanto tempo em um solo como aquele sem imaginar o que estava sob meus pés. Quem planejou aquele bunker, estava disposto a guardar um segredo por longo tempo. Algo que eu faria, claramente.
Apertei um interruptor na parede, acendendo luzes quentes por todo o cômodo. Havia muita bagunça, assim como quadros e caixas velhas. A poeira me fez espirrar. Há muito tempo ninguém vinha aqui embaixo. Na verdade, acredito que nunca veio alguém. Alguns mapas nas paredes estavam marcados, algo que deduzi ser usado na Segunda Guerra Mundial. Aproximei-me de uma mesa, onde havia livros e algo que parecia ser um álbum de foto. Minha boca ficou seca quando abri. Eram fotografias da década de vinte e trinta, muitas confirmavam o que meus pais haviam me falado, horas atrás. Vi minha mãe, ainda jovem, abraçada ao meu pai em frente à estátua da liberdade, no ano de 1922. Havia outras fotografias também, meu pai sempre estava carrancudo em metade delas, e minha mãe sempre esboçava seu melhor sorriso que eu herdei.
Havia uma fotografia da família Shelby. Meu pai estava ao lado de pessoas que eu conhecia, seus irmãos. Sabia disso, pois lembrava dos rostos que observei nas minúsculas fotos em túmulos. Era estranho saber que, de fato, eles ainda estavam vivos em outra época. Fechei o álbum. Eu já me sentia em choque demais para continuar vendo aquelas imagens e ainda não havia absorvido tudo que acabara de saber. Havia alguns diários empilhados em um canto, puxei o primeiro para ler. As primeiras páginas contavam a vida conturbada que os Shelby levaram depois do sumiço dos meus pais, assim como o rumo, encontros e desencontros que cada um teve. Não me aprofundei nisso, mas me surpreendi com alguns spoilers. O final feliz não havia chegado para todos, aliás, esse era um privilégio para poucos. Meus pais deveriam se sentir abençoados por permanecerem juntos, principalmente ao decidirem saltar no tempo. Algo me chamou atenção nas palavras escritas ali, a caligrafia era semelhante à minha. Meu estômago revirou.
Algumas páginas à frente, contava algo menos importante para a família, mas interessante ao ponto de ser escrito ali. Eram sobre as Lowry. Eu sabia algumas coisas dessas mulheres, principalmente de Sarah Lowry, que teve uma participação lendária na Segunda Guerra Mundial, participando do grupo Bruxas da Noite — Nome dado as mulheres aviadoras do regime de bombardeiros noturnos, responsáveis por causar terror ao exército nazista. A médica-cirurgiã Ariana Lowry, pertencia à família Hathaway, que fundou um dos maiores e mais equipado hospital de toda Inglaterra, atendendo aqueles que eram, principalmente, vítimas das atrocidades cometidas durante a guerra, sendo também um grande parceiro da instituição Shelby por muitos anos. Eu conhecia alguns descendentes das Lowry e todos eram decididos e memoráveis, lembrando facilmente as grandes mulheres que minha mãe sempre tinha orgulho de mencionar. Realmente, os genes Lowry eram fortes.
Dei a volta na mesa, esbarrando em um quadro coberto por um lençol já amarelado devido aos anos ali. Puxei o pano, me deparando com uma imagem no mínimo perturbadora. Era eu. Quer dizer, deveria ser eu. Lembro-me de ter visto a mesma pintura quando era criança, assim como me lembro de ter ouvido uma explicação qualquer da minha mãe e logo depois, o quadro sumiu. Eu estava errado ao achar que ninguém havia vindo aqui embaixo. O homem retratado da figura possuía todos meus traços, o que me deixava assustado. Minhas mãos estavam geladas, meu coração acelerado. Pude sentir a falta de ar. Não, não, eu não poderia ter uma crise de ansiedade aqui embaixo. Não era justo terem me deixado tanto tempo longe disso. Algo ao meu lado chamou a minha atenção, era um cofre. Passei a língua entre os lábios, eu deveria abri-lo, foi isso que a Tia Claire me falou antes que eu saísse de casa.
'A senha vai estar em seus olhos'
Voltei a atenção para o quadro novamente, dando passos largos até ele. Procurei nos olhos da fugira algum sinal, mas não havia nada. Então tentei com a lanterna, vendo um pequeno brilho surgir. Era a combinação de seis números. Voltei rapidamente ao cofre, dessa vez, sentindo uma pequena emoção percorrer meu corpo. Minhas mãos estavam mais firmes e soavam menos. O cofre se abriu e de lá retirei uma pequena cápsula prateada e fácil de abrir.
Derrubei tudo que estava lá dentro para cima da mesa. Algumas cartas caíram, então tratei de pegar a primeira, ansioso para lê-la:
De Anthony Shelby
Para o que me espera no futuro.
É estranho posicionar uma caneta sobre esse papel e escrever tudo que devo passar adiante. É estranho principalmente saber que morrerei em alguns anos, mas no futuro, nascerei novamente. Nossa jornada é carregada de luta. Vivemos em um ciclo interminável. Eu sei exatamente o que você está sentindo agora, isso é a raiva momentânea, antes de você saber que seu destino é inalterável. A essa altura, você acha que não está preparado para nada do que ouviu dos seus pais, mas acredite, você não só está preparado, como fará uma imensa mudança na vida da sua família.
Tudo que eles são no futuro, é graças a você. A mim. A nós.
Viagem no tempo é algo complexo de se entender, por isso devemos apenas viver o agora com toda a intensidade possível. Os viajantes do tempo sempre voltam para cumprir seu propósito, e o seu é continuar os negócios da família e não deixar que o império Shelby nunca se acabe. Sinto informar que sua luta não será fácil, mas acredite quando digo que sempre vencemos. Temos acordo com Deus e o Diabo, e eles nos ajudam da maneira que podem.
Tudo que precisa saber está nas cartas, mas talvez você queira descobrir sozinho. Eu fiz isso. Também não tente fugir do seu destino, não é algo que podemos controlar.
Afastei-me da mesa, jogando a carta sobre ela novamente. Levei a mão para o rosto, abafando o grito que saia dolorosamente da minha garganta. Sem querer saber de mais nada, subi novamente as escadas, me deparando com uma verdadeira tempestade. Eu precisava me afastar daquilo. Precisava ir para o lugar mais longe que conseguiria. Atravessei o jardim, procurando a chave da minha moto do bolso da jaqueta que usava.
— Anthony! — Era minha mãe, que gritou meu nome com dor. Eu não olhei para trás, mas sabia que possivelmente meu pai a segurava para que ela não viesse até mim.
Subi na moto e dei partida, enquanto sentia a água da chuva atingir minha pele violentamente. Acelerei e saí dali antes que meu pai aparecesse ao meu lado e tentasse dizer algo que me fizesse mudar de ideia. Mas nada me faria dar meia volta e entender toda aquela história. Viagem no tempo. Guerras e conflitos. Por que dependia de mim para fazer com que tudo agissem nos trilhos?
Eu estava com medo e isso era algo que eu não costumava confessar em voz alta. Eu era um orgulhoso de merda, igual ao meu pai. Porra! Gritei em pensamentos, acelerando ainda mais. A chuva chicoteava em minha pele, gelada e pesada como granito. A estrada estava vazia, mas minha cabeça estava cheia. Eu dei tudo de mim por todos esses anos, só para descobrir que meu lugar não era aqui. Será que quando minha mãe viajou no tempo ela pensou a mesma coisa? Como foi viver em um século diferente? Só de imaginar meu estômago revirava.
Um raio bradou sobre minha cabeça, partindo o céu, fazendo com que o brilho quase me cegasse. O estrondo do trovão veio como uma buzina de navio, me ensurdecendo. Virei o rosto para o lado. Foi quando perdi o controle da moto, derrapando para o chão. Eu rolei no asfalto, mas não conseguia ter o controle sobre meu corpo. Tudo à minha volta girou com um relógio desgovernado. Sentir como se estivesse sendo amassado, esticado, dobrado. Viajando para outra era. Bem, realmente minha mãe estava certa: Aquele não era um bom dia para sair de onde estava...
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Não tente fugir do seu destino, não é algo que podemos controlar.
E fui audacioso o suficiente para tentar isso. Acordei em um salto, respirando como se estivesse passado muito tempo sob a água. Onde eu estava? Era tudo no mínimo curioso, mas igual. Vi minha casa e o jardim da minha mãe, mas algo estava diferente. O tempo era cinza. As cores eram mórbidas. Ouvi um latido ao longe, e logo me levantei. Um cão apareceu na porta da mansão, mostrando os dentes para mim. Era um bullmastiff, muito semelhante ao cão que tive na infância, Odin, mas esse era completamente negro. Ouvir uma voz chamar um nome, 'Anúbis', sim, eu lembrava desse nome. Minha mãe vivia trocando o nome de Odin por esse.
Dei um audacioso passo para frente. Eu não estava em casa, embora parecesse que sim, mas deduzi isso facilmente quando encarei um automóvel antigo. Muito antigo. Uma mulher saiu na porta. Ela era de meia-idade, e possuía cabelos escuros bem presos como mandava a moda dos anos 30. Eu a conhecia de algum lugar. Passei a mão pelo rosto, enquanto engolia saliva para que a minha absurda sede passasse.
— Quem é você? — Disse a mulher em minha direção. Eu parei onde estava. Congelado. Porra.
— Anthony... — Respondi. Minha garganta arranhou. Estava seca como se eu não falasse por séculos. A mulher me encarou dos pés à cabeça, então se aproximou.
A cada passo seu em minha direção, eu sentia um pouco do meu oxigênio ir embora. Aquela mulher carregava uma energia magnética e uma fúria sem igual em seu modo de andar. Perto o suficiente, ela me estudou com seus olhos negros eruditos. Posso dizer que sentir mais medo do seu olhar do que os latidos do cachorro. Foi quando me dei conta de quem ela era. Ela era minha tia, portanto, era sua tia-avó. Foi a mulher mais forte e desafiadora que conheci. Era inteligente e muito sábia, também era amorosa da sua forma. Foi ela que ficou responsável pelos negócios da família Shelby durante a primeira guerra. As palavras do meu pai latejavam em minha mente tão reais que jurei ter ouvido ele dizer ao meu lado.
— Anthony de quê? — Ela perguntou, enquanto puxava algo da cabeça. Era uma agulha fina e perigosa. Engoli em seco.
— Anthony Shelby. Filho de Amara e Thomas Shelby. — Disse seguro. A mulher parou, abrindo os lábios enquanto a agulha em sua mão ia ao chão. Ela disse algo em Rokka, e eu entendi. 'Não pode ser'. — Tia Polly, eu também acreditei que não seria possível. Mas 'eu' estava certo, não tem como fugir disso.
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SMALL HEATH — BIRMINGHAM
Risadas altas encheram meus ouvidos. Eu não me sentia bem, embora devesse, aliás, eu estava em família, mas ainda era tão estranho conhecer aqueles rostos pessoalmente. Era março de 1930, e a quebra da bolsa já havia acontecido há quase um ano, mas a família Shelby já parecia preparada para isso. A única coisa que não estavam preparados era para minha chegada.
— Viagens no tempo são fantasia, Polly. Histórias bobas para criança. — Arthur bradou. Permaneci em pé ao lado da matriarca, de longe, a única que acreditava em mim e na minha história absurda naquela sala.
Não foi fácil convencer-lhe de que eu era de fato filho de Thomas e Amara Shelby. Polly me fez perguntas pessoais, sempre desconfiando quando eu gaguejava em qualquer resposta. Quando enfim estava satisfeita e acreditando no que eu sabia, resolveu que era hora de encontrar meus tios e contar-lhes a verdade. Minha chegada a esse século poderia ser uma ameaça ou a solução para a família e eu precisaria do apoio de todos. Tio Arthur era o mais cabeça dura, mas John e Finn pareceram curiosos com minha presença e acreditaram facilmente na história que contei. Tia Ada ainda estava em silêncio, pensativa e distante.
— E como isso explica o desaparecimento do Tommy e da Amara? — John perguntou. Deu um passo até Arthur. Percebi como as brigas de famílias eram mais comuns do que imaginava. — Já faz quase quatro anos e nada deles. — Completou.
Imaginei o quanto o sumiço dos meus pais havia causado a família. Também imaginava como eles estavam agindo no futuro, provavelmente acreditando que eu fugir, mas, no fundo, sabiam da verdade. Minha garganta apertou, assim como meus olhos arderam. Eu deveria seguir em frente mesmo com a ansiedade me esfaqueando pelas costas. Se minha mãe foi capaz de fazer uma vida nesse tempo, eu também seria. Sim?
— Thomas e Amara morreram no tufão. Foi por isso que assumimos as empresas. — Tio Arthur falou emburrado. No entanto, vi como seus olhos marejaram ao falar dos meus pais. Ele caminhou em minha direção de modo carrancudo. Eu sabia bem como era seu humor. Não fazia ideia de que iria agradecer meu pai por me dizer exatamente como era cada um deles. — Se o que diz é verdade, então como eles estão? Como estamos?
— No futuro vocês estão mortos, mas os meus pais estão bem. — Falei automaticamente. Aquilo não surtiu efeito positivo no homem à minha frente. — Do ano que vim muita coisa já aconteceu, boas e ruins. Coisas que se eu explicasse agora, não faria muito sentido.
— Filho, nada faz muito sentido agora. — Tia Polly murmurou para mim. Então sua voz ergueu-se para os demais. — Sei que tudo está confuso, mas Anthony é um Shelby, se não fosse, eu o mataria em Warwickshire.
— O que estava fazendo na mansão do Tommy? — Tia Ada se pronunciou, finalmente. — Resolvemos ceder o lugar para uma instituição.
— Não tem um só dia que eu não vá lá. — O brilho no olhar de Polly me fez tremer. Ela sentia falta dos meus pais, assim como ficou responsável por Anúbis. — Suponho que nossos planos mudaram. A casa continuará sendo da família, agora, de Anthony Shelby. — Limpei a garganta. — Sei que muitos vão perguntar sobre ele, e tenho uma solução para isso. Vamos dizer que Anthony é filho adotivo de Thomas e Amara, criado em um internato na Suíça até a idade de ir para a faculdade, e que agora, retornou para seguir o caminho dos pais. Qualquer pergunta a mais, desconversem, algumas informações são do interesse apenas da família.
Genial. Acho que não me cansaria de admirar Polly Gray e seu modo maternal em me acolher, sei que ela estava fazendo isso não só para garantir que sua família seguisse bem, mas como um favor aos meus pais. Engoli em seco, dando um passo para frente. Havia muito para aprender nesse século, mas eu também tinha muito a ensinar a essas pessoas. Eu estava certo, a raiva que sentia dos meus pais era momentânea, mas ainda sentia um leve medo percorrer meu corpo. Não cheguei a ler todas as cartas deixadas na cápsula, isso queria dizer que eu descobriria sozinho o que me esperava aqui. Eu estava ansioso, mas deveria lembrar que meus pais me preparam para isso a vida inteira. Ocorreu-me uma leve insegurança, o medo de mudar algo na linha temporal e destruir o futuro dos meus pais me atingiu impiedosamente. Mas talvez, eu já estava fazendo tudo que deveria ser feito.
"Os viajantes do tempo sempre voltam para cumprir seu propósito, e o seu é continuar os negócios da família e não deixar que o império Shelby nunca se acabe."
— Bem-vindo a família, Tonny. — Finn se aproximou de mim. Ele parecia reagir bem com a notícia, e embora fosse jovem, ele possuía a segurança dos irmãos e um ar perigoso.
— Michael chegará de viagem ainda essa semana com a esposa e os gêmeos. — Polly falou. Então olhou diretamente para mim. — Ele é meu filho, seu primo. Não se preocupe, as pessoas mais difíceis da família já pareceram entender sua situação, ele compreenderá também.
— Assim eu espero. — Pigarreei. — Agora, por onde começo?
Meus tios se entreolharam. Foi então que caí na real: Eu iria começar a nadar em um mar turbulento e traiçoeiro. Exatamente como meu pai me dissera.
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LONDRES — ALGUNS MESES DEPOIS
Não parecia que o tempo já havia passado. Assumir os negócios deixados pelos meus pais não era tarefa fácil. Algumas coisas eram limitadas nesse tempo e eu daria tudo para poder enviar um simples e-mail para Boston e resolvesse facilmente qualquer problema de lá. Tia Ada permaneceu ao meu lado, enquanto me enchia de perguntas sobre o futuro. Sua curiosidade era semelhante à dos meus tios, todos queriam saber como era o mundo moderno. Caótico e mais prático, era o que eu sempre dizia. Com a quebra da bolsa, fui alertado de que os Shelby estavam em acordo com os chineses. Eu nunca imaginei que seríamos responsáveis pelo transporte de ópio, mas isso era temporário e claro, traria muitos lucros do que perdemos quando a bolsa caiu.
Michael era responsável pelo jornal deixado pela minha mãe, assim como sua esposa, Krishna — uma indiana curiosa que tive a honra de ser apresentado e seus filhos gêmeos agitados. Eu sempre tive apreço pelo jornalismo, mas não levava o menor jeito com isso. Números me atraiam mais que letras. Fui apresentado aos sócios de Thomas Shelby. Alfie Solomons me fez perguntas difíceis e me questionava principalmente de onde meus pais haviam me tirado. Tio Arthur me preparou a respeito do caráter traiçoeiro de Alfie, e eu me sentia pisando em ovos ao lado dele. Contudo, o judeu era um aliado da família, mesmo que pudesse nos trair por qualquer tostão a mais do que lhe pagávamos.
À noite, quando eu me via quase sozinho na mansão em que cresci, me questionava se era de fato um Shelby. Os homens da minha família eram duros em seus negócios. Cresci vendo meu pai dar poucos sorrisos fora de casa — ele deixava isso apenas para minha mãe ou para mim. Meu pai me dizia que eu deveria ser rígido em algumas situações e não deixar que as emoções guiassem as decisões. Era difícil. Eu não era Thomas Shelby, na verdade, éramos quase opostos em relação a isso, embora tivéssemos certas semelhanças. Acho que herdei o dom de negócios da minha mãe. Eu era lógico, objetivo, e não gostava de me envolver com os assuntos ilegais da empresa. Não permitiria também que fossemos muito longe com isso.
Meu escritório em Londres era grande, e minha Tia Ada me avisara sobre um velho inimigo da minha mãe, ao qual ela o confrontou algumas vezes. Também via como ela estava próximo de Jessie Eden, algo que ela parecia esconder do resto da família, talvez eu devesse falar-lhe quer o relacionamento entre duas mulheres não era errado e que qualquer forma de amor é válida. Pensei se os inimigos dos meus pais seriam os meus também, e eu estava convencido de que poderia mudar isso. Ter meus tios por perto era sempre lembrar que a família Shelby andava em uma passarela estreita entre amigos e inimigos. Nadando com tubarões famintos sem qualquer proteção. Mantive-me o mais longe possível de Oswald Mosley, mas fugir dele era como fugir da própria sombra. Mosley estaria pisando no calo da família Shelby em qualquer situação que enfrentássemos.
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Soube por meio dos jornais que o fascismo estava ganhando mais força e por algumas vielas que passava a bandeira nazista era erguida como algo de orgulho. Minhas mãos soavam só de pensar na guerra que teríamos em alguns anos, por esse motivo, mandei que os melhores engenheiros construíssem um bunker no jardim da minha casa, já que em algum momento da história, ele seria muito bem usado. Eu era alvo por ter sangue cigano correndo em minhas veias e via como algumas pessoas se comportavam quando eu citava meu sobrenome em voz alta. Levou muito tempo para que as pessoas passassem a me ver como um Shelby e algo me dizia que esse respeito poderia me custar muita coisa.
Foi ao passar por uma manifestação nazista, onde homens erguiam suas mãos com aquela reverencia estúpida a uma bandeira que sofri um acidente de carro. Não foi nada de grave, apenas tive o pulso esquerdo deslocado e mesmo assim, fui levado às pressas para o melhor hospital de toda Inglaterra.
— Soube que um Shelby estava aqui. — Uma voz feminina me despertou sentimentos bons. Logo uma cortina branca foi aberta e uma mulher sorriu de modo bondoso para mim.
Arrumei minha postura na maca em que estava sentado e encarei o meu pulso enfaixado rapidamente. A médica se aproximou e logo li seu crachá: Ariana Hathaway - médica-cirurgiã.
— No entanto, um Shelby novo na família. — Completei. Ariana ergueu o olhar cinza e quase severo.
Minha mãe havia falado dela, e eu também já conhecia um pouco da sua vida através de alguns documentários históricos e nos diários que li, obviamente, eu havia escrito eles, pois pretendia deixar tudo que estava vivendo por escrito. Seu olhar demorou em mim e eu sorri de lado. Ariana abriu os lábios e balbuciou algumas palavras sem nexo. Estava nervosa, parecia estar vendo um fantasma.
— Algum problema, Sra. Hathaway? — Perguntei, preocupado. Ariana negou.
— É só... — Ela se afastou, abriu e fechou os olhos. — Você é tão parecido com eles... — Disse. — Eu ouvi sobre você. O filho adotivo de Amara e Thomas Shelby, que estava vivendo em outro país até voltar para cá. Francamente! Eu não acredito nessa história. Amara jamais adotaria um filho sem me dizer.
— Dizem que eu herdei seu sorriso e muitas das suas qualidades. — Sorri mais uma vez. Ariana, no entanto, não me acompanhou.
— A meu Deus! — Ela levou uma mão para o peito. — Isso tudo é realmente possível.
— Eu realmente sou filho de Amara e Thomas Shelby, mas entenda que dizer isso em voz alta é perigoso, então é melhor vender uma mentira. De qualquer forma, sou filho deles e é o que importa.
— Como ela está? — Seus olhos brilharam. Também senti um nó na minha garganta.
— Bem, muito bem. — Falei. Então me lembrei do modo que tratei meus pais antes de fugir de casa.
Eu fui um babaca.
Ariana ficou em silêncio por um longo tempo. Então eu a observei, calado. Eu não possuía tanto contato com as Lowry quanto deveria. Mas sabia que Ariana era casada e mãe de um garotinho, e sua vida era corrida. Tinha conhecimento de que ela fazia alguns serviços de caridade além dos atendimentos no próprio hospital. Sua irmã mais nova, Sarah, namorou meu tio Finn por algum tempo, mas o largou quando decidiu partir para Nova Iorque para estudar direito, era lá que ela estava agora. É claro que Finn nunca aceitou bem a escolha dela, e eu preferi não lhe dizer o que Sarah se tornaria em alguns anos, na verdade, preservei algumas informações de modo a proteger o futuro dos meus pais. Era melhor assim. Alguns cursos da vida e da história, eu não poderia interferir.
— Eu preciso ir, senhora Hathaway. — Disse ao levantar da cama. — Volto quando tiver que tirar isso do pulso.
Balancei meu pulso. Na época da faculdade machuquei o mesmo braço enquanto jogava futebol, dias depois, meu gesso estava coberto de assinaturas e números de garotas. Algo me dizia que ninguém nesse tempo, ou alguma garota, assinaria nesse espaço em branco.
— Por favor, deixe-me olhar mais um pouco para você. — Ela me segurou. Seus olhos azuis penetraram nos meus. Por fim, ela sorriu, aliviada. — Anthony, você passou por tanta coisa antes de nascer.
— E eu faço ideia. — Acenei.
Com o tempo eu descobri que meu problema com a ansiedade foi causado pelo choque pós-traumático que minha mãe sofreu durante o início da minha gestação. Eu não a culpava por isso, jamais poderia fazer isso, sei que tudo que ela fez foi para me proteger e pensando em mim.
— Eu imagino que deve ser um homem ocupado, assim como seu pai e sua mãe. Então pode ir, mas por favor, não desapareça.
— Não irei. — Disse ao passar por ela. Antes de atravessar a porta me virei para a médica novamente. — Aliás, vejo formas de nos unirmos mais. A instituição Shelby e o hospital da sua família pensa na mesma causa, talvez, possamos agir juntos como parceiros.
— Eu adoraria, irei falar com meu marido sobre sua ideia.
— Obrigada, Ariana. — Agradeci. Ela acenou.
— É um prazer ajudar velhos amigos. — Seu modo de falar foi maternal e seguro. Agora eu entendi o motivo da minha mãe ser sua amiga.
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Era natal, então abrir as portas da mansão de Warwickshire para sediar um evento beneficente da Instituição Shelby. Eu sempre observei o carinho e dedicação da minha mãe com a instituição que meu pai criou para ela. Assim como negava que sentisse algo dentro de mim mais aquecido ao ver risos nos rostos daquelas crianças. Tia Polly e Ada estavam à frente da organização, contratando atrações para entreter os convidados, enquanto meus tios John e Arthur se envolviam com a segurança do lugar.
Boa parte da noite passei sorrindo e apertando as mãos de pessoas poderosas e algumas já conhecidas, como as dos Hathaway. Se não estivesse já tão familiarizado a ocasiões como aquelas, começaria a reclamar.
— Tem muita gente, muito mais do que planejamos. — Michael falou ao meu lado. Bebi um gole do champanhe em silêncio.
— Há muitos penetras. — Respondi diretamente a ele. — Diga ao John para cuidar disso, mas não quero escândalos, sei que aqui há muitos jornalistas.
— Bem, há um penetra chegando agora. — Michael acenou para a porta. Me virei no mesmo instante.
Meu estômago revirou com a presença do homem que passava pela porta principal. Oswald Mosley caminhou em minha direção com seu sorriso cruel, enquanto eu fechava o meu. Minha mão segurou mais firme a taça de espumante.
— Anthony Shelby, fiquei chateado por não receber seu convite. — Ele disse já próximo. Sorri sem mostrar os dentes.
— Deve ser porque tenho motivos óbvios para isso. — Falei. Oswald ergueu as sobrancelhas.
— Sei que a morte dos seus pais ainda é algo que abala a família. — Disse ele. Encarei Michael de soslaio.
Era claro. Às vezes esquecia que meus pais haviam sido dados como mortos há alguns anos. Inclusive, havia memoriais a eles em todas as instituições, o que me deixou surpreso, já que no futuro, esses memoriais não existiam, mas sei que havia um motivo óbvio para isso — os bombardeios que Birmingham havia sofrido na segunda guerra. E um dos principais causadores da guerra estava bem na minha frente. Troquei o peso da perna. Ouvi um leve murmúrio ao lado, Krishna apareceu e levou Michael para apresentar a algumas pessoas, me deixando sozinho com Mosley. Inferno.
— É algo que ainda estamos lidando. — Disse entredentes.
— Conheci sua mãe e sempre vi um grande coração nela, até quando se envolvia com pessoas perigosas. — Sentir duplo sentido em suas palavras. Puxei o ar para os pulmões. Mosley olhou em volta, então pareceu procurar por alguém em meio à multidão. — Ah! Ali está ela. — Ele virou o corpo, estendendo a mão para alguém. — Sempre me irrito quando ela não acompanha meus passos. — Murmurou secamente.
Meu olhar foi em direção ao que ele apontava. Então minha boca ficou seca, assim como meu coração bateu depressa. Uma moça caminhou até nós, ela não era muito mais nova que eu. Próximo o suficiente percebi que algo em seu rosto era familiar. Franzi o cenho, encantado não só com sua beleza delicada, onde olhos azuis contrastavam com a pele quase pálida e cabelos escuros. A garota era mais baixa que eu e Mosley. Era uma figura magra e quase indefesa.
— Essa é Adelaide Mosley, minha irmã mais nova, recém-chegada à cidade. — Apresentou. Vi como sua mão apertou em volta do pulso fino da jovem mulher, fazendo-a soltar um leve murmúrio incomodado. Repudiei aquilo em silêncio.
Pisquei algumas vezes, me questionando se eu estava vivendo um sonho. Então era esse seu nome: Adelaide Mosley. A irmã do velho inimigo dos meus pais era a moça que me visitava em sonhos desde a infância. Aquela que desenhei em quadros tantas vezes e me apaixonei. Ela era real, agora em carne e osso à minha frente. Seu rosto era o mesmo, e seus olhos ainda transmitiam uma carga imensa de dor, suplicando por uma ajuda em silêncio. Não sei que tipo de relação ela levava com o irmão, mas pelo modo submisso que agia ao lado dele, não era nada saudável. Senti um ódio maior por aquele homem crescer no meu interior. Ouvi a taça em minha mão trincar, então aliviei meus dedos ao redor dela.
Sou filho único, mas soube em um momento da vida que minha mãe havia perdido um bebê antes de mim. Era uma menina e se chamaria Cecilia. Eu adoraria ter uma irmã ou irmão, já que crescer sozinho não é tão bom quanto parece. Você é constantemente pressionado e tudo, mimado ao ponto de se sentir sufocado e os cuidados sobre você é exagerado. Levou um tempo para eu entender que meus pais não teriam mais filhos e eu seria a única herança deixada por Thomas e Amara Shelby. Mas ainda sim, lá no fundo, principalmente enquanto dormia, eu me imaginava com Cecilia, mesmo que ela fosse mais velha, eu não deixaria de cuidar dela e proteger de homens ruins como Mosley.
Adelaide sorriu levemente para mim, abaixando a cabeça logo depois. Eu quis tocá-la. Quis segurar seu queixo fino e delicado entre meus dedos e deixar que a imensidão dos seus olhos azuis me afogasse. Contudo, eu me contive. Eu não era tão audacioso quanto pensava. Suponho que segundos se passaram, mas para mim, foi como horas. Ela estava tão perto e ainda assim tão longe. Mosley era como a Muralha da China entre nós dois.
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Era impossível prestar atenção em algo além da garota sentada do outro lado do palco. Ao fim do espetáculo, percebi que Adelaide cochichava com o irmão, esperando uma resposta dele para que pudesse sair. Levantei-me da cadeira quando a vi sair pela entrada do espaço de apresentação. Eu iria atrás dela. Precisava trocar duas palavras para saber se ela era real. Antes que pudesse sair, senti meu pulso ser segurado. Era a Tia Polly.
— Onde pensa que vai? — Ela questionou. Suspirei, folgando a gravata que usava.
— Preciso de um pouco de ar. — Menti. Polly franziu o cenho. Merda. Era impossível enganá-la.
— Eu conheço esse olhar. — Ela murmurou as palavras. Desviei minha atenção para os demais.
Arthur cochilava em uma cadeira, bêbado, era assim que estava agindo após o abandono da esposa. John também parecia entediado, mas conversava com Ada. Michael estava junto a esposa, mas provavelmente ambos pensavam nos gêmeos deixados com a babá em Londres, já que estavam completamente distraídos da apresentação. Ariana estava com seu esposo, com a atenção presa ao palco, hora ou outra eu via como ela e John cruzavam os olhares, confidentes de algo. Voltei a atenção a minha tia, vendo que agora um sorriso surgia em seus lábios enrugados.
— É exatamente o olhar que seu pai dava quando pensava em sua mãe. — Confessou. Sentir um leve frio na barriga. — Não faça nenhuma besteira.
— Não irei.
Polly me soltou. Meus passos tornaram-se mais rápidos. Entre tantos outros rostos, quase me perdi na minha própria casa. Vi quando o cetim cor de creme voou na minha direção. Era a echarpe que Adelaide usava, vinda do jardim da casa. Dei passos largos até aquela área, a encontrando perdida próximo à fonte. Segurei o tecido em mãos, não deixando de sentir o odor pungente de rosas.
— Acho que você perdeu isso. — Disse de modo baixo.
Adelaide se virou para mim. Assustada. Parei onde estava, por alguns segundos achei ter feito algo errado para deixá-la alarmada. Ela engoliu em seco e deu passos tímidos até mim, puxando a echarpe rapidamente das minhas mãos.
— Está tudo bem? — Falei. A garota se afastou, respirando pesadamente. Então quando seu olhar aceso demorou nos meus, ela desviou para o chão.
— Desculpa, Sr. Shelby, eu acabei me perdendo. — Ela disse sem me encarar. As mãos uniram-se em frente ao corpo. — Quando achei o jardim, acabei me encantado com a beleza.
— Esse lugar era o favorito da minha mãe. — Disse. Adelaide ergue o olhar novamente. Seus olhos eram tão azuis quanto os meus. Eram hipnotizantes. Passei por ela, indo em direção a fonte. — Há peixes aqui.
— Acho que não seria adequado ficarmos juntos. Se meu irmão vier atrás de mim... — Ela olhava para trás. Pude sentir o medo em suas palavras.
Mosley não viria atrás da irmã, durante toda apresentação ele não tirara os olhos das bailarinas e eu já esperava algum convite indecente da sua parte. Levei as mãos aos bolsos tentando soar menos ameaçador.
— Não estamos fazendo nada de mais. — Dei de ombros. Adelaide me encarou. Suas sobrancelhas estavam juntas, deixando todo seu semblante ainda mais melancólico. Ergui a mão para ela, chamando-a em silêncio.
E ela veio. No entanto, se manteve há cinco passos longe de mim. Seu olhar pousou na fonte e nos peixes, enquanto um riso genuíno passeava meus lábios cheios e rosados. Meu coração bateu ainda mais forte, e senti as mãos tremerem. Apoiei-me na fonte, encarando a água cristalina que refletia o céu estrelado e o rosto de Adelaide. Nossos olhares se encontraram por um instante naquela água, mas com a movimentação dos peixes, o reflexo se foi.
— Agora eu realmente preciso ir. — Ela disse se afastando. Estava fugindo. Eu não podia permitir.
Antes que eu pudesse me dar conta, segurei seu pulso. O toque foi como um choque, e sei que ela também sentiu, já que suas bochechas ficaram vermelhas. Adelaide se encolheu, como se reprimisse qualquer sensação com aquilo.
— Você tem medo do seu irmão. — Murmurei as palavras. Ela abaixou o olhar. Talvez se ela não tivesse feito isso, eu seria destruído por eles. Aproximei-me, segurando seu queixo pequeno.
Tão bela. Tão quebrada.
— Você não faz ideia de quem ele é ou do que ele pode fazer comigo se eu o desobedecer. — Ela engoliu em seco. Suspirei. Na verdade, eu sabia exatamente que tipo de homem ele era, mas gostaria de não imaginar o que ele era capaz de fazer com a própria irmã.
— Eu posso ajudar você. — Falei. Adelaide respirou pesadamente, se afastando de mim. Ela sempre estava fugindo.
— Ninguém pode me ajudar. — Ela bateu os cílios pesadamente. Vi um brilho surgir em meio aos fios grossos e escuros. Quis enxugar sua lágrima, mas ela se afastou mais uma vez.
— Eu posso tentar. — Disse de modo seguro. Ela ergueu o olhar para mim.
— Por que ajudaria uma estranha? — Sua pergunta saiu suave, assim como sua voz, baixa e serena.
— Porque sinto que a conheço há muito tempo. — Deixei que um riso amigável e confortável fluísse de mim, mas a garota apenas ficou mais confusa.
Tentei imaginar como foi para o meu pai conquistar minha mãe, mas eles se davam tão bem e se amavam tanto, que imaginei que não fora não difícil.
'Quando o destino une duas linhas, duas pessoas, não importa quanto tempo leve, elas ficarão juntas. Foi assim comigo e seu pai. Um dia será assim com você e sua destinada. O amor é capaz de transcender o tempo'. Lembro-me das palavras da minha mãe como se fosse ontem.
Ela estava certa. O destino era o maior causador de todas essas histórias. E se meu final fosse para ficar ao lado da garota que aprendi amar sem nem ao menos conhecê-la, então eu faria o que fosse possível para tê-la. Adelaide suplicava por ajuda, mesmo que não ousasse falar isso em voz alta. Talvez ela precisasse de alguém para dizer que era forte. Ela precisava de alguém para ajudá-la. E eu estava disposto a isso. E assim como minha mãe ajudou meu pai, eu também ajudaria Adelaide e quem sabe, viveria um grande amor.
A minha mãe viajou no tempo para salvar meu pai. Meu pai foi para o futuro por causa da minha mãe. E eu tive que voltar ao passado para garantir o futuro deles, terminando tudo que eles não concluíram aqui. Tudo funcionava como uma troca de favores. Sacrifícios sempre aconteceriam, bons ou ruins. Agora eu sabia que tinha muito o que fazer. Felizmente, eu sou um Shelby, cigano e um viajante do tempo.
— Se preferir, pode me chamar de Tonny. — Falei de modo amigável.
— Pode me chamar de Adel. — Ela piscou com um sutil sorriso.
Foi quando percebi que minha trajetória nesse tempo estava apenas começando e agora eu me sentia preparado para ir até o fim.
Espero de todo coração que tenham gostado do capítulo extra, sei que vão ficar com gostinho de quero mais e como adoro mimar meus leitores, ainda temos cinco contos para vocês se divertirem um pouco mais.
Capitulo postado dia (07/05/2022), não revisado.
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