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1-Ninho de Farsas


Austin.
Londres 1838, Reino Unido.

O meu pulmão não funcionava, mas eu estava prestes a ter uma parada cardíaca de tanto cansaço, sim, eu me sentia cansado, não tanto, mas me sentia. A relutância estava forte.

— Levante Austin! — Meu irmão disse, disposto a continuar.

Passei a mão pelo nariz, no local onde foi acertado, estava bem dolorido. Ele acertou com toda força, me admirava não ter quebrado.

— Precisava ser tão forte? — Perguntei com irritação. Posicionei meu corpo para continuar, meus pés confortáveis na grama curta que cobria o chão.

Ursel tentou acertar mais um golpe, e falhou, porquê eu segurei seu braço e o derrubei no chão, o jogando por cima de meu ombro.

— Não tenta me acertar com a esquerda, você é péssimo nisto. — Disse debochando.

O Sol batia no seu rosto suado, que se encontrava contemplando o céu, e os pinheiros acima de seus olhos. Caído no chão.

Estendi a mão para ajudá-lo a se levantar.

— Meninos, o almoço está servido, se limpem e venham. — Nosso pai chamou da porta de casa, pouco distante da mata, mas ainda sim longe o suficiente pra que ele falasse em tom mais alto.

Ursel se levantou com minha ajuda. A roupa suja de terra na parte de trás, e suas costas nuas também.

Precisava de um banho, estava suado e exausto. Sempre que lutavámos, era debaixo do sol quente, fazíamos isto no verão, no inverno dava preguiça. Não sentíamos o frio como os humanos, mas ainda sim ele incomodava.

O sol não era nosso amigo. Por isto usávamos um colar bem fino e discreto que nos protegia dos raios flamejantes.

— O que está fazendo? — Perguntei a Sa, assim que entrei dentro da casa.

Ela se virou pra mim e sorriu sem mostrar os dentes.

— Estou só ajeitando este vestido. — Respondeu voltando a fazer o que fazia.

O vestido em questão era branco de detalhes em renda, bem cheio por causa do ¹ bumpad. Já imaginava que minha irmã não fosse usá-lo do modo mais "correto", imposto pela sociedade.

Olhei para a escada após ouvir os sapatos batendo levemente nos degraus de madeira.

Passando a mão pelo corrimão marrom escuro e antigo, com detalhes esculpidos embaixo, descia ela.

— Estão sujando o chão, andem logo, vão tomar um banho. — Ordenou autoritária e brava por estarmos marcando o chão oco de madeira, que rangia, com nossos pés sujos de terra.

Dei um leve tapa no braço do meu irmão e indiquei a escada, cruzamos com ela, com medo de levar uns tapas.

Safira permaneceu sentada no banco sem assento, recortando seu vestido.

Pouco depois.

— Austin, vai ao baile hoje? — Perguntou gentilmente. Era bem improvável.

— Não. — Respondi com pouca certeza.

Safira pigarreou.

O olhar de meu pai se voltou a ela, curioso.

— É melhor irmos, para manter a boa impressão, pois os Follen são ricos e necessitam comparecer a estes eventos...

— Não! Vocês necessitam manter as aparências, não somos pessoas normais, então porquê não podemos simplesmente nos trancar aqui e se isolar do mundo? — Larguei o garfo sob a mesa com grosseria.

Verena me olhou chocada com tal reação.

Ursel estava prestes a me acertar um soco no olho.

— Mais respeito Austin! — Meu pai impôs, elevando o tom de voz, como nunca havia feito antes.

Sorri carregando sarcasmo.

Olhei para o lustre pequeno acima de nós, contendo a luz amarelada e fraca, por conta de nosso problema com claridade.

Apontei o indicador pra cima, rodando-o levemente.

— Isso aqui tudo é pura farsa! Vamos a bailes, vamos a reuniões, comemos "normalmente", e tudo que eu consigo tirar disto tudo é: Os humanos são egoístas e egocêntricos. — Safira se levantou da cadeira rústica, nervosa.

— Está passando dos limites! Você acha mesmo que é fácil para nós, sentir o cheiro de casa pessoa que passa a nossa frente e querer voar no pescoço dela?! Você reclama de tudo! Só sabe pensar no seu próprio sofrimento, e nós? Como ficamos Austin?! — Ela gritou comigo, revoltada.

Minha mãe se levantou de seu lugar também e suspirou pesado, erguendo a mão, indicando pra paramos.

Ursel e meu pai se manteriam em silêncio, observando a situação.

— Quer que façamos o que filho? Acha que eu não sinto o seu desespero? Não sinto a sua imensa vontade de matar? Sou como você, NÓS somos um só, compreende? Sei que é desagradável e até tortura, mas não temos outra opção, por favor, só tente entender que não foi escolha nossa. — Sua voz calma e ao mesmo tempo rude, me disse.

Seus olhos azuis escuros como as águas de um rio, iluminado pelo brilho da lua a tocando, me encararam fixamente.

Safira estática, parecendo não entender a reação dela.

— Mãe, não precisa aturar as grosserias e falta de respeito do Austin! — Sua voz quase gritou, mas não fez, por respeito.

Ela se virou para Sa.

— Nem tudo é como queremos, o mundo não para de rodar só para que alguém quer pintá-lo sob uma tela. Então, sugiro que pare de ser tão hostil filho. — Tentou contornar a situação. Estava explodindo de ódio, e nem mesmo os olhos doces dela e de meu pai me faziam mudar tal coisa.

Levantei da cadeira dura de madeira que estava sentado.

— Se sairmos daqui, só assim poderei me sentir melhor, porquê neste ninho de farsas, não me sinto eu mesmo. — Atirei o pequeno paninho do meu pescoço a mesa.

Sai da sala, os deixando imersos naquela situação desagradável.

Queria gritar, com toda minha alma, não na intenção de que ouvissem, mas sim pra libertar.

Era extremamente torturante, a sede, o medo, a falta de esperança em dias melhores. Quando eu ia realmente me sentir feliz? Era ingratidão? Sentir que minha família não enchia meus dias?

Era fraqueza? Sentir que a qualquer momento, tudo desmoronaria?

Apanhei minha grande casaca preta, as luvas de couro igualmente, a cartola e vesti outra calça.

Sai pela janela, eram cerca de seis horas da tarde, o sol havia se posto, ótimo, estava a meu favor.

Ardia, ardia feito brasas recém acesas e incentivadas, tinha que tirar de mim aquele sentimento odioso e incômodo. Que corroía meu ser.

Meus pais eram pessoas boas, Safira e Ursel também, agiam em prol do nosso bem em conjunto, seríamos considerados perfeitos, se não fosse pelo fato de discutirmos a quase todo instante.

Aprendi uma lição naquele dia.

Era uma droga manter as impressões para os humanos, mas nossa vida dependia deles, iria sempre depender.

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