021
Depois do almoço, Harper suspirou ao pensar que tinha aula de História. Ela teria que encarar o professor, ou melhor, seu padrasto novamente. Ao pensar nisso, sentiu um nó no estômago. Ao menos seus amigos estariam lá para apoiá-la.
Ela chegou à sala de aula um pouco atrasada de propósito, esperando evitar o confronto direto com Billy antes que fosse absolutamente necessário. Quando entrou, o professor a observou com um olhar que misturava desaprovação e algo mais difícil de decifrar. Ela desviou o olhar rapidamente e caminhou até o fundo da sala, onde Peter, Lilian e Ned já estavam sentados.
— Desculpe o atraso, professor — disse ela, com a voz ligeiramente trêmula, antes de se sentar.
Peter apertou a mão dela em um gesto de apoio silencioso, mas dessa vez, não houve beijos. Ele sabia que ela precisava de conforto, mas também que beijos poderiam chamar atenção indesejada.
Harper tentou focar na aula, mas era impossível. Seu estômago estava enjoado e seu coração batia forte. Todo o seu foco estava em neutralizar a Joia da Realidade, garantindo que ela não agisse por conta própria devido ao seu estresse. A tensão na sala parecia aumentar a cada segundo, como se o ar estivesse carregado de eletricidade.
A aula era sobre a Revolução Industrial, mas as palavras pareciam ecoar distantes para Harper. Ela mantinha os olhos fixos no caderno, rabiscando sem pensar, enquanto sua mente lutava para não ceder ao medo e ao estresse. A Joia da Realidade pulsava levemente, uma lembrança constante de seu poder incontrolável.
Quando a aula finalmente terminou, Harper sentiu um alívio momentâneo. Os alunos começaram a sair, mas o professor levantou a voz.
— Harper, gostaria de falar com você a sós, por favor.
Seu estômago deu um nó ainda mais apertado. Ela lançou um olhar preocupado para Peter, que apertou sua mão uma última vez antes de sair da sala com Lilian e Ned.
Harper caminhou lentamente até a mesa do professor, cada passo aumentando a sensação de dread.
— Sim, professor? — perguntou ela, tentando manter a voz estável.
Ele olhou para ela por um longo momento antes de falar, o rosto impassível.
— Notei que você estava bastante distraída hoje, Harper. — Ele disse, inclinando-se levemente para frente, suas mãos entrelaçadas sobre a mesa. — Queria saber se você entendeu bem o conteúdo da aula.
Harper manteve sua postura rígida, respirando fundo para manter a calma.
— Sim, entendi. — respondeu ela, seca, sua voz soando firme apesar do turbilhão interno.
O professor observou-a atentamente, seus olhos percorrendo cada detalhe de sua expressão. Ele fez uma pausa, como se estivesse escolhendo cuidadosamente suas próximas palavras.
— Seu pai ficou bravo com a suspensão? — perguntou ele, tentando parecer casual, mas Harper percebeu a curiosidade disfarçada em sua voz.
Ela sentiu um frio na espinha, mas não deixou transparecer.
— Não, não ficou. — respondeu de imediato, mantendo o tom neutro.
O professor estudou-a por um momento, seu olhar perfurante.
— De onde você é mesmo, Harper? — perguntou ele, com um sorriso leve, mas Harper viu através da máscara. Ela respondeu firmemente, mentindo sem hesitar.
— Nova York.
Ele assentiu lentamente, como se processasse a informação, o leve sorriso ainda nos lábios.
— Certo, Nova York. Uma cidade grande. — Ele fez uma pausa, observando sua reação. — Sabe, Harper, estou aqui para ajudar. Se precisar de algo, sabe onde me encontrar.
Ele deu um passo em direção a ela, e Harper instintivamente recuou um passo.
— Não querendo ofender, mas não preciso da sua ajuda. — disse ela, tentando manter a voz firme, embora sentisse o pânico crescente.
Ele riu, um som frio que ecoou pela sala vazia.
— Você me lembra muito minha enteada. — disse ele, o tom de voz ligeiramente mais sombrio. — Vocês têm o mesmo nome... e o mesmo rosto.
Harper sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Ele deu mais um passo em sua direção, e ela recuou novamente, sua respiração se acelerando.
— É exatamente o mesmo rosto. — Ele falou, aproximando-se ainda mais. — Isso me deixa perturbado, como se fosse um fantasma querendo me assombrar.
Ela tentou manter a calma, mas seu corpo tremia levemente. As memórias dolorosas começaram a inundar sua mente, a joia da realidade pulsando com a mesma intensidade de seu coração acelerado. Ela sabia que precisava sair dali antes que algo acontecesse, antes que a joia escapasse ao seu controle.
— Eu... preciso ir. — disse ela, a voz trêmula, tentando se afastar.
Ele a observou por um momento, o sorriso desaparecendo de seu rosto.
— Não. — disse ele, firmemente.
Harper tentou sair, mas ele agarrou seu braço, o toque dele enviando uma onda de pânico por todo o seu corpo. Os pensamentos sombrios que ela havia tido nos dias passados sobre machucá-lo voltaram à mente como uma avalanche, e as cortinas na sala começaram a agitar-se violentamente, embora não houvesse vento.
— Me solta. — disse ela, a voz mais firme, o medo se transformando em uma fúria crescente.
— Não terminei de falar com você. — ele respondeu, o tom autoritário. — Você deveria ser mais educada.
A joia da realidade pulsava em seu pescoço, respondendo ao seu medo e raiva. Harper sentia a energia crescendo dentro dela, ameaçando escapar de seu controle. Ela sabia que precisava se acalmar, precisava evitar que algo terrível acontecesse.
— Eu disse para me soltar. — repetiu, a voz agora carregada de determinação.
Os olhos do homem se estreitaram, mas ele hesitou. As cortinas continuavam a voar, e ele finalmente pareceu perceber que algo estava errado. Lentamente, ele soltou o braço dela, dando um passo para trás.
Harper o encarou, sua mente inundada por uma série de flashes: a imagem de sua mãe morta, a carta da Harper daquele universo, todas as memórias sombrias e dolorosas que ela tentava suprimir. O enjoo voltou, e suas mãos começaram a tremer violentamente. Billy estreitou as sobrancelhas, um misto de deboche e curiosidade no olhar.
— Por que está tão nervosa? — perguntou ele, a voz carregada de ironia.
Um impulso tomou conta dela. Sem pensar, Harper agarrou a joia da realidade pendurada em seu colar e avançou para cima dele, pressionando a joia contra o rosto dele. A reação foi imediata; Billy gritou de dor quando a joia queimou sua pele, não estando preparado para enfrentar aquele tipo de poder.
No mesmo instante, a porta se abriu com força, e Lilian entrou na sala, gritando ao ver a cena.
— Harper! O que você está fazendo? — gritou Lilian, a voz cheia de pânico e incredulidade.
Harper congelou, a realidade do que estava fazendo finalmente alcançando-a. Ela recuou rapidamente, deixando Billy cair no chão, segurando o rosto queimado. A joia ainda pulsava em suas mãos, a energia residual vibrando em seus dedos.
— Eu... eu não... — gaguejou Harper, olhando desesperadamente para Lilian.
Lilian correu até ela, os olhos arregalados de medo e confusão.
— Harper, o que você está fazendo? — perguntou Lilian, a voz cheia de incredulidade e preocupação.
Ela segurou os braços de Harper e a sacudiu levemente, tentando chamar sua atenção.
— O que você fez?
Harper estava em choque, o rosto pálido e as mãos tremendo. Os gritos de Billy, agora caído no chão, xingando e amaldiçoando-a, só aumentavam os flashbacks que passavam por sua mente. Lilian continuava tentando falar com ela, a urgência na voz crescendo.
— Ele matou a minha mãe... e... — Harper não conseguiu terminar a frase, as palavras presas na garganta. Mas Lilian rapidamente fez a ligação. Ela havia ouvido essa história na noite anterior, ainda fresca em sua memória.
Lilian se colocou na frente de Harper, protegendo-a enquanto olhava para Billy, que começava a se levantar, o rosto distorcido de raiva e dor.
— Eu vou matar vocês duas! — ameaçou ele, a voz carregada de uma fúria, seu rosto parecia uma rocha queimada.
Lilian, baseada na história que Harper havia contado, sabia que ele podia estar falando sério. Ela ergueu as mãos em um gesto de defesa, tentando manter a calma.
Ela ergueu as mãos em um gesto de defesa, tentando manter a calma, mas sua mente estava a mil por hora, considerando as consequências do que estava prestes a fazer. Ela olhou para Harper, ainda em choque, e então tomou uma decisão.
Com um movimento rápido das mãos, Lilian começou a abrir um portal sob Billy. Ele olhou para o chão, confuso, e então gritou quando o portal se abriu e ele caiu, desaparecendo em um instante. O portal se fechou tão rapidamente quanto havia se aberto, deixando um silêncio inquietante no ar.
Lilian correu de volta para Harper e a sacudiu levemente, tentando tirá-la do estado de choque.
— Harper, precisamos ir agora! — disse Lilian, a voz urgente e cheia de determinação.
Harper piscou, lentamente voltando à realidade, e olhou para Lilian com olhos arregalados.
— O que... o que você fez? — perguntou Harper, ainda tentando processar o que havia acontecido.
— Eu fiz o que tinha que fazer. Ele não vai mais nos machucar. — respondeu Lilian, segurando Harper pelos ombros. — Mas agora precisamos sair daqui antes que alguém veja o que aconteceu.
Harper assentiu, ainda trêmula, e deixou que Lilian a puxasse para fora da sala e em direção ao corredor. Os dois corriam, o som dos próprios passos ecoando pelos corredores vazios da escola. Quando finalmente chegaram a um ponto seguro, longe o suficiente para se sentirem fora de perigo imediato, Harper desabou, as lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Eu sinto muito... eu não queria... — balbuciou ela, a voz quebrada pela emoção.
Lilian a abraçou com força, tentando confortá-la.
— Está tudo bem, Harper. Nós vamos resolver isso. Mas agora, precisamos nos manter seguras. — disse Lilian, sua voz firme apesar do medo que sentia.
Harper assentiu, tentando se recompor, enquanto olhava para Lilian com gratidão. Sabia que, com amigos como ela, talvez pudesse enfrentar qualquer coisa, até mesmo os monstros do seu passado.
Elas saíram da sala apressadas, Lilian ainda segurando Harper, tentando mantê-la de pé e calma. No corredor, Peter estava ansioso, andando de um lado para o outro, sua mente criando os piores cenários possíveis sobre o que poderia ter acontecido naquela conversa.
Quando ele viu Harper, correu até ela. Harper, ainda abalada, se agarrou a ele como a uma âncora. Peter beijou a testa dela, tentando transmitir conforto e segurança.
— O que aconteceu? — perguntou ele, preocupado, ainda acariciando os cabelos dela.
Harper, com a voz trêmula, respondeu apenas:
— Eu... eu não sei por que fiz isso.
Peter franziu a testa, confuso, enquanto continuava a tentar confortá-la. Lilian, nervosa, mas tentando manter a calma, interveio.
— Nós... nós fizemos algo ruim. — disse ela, olhando para Peter com olhos arregalados. — E talvez... talvez tenhamos um probleminha agora.
Peter olhou para as duas, a preocupação aumentando.
— Que tipo de problema? — perguntou ele, a voz baixa mas urgente.
Lilian respirou fundo antes de continuar.
— Harper teve uma... uma reação. E eu... eu tive que abrir um portal para nos proteger. — explicou ela, olhando de relance para Harper, que parecia estar se recompondo aos poucos. — O professor, o padrasto dela...
Harper interrompeu, a voz ainda trêmula.
— Não foi culpa da Lilian. — disse ela, olhando para Peter. — Foi minha culpa. Há algo ruim dentro de mim, e a joia da realidade está trazendo isso à tona. Strange tentou me avisar, mas...
Peter tentou acalmar Harper, segurando-a firmemente.
— Você não é uma pessoa ruim, Harper. — disse ele, olhando nos olhos dela com ternura. — Nós sabemos disso. Você sabe disso.
Lilian balançou a cabeça, interrompendo.
— Strange nunca diria isso. — disse ela, com firmeza. — Você deve ter interpretado de maneira errada. Billy é um criminoso, Harper. Ele merecia pagar pelo que fez.
Peter e Harper a olharam, surpresos com a frieza e a franqueza de Lilian. Ela pegou a mão de Harper e continuou.
— Billy violou a Harper desse universo. — disse Lilian, a voz carregada de emoção. — Ele é o motivo dela estar morta. Ele era ruim em todos os universos.
Harper sentiu um nó na garganta, as lágrimas ameaçando cair novamente.
— Mas e se eu não for diferente dele? E se...
Lilian a interrompeu, apertando sua mão com mais força.
— Você é diferente. — disse ela, com convicção. — Você se importa. E é isso que te separa dele. A joia pode tentar trazer à tona o pior em você, mas você ainda tem controle. E nós estamos aqui para te ajudar.
Peter assentiu, concordando com Lilian. Ele deu um beijo na testa de Harper e entrelaçou os dedos com os dela, tentando transmitir calma.
— Lilian está certa, Harper. — disse ele suavemente. — Você não é e nunca foi uma pessoa ruim. Você apenas é constantemente provada e posta em seu limite.
Ele suspirou, claramente frustrado, nervoso e preocupado.
— Tá legal, onde o Billy está agora?
Lilian fez uma careta.
— Ele está no Alasca.
Peter olhou para elas, incrédulo.
— Meu Deus, fizemos uma grande besteira. Precisamos achar o Strange.
Os três saíram da escola rapidamente, sabendo que precisavam encontrar Strange antes que as coisas piorassem ainda mais.
Enquanto caminhavam, Harper não conseguia evitar a avalanche de pensamentos em sua mente. Lilian tinha razão? As pessoas ruins eram ruins em todos os universos e as boas eram boas em todos os universos? Ou tudo era obra do acaso? Ela se lembrou da teoria do caos, onde pequenas mudanças nas condições iniciais podem levar a resultados drasticamente diferentes. Talvez sua vida fosse uma série de eventos caóticos, cada um influenciado por escolhas e circunstâncias além de seu controle.
Harper sentiu um desconforto crescente ao perceber que, mais uma vez, ela havia criado uma bagunça para Strange arrumar. A responsabilidade pesava em seus ombros, mas ao mesmo tempo, ela sabia que não estava sozinha. Com Peter e Lilian ao seu lado, ela tinha uma chance de entender e controlar o poder dentro de si. Mesmo assim, a incerteza sobre sua própria natureza e o impacto de suas ações continuava a assombrá-la, uma constante lembrança de que o caminho à frente seria tudo menos fácil.
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