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━━ 001. ᴏ ғᴀʀᴅᴏ ᴅᴀ ʟᴇᴀʟᴅᴀᴅᴇ


A raiva tem suas particularidades. Naquela época, eu ainda não percebia que alguns requintes ao expressá-la, por vezes, permitiam-na passar despercebida. Para mim, tornou-se fácil negá-la. E, para os outros, ainda mais fácil ignorar os murmúrios. Uma, duas, três, milhares de vezes ao longo da breve existência humana. Seja no aparente desapego após o ovo de dragão não eclodir ━━ um ovo posto por Syrax ━━ ou na apatia pela voz do meistre chamado Ostério... Lustério... Austério... sabe-se lá o nome.

━━ Preste atenção! ━━ Aemond sussurrou e repreendeu-me. Os olhos grudados ao meistre na tentativa de focar nas palavras em alto valiriano.

━━ Se você estivesse prestando atenção, não me incomodaria. ━━ Estava mais entretida com o besouro pequenininho que andava pela mesa. Helaena guardava alguns parecidos com aquele.

━━ A sua distração está me distraindo.

━━ A minha distração? Ou o porco?

Aemond olhou para mim. A brincadeira ainda o incomodava.

━━ Você os ajudou?

━━ Não, mas Jace me contou. Foi engraçado.

━━ Não acharia engraçado se fosse com você! ━━ esbravejou em minha direção. O besouro voou.

━━ Eles não fariam isso comigo porque sabem que não me importo. Aegon e meus irmãos só te perturbam para ver a sua reação. ━━ Virei o rosto e encontrei seus olhos lilases emoldurados pela feição raivosa.

━━ Eles não têm esse direito. Os dragões são o poder do nosso sangue.

━━ Não acho tão importante, centenas de Targaryens não montaram dragões. E a Rainha concorda comigo.

━━ Você só repete isso por não ter um ━━ cochichou para si mesmo, mas não me impediu de escutar.

━━ Eu não preciso de um dragão! ━━ respondi e minha voz deixou de ser um sussurro. ━━ Quero velejar com meu pai.

━━ Vossas Altezas. ━━ A pronúncia firme do meistre ecoou pela sala.

Enrijeci o corpo e me alinhei na cadeira, acompanhada por um longo suspiro do homem com o livro em mãos. Não demorou para voltarmos às atividades e acompanharmos a leitura do nosso tutor. Era uma história sobre a conquista; alguma coisa sobre o confronto com Dorne. Eu gostava de alto valiriano e gostava mais ainda de contos, mas não gostava de ser forçada a estudá-los. Por isso, consigo atribuir a maior parte de meus avanços no idioma a tardes de leitura sozinha ou, frequentemente, praticando ao lado de Aemond na biblioteca. Por vezes, nos jardins. Aemond, sim, importava-se com as aulas. Por algum motivo, que até então não era claro para mim, ele tinha a mania de ser o melhor em tudo. Era irritante.

Ele costumava ser estimado pelos meistres e septões por causa do esforço. Eu não era tão exemplar quanto Aemond, mas, nem de longe, tão relaxada quanto Aegon. Diferenciava-me um pouco de Jace, que, apesar de razoável, preferia interagir com Vermax a melhorar o seu entendimento do alto valiriano. Ao menos, minhas habilidades eram suficientes para cumprir as tarefas sem grandes atrapalhos, embora as palavras do meistre me entediassem.

O conquistador, Dorne, carta, dragões. Mais e mais palavras. Aemond conhecia  a história até mesmo ao contrário, estufava o peito e entonava as respostas com uma pronúncia quase perfeita. Imaginei que a falta de um dragão o atormentasse tanto por esse motivo. A ideia de esbanjar o magnífico sangue Targaryen e, ainda assim, não usufruir da única dádiva que nos diferenciava. Devia ser frustrante, não para mim (que, ao contrário de meus irmãos, sempre fui muito mais Targaryen do que Strong; e muito mais Velaryon do que Targaryen).

Algum tempo depois, fomos liberados e nem aproveitei o alívio antes de pensar em qualquer desculpa para manter as damas afastadas. Era sufocante tê-las por perto o tempo inteiro, apesar de eu gostar de Lady Bria Turberry. Ela me ensinou a bordar quando a Lady Ártemis Strong nos visitou pela primeira vez e fiquei fascinada pela habilidade da filha caçula do Mão do Rei. Ártemis, poucos anos mais velha que eu, presenteou a mim e meus irmãos com belos dragões negros, bordados sobre tecido vermelho. Desde então, mantivemos contato por cartas.

Escutei os passos cadenciados de Aemond conforme eu caminhava. Ele estava logo atrás de mim, como de costume. De vez em quando, ele me seguia por aí sem falar nada. Curioso, para dizer o mínimo.

━━ Vou até a biblioteca, deseja me acompanhar? ━━ perguntei.

━━ Não deveria estar com seu irmão?

Parei de andar. Havia poucas horas, o pequeno Joffrey chegara ao mundo, e meus esforços para deixar isso de lado foram em vão. Não que eu não gostasse dele. É claro que eu gostava, era meu irmão. E meu avô dizia: "irmãos cuidam um do outro." Entretanto, eu não conseguia sentir aquela coisa. Ele parecia mais uma criatura estranha do que uma pessoa. Pequeno demais, frágil demais, barulhento demais. 

Sempre fomos Jace, Luke e eu. E agora havia Joffrey, ainda sem um lugar no meu mundo. Talvez, algum dia, ele se tornasse tão familiar quanto meus outros irmãos e eu o amasse tanto quanto amava os dois. Mas, por enquanto, ele era apenas uma novidade confusa.

━━ Bebês são muito barulhentos. Você vem comigo? ━━ Rodei na ponta dos pés e ficamos frente a frente.

━━ Preciso treinar, já devem estar me esperando.

━━ Eu posso escondê-lo embaixo dos livros.

━━ Bem que eu gostaria, mas Sor Criston faria Aegon vir atrás de mim. ━━ Aemond deu de ombros. Fiz uma careta ao escutar o nome do cavaleiro.

━━ Não acho que Aegon saiba onde fica a biblioteca.

Aemond riu.

━━ Se mudar de ideia, pode assistir aos treinos, mas não é tão legal quanto ler histórias.

Olhei pela janela e pensei por um instante antes de aceitar o convite. Ora, poderia ser divertido passar algum tempo ao lado de todos. O clima lá fora estava claro e fresco; as prateleiras empoeiradas da biblioteca combinavam mais com dias chuvosos. No fundo, bem fundo, talvez eu gostasse da presença de Aemond. Ainda que nossos espíritos não se assemelhassem em nada, compartilhávamos um entendimento só nosso; quem sabe o fardo de sempre estarmos à sombra de alguém. E ver Aegon levar uma bronca não seria uma ideia ruim, afinal.

Ele sorriu e acenou com a cabeça, indicando para onde iríamos e ofereceu a mão quando eu segurei o vestido ao descer as escadas. Às vezes, Aemond ainda conseguia ser gentil comigo. Às vezes.

A Fortaleza Vermelha era estranha, gélida. Mesmo no calor, uma corrente de ar frio sempre passeava nos corredores. Eu não sabia de onde vinha, nem para onde ia (esse castelo deve ser tão assombrado quanto Harrenhal). Ao atravessarmos a porta que dava acesso ao campo de treinamento, a brisa gelada foi substituída pelo tempo confortável, vozes amontoadas e tilintares de espadas.

De longe avistei Harwin Strong, atento a Jace e Luke. Em contrapartida, Sor Criston Cole gritava palavras indistinguíveis para Aegon. Na medida em que nos aproximávamos, meu tio deixou-me para vestir a armadura e empunhar sua arma. Continuei em direção a meus irmãos, mas o caminho foi interrompido por uma figura alta, magra e de cabelos bagunçados.

━━ Veio me desafiar, princesa? ━━ Aegon apontou a espada de madeira para mim.

━━ Não seria justo, tio. ━━ Cruzei os braços e sorri. ━━ Eu te derrubaria antes mesmo de começarmos, você deve estar mais interessado na próxima taça de vinho do que no treino.

Não consegui receber qualquer resposta, porque alguém com duas vezes o meu tamanho esbarrou em mim e me fez cambalear. Dei alguns passos desajeitados e chacoalhei os braços, a fim de equilibrar-me e evitar uma queda. Olhei para cima.

O escudo juramentado da Rainha, é claro. Não poderia esperar ninguém diferente.

━━ Concentre-se, Aegon ━━ Empurrou-o para perto dos demais. Sequer dirigiu o olhar para mim. ━━ A garota deve assistir de longe.

━━ É "princesa" para você, Sor Criston ━━ respondi baixo, incerta se o desagradável guerreiro escutou.

Eu até cogitaria acompanhar de uma posição mais afastada, ao lado do Rei e de Lyonel Strong. Entretanto, a partir do momento em que Criston Cole mandou que eu o fizesse, meus passos me levariam à direção oposta. Ajeitei o vestido, ergui a cabeça e cruzei o campo até ficar ao lado de Sor Harwin. O capitão da Patrulha da Cidade me recebeu com uma breve reverência. Olhou para o escudo juramentado, depois para mim e arqueou as sobrancelhas.

━━ Ganhei minha primeira luta, Sor Criston. Meu oponente implorou por misericórdia ━━ Aegon disse após mais alguns golpes desengonçados no espantalho.

━━ Bom, você terá um novo oponente, "lorde dos espantalhos". Vejamos se você consegue encostar em mim ━━ O manto branco desafiou e se virou para buscar a própria espada. ━━ Você e seu irmão.

Aemond, de ombros curvados para dentro e olhar vago, caminhou até o membro da Guarda Real. A espada foi erguida por um aperto fraco e trêmulo, preparada para o ataque. Jace e Luke também interromperam os golpes desferidos contra os bonecos e ficaram lado a lado, próximos a mim e a Harwin.

Meus tios deram início à ofensiva. Absolutamente ridículo. Eles nem sequer foram capazes de chegar perto da malha de Criston Cole. Isso pareceu enfurecer Aegon e divertir Criston. O frenesi do príncipe serviu de vantagem para o cavaleiro, que zombava e derrubava os meninos. Aemond avançou poucas vezes e deixou as explosões do irmão tomarem frente.

━━ Armas para cima, garotos. Não deem margem para os inimigos ━━ Sor Harwin soprou as palavras para meus irmãos. ━━ Os mais novos se sairiam melhor se recebessem mais atenção, Sor Criston.

O confronto entre os príncipes e o manto branco cessou.

━━ Questiona meus métodos de instrução, Sor? ━━ revidou.

━━ Apenas sugeri que seu método fosse aplicado a todos os seus pupilos ━━ Harwin Strong continuou antes de se afastar.

Senti vontade de rir, embora soubesse que não foi uma brincadeira.

━━ Muito bem. Jacaerys, aqui. Lute contra Aegon. ━━ Criston puxou meu irmão pelo colarinho. Aegon e Aemond deram risada.  ━━ Filho mais velho contra filho mais velho.

Meu sangue ferveu. Jace era claramente menos... preparado que nosso tio, não só pelo tamanho (visto que no último ano Aegon ficou mais alto e com proporções estranhas). Olhei para o chão ao meu redor, talvez alguma daquelas pedrinhas fossem boas o bastante para eu atirar contra Sor Criston Cole sem ser vista, só o suficiente para desnorteá-lo.

━━ Não é justo! ━━ exclamei, mas ele continuou fingindo que eu não estava ali.

━━ A princesa está certa. Não é uma luta justa. ━━ A sombra imensa de Harwin me encobriu na medida em que ele se aproximou novamente.

━━ Você nunca presenciou uma batalha de verdade, Sor, mas quando sacamos espadas, uma luta justa não é o que vemos. Preparem-se.

A grosseria na voz de Cole me incomodava. Era um infortúnio tê-lo por perto, sempre reativo e com a necessidade implacável de diminuir qualquer azarado que cruzasse seu caminho. Ele não precisava empunhar uma espada para atacar, as palavras e olhares bastavam. Logo me arrependi de acompanhar Aemond, dado que o desprezo por mim, meus pais e meus irmãos era palpável. Não à toa, Jace e Luke aparentavam tão pouco habilidosos no campo de treinamento quando comparados aos filhos de Alicent. Além disso, ouvi dizer sobre a origem do escudo juramentado; uma origem nada nobre (perguntem-se: o que um plebeu dornês fizera para assumir tal posição na corte?). Qual mérito aquela figura indelicada teria? Polidez, não era. Honra, muito menos.

Estávamos todos dispostos em círculo e, no centro, Aegon e Jace levantavam as espadas feitas de madeira.

━━ Lutem ━━ Cole ordenou.

Aegon partiu para cima de meu irmão com ferocidade, voraz, urrando. Parecia aqueles cães loucos e doentes, que espumam pela boca e uivam nas noites de lua cheia. Descontrolado. Jace só conseguiu se defender e recuar com passos atrapalhados. Não demorou até que ele estivesse no chão e meu tio virasse as costas e esboçasse um sorriso vitorioso. Em um movimento rápido, Jace revidou e aproveitou a distração de Aegon para conseguir alguma vantagem. O mais velho se esquivou, sem conseguir frear os golpes. Carente de recursos para se proteger, empurrou o espantalho contra meu irmão.

━━ Golpe baixo! ━━ Harwin interveio e se colocou entre os dois.

━━ Eu resolvo com ele ━━ Criston foi até Aegon.

Ambos, o membro da Guarda Real e o capitão da Patrulha da cidade, sussurraram direcionamentos para os meninos: Harwin para Jace; Cole para Aegon. Falavam baixo demais, não pude escutar. Entretanto, era difícil deixar de notar a tremenda semelhança entre Sor Harwin e Jace, ainda mais quando estavam assim, tão próximos. Conhecia os boatos, apesar de não dar tanta importância, pois eu mesma não carregava todos os traços de papai. Avaliei Luke também, parado ao lado de Aemond. Era impossível não ver que, além de não serem parecidos com Laenor, eram quase uma cópia de Harwin.

━━ Você! ━━ o grito de Aegon cortou minha avaliação. Cão raivoso.

Tão rápido quanto antes, e muito mais irritado, meu tio golpeou Jacaerys.

━━ Aproxime-se ━━ Criston Cole incitou novos golpes. ━━ Faça-o recuar.

Aegon crescia em uma onda de fúria a cada palavra do manto branco. Mais intenso, mais brutal. Jace não conseguia se articular para retrucar, estava ocupado impedindo que a espada rival o acertasse. Eu não sabia em qual direção olhar, tudo acontecia muito rápido.

━━ Fique no ataque. Use os pés! ━━ A voz do escudo juramentado queimava mais intensa que fogo de dragão. Bruto. Grosseiro. Ríspido.

Violento.

Aegon continuou, exatamente como Criston Cole desejava. Sem respiros ou tréguas, apenas uma agressividade desconhecida por mim. E a julgar pelo terror estampado em Jace, desconhecida por ele também. Avanços frenéticos que eu não conseguia acompanhar. Meu tio chutou o peito de Jacaerys e o deixou caído mais uma vez, vulnerável às investidas encorajadas pelas ordens de Criston.

Aquilo devia doer, mas Jace não era de chorar.

Só quando esfreguei as mãos uma na outra, percebi-as molhadas de suor. Sem meu pai para segurá-las, o perigo parecia imenso. Procurei qualquer olhar, mas tanto os olhos violeta de Aemond quanto os castanhos de Luke e os azuis de Harwin estavam presos ao embate. O impacto entre as espadas me fez prender a respiração e querer tirar Jacaerys dali.

━━ Não o deixe levantar. Fique no ataque! ━━ as palavras manto branco estalaram mais uma vez.

Mesmo com meu irmão rendido e incapaz de reagir, Aegon continuava, quase como em um delírio. Ele estava cego pelo ódio, ou qualquer sensação que fosse aquela, nada parecido com o Aegon idiota de sempre. Nada parecido com o Aegon amigo de Jace. Meu tio levantou a espada, Jacaerys já desarmado. Perdi o ar e desviei meu rosto, sabendo que o próximo golpe seria o suficiente para realmente ferir meu irmão. Nosso pai jamais permitiria aquele combate chegar tão longe, não. Eu sabia.

━━ Chega! ━━ a voz alta de Harwin Strong ecoou pelo campo de treinamento. Ele segurou a espada do filho de Alicent e o jogou para longe.

━━ Como ousa pôr as mãos em mim! ━━ protestou em meio a um acesso de raiva um tanto espantoso, um tanto patético.

━━ Aegon... ━━ o Rei Viserys repreendeu ao longe.

━━ Não se esqueça, Strong, ele é o príncipe ━━ Criston advertiu, mergulhado no cinismo de sempre.

━━ É isso que ensina, Cole? ━━ Harwin, ofegante, juntou as espadas do chão. ━━ Crueldade? Contra os mais fracos?

Ele deu as costas para Criston Cole. Luke estava de cabeça baixa e, mesmo distante, pude ver Jace trêmulo. Respirei aliviada ao ver meu irmão em segurança. Do outro lado, um Aegon suado começava a recobrar a consciência. Aemond estava um pouco pálido.

━━ Seu interesse pelo treinamento dos príncipes é bem incomum, comandante ━━ o manto branco provocou. ━━ A maioria dos homens só teria tanta devoção para com um primo. Ou um irmão... ou um filho.

Não tive tempo de sentir raiva ━━ ou de considerar que aquela acusação ridícula tinha fundamento ━━ antes de Harwin Strong virar, como um furacão, e acertar um soco no rosto de Cole, que o fez ir ao chão. Jace e Luke correram para um lado, Aegon e Aemond correram para outro, os guardas correram para o campo de treinamento; e eu corri sem a menor ideia de para onde estava indo.

O primeiro impacto ressoou como um estalo, mas os que se seguiram foram secos, de pele e ossos sendo esmagados. Harwin não parou de golpear Criston Cole. Em questão de segundos, o chão, as mãos do Strong e o rosto de Criston estavam manchados de carmesim. O sangue respingou para todos os lados. O cheiro metálico invadiu minhas narinas e revirou meu estômago. Era difícil engolir a saliva, porque eu quase conseguia sentir o gosto do líquido pegajoso e quente que escorria das lacerações de Cole. Meu coração bateu alto, mas não o suficiente para abafar os socos e gemidos.

Até mesmo os guardas hesitaram em separá-los, temerosos de que Harwin Strong fosse um animal selvagem e não o capitão da Patrulha da Cidade. Quase como um reflexo, notei-me escondida atrás de Aemond, sem nem ao menos perceber que fugi em direção a ele. O príncipe, por sua vez, escondia-se atrás de Aegon. Agarrei o braço e uma das mãos do mais novo e fiquei o mais perto que consegui. Pude vislumbrar os olhos arregalados de Luke do outro lado do campo. Minhas mãos tremiam e o ar não chegava aos meus pulmões. Quatro mantos brancos foram necessários para arrancar Harwin, aos gritos, de Cole.

━━ Diga de novo! ━━ O Strong se debatia sob a contenção da Guarda Real, irreconhecível. ━━ Diga de novo!

Se o confronto entre Jace e Aegon me amedrontou, Harwin Strong, com certeza, aterrorizou-me.




━━ Foi assustador ━━ falei, sentada na beirada da ponte, enquanto sacudia meus pés imersos na água salgada. As ondas geladas iam e vinham, envolvendo meus tornozelos.

━━ Sor Harwin perdeu o controle. Ele cometeu um erro. ━━ Meu pai, olhando em direção ao horizonte, passou o braço esquerdo pelos meus ombros e me puxou para perto dele. Recostei-me em seu tronco, o calor de sua pele contrastava com a brisa fria que anunciava o fim do dia.

De longe, consegui ver os navios atracados em partes da costa. Senti a maresia me abraçar, tão familiar quanto o nascer e pôr do sol. Gaivotas cantavam e meus fios loiros-prateados acompanhavam a direção do vento. Em certas épocas do ano, quando a maré subia, a água quase tocava a superfície dos píeres que cercavam a Fortaleza Vermelha. Papai e eu costumávamos ficar ali todo fim de tarde, apenas admirando o lento cair da noite até a lua assumir seu posto no céu.

━━ Por quê? ━━ quebrei o silêncio.

━━ Algumas pessoas são crueis, e Sor Criston Cole é particularmente empenhado nessa tarefa. ━━ Olhou para mim e afagou meus cabelos. Envolvi meus dois braços ao redor dele, nossos pés se tocaram sob o balanço do mar.

━━ Mas Sor Harwin também foi cruel, ele atacou.

━━ É verdade. ━━ Laenor suspirou e desviou a atenção para o céu durante um breve instante antes de suas orbes acinzentadas, tão parecidas com as minhas, encontrarem-me de novo. ━━ Lembra do que eu te ensinei?

Neguei. Papai saiu um pouco de meu enlace e pegou a espada que repousava do outro lado, solta do cinturão. Desembainhou, acompanhado pelo sibilar metálico, e a levou para perto de mim. A lâmina escura e seus típicos desenhos, resultado das diversas dobras durante a forja do aço valiriano, brilharam sob o crepúsculo.

Ele me ofereceu. Estendi as mãos e segurei o mais firme que pude. Em minha pouca idade, a arma pesou mais do que eu consegui sustentar confortavelmente. Entreguei-me à admiração dos detalhes do pomo trabalhado em formato de cavalo-marinho e adornado com gemas de larimar, intercaladas com pequenas turmalinas translúcidas e brilhantes. A guarda da espada era ornada com os mesmos cristais e ondulada como os movimentos oceânicos, semelhantes às gravuras na base da lâmina. Linhas de aço azul contornavam todo o cabo ━━ da guarda ao pomo ━━ circundando os entalhes metálicos que revelavam o brasão da Casa Velaryon.

Enquanto os Targaryen exibiam Blackfyre e Dark Sister, os Velaryon carregavam Seastorm com garbo e orgulho, honraria à elegância da arma centenária, uma das poucas remanescentes após a perdição valiriana. Uma chama se acendia em meu âmago, eu sabia que em minhas veias pulsavam todos esses anos de história, de glória. Da Antiga Valíria à Westeros, da costa ao mar aberto. Tão certo quanto o sangue que inundava o coração de meu pai, e antes dele, o de meu avô, Lorde Corlys Velaryon.

━━ O bom cavaleiro jamais empunha sua espada contra outro se não estiver disposto a usá-la ━━ falou, passando a mão sobre a lâmina de aço valiriano, e emudeci meus pensamentos. ━━ Não se trata apenas de espadas, Aelynna.

O silêncio pairou no ar. Escutava-se apenas o som das ondas quebrando.

━━ Nunca tome uma atitude, nunca inicie um confronto, nunca faça uma escolha se não estiver preparada para sustentar as consequências  ━━ continuou. ━━ Não devemos agir para intimidar, nem por impulso ou simplesmente por raiva, isso é fraqueza. Atacamos somente quando não há outra opção para protegermos a nós mesmos, aqueles que amamos e aquilo que acreditamos. Somente quando estamos prontos para lutar até o último golpe e arcar com o que fizemos. Esse é o caminho de um verdadeiro guerreiro.

Ele expôs as palmas das mãos e devolvi Seastorm. Ali, ainda não compreendia a amplitude da lição que papai me ensinara. Entretanto, foi o suficiente para levar minhas memórias a Harwin Strong, Criston Cole, todo aquele sangue e ao pavor nos olhos dos meus irmãos. O escudo juramentado da Rainha não foi honrado em suas provocações, mas, tão claro quanto o alvorecer, eu percebi que Harwin foi ainda mais fraco em ceder à própria fúria.

━━ Minha filha, minha herdeira. ━━ Laenor abraçou-me forte e beijou o topo da minha cabeça. ━━ Um marujo sábio percebe quando é hora de avançar e quando é hora de recuar.

━━ Acha que eu preciso de um dragão? ━━ falei em um pensamento súbito, mais rápido que o corte da lâmina de Seastorm.

Em meio às batidas ritmadas de seu peito, escutei a risada. Eu jamais faria essa pergunta a nenhuma outra pessoa, nem mesmo à minha mãe, Rhaenyra. Nem a mim mesma. Não era um incômodo ao qual eu me permitia. Pelo menos, não na maior parte do tempo.

━━ Os oceanos são tão vastos quanto os céus. ━━ Tocou a ponta do meu nariz com o indicador, sorri e logo voltei a encarar a imensidão azul e contar os navios que flutuavam por ali (cinco, no total). ━━ Não se preocupe, a maioria dos ovos não eclodem.

━━ Os ovos de Jace e Luke eclodiram. ━━ E o de Joffrey também parecia prestes a romper a casca, embora não tivessem mencionado.

━━ Eu e Seasmoke nascemos ao mesmo tempo, é o que minha mãe conta. Isso não aconteceu com Laena, mas sabe o que esperava por ela? ━━ Levantou meu rosto e me fez mirar seus olhos. ━━ O maior dragão vivo... embora Seasmoke tenha nascido para mim, foi Laena quem nasceu para Vhagar. Talvez seja por isso que seu ovo de berço não eclodiu. Quem sabe, em algum lugar, tenha um dragão esperando por você. Com a nossa ida a Dragonstone, podemos visitá-los.

Dei um suspiro profundo, talvez o mais pesado desde que o sol me cumprimentou quando abri os olhos pela manhã. Dragonstone. Aquele dia parecia uma sequência de péssimas notícias, as quais eu tentava esquecer, mas alguém sempre fazia questão de lembrar-me.

━━ Não quero morar em Dragonstone, é frio. E não conheço ninguém lá. ━━ Afastei-me do abraço de papai e segurei meu próprio corpo.

Não era como se eu estivesse brava com ele ou com minha mãe. Até então, era uma frustração imprecisa e eu não sabia, ao certo, a que (ou a quem) direcioná-la. Ora, por que não poderíamos ficar em King's Landing?

━━ As damas de companhia irão conosco e você terá seus irmãos.

━━ Sentirei falta de Aemond e Daeron. E agora que Lyonel Strong vai embora, acho que Ártemis nunca mais sairá de Harrenhal para me visitar. 

━━ Também deixarei pessoas que amo. É o fardo da lealdade. ━━ Passou a mão nas minhas costas.  ━━ Será melhor para todos nós. Além disso, estaremos perto de Driftmark.

Não tive certeza se ele próprio acreditava em tais palavras.

━━ Preferia morar em Driftmark.

━━ Algum dia, você vai. ━━ Papai olhou ao redor. ━━ Deixe-me contar um segredo... ━━ Laenor aproximou-se de meu ouvido e sussurrou: ━━ Eu também preferia.

E assim a noite caiu. Pouco antes da escuridão total nos tomar, fizemos a longa caminhada de volta até o interior da Fortaleza Vermelha. Meu estômago queria sair pela boca, e apesar de eu saber que não seria minha última vez ali, parecia. Meus sentimentos, entretanto, convenceram-me de que era a última vez que chamaria aqueles corredores mal-assombrados de lar. Eu estava enganada, mas em um futuro distante as paredes soprariam os fantasmas das minhas perdas ━━ escombros e ruínas de uma vida outrora tão minha, memórias de um passado agridoce, mas desejado conforme se perdia nos labirintos traiçoeiros de minha mente.

As movimentações ao redor dos aposentos reais não deixavam espaço para dúvidas: em breve partiríamos. Papai me guiou até o quarto onde mamãe descansava e ocupava-se com os cuidados de Joffrey. Ao entrar, pude vê-la sentada em uma cadeira acolchoada e espaçosa, amamentando a criatura minúscula, apesar da Fortaleza Vermelha alocar numerosas amas de leite.

━━ Aelynna, querida, venha aqui ━━ minha mãe chamou, sua voz exausta, mas sem perder a ternura habitual. ━━ Quase não a vi hoje.

Obedeci. Com dificuldade, ela se recostou em um dos lados do assento, abrindo um pequeno espaço ao seu lado e não tardei em encaixar-me ali. Meu pai permaneceu na porta, observando em silêncio.

━━ Que dia péssimo, não é? ━━ Com uma mão, ela acariciou meu rosto; com a outra, ela segurava firme meu irmão contra o seio. ━━ Contaram-me o ocorrido no campo de treinamento.

━━ Aegon quase machucou Jace. ━━ Embora Harwin Strong fosse a verdadeira imagem rondando minha mente, presumi que mamãe já soubesse bem o suficiente do acontecimento. O semblante esgotado dela me dizia sobre a não-necessidade de retomar tal evento, as dores reprimidas pela despedida do manto dourado, e as nem tão reprimidas causadas pelo parto, bastavam para encerrar esse assunto amargo.  

━━ Meu querido irmão. ━━ Olhou para o alto e sufocou quaisquer considerações sobre o príncipe. Apesar da antipatia de Rhaenyra não ser tão ostensiva quanto a de Criston Cole, ela ainda existia. ━━ A rainha Alicent é implacável em transferir o próprio desafeto aos filhos. Não caia nos jogos dela, seja gentil com eles. Com todos eles.

━━ Não terei a chance de ser gentil em Dragonstone.

━━ E eles não terão a chance de ferir você ou seus irmãos, como quase aconteceu. Você não precisa viver aqui para manter a gentileza.

Não respondi. Optei por apenas aceitar as motivações dela (aqui, convido-os a questionar de onde partiu o verdadeiro perigo). Entretanto, minha frustração não diminuiu. Eu queria ficar.

━━ O que importa é todos estarmos seguros. Inclusive seu irmão, que nasceu forte e saudável. ━━ Laenor falou e se aproximou, sentando em uma cadeira à nossa frente.

━━ Quer segurá-lo? ━━ mamãe perguntou, o polegar acariciando minha bochecha.

━━ Não.

Ouvi o riso conjunto e abafado de meu pai e minha mãe, eles se entreolharam enquanto eu encarava a coisinha. Era pequeno demais, não podia ser uma pessoa de verdade. Uma boca minúscula sugando a fim de saciar a fome. Olhos miudinhos. Mãozinhas. Não fazia o menor sentido algo assim existir, muito menos ser meu irmão. Jace e Luke eram meus irmãos, mas Joffrey nem era alguém ainda, tão desproporcionalmente pequeno e cor-de-rosa. Todavia, eu precisava admitir: havia alguma fofura naquilo.

━━ Por que não? ━━ A questão surgiu entre o sorriso de Rhaenyra.

━━ Ele é mole.

━━ Bebês são moles. Você também era. ━━ Laenor continuou rindo.

Não vi graça naquilo. Para mim, não era engraçado, era estranho. Muito estranho. Minha mãe me puxou para perto com o braço disponível e encheu meu rosto de beijos. Pelas cócegas ━━ e somente pelas cócegas ━━ eu ri junto com ela. Mamãe me apertou contra o peito e disse:

━━ Eu te amo, Aelynna. Você é a minha filha, a minha menina. ━━ Deu um último beijo. Os olhos violeta brilharam em minha direção. ━━ Minha única menina, jamais se esqueça.

Era o único lar que eu conhecia, um refúgio tão certo e garantido como a âncora de um navio. Perder Rhaenyra nunca esteve nos meus horizontes.


Olá, viajante ♡

O que acharam do capítulo? Qual a parte favorita?

Para onde vocês acham que isso está levando a nossa jovem Aelynna?

Peço desculpas por qualquer estranhamento. O primeiro capítulo originalmente ficou com mais de 10k de palavras, então o dividi em duas partes.

Agora que oficialmente começamos (demorou, mas aconteceu), pretendo continuar com atualizações semanais. Mantenho todos informados pelo mural.

Não se esqueçam de votar e comentar!

Abraços e beijinhos, até logo ♡

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