ninguém reza por mim.
˖˙ 'segundo
🚓 ▊ ' humble ━ 🇪🇸
Para uma melhor experiência, sintonizem a música do capítulo em: Humble, Kendrick Lamar.
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barcelona, Espanha
2023, hoje
- Que porra é essa?
Os berros de Raquel antecipavam sua presença. Olhava incrédula para baixo, na altura do homem, delatando sua indignação. Ficou segundos boquiaberta, sem resposta de um membro sequer da sua equipe, a qual estava temendo pela vida naquele instante.
- Porquê ninguém me avisou?
- Raquel...
- Que porra de Raquel! Eu ia matar esse cara!
Toji riu de forma travessa, como se a desafiasse e duvidasse. Um sorriso ladino se formou em seu rosto enquanto ele empurrava de leve o corpo dela para cima e se levanta.
- Ia tentar, né?
Raquel lançou um olhar fulminante para a sua direção. Respirou fundo e mandou todos ali circularem. Ao invés de voltar a sua posição, peitou o homem de cabelos pretos. Deu curtos passos até ficar na sua frente e não precisou ficar de ponta dos pés já que a altura deles não era tão grande. Ainda assim, Fushiguro tinha que abaixar a cabeça, fato que deixava a mulher desconfortável.
- Primeiro: tire esse sorrisinho idiota da cara. Não me misturo com vagabundos como você.
- Isso é desacato a autoridade.
- Cala a boca. Segundo: quem te admitiu? Navanti?
- Quanto estresse, Inspetora. Isso não é bom. Acho que deve tomar um cházinho para relaxar, não?
Doeu no ego dela ouvir aquilo, mas estava certo. Detestava admitir, mas estava. Balançou a cabeça, recorrendo ao profissionalismo. Na mesma hora lembrou do corpo da mulher encontrada morta há poucas horas.
Estava de ponta cabeça presa pelos pés em uma corda entre os galhos de duas árvores diferentes. Um cheiro cadavérico já podia ser notado mesmo a certa distância e pior ainda, a boca pendia aberta cheia de sangue por terem arrancado sua língua.
Era terrível. Não parecia uma mulher bonita, muito menos daquele jeito. Estava com um vestido de festa - todo dobrado para cima por conta da gravidade - e uma maquiagem que quase não deixava a perícia ser feita. Mal dava para ver seus olhos.
- Encontrou alguma coisa?
- Ela permaneceu viva depois do crime. Foi muito mais do que uma morte, foi tortura.
- Mesmo assim, parece um amador. Só pelo jeito que a fechadura foi arrombada.
- E como a janela foi quebrada. Veja.
Uma placa com o número da evidência encontrada ficava bem ao lado dos cacos de vidro, cercados por uma fita amarela e preta cuja função era proibir toques.
A mulher olhou para o lado de fora e concluiu o mesmo que Toji. O trabalho era mal feito. Se fosse uma possibilidade, até pensaria que o assassino fez isso justamente para ser pego.
- Martina disse que um pé de cabra foi encontrado na cena do crime. Talvez ele tenha quebrado a janela com ele e depois agredido a mulher.
- Não, não acho. - Honestamente, nenhum deles tinha paciência. - Pelo relato da testemunha...
- Você falou com ela?
- Sim.
- Você fez um relatório?
- Que tipo de profissional acha que eu sou?
- Não faço a menor ideia. Te conheço há dez minutos e já tenho péssimas impressões.
- Que desculpa esfarrapada.
- Vamos ao que interesse. E ela? Como estava?
- Tentando manter a compostura. Não é fácil encontrar uma pessoa morta. - Remexeu alguns utensílios que estavam em cima de outra mesa.
- Como você sabe?
- Você gostaria de encontrar alguém morto enquanto passeia com o seu cachorro? Acho que não.
A conversa encerrou por la. Chega de papo furado para ambos, que tinham o pavio mais curto do que uma bomba. Foram para o andar debaixo e espalharam toda a papelada já impressa do caso na bancada. Toji colocou as duas mãos na mesa, debruçando-se em cima dela, e levantou uma sobrancelha. Examinar as provas era uma das partes mais difíceis.
Na pequena sala iuminada apenas por uma lâmpada fluorescente piscante o clima era desesperador. Alem da tensão entre eles que chegava a ser palpável. Uma mistura de rivalidade profissional e olhares penetrantes e curiosos.
A mulher de cabelos curtos segurava uma foto do local do crime contra a luz, como se aquele fosse um raio-x. A examinava meticulosamente tentando ignorar a presença de Fushiguro ao seu lado, a qual a irritava pelo simples fato de estar lá e quase tomar seu cargo.
- Eu encontrei algo.
- O que está esperando? Vá em frente.
Raquel bufou antes de começar.
- A pressão aplicada para amarrá-la quebrou os tornozelos dela. Talvez alguém muito forte tenha feito isso. De qualquer forma, ou ele subiu na árvore carregando um corpo ou aplicou uma força insana para puxar a corda para cima.
- Se for a primeira opção, teria que ser alguém pequeno. Ágil, rápido e muito, muito furtivo.
- Claro, Sherlock. Mas não temos testemunhas da hora do crime. Precisamos de mais do que suposições.
- Isso não é uma suposição, Inspetora. É uma dedução baseada em evidências. Evidências atuais e concretas. - Ele pegou a foto de sua mão e a examinou sem cuidado ao falar.
- Dedução essa que ainda não nos leva a lugar nenhum. - Tentou pegou a foto de volta.
Seus dedos se tocaram por um breve momento e eles sentiram um arrepio percorrer seus corpos. Nenhum deles recuou, mas a tensão aumentou. O pretexto e intuição, de verdade, era apenas conseguir a foto. Apenas queriam a foto.
- Talvez se você parasse de tentar me provar errado a cada passo, pudéssemos avançar mais rápido.
- E talvez se você ouvisse mais, em vez de só falar, já teríamos encontrado alguma pista nova.
Eles se encararam por um momento, a proximidade física e a pressão do caso criando uma carga elétrica entre eles. Raquel desistiu de tentar qualquer coisa e se afastou um pouco, pegando um arquivo com os depoimentos da testemunha.
- Temos que revisar isso. Talvez alguém tenha visto algo que não notamos.
- Certo. Martina ainda não liberou os laudos. Poderemos ter certeza de alguns fatos depois disso.
- É. Ainda temos que colher os depoimentos de dois vizinhos. O de trás e o da outra casa.
Enquanto eles trabalhavam lado a lado, a tensão entre eles oscilava em frustração e desejo, um jogo perigoso que ambos sabiam que precisavam manter sob controle. Mas cada olhar trocado, cada toque acidental, só fazia aumentar a curiosidade silenciosa que teimava em se fazer presente, mesmo em meio à seriedade do caso.
No entanto, quando achavam estar dando um passo para a frente, davam três acidentais para trás. O relógio na parede marcava cinco e meio da tarde, mas ela estava determinada a encontrar uma pista que a levasse ao assassino que procuravam há meses. Um barulho suave a fez erguer a cabeça: era Sebastian.
Ele entrou na sala às pressas, mas sua cara parecia a mesma sinistra de sempre. Os olhos arregalados, boca retorcida em um pequeno - quase minúsculo - sorriso e o cenho franzido.
- Raquel. Inspetor Toji. Acho que encontramos algo que vocês vão querer ver.
Ambos pularam dos bancos e seguiram o homem até o local. As enormes árvores já não eram tão claras de se ver o sol se punha na medida exata para uma dose de terror. Nada mais se podia avistar. Era pura escuridão.
Exceto por uma coisa. Uma vela acesa entre os galhos e restos de madeira jogados no chão. Ela era o único ponto de luz ali, registrando toda a penumbra da noite em um só canto.
Raquel ficou tonta. Sua cabeça dava giros e giros de nervoso. Segurou em Sebastian por alguns segundos antes de conseguir respirar bem outra vez.
Teve relances do sorriso do seu filho. Ou de como ele deveria ter ficado encantado pelo brilho da vela antes de ter sido pego. Como ele deve ter clamado pela mãe e pelo pai com pavor nos olhos.
Sentiu o gosto da boca amargar instantaneamente. Foi de 0 a 100 tão rápido quanto a velocidade da luz. Só esqueceu que não havia nada a ser feito. Nada por enquanto.
Coçou a cabeça de maneira frenética e continuou ali, paralisada. Os joelhos fraquejando e a vida que não teve com uma família feliz passando de relance sob seus olhos.
Era ele. O mesmo desgraçado que desapareceu com o seu filho naquele noite que já quase havia sumido da memória. Era ele que não tinha pena de uma criança e não pensou duas vezes em tirar sua vida.
Sentiu o chão desaparecer sob seus pés. O assassino que estavam procurando, o homem responsável por uma série de crimes hediondos, era ele.
Um arrepio percorreu sua espinha, e ela precisou se apoiar na mesa para não cair. Memórias de seu filho pequeno inundaram sua mente: o sorriso inocente, as risadas, os dias de busca desesperada.
Toji percebeu algo errado, mas não disse nada.
- Essa vela... - Martina, sentada numa cadeira com um café nas mãos, olhou para Raquel assim que entendeu.
- Miguel. É ele.
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