feche seus olhos, ache o paraiso.
˙ 'terceiro
🚓 ▊ ' paradise ━ 🇪🇸
barcelona, Espanha
2023, hoje
O silêncio era mortífero. Nada mais se podia ouvir além dos soluços engasgados de Raquel. Era durona demais pra deixar escorrer lágrimas pelo rosto na frente de todos ali. Mas por dentro, sentia o tamanho do remorso em ter perdido o filho para um filho da puta qualquer dele.
Tudo era mera especulação com pouco fundamento e evidência. No entanto, duas vezes já mostrava que era um padrão. O padrão do serial killer que estavam atrás. A investigação, àquele ponto, tinha se tornado uma obsessão para ela, uma tentativa desesperada de preencher o vazio deixado pelo desaparecimento de seu filho.
O apelido do criminoso que tanto queriam pegar era “sombra”. Sombra pois por onde passava, não deixava rastros. E se deixava, fazia questão de ser propositalmente como quando se acende a luz e a penumbra continua atrás da porta.
Ela deslizou os dedos pelos arquivos espalhados na mesa outra vez, todos a sua volta percebendo sua confusão. Toji estava dentro da sala como todos os outros, mas não entendia bem o que realmente aquilo significava.
Tinha um péssimo hábito de desdenhar de tudo e todos que desconhecesse. Tinha um palito entre os lábios e o cenho franzido.
- O que foi? Isso foi encontrado na cena do crime?
A morena não respondeu. Quem deu a vez foi Martina ao se levantar e ir até ele, de fininho, para cochichar no seu ouvido:
- Aparentemente o assassino é o mesmo que deu causa ao desaparecimento e possível morte do filho da Raquel há anos atrás.
Toji ficou paralisado. A informação demorava para ser processada em sua mente. Encarou Raquel e de maneira secreta, teve 10% de admiração por ela manter a compostura e profissionalismo depois de uma revelação como aquela.
Então Raquel já teve um filho, pensou. Ela parecia muito nova para isso. Nova demais para ele, até. Não que importasse, mas era algo surreal de se tentar adivinhar.
Empurrou a cadeira da mesa para fora do encaixe e se sentou. Botou as duas mãos atrás na nuca e por impulso, quase levantou os pés e os colocou em cima da mesa. Mas Raquel o impediu. Deu um tapa forte nas suas canelas, que o fez gemer e dar um pequeno riso.
- Você precisa de um psicólogo para trabalhar nesse caso. Não pode lidar com isso se não manter o profissionalismo.
- Eu posso lidar com isso. Só me dê dois minutos.
- 1, 2, 3, 4…
- Cala a boca. - Sebastian, um dos policiais ali presentes, interferiu.
- Aparentemente todos aqui sabem dar ordens, não é mesmo? Vamos ver se sabem segui-las. - Limpou a garganta e aumentou o tom de voz. - Eu quero cinco cães farejadores aqui para irem atrás do aroma da vela e todo histórico do celular da vítima impresso em dez minutos! Ah, e um psicoterapeuta forense.
- Toji, não.
- Deixa que eu cuido disso, Raquel. Se recomponha primeiro. Você não me engana com essa cara de espertinha.
Em poucos segundos, ele a deixou sozinha. Raquel tomou o minuto para tentar com mais clareza, afinal não era cotidiano receber uma notícia como aquela. Foi até a van e pegou uma maçã.
Voltou para o caminho da casa ainda com o alimento nas mãos, observando ao seu redor. Sua cabeça ainda estava a mil e a vontade de explodir era iminente. Apoiou os braços por cima do batente da porta da sala de jantar , o que chamou a atenção de Sebastian. Sua feição congelada e fria se virou para ela em um segundo. Quem deu a primeira palavra foi a policial:
- Você tem ideia de quando Oliver vai voltar de viagem? Algum notícia dele?
- Ele teve problemas com o vôo. Deve estar vindo pra cá agora.
- Porque ele foi pra lá mesmo? Não vá me dizer que tiveram problemas com a Sra. Xiny.
A morena sempre foi amiga de Oliver. Desde que eram crianças e decidiram, por acaso, tomarem a mesma profissão. O coreano era seu melhor amigo e único que já soube das partes mais tenebrosas de sua vida. A Sra. Xiny, mãe dele, tinha problemas de saúde com frequência. No entanto, já estava idosa demais para se cuidar sozinha.
- Não sei. Acho que foi isso.
- Entendi. Bom, vamos torcer para que tudo esteja bem. Você vai me acompanhar na entrevista da outra vizinha?
- Sem problemas.
- Então, vamos.
Andando em direção a saída da casa, assim que deu a primeira mordiscada na fruta, o telefone tocou. Era Augusto.
- Raquel?
- Que é? - Revirou os olhos.
- Fiquei sabendo do que aconteceu.
- Eu sempre quis saber quem é o bocudo aqui dentro.
- Você está bem?
- Bata na porta dela, peça para entrar mostrando seu distintivo, explique a situação e lhe sirva um copo d'água. Eu já entro. - Parou de instruir Sebastian e voltou a atenção ao telefone. - Já pode parar de fingir que você se importa.
- Eu posso ser o maior babaca do mundo, Raquel, mas ainda tenho coração. Eu amava nosso filho tanto quanto você.
Ela respirou fundo. Lembranças e mais lembranças do passado.
- Precisamos conversar.
- Eu irei conversar com o meu ex marido, pai do meu filho, ou com o Inspetor Augusto, psicoterapeuta do nosso DP? Não que a escolha seja maravilhosa porque as duas opções são uma merda, mas…
- Raquel, por favor. Não irá trabalhar no caso se eu não te der um laudo.
- Sabe o que você pode fazer com o laudo? Enfiar na porra da bunda.
Seu suspiro foi tão alto que Sebastian colocou a cabeça para fora da janela e ficou a observando. Suas enormes olheiras fundas embaixo dos olhos a encarando.
Raquel nem sentiu o olhar. Desligou o telefone e foi para casa. Se sentou na cadeira e abriu um pequeno sorriso falso de empatia para a testemunha.
- Olá, Senhora Amanda. Como vai?
- Bom, acho que vou indo. Não dá pra dizer que está tudo bem com…essa coisa acontecendo.
- Realmente. Mas, olha, não viemos aqui incomodar. Queremos que a Senhora responda algumas perguntas. Tudo bem?
- Tudo bem.
- Você conhecia a vítima?
- Muito pouco. Nós nos falamos poucas vezes desde que mudei pra cá.
- Isso faz quanto tempo?
- Mais ou menos um ano e meio.
- Certo. E o que a senhora fez ontem? Algo diferente do normal?
- Não, não. Tive uma reunião no trabalho e passei no posto para abastecer o tanque. Era umas quinze para as onze. Cheguei em casa, escovei os dentes e fui pra cama.
- E alguém mais poderia ter visto algo?
- Acho que não. Quer dizer, o jardineiro fica aqui até umas sete horas da noite. Depois ele volta pra sua casa.
- E por algum acaso a senhora soube que ele teria que ficar por mais tempo?
- Não.
- A senhora costuma dormir que horas? - O outro policial interviu.
- Creio que não vieram me questionar sobre meus hábitos de sono. Seria um desperdício de tempo e dinheiro.
- Pode parar idiota, senhorita, mas é relevante para nós. - Raquel defendeu o colega. - Assim como sabermos qual a sua relação com ela.
- Nenhuma. Sei que meu marido olhava com outros olhos pra ela, mas não me incomodo com isso.
- Perdão, como? Seu marido?
- Sim, meu marido.
- Onde ele está?
- Bom, ele está trabalhando. Pelo menos é o que me diz. Viagens de trabalho.
- Ele está aqui quando isso aconteceu?
- Não, ele saiu para uma viagem de negócios nos Estados Unidos uma semana atrás.
- E além das passagens de avião, nenhuma outra compra foi efetuada no cartão?
- Não que eu tenha visto.
- Certo. Teremos que falar com ele também. Obrigada pela colaboração.
O dia passou rápido demais. Após longas horas de trabalho, Raquel se encontrava cansada, mas, acima disso, preocupada. Era claro que aquele caso estava queimando todos os seus neurônios. Pensar naquilo acabava com o psicológico de qualquer. Apenas cogitar a morte de seu próprio filho era revoltante.
Era uma cansativa busca por pistas ou falhas que a levassem até o assassino. Já passava das dez e quinze quando andava pelos corredores se despedindo de alguns policiais que ainda trabalhavam e a cumprimentavam quando a viam passar.
Ela não era do tipo que gostava de dar bom dia, ou boa noite. Não que fosse mal educada, só não acreditava em cortesias falsas como essa. Normalmente quando dizemos bom dia não estamos desejando um bom dia, como as palavras afirmam. Falamos por educação. E se ser o significado de educação é aquele, Raquel preferia ser chamada de coisa pior.
Não via a hora de chegar em casa e dormir - se pelo menos conseguisse fazer isso. Fechar os olhos e esquecer de toda aquela merda de vida. Era a única parte do dia que realmente gostava.
Ao sair da delegacia, com uma mochila pendurada em um dos ombros, reparou no grupo de quatro pessoas no canto do estacionamento. Martina, Sebastian, Nick, Toji, o qual, pelo visto, acabara de se juntar à roda, e Oliver. Ele estava acenando, super animado, na sua direção.
Ao invés de tentar passar despercebida atrás de um carro, andou de maneira rápida até eles para cumprimentar o melhor amigo. Largou a mochila no chão e se jogou em seus braços, dando-lhe um aperto muito forte. De urso.
- Oli!
- Raquel! Como você está?
- Estou bem e você? Porque não me avisou que ia sumir assim?
- Eu tive que ir correndo pra lá. Minha mãe estava no hospital e não tinha me dito nada.
- Ela está bem? Nossa, tadinha da Sra Xiny. O que aconteceu?
- Ela teve uma isquemia. Princípio de AVC. Não conseguia mexer um dos lados do corpo e enfim, não sei nem como ela conseguiu ir buscar ajuda sozinha. Estava contando pra eles agora. Foi pura sorte ela ter achado um táxi.
- Nossa, que perigo! - O coreano era o único realmente capaz de sentir o peso das palavras que Raquel dizia. Ela realmente se importava com ele e sua família. - Mas ela está melhor agora?
- Sim, está. Pedi para Xanwo ficar com ela. Irmãos mais velhos servem pra isso, não é? O dever me chama. Inclusive, fiquei sabendo da notícia. Como você está?
- Bem, estou indo. - Ela parecia envergonhada de admitir a verdade na frente de todos ali.
- Ei, olha pra mim. Nós vamos encontrar esse cara, nem que isso seja a última coisa que eu faça.
- Certo.
A morena foi obrigada a forçar um sorriso, ainda de cara feia, mas tentando parecer menos hostil. Apesar de não demonstrar muito, gostava de Oliver como se ele fosse da família. Era uma das únicas pessoas no mundo em quem confiava.
Martina, com as mãos no casaco devido ao frio que fazia em Barcelona, perguntou de maneira a quebrar o clima:
- E então, quais são os planos para hoje?
- Dormir.
- Não, Raquel! Achamos que seria legal ir a um bar. Como Toji é o novo membro da equipe, seria legal comemorar. – Oliver sorriu. Estava mais para chefe. - Eu sei que não faz nem duas horas que cheguei aqui, mas eu também precisava desse descanso.
- E desde quando isso merece uma comemoração?
Toji a olhou, confuso.
- O que isso quer dizer, mulher?
- Pense como quiser.
- Ei, ei! Sem motivos para discussões, não é? Isso é apenas uma desculpa esfarrapada para bebermos até esquecermos os nossos nomes. – Martina olhou para a amiga, que parecia desanimada. — Vamos Raquel, até Sebastian vai. Só hoje.
- Você sabe como é raro ele topar.
Sebastian encarou Oliver por um tempo. O rosto sério e fechado como sempre. Deu de ombros diante das suposições.
- Amanhã vocês não trabalham?
- Não. Arnaldo deu folga pra nós, inclusive para você. Vão cobrir nosso turno.
- Eu disse que queria o laudo da autópsia para amanhã.
- Martina, você consegue fazer isso assim que voltar, não é? - Oliver interviu, colocando os braços no ombro da amiga.
- Claro. Por favor, Raquel. Por favor. Só hoje.
- Quero o laudo em cima da minha mesa às 8 da manhã de sábado, combinado?
- Droga…combinado. - Ela Hesitou um instante, mas não acabaria com a diversão. Para um dia de descanso, mais 3 de trabalho contínuo.
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Estavam ali há pelo menos 1 hora. Uma noite vibrante e com ar noviço. Algumas lanternas de papel vermelho decoravam o teto remetendo ao tema japonês. As mesas de madeira escura estavam repletas de copos de cerveja, mas o delicioso aroma de flores e comida frita permeava o ar. No canto, uma jukebox moderna tocava Downton, Anitta. E a música animada fazia com que muita gente levantasse e dançasse.
Entre risadas altas e conversas animadas, os policiais brindaram repetidamente, celebrando a camaradagem e as histórias compartilhadas do trabalho para incluir os novos membros no time. Martina e Sebastian até se levantaram reunidos ao redor de uma mesa de sinuca, competindo em um jogo nada saudável. Junto com mais três pessoas, riam alto e em total descontração.
Oliver estava bêbado o suficiente para babar no balcão e ainda sim, queria tomar mais. Raquel suspirava, cansada, só de saber que teria que levar o melhor amigo para casa. Mas seus olhos jamais deixavam Toji. Toji, seu rosto, seu comportamento, seu corpo e suas mãos. Mãos grandes e calejadas que envolviam copos e batucavam na mesa, sem paciência.
As luzes suaves amareladas e a decoração acolhedora criavam um ambiente íntimo, onde todos podiam relaxar e deixar de lado as tensões do dia a dia. Inclusive Raquel que não bebeu um copo sequer de álcool. Permaneceu no energético e na água para aguentar a madrugada que estava por vir.
Toji parecia na dele. Bebendo cerveja e olhando ao seu redor, com pouco caso. Seus braços estavam esticados, um para cada lado, no banco em que estava sentado. E suas pernas cruzadas. Seu físico era realmente impecável. Muitos músculos por toda parte e um braço enorme. Tão grande que parecia mentira. Através da camisa de compressão que usava dava para reparar no abdômen marcado assim como Raquel, vira e mexe, fazia.
Ela fazia questão de disfarçar. Já ele, enquanto olhava para as mulheres dançando com a bunda perto dele, não. Gostava da atenção que recebia. Ainda mais que tinham bundas grandes, coisa que no Japão não era comum de se encontrar.
Além disso, também não parecia se importar com o fato de que teria que dirigir mais tarde. Ou quem sabe, levar uma mulher para casa. Nem que fosse qualquer uma.
Às vezes ele pegava a outra Inspetora o encarando. Como típico dele, também dava belas olhadas nela. A pele toda tatuada e algumas cicatrizes espalhadas por seu rosto. Lembrou da sua cicatriz na boca e desviou o olhar.
Os dois sabiam que em alguma hora teriam que se entender, para que pelo menos assim pudessem suportar a presença um do outro no trabalho. Então, a mulher foi quem decidiu mostrar maturidade. Entre conversar e o tilintar de copos, as luzes suaves do bar criavam sombras no rosto dos dois, realçando a tensão palpável que existia ali.
Raquel, com seus cabelos escuros e olhos penetrantes, recostada na cadeira com uma expressão de desafio em seu rosto do outro lado da mesa, esperou Toji olhar para ela. Ele, com uma postura relaxada, mas um olhar igualmente afiado, respondia com um leve sorriso. Uma mistura de desdém e algo mais, algo que eles relutam em admitir.
Eles trocam palavras cortantes, cada frase carregada de sarcasmo e provocação, mas há momentos de silêncio onde seus olhares falam mais do que suas palavras jamais poderiam. A proximidade física e o ambiente íntimo do bar apenas intensificam a eletricidade entre eles.
Fushiguro inclinou-se ligeiramente para frente, sua mão descansando sobre a mesa. Raquel não recuou, mantendo a firmeza em seu olhar. Tinha apenas um tremor na sua respiração. Algo que somente ele conseguia fazer. O ódio que sentem um pelo outro parece alimentar um desejo oculto.
- Eu começo. Não podemos continuar assim. – Raquel tomou a vez.
- Assim como? Tivemos uma briga de casal e eu não estou sabendo?
Deu um gole na cerveja, debochado. Raquel o olhou indignada. Não ia tentar para sempre.
- Será que você não consegue levar as coisas a sério pelo menos por um minuto?
- Você que está estressada demais, esposa.
- O que? O que você falou?
- Esposa. Você tá agindo como uma com esse papo todo de “não podemos continuar assim.”
- Eu tô falando de maneira profissional, cara.
- E eu estou enchendo seu saco.
A mulher suspirou, dando um gole no energético. Sem nem perceber, mexeu um pouco os quadris no ritmo da música. Era inevitável.
- Por que veio para Espanha? – trocou de assunto.
Toji a olhou, deu um grande suspiro e inclinou a cabeça para o lado. Uma de suas mãos foram parar no rosto, como se estivesse cansado demais para responder aquilo, mas faria um esforço.
- Fui transferido para cá. Eu pedi a transferência, na verdade.
- Por quê?
- Você faz muitas perguntas. – Raquel revirou os olhos, o tirando uma risada breve. — Me responda uma, pelo menos.
- Hum..
- Você já fez coisas no passado? Coisas que se arrepende de ter feito.
- Depende.
- Eu fiz. Várias. Paguei o preço por elas, mas as pessoas não aceitavam minha presença ali. Então decidi recomeçar em outro lugar.
- O que você fez pra todos te odiarem? Matou alguém algo do tipo? - Ela brincou no mesmo tom de deboche.
— Algo do tipo. – Ele sorriu ladino. Parecia querer evitar o assunto.
Não deu nem tempo de Raquel continuar no assunto. Teve sua voz e curiosidade extremas interrompidas por ele.
- Mas e você? Qual sua história, Inspetora?
- Nada que você precise saber.
- Qual é, Raquel. Não quer que eu te chame de esposa outra vez, não é?
- Vai me contar sobre o que fez no passado?
- Se você prometer que vai beber até esquecer…talvez.
- Sem chances.
- Então me cobre daqui a dois meses e eu te contarei.
- Dois meses? Quer tanto saber da minha vida?
- Dizem que a curiosidade matou o gato.
A mulher deu uma risada que mexeu em algo dentro de Toji. O sorriso atrevido e a rebeldia e selvageria em seu olhar eram de outro mundo. Algo que nunca tinha visto antes. Suspirou fundo ao dizer:
- Engravidei cedo, casei com um cara babaca pelo meu filho, perdi meu filho, decidi trabalhar na polícia e aqui estou, divorciada, pobre e conversando com o completo idiota.
Toji a escutava atentamente, uma mão segurava sua cabeça apoiada no balcão.
De certa forma ele parecia entendê-la.
- Qual era o nome dele mesmo?
- Miguel.
Ele juntou as peças. O sobrenome deles batiam. Era ele, o caso que acompanhou por muito tempo.
- O caso Miguel Soltioni. Era seu filho?
- Um escândalo nacional.
- Internacional, você diz. Acompanhei tudo.
- Sério?
- Sim, não tive certeza de que era você pois cortou o cabelo e está com tatuagens novas. – Ele era muito observador. - Mas, de qualquer forma, sinto muito pelo o que aconteceu. Sei que não deve ser fácil para você.
- Enfim, o tempo passa. Não quer se tornar meu esposo e bancar uma de psicoterapeuta, ou quer?
- Acho que o melhor conselho que já dei para alguém, na vida, foi dizer para a pessoa dar um susto na outra.
Ela sorriu para ele. Entendi o duplo sentido na palavra susto. E não deixou de reparar no completamento mais violento que Fushiguro carregava. Sempre se voltava para a violência e por algum motivo, acreditava que seu passado escondido e frustrado tinha relação com isso. Antes que dissesse alguma coisa, seu celular começou a tocar.
- Ah, me deixe em paz. – Resmungou ao ver quem a ligava.
- Hm, deixe-me adivinhar…ex marido?
- Ele deve estar bêbado e nesse exato momento vai me pedir dinheiro ou me cobrar de algumas coisas que estão em casa.
- Por que ainda não ensinou uma lição a ele?
- Tenho vontade de fazer isso às vezes, mas ele perdeu tudo também. Apesar de ser um péssimo marido, era um ótimo pai.
- Isso não justifica muita coisa, esposa.
- Vai realmente continuar me chamando assim?
- Vou sim, esposa.
Dessa vez ela riu, e porra, Toji podia acreditar que tinha visto o sorrido mais lindo do mundo. Não podia pensar nisso, certo? Obviamente reparou em quão linda ela era. Corpo malhado, braços tatuados e cabelo cacheado acima dos ombros. Mas eram colegas de trabalho, e depois de solucionar o caso, já pensava em ir embora da cidade.
Era apenas a bebida falando.
Balançou a cabeça espantando os pensamentos intrusivos, em seguida ergueu sua garrafa.
- Um brinde ao seu ex fudido e a nossa vidinha de merda.
Raquel arregalou os olhos e soltou uma risada sincera. Risada esta que não dava há muito tempo. Percebeu que, assim como ela, por baixo daquela carranca toda havia um homem decente.
- Um brinde.
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