
04 | CLARICE.
Minha perna balançava freneticamente com a ansiedade de estar numa casa totalmente desconhecida que seria o meu lar pelos próximos meses. Havia chegado há poucas horas. Não vou mentir, eu estava completamente apavorada. Ao mesmo tempo que a ideia da nova vida que eu teria aqui era fascinante, o desespero ainda corria em minhas veias. Um ano longe da mamãe, dos meus amigos brasileiros, da minha cidade, do meu país. Eram culturas diferentes, gírias diferentes, maneiras de viver diferentes. E se eu não soubesse me adaptar bem? E se não me tratassem bem? E se eu me arrependesse? A ansiedade enchia minha cabeça de perguntas e eu só queria um pouco de paz.
— Clarice? — A voz feminina de Kami cortou meus pensamentos, me fazendo levantar a cabeça para encará-la.
— Sim?
— Você está com fome? Eu fiz alguns sanduíches. Tem suco e café.
Um sorriso tomou conta de seu rosto, deixando o meu coração totalmente quentinho. Por mais que o medo me dominasse, eu estava me sentindo acolhida por Kami.
— Sim, eu quero sim. A viagem me deixou morta de cansaço e de fome. — Ri fraco.
— Eu imagino. — Kami deu uma risada fraca e saiu da porta, se sentando ao meu lado.
Me ajeitei rapidamente no colchão e sentei com perninhas de índio enquanto encarava a minha nova host mom. Ela era uma mulher muito bonita. Seus cabelos castanhos eram brilhosos e muito bonitos, o que escondia alguns fios brancos que estavam nascendo. Desde que cheguei aqui, ela me tratou com muito carinho e respeito. Aquilo me deixou muito feliz, mas não posso evitar sentir completo pânico com tudo que eu teria que encarar agora. Sempre fui uma mulher muito forte que aguentava tudo que colocavam em minhas costas e estava disposta a aguentar tudo isso.
— Clarice, eu percebi que você está meio acanhada. Eu entendo, você acabou de chegar em um novo país com uma cultura diferente, numa casa com pessoas desconhecidas, enfim... Mas, eu quero que saiba que será muito bem recebida por todos que moram aqui e também pela vizinhança. Me desculpe, mas eu já falei da minha "nova filha" para todos os meus amigos e vizinhos. — Aquilo me fez rir. — Então, não fique tão tímida e com medo, pois você terá todo o amor do mundo comigo e com a minha família, isso eu irei te prometer. Se precisar de qualquer coisa, eu estarei aqui. Conselhos, um ombro amigo, ou qualquer outra coisa. Confie em mim, por favor.
Kami segurou minhas mãos e as envolveu com seus dedos gordinhos e quentes. Todas aquelas palavras haviam me deixado muito feliz. Como uma carioca e mulher sensível, já senti uma lágrima descer pelo meu rosto, mas limpei rapidamente e puxei Kami para um abraço aconchegante. Senti seus braços me apertarem e, naquele momento, eu senti que meus dias naquela casa seriam incríveis e inesquecíveis.
— Agora vamos comer. Sua cara de faminta está visível. — Ela disse se separando do abraço e me provocando um riso.
Nos direcionamos até a cozinha e devoramos aqueles sanduíches. Durante a refeição, conversamos sobre algumas coisas e respondi algumas dúvidas que ela tinha sobre o Brasil. As pessoas daqui de fora tem uns pensamentos loucos sobre o Brasil, chega a ser engraçado.
Meu celular vibrou com uma nova mensagem do grupo das meninas. Rapidamente o peguei e li o que elas haviam escrito.
piranhas brasileiras e uma falsa gringa 🤡
malu: eu espero que você esteja nesse exato momento entrando num site de garotos de programas americanos pra você tirar essa teia que nasceu na sua buceta, clarice!!
elisa: a garota acabou de chegar, para de ser imunda
clarice: não tenho um minuto de sossego
clarice: eu acabei de pisar nos Estados Unidos, eu estou surtando.
elisa: espero que esteja surtando de felicidade, porque eu não aguento mais olhar pra cara desse povo da Rocinha.
malu: muito menos eu
clarice: um dia eu vou pagar a passagem de vocês pra virem ficar bem pertinho de mim, prometo!
elisa: eu acho bom mesmo, porque senão eu soco a sua cara
malu: felipe não para de falar de você
malu: tô quase mandando ele ir tomar no cu
clarice: o que ele tá falando? 😩
malu: que já está com saudades e umas boiolices
elisa: meu deus ele n tem nenhum amigo pra avisar?
malu: eu já avisei e ele me chamou de invejosa
malu: vou arranhar a cara dele todinha
clarice: vocês são loucas
elisa: tô com fome
malu: eu quero dar
elisa: cadê teu namorado garota
malu: tá la na casa
elisa: que casa?? na sua??
malu: na casa do caralho
clarice: meu pai... vou desligar aqui porque tô sentindo que estou muito no celular, beijos meninas! se cuidem, eu amo vocês.
elisa: tchau, falsa gringa
malu: tchau anitta, também amamos você ❤️
Rio e desligo o meu celular. Notei o olhar de Kami sobre mim, era um olhar curioso.
— Eram minhas amigas brasileiras. Estavam com saudades.
Ela sorri e assente, e então, começamos a conversar sobre outras coisas até anoitecer. Depois de um tempo, cochilei um pouco e me levantei para ir tomar um banho. Lavei meus cabelos e os enrolei na toalha, me vestindo e logo os penteando depois de passar creme. Passei meu hidratante e saí do banheiro, logo ouvindo vozes vindas do meu quarto. Arqueei a sobrancelha e me direcionei até o cômodo, tomando um susto ao ver um garoto deitado na minha cama enquanto Kami estava discutindo com ele. De imediato ao entrar no lugar, o olhar dos dois se direcionaram pra mim e eu pude jurar que um ponto de interrogação enorme estava na minha testa. Kami me olhou com um olhar como se estivesse pedindo desculpas.
O garoto que estava deitado na minha cama se levantou e me olhou de cima à baixo. O nojo me atingiu em cheio ao ver a maldade escorrendo no canto da sua boca ao encarar minhas pernas e minha blusa um pouco decotada. Cruzei os braços na altura do peito e o olhei com a cara fechada.
O garoto, ou melhor, o cara era um puta de um pedaço de mal caminho. Seus braços que estavam destampados por conta da regata preta que usava eram cobertos de tatuagens. Uma calça larga jeans cobria suas pernas e ele estava de tênis. Parecia acabado de chegar da rua. Seu cabelo um pouco grande estava preso em um coque samurai. Era uma beleza totalmente diferente do que eu sempre vi em minha vida. Estava crente que encontraria algum americano loiro dos olhos azuis e quebrei totalmente a minha cara. Maldita Clarice linguaruda.
— O que essa latina tá fazendo na minha casa e no meu quarto? — O tatuado perguntou, também de braços cruzados e me encarando fixamente.
— É a intercambista que irá morar aqui durante um ano, Nathan. Esse quarto agora é dela e não encha a minha cabeça, pois nem mais nessa casa você mora mais. E ela não é latina, é brasileira. — Ela virou para mim. — Me desculpe pela falta de educação do meu filho, Clarice. Esse é o Nathan, ele mora aqui perto e vem aqui sempre nos visitar mesmo sendo um mal educado que me abandonou por conta de uma namorada víbora.
— Não seja tão dramática, mãe. — Ele falou entredentes e se virou pra mim, estendendo a sua mão. — Prazer, Nate.
Eu intercalei o olhar de sua mão e seu rosto. Estava com vontade de quebrar todos os seus dedos, mas apenas respirei fundo e apertei a mão de Nate, o meu "irmão".
— Vim apenas entregar algumas compras que fiz e vou voltar pra casa. Tchau, mamãe. — Ele se direcionou até sua mãe e beijou sua testa. Indo em direção à porta do quarto, Nate passou perto de mim e me olhou novamente de cima a baixo com aquele olhar nojento. — Tchau, latina.
Dito essas palavras, ele bateu a porta. Kami apenas me olhou com um olhar de perdão e saiu do quarto, me deixando sozinha e com vontade de cravar as minhas unhas nos olhos daquele homem.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro