━━━ 𝘊𝘩𝘢𝘱𝘵𝘦𝘳 𝘧𝘰𝘶𝘳
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Seção D
POINT OF VIEW
Bärbel Luxemburgo
Os braços da minha mãe me envolveram em um abraço reconfortante e caloroso. Seu cheiro era de um suave fragrância de pinheiro, e seus dedos massageavam com cuidado minhas madeixas. Era um hábito que havia se tornado comum entre nós duas, sem que percebêssemos. Eu chegava da Academia de Belas Artes antes do horário do almoço, enquanto aguardava a refeição ficar pronta, encaminhava-me diretamente para o conforto do colo da figura materna e conversávamos por horas.
A vida era simples e sem ambições, contudo, sentia-me completa e feliz; contanto que estivesse rodeada por aqueles que amava, e eles estivessem em segurança tudo estaria bem
Era o que eu queria acreditar.
Acordei sobressaltada pelo leve espasmo que percorreu pela extensão do meu corpo. Aquela sensação recorrente e angustiante me puxava para fora daqueles pesadelos sempre que o "pior" estava por vir, costumava descrever tais pesadelos, pois as lembranças boas me torturavam de dentro para fora. Meu coração se contorcia de saudades dos momentos, das pessoas, dos aprendizados.... Mas a realidade era cruel, ela me agarrava para longe de tudo aquilo que me restava: As lembranças.
Levantei da desconfortável cama montada na extremidade do único quarto do apartamento, arrumei meu cabelo superficialmente e tratei de iniciar a rotina matinal para em seguida ir à Biblioteca pública para saber se a entrevista de emprego do outro dia fora produtiva o suficiente para conseguir o emprego no espaço.
Varri e limpei os cômodos pequenos e modestos; o banheiro possuía uma tintura amarela horrenda e desagradável, que carecia de um repintura; com o vaso sanitário sem tampa, banheira simples, pequena e encardida — ,a considerar o tanto que já fora utilizada —. Portanto, não havia muito o que ser feito naquele cômodo, a menos se demolissem-o e começasse do zero, o que na minha cabeça não seria algo iminente. A cozinha sem dúvidas era o meu espaço favorito, preparei um café forte e quente, acompanhado de salsicha, queijo e ovos. O cheiro preencheu todo o cômodo, deixando um aroma delicioso no ambiente.
A porta da frente bateu fortemente, fazendo com que minha atenção retornasse automaticamente ao homem que surgiu em seguida na sala de estar.
Ele carregava um semblante consternado ao que tentava a todo custo equilibrar-se sobre os dois pés, como se fosse a tarefa mais complicada, sem mencionar o odor de bebida que exalava fortemente:
— Você parece ótimo, irmão. — cantarolei ironicamente levando minha concentração novamente para a fritura dos ovos.
O homem limitou-se a rir amargamente e balançou com a cabeça.
— Essa cidade de merda. — resmungou furioso chutando os sapatos bem engraxados na direção de qualquer lugar da sala, imediatamente caminhou em direção a janela e conferiu algo do lado de fora.
Tal atitude deixou-me em alerta, ultimamente o homem andava agressivo e aquilo intuitivamente me provocava a sensação de apreensão. Ainda que não passasse de um covarde e soberbo, Mats conseguia disseminar um certo tipo de opressão, eu não gostava nada daquilo.
— Qual o problema? — questionei observadora dando alguns passos até o homem, que apenas levantou os dedos para que eu não prosseguisse até ele — O que é? — sussurrei parada bem no meio da sala.
Depois de um longo instante, Mats fechou a cortina, passou a mão pelos seus fios loiros e oleosos, e desabou na poltrona:
— Os malditos ingleses têm nos vigiado.
Quando a frase foi pronunciada, instantaneamente minha feição contraiu-se e as pontas dos meus dedos gelaram.
— C-como assim?
Mats torceu a boca e depois respondeu:
— A liga econômica. Você lembra que o Partido nos alertou antes de fugirmos da Alemanha? — eu lembrava bem da conversa, foi a principal orientação e aviso que fixou-se na minha mente, para que tomássemos cuidado com a Seção D, contudo quando vasculhei sobre as intenções desse grupo em minha memória, levantei o olhar para Mats e fechei a expressão, no mesmo instante ele notou que a desconfiança em meu rosto era notória: — Ah! Você acha que eu estou armando alguma coisa para eles estarem nos seguindo?
Respirei fundo e balancei a cabeça.
— Devido a qual outra motivação eles nos seguiria?
Contra isso, Mats retrucou:
— Pelo fato de sermos imigrantes e comunistas. Eles querem controlar os simpatizantes da causa para que não haja nenhum tipo de revolução ou manifestação nesse país.
Balancei novamente a cabeça e levei os dedos até o queixo pensando em outras possibilidades, aquela conduta por parte da liga econômica no mesmo instante me deixou inquieta. Entretanto, não havia razão alguma para aquela perseguição se não um ato que os deixassem ameaçados, devido a esse pensamento continuei com o pé atrás em relação ao meu irmão.
— Mats você me promete que não está envolvido com algo ilícito ou qualquer tipo de máfia por aqui? — olhei-o por um leve momento preocupada.
Ele pressionou os lábios por um breve momento e no minuto seguinte respondeu:
— Eu.já.disse.que.não, Bärbel. — ele enfatizou com uma leve trincar de dentes, aquela ação foi necessária para responder minha dúvida. Ao menos precisei prestar atenção a sua frase, seu próprio corpo me respondeu.
Contudo, acenei levemente com a cabeça e dei um leve suspiro.
— Espero não me arrepender futuramente, irmão. — confessei na tentativa de fazê-lo sentir-se mal para que poupasse de mal-entendidos posteriores, entretanto Mats não recuou em sua omissão, ele continuava olhando para mim com uma feição impassível — Você é a única pessoa que eu tenho aqui, precisamos confiar um no outro.
Ele assentiu.
— Concordo com você. — Mats umedeceu os lábios e olhou para além de mim, necessariamente para a cozinha — Tem algo queimando ali.
Olhei por cima do ombro e xinguei alto até adentrar na cozinha, ao que tentava ajeitar a bagunça instaurada bem ali no fogão; uma nuvem de fumaça pairava sobre o cômodo, e o odor de queimado aquela altura era algo impossível de ser reparado.
Respirei profundamente e tentei me acalmar. Aquela pequena situação na cozinha, a recaída de Mats e tampouco o nariz intrometido da Liga econômica iriam me abalar naquele começo de manhã de sexta-feira. Abri a pequena janela da cozinha permitindo que o ar puro circulasse e purificasse o ambiente, assim como expulsasse o mau-cheiro. Joguei as salsichas queimadas juntamente dos ovos, e tratei de me aprontar para ir até a padaria mais próxima e comprar: pão, leite e geleia, — o dinheiro retirado das economias dos meus pais, antes de sairmos da Alemanha, permitia que eu pudesse me proporcionar aqueles pequenos luxos, por mais que boa parte do dinheiro eu guardasse com cautela para evitar que Mats não roubasse-o para gastar em uma de suas farras —.
Ajustei o chapéu sobre a cabeça e deixei o apartamento sem dar satisfação a Mats.
A caminhada até à padaria não demorou, o estabelecimento ficava a poucos metros de distância de onde morávamos. Após atravessar uma rua, entrar em outra, sair em mais uma, logo cheguei ao local, na padaria pedi a atendente os pães quentes e cheirosos que eram apresentados na vitrine, um pote de vidro de geleia de maçã com canela e leite. em seguida quando entreguei o dinheiro para pagar o que havia comprado, notei um sorriso divertido da moça atendente assim que meu inglês forte devido ao sotaque chegou à sua adição, no entanto tal atitude não causou indignação alguma da minha parte, pela a primeira vez em alguns meses, pensei, já havia passado por reações piores de cuspes dirigidos a mim e até xingamentos.
No trajeto de volta, eu apenas pensava no que me aguardava na Biblioteca, talvez uma resposta positiva devido a entrevista de emprego, veria Ada também... Felizmente, toda o constrangimento do outro dia na cafeteria havia sido esquecido, e aquilo me deixava feliz, a mulher inglesa me ajudou desde a primeira vez em que nos vimos no Pub há algumas semanas, além de ser inteligente e amável, Ada possuía aquela vivacidade em seus olhos, assim como palavras fortes e lindas ideologias. Por um instante imaginei o quanto meus pais a adorariam vê-la em um dos comícios e manifestações.
Foi com esses pensamentos acerca da mulher que eu parei por um momento rente a uma vitrine chamativa de loja de vestidos, demorou um longo instante para que eu me recordasse de que amanhã haveria o jantar beneficente que Ada me convidou, e que aquela altura eu não havia comprado o vestido ainda.
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Não havia muita movimentação na biblioteca naquele horário, e para minha infelicidade Ada não trabalhava neste dia. A informação da folga chegou até mim após uma longa busca por entre inúmeras seções e espaços no ambiente, por meio do senhor Evans, este que também informara que eu havia conseguido uma vaga, contudo para trabalhar na faxina da biblioteca. Tal resposta não me agradou consideravelmente, tinha que admitir; eu possuía um conhecimento acadêmico de nível superior autenticado, assim como experiência na mesma área. Porém, como já imaginava, aquelas certificações de nada valiam em outro país, ainda mais quando era uma imigrante indesejada.
Pûs um sorriso de agradecimento em meus lábios assim que o senhor Evans observou com mais atenção para minha reação devido a resposta referente ao emprego, quase pude visualizar um vislumbre de desculpas ultrapassar seu olhar por um momento; bem, ele era um homem estudado e que prezava mais que tudo o direito de todos à educação e cultura, passamos minutos conversando sobre livros e história, certamente devia ser indigestível por parte do homem ver uma pessoa como eu designada a uma função que não correspondesse meu conhecimento acadêmico. Entretanto o agradeci veementemente, aquele ainda era um emprego, invés de reclamar, bater o pé e sentir-me injustiçada, deveria repensar que oportunidade boa estava diante de mim, e o quanto outras mulheres estavam em busca de um emprego também.
O homem me repassou todas as informações necessárias, horários, a quem eu deveria recorrer para assinar a papelada e a quem me daria as devidas orientações. Na segunda-feira eu iniciaria minha rotina de trabalho ali, e eu estava extremamente entusiasmada para aquilo.
Ainda na mesma calçada em que a Biblioteca Britânica, algumas lojas e outros estabelecimentos a frente havia uma charmosa boutique, frente a fachada bonita eu me encontrava segurando minha bolsa com as minhas economias. Apreciei por mais alguns instantes o mostruário, em seguida adentrei no local: havia algumas mulheres do lado de dentro que riam e conversavam com suavidez ao que conferiam os tecidos e algumas joias, felizmente eu possuía estas em casa, guardadas em uma caixa junto com alguns documentos, no caso precisaria apenas comprar o vestido e um par de sapatos que combinasse.
A atendente aproximou-se taciturna com o corpo inclinado para frente.
— Bom dia! Em que posso ajudá-la? — respondi antecipadamente com um sorriso e me virei para conversar com a mulher.
— Preciso de um vestido para um jantar. — a mulher piscou algumas vezes e logo dei uma informação mais completa: — É um jantar beneficente, não foi me dito sobre o tipo de traje para a ocasião...
Ela rapidamente cortou minha fala e seus olhos pareceram brilhar:
— Talvez a senhorita estava se referindo o jantar beneficente para a fundação Shelby, sim? — fiquei surpresa pelo fato da atendente ter conhecimento do evento, considerei que o irmão de Ada e sua esposa fossem uma espécie de casal notório por ali — A maioria dos vestidos foram alugados ou comprados, entretanto posso conferir algo para a senhorita.
Ela indicou com o dedo para que eu a seguisse aos fundos da loja, onde ficava organizados cuidadosamente outros vestidos, estes pendurados nas araras ou amostra em manequins.
— Estes jantares beneficentes são recorrentes por aqui? — a mulher levantou o olhar de um vestido de malha soft e decote quadrado, e me avaliou com estranheza como se eu fosse a pessoa mais curiosa do mundo — Eu mudei há pouco tempo.
— Se você refere-se à família Shelby, sim é uma novidade. Há alguns anos eles possuíam negócios...hem...Ilegais — sussurrou conferindo se alguém vinha atrás de mim da direção da loja — Em Small Heath, pelo visto o senhor Thomas Shelby tornou alguns deles legais.
Aquilo acendeu uma sutil chama de curiosidade que tentei controlar internamente, talvez devido a conversa com Ada sobre ser invasiva tenha causado esse efeito de desconforto. Contudo, aquela informação era tentadora demais... Ada possuía ideias tão fortes acerca do comunismo, e o pensamento da mulher inglesa ser advinda de uma família de negócios ilegais era no mínimo... excêntrico.
A atendente pareceu notar minha feição pensativa, e logo tratou de consertar algumas coisas que havia dito:
— Independente de serem envolvidos ou não com esse tipo de atividade, são pessoas decentes... A esposa do senhor Shelby é um exemplo disso, que mulher elegante e gentil. — comentou sozinha ao que andava com disposição pelo ambiente.
Depois de uma hora, após escolher meu vestido, um par de sapatos, e a costureira tirar minhas medidas, sai do estabelecimento. Buscaria o vestido no outro dia; — ainda que tivesse pago um pouco mais devido ao tempo que queria este pronto.
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nota da autora:
mais ansiosa do que postar esse capítulo, é postar o posterior onde (como vcs bem sabem) é cheio de altas emoções <3 <3;
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