05. Capítulo Cinco
06 de dezembro de 2019
Lake City, Seattle, Washington
Jeffrey sabia bem dos riscos de aparecer com ela na cidade. De aparecer com qualquer mulher que não fosse a sua ex-esposa. Cabeças se voltaram para os dois, acompanhando cada passo que eles davam, e as bocas se moviam, provavelmente já fazendo especulações ou espalhando falsas informações. Ter a ciência de que os outros sabiam sobre ela ser a vizinha dele também não ajudava.
Era o prato cheio para que a cidade não tirasse o nome dela da boca por dias a fio.
Mas Andrômeda, ao contrário do que Jeffrey pensava, não estava nem um pouco incomodada com aquilo. Na verdade, ela estava mais tranquila do que ele sequer poderia imaginar. Ele sabia que ela estava notando as pessoas e seus olhares nada discretos, mas a forma que ela parecia não se importar o fez querer não se incomodar com aquilo também.
Assim ele permaneceu, até que os dois separassem seus caminhos para resolver seus próprios assuntos pela cidade. Com paciência, ele organizou os pedidos para entregar na destilaria e comprou alguns itens que precisaria para a casa, assim como pequenos itens que as crianças precisariam quando voltassem para a casa dele.
Durante a caminhada, ele logo se aproximou da igreja, onde havia sido o ponto de encontro dos dois para que ele pudesse levá-la de volta para casa. Dando mais alguns passos, ele pôde vê-la. Tão concentrada entre sorrisos e conversas com os voluntários da igreja. Andy estava ajudando a dobrar e expor algumas roupas, e sequer parecia perceber que ele a observava.
O que, para Jeffrey, era perfeito. Assim ele poderia tomar mais e mais tempo a olhando.
— Sua vizinha é muito gentil.
A voz e a presença tão repentinas do padre fizeram Jeffrey sobressaltar. O homem riu breve, tentando esconder que havia sido pego naquele momento, mas não havia como ele pudesse disfarçar.
— Ela é, sim. Combina com essa cidade.
— Que bom que ela veio para o lugar certo — O padre comentou, com um sorriso discreto para Jeffrey. — Tivemos uma breve conversa quando ela chegou.
— É mesmo?
— Sim. Um pouco sobre perda de fé, como você.
Aquilo surpreendeu o homem. Ele não podia imaginar que alguém como Andy havia passado por alguma experiência difícil o suficiente para tirar sua fé. Mas ao mesmo tempo ele parou para pensar que nem mesmo o divórcio tirou aquela sua alegria. E isso o deixava curioso para saber o que havia acontecido.
Certamente não era o padre quem lhe contaria.
— Me impressiona um pouco — Ele disse, dando um suspiro leve, e então se voltou para o padre. — Espero que ela consiga reencontrar. Ou suprir, de alguma forma.
— Veremos para onde os caminhos de Deus levarão ela — O padre suspirou, contendo outro sorriso.
Jeffrey quase queria perguntar o que ele sabia, porque falar com tanto mistério daquela forma. O deixava extremamente curioso. Mas não teve tempo. Logo a mulher sobre quem falavam retornou, e os deixou calados, sem tocar mais no assunto.
— Resolveu seus assuntos? — Andy perguntou, com as mãos nos bolsos traseiros da calça.
— Quase todos. Preciso passar no mercado antes de voltar, tudo bem para você?
— Sim! Eu também preciso comprar algumas coisas...
— Perfeito...
Os dois se entreolharam com sorrisos por um tempo, até que pareceram relembrar de que não estavam sozinhos. O padre estava ali, fingindo observar a organização do pequeno evento. E aquilo fez Andy querer rir, mas se conteve.
— Padre... Foi ótimo poder ajudar. Espero que o grupo jovem consiga cumprir a meta.
— Foi ótimo ter você conosco, Andy. E, mais uma vez, agradeço aos dois pelas doações. Serão muito úteis.
— Esperamos que sim — Jeffrey sorriu. Não parecia lá o homem mais católico com o seu trabalho na destilaria, as extremas tatuagens no corpo ou o olhar sempre tão sério, mas era gentil. — Certamente ajudaremos outra vez.
— Conto com isso. Até a próxima.
— Até!
E então, os dois lentamente caminharam em direção ao carro de Morgan, lado a lado e em silêncio, até que estivessem dentro do automóvel. Ali, eles se entreolharam e gargalharam ao mesmo tempo. Andy curvando o torso sobre as pernas e Jeffrey cobrindo o rosto com a destra.
— Desculpa, eu não consigo aguentar — Andy disse, entre risadas.
— Nem eu. Esse padre é meio... mestre dos magos.
Com a resposta dele, os dois gargalharam outra vez, até que estivessem vermelhos e sem fôlego. Ela deu um leve empurrão no ombro dele quando conseguiu respirar outra vez.
— Não pode falar assim do padre, você vai para o inferno.
— Você riu, vai comigo.
A resposta dele a fez rir mais, passando os dedos nos olhos para limpar as lágrimas. A cabeça se movendo suavemente em negativa.
— Dirige logo.
— Para o inferno?
— Jeffrey!
O homem riu, negando devagar e só então iniciando o carro, fazendo o motor roncar contra o ar frio e ele começar a dirigir. O curto caminho da igreja até o mercado foi feito entre olhares e risadas dos dois, e ela o acompanhou para fora, caminhando para dentro do local, cada um com um carrinho.
— Você quer alguma coisa específica? — Ele perguntou, indo para o primeiro corredor.
— Não. Só pequenas coisas... Se incomoda se andarmos um pouco pelos corredores?
Sim. Talvez ele se incomodasse um pouco, normalmente não fazia aquilo quando estava sozinho. Era direto e sempre comprava o que precisava, indo embora logo depois. Mas quem era ele para recusar um tempo a mais ao lado dela?
— Não. Pode olhar o que quiser.
O sorriso gentil dele foi suficiente para convencer a mulher. E então começaram a passar por entre os corredores, sempre pegando uma ou duas coisas que precisavam. E aquilo surpreendeu Jeffrey também, por sequer lembrar que necessitava de algumas coisas em casa. No fim das contas, a forma da mulher de fazer as compras havia sido mais benéfica para ele.
— Não consigo ver você comendo cereal — Ela disse, percebendo a indecisão do homem para escolher um tipo.
— Não é pra mim, Andy — Ele riu breve, pegando uma das caixas que normalmente comprava. Só então Andy relembrou dos seus filhos, e riu.
— Faz sentido — Ela comentou baixinho, pegando um pacote de mini cookies quando continuaram a andar.
— Mas você comendo cereal é novidade — Ele instigou após ver a caixa no carrinho dela.
— O quê? Eu adoro. É uma das poucas comidas suspeitosamente específicas que eu continuo comendo desde a infância.
A defesa dela o fez rir suavemente, negando devagar. O fez compreender que realmente ela era uma mulher única. E não por comer cereal, mas sim pelas formas inusitadas que ela sempre se expressava. Ele estava começando a gostar demais daquilo.
— Acho que o meu único vício alimentar da infância que ficou até a velhice foi... Bom, eu gosto de congelar Iogurte natural com frutas. É o meu tipo de “sorvete” favorito.
— Eu não sei o que é mais estranho. Você comer iogurte natural desde a infância ou se chamar de velho.
Ele riu baixo, movendo a cabeça devagar e voltando para olhar para ela.
— Não é estranho uma criança comer iogurte natural. E eu sou velho.
— Sim, é. E, não, não é.
Andrômeda respondeu, continuando a empurrar o carrinho, e notou o olhar de descrença do homem.
— O quê?
— Iogurte natural é bom!
— Não tem gosto de nada, Jeffrey! Quando criança eu preferia algum iogurte clássico de morango. No máximo, maçã e banana.
— Esquisita. E eu tenho 53 anos.
— E?
— Velho.
— Que velho o quê, garoto! Meu pai tem 54 e eu o acho novo.
Jeffrey riu. Talvez pela forma tão natural que ela o chamou de garoto, o fazendo se sentir como se ele tivesse dezoito anos de novo. Ou talvez pela ideia de estar se aproximando tanto de uma jovem como ela, quando ele era apenas um ano mais novo que seu pai.
Soava... Errado.
Mesmo que eles não tivessem nada. A mente de Jeffrey insistia em inserir um “ainda” entre essa frase.
— Vou fingir que eu não ouvi isso.
— O quê?
— Eu tenho idade pra ser o seu pai, Andy.
— Se você tivesse tido uma filha aos 27...
— Só está me fazendo sentir mais velho.
— Ah, para com isso! Você é um belo cinquentão.
— É sério? Isso é você querendo me ajudar? — Ele ergueu uma sobrancelha.
— Eu estou sendo sincera.
— Parece que está sentindo pena — Ele estalou a língua, provocando.
Estava tentando tirar uma reação a mais dela, e soube que conseguiu quando ela parou de empurrar o carrinho.
— Quer mais sinceridade?
— Manda, bebê.
— Eu sairia com você.
Jeffrey se engasgou. A roda do carrinho emperrou contra o chão e o homem parou de andar, encarando Andrômeda enquanto ela pegava uma garrafinha de molho shoyu com a maior naturalidade do universo. O canto do lábio dele se curvou em um sorriso ladino, breve e fraco, que ela sequer viu por estar evitando contato visual.
Mas ela sabia bem o efeito que tinha.
— Me convenceu.
— Eu sei.
Com um sorriso esperto, ela continuou a andar, chegando a um dos últimos corredores. O rebolado chamando a atenção de Jeffrey até que ele puxasse o ar entre os dentes, xingando mentalmente e voltando a andar. Não entendia como conseguia ficar afetado por alguém tão mais nova que ele, mas ao mesmo tempo se perguntava se 27 anos de diferença era mesmo tanto assim.
Sim, era. O subconsciente dele estava gritando aquilo, mas Jeffrey resolveu ignorar.
Os dois continuaram a caminhar pelo mercado, ela recebendo dicas de qual tipo de molho de tomate era o mais natural para cozinhar, e ele ouvindo sobre as diferenças entre as marcas de macarrão. Um adorando a companhia do outro, e utilizando aquele momento para fugir um pouco das suas próprias realidades. Era exatamente o que eles precisavam para poder seguir com o dia.
— Você é veterinária, não é? — Jeffrey perguntou, se aproximando dos pacotes de ração. Andy o seguiu.
— Sou sim.
— Qual a melhor ração aqui? O pacote delas está acabando e eu não lembro qual a que eu comprei da última vez.
— Elas têm alguma alergia?
— Não. Nenhuma restrição, nenhuma doença.
— São castradas?
— Sim.
— Essa aqui.
— Tem diferença para cachorro não castrado? — Ele perguntou, confiando cegamente na mulher e colocando o saco de 20kg no carrinho.
— Acúmulo de gordura. Naturalmente, o animal castrado engorda com mais facilidade — Ela explicou, seguindo para o caixa.
— Me pergunto se é o mesmo com humanos também...
— Meu pai continua normal — Andy respondeu com naturalidade, o que fez o homem rir.
— Pobre homem.
— Que pobre o quê, por ele, eu teria uns doze irmãos. Minha mãe foi visionária — Ela retrucou, causando uma breve gargalhada dele. — Você nunca fez?
— Acha mesmo? Eu tenho uma filha pequena aos 53 anos.
— Bem lembrado... Bom, eu já fiz algumas castrações, se você quiser...
Novamente, ele gargalhou, agora sendo acompanhado por ela. Ambos imaginando como seria terrível, mas não conseguindo se conter. Ele era incapaz de se acostumar com a forma que ela dizia coisas tão absurdas com uma feição tão séria.
— Você é um perigo, menina.
— Você gosta — Ela fez charme, com uma voz doce e um olhar suave.
Aquilo o fez mover a cabeça, externamente negando com todas as suas forças. Internamente? Ele estava se contendo para não dizer o que estava preso na sua garganta. Os elogios em forma de provocação que deixariam a mulher desnorteada. Mas talvez fosse cedo demais.
Ele ainda não havia superado o quão sincera e séria ela havia soado ao dizer que sairia com ele. E levaria algum tempo até que se acostumasse com aquela ideia. Com a ideia de realmente querer tornar aquilo uma realidade.
O silêncio estava confortável entre eles, e assim ambos passaram e pagaram suas próprias compras. E seguiram juntos para o carro. Jeffrey abriu a porta do carro para ela, e deixou as compras da mulher no banco de trás do carro, enquanto as dele foram para o porta-malas. Só então ele retornou para o carro e voltou a dirigir.
A cada momento mais distante da cidade, mais fria a tarde ficava, mais escura. O cair da noite trazia a necessidade de um jantar quente logo, e a ideia passou pela mente de Jeffrey quando ele olhou para Andy, concentrada no celular enquanto digitava algo, mordendo a bochecha ao parecer pensar enquanto batucava as unhas na tela. Mas ele logo desistiu, temendo ser um passo em falso após a constatação dela.
E se ela pensasse que ele estava mesmo dando em cima dela? Mesmo que ele estivesse.
Jeffrey queria que aquilo fosse o mais natural possível. Ele odiava parecer óbvio. Então apenas dirigiu até a frente da casa da mulher, estacionando devagar e longe da lama para que ela pudesse descer sem problemas.
— Está entregue, mocinha.
— Ai, credo, Jeffrey. Me sinto uma criança — Ela disse, tirando o cinto e ouvindo a risada do homem.
— Tudo bem, tudo bem. Senhorita.
— Melhor.
Os dois saíram do carro juntos, e ele a ajudou, levando as sacolas até a porta, não entrando ao notar os sapatos sujos. Com um sorriso, ele deu um passo para trás.
— Obrigada por hoje — Ela disse, se encostando na porta.
— Agradeço também. Precisava de uma tarde assim.
— Que bom que fui útil.
— Bastante, querida. Vou te deixar em paz agora.
— Pode me perturbar quando precisar.
— Idem — Ele disse. — Boa noite, Andy.
— Boa noite, Jeff.
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ⵌ ᴏʟᴀ!
Exatamente 1 mês após a última atualização, aqui estou eu, rs
Tenham paciência comigo, eu tô tentando, eu juro
Mas eu disse que as migalhas vinham mais fortes, o próximo capítulo tem ainda mais interações, aguardem hehe
Beijoo!
🤍
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