(006) ★・𝐅𝐋𝐄𝐒𝐇 𝐑𝐀𝐖
𝐶𝑎𝑝𝑖𝑡𝑢𝑙𝑜 𝑠𝑒𝑖𝑠: 𝒞𝒶𝓇𝓃𝑒 𝒱𝒾𝓋𝒶
ALGUM TEMPO SE PASSOU, mas Pietro não sabia dizer se eram dias, semanas, ou apenas um longo e interminável pesadelo. A escuridão das celas e a ausência de qualquer indício de passagem do tempo tornavam os momentos indistinguíveis.
Era como se o mundo lá fora tivesse deixado de existir e tudo o que restava fosse aquele silêncio opressor. Milla falava tão pouco agora. Sua voz, outrora cheia de vida, era uma lembrança distante.
Pietro sentia falta do som da risada dela, que costumava ecoar até mesmo através das paredes grossas, iluminando o espaço entre eles. Era algo que os mantinha sãos, uma fagulha de esperança na escuridão. Mas agora, mesmo quando falava, havia um vazio nas palavras dela, uma ausência de brilho.
Ele tentava preencher o silêncio, inventava histórias, provocava, fazia piadas. Algumas vezes, conseguia arrancar uma resposta curta, talvez um murmúrio de assentimento. Mas era um eco distante, nada que se comparasse ao que eles compartilhavam antes.
Pietro estava deitado no chão frio e úmido da cela, com os braços cruzados atrás da cabeça. Ele olhava para o teto como se as rachaduras e manchas pudessem formar algum tipo de constelação imaginária.
Sua voz ecoava pelo espaço vazio enquanto contava uma história para Milla, uma daquelas memórias distantes de Sokovia, quando ele e Wanda eram apenas crianças.
— Tinha essa colina, perto da nossa casa. — ele começou, mantendo o tom leve, como se tentasse espantar a escuridão. — A gente costumava escalar lá depois das aulas. Parecia uma aventura épica na época, como se estivéssemos conquistando o topo do mundo. Uma vez, caí e rolei até o pé da colina, todo mundo riu. Até Wanda. Fiquei todo sujo de lama, mas no fim das contas, só fiz uma cena maior ainda pra parecer que tinha sido uma queda heroica.
Ele fez uma pausa, esperando ouvir uma risada abafada ou ao menos um comentário sarcástico, mas a cela ao lado permaneceu em silêncio. Mesmo assim, ele continuou.
— A vista de lá de cima era bonita. O tipo de lugar onde você gostaria de estar agora, Milla... onde o céu parece infinito e o vento pode levar tudo embora. Se fechar os olhos, dá pra imaginar o cheiro de grama molhada e sentir o sol batendo no rosto.
Por um momento, o silêncio entre eles pareceu mais profundo. Ele se virou de lado, com o rosto pressionado contra o chão frio, como se pudesse se aproximar dela daquele jeito.
— Tá me ouvindo, Milla? — ele repetiu, a voz mais baixa, com uma nota de preocupação que ele não conseguiu esconder.
Do outro lado, demorou um instante até ele escutar um som, uma hesitação contida antes de Milla responder.
— Tô ouvindo, Pietro. — A voz dela soou fraca, quase distante, mas estava ali. — Parece... parece bem legal.
Ele soltou um suspiro de alívio, sentindo a tensão se desfazer um pouco nos ombros. Mesmo que fosse só por aquelas poucas palavras, era bom ouvir alguma coisa dela.
— É legal mesmo. — ele disse, tentando manter o tom leve. — Vamos lá, Milla, conta alguma história da sua infância. — insistiu Pietro, tentando quebrar o peso daquele silêncio que parecia sufocar o ar entre eles.
— Não tô afim, Pietro. — respondeu ela, a voz apagada, sem muita força. Ele revirou os olhos, mesmo sabendo que ela não podia ver.
— Você tá ficando chata, hein. — provocou, tentando injetar um pouco de leveza na conversa. — Vai, deixa de ser preguiçosa.
Ela suspirou, e ele quase pôde imaginar os olhos dela revirando também.
— Prefiro ouvir você falando. — murmurou Milla. — Sua voz é mais interessante.
Pietro sorriu, um sorriso cansado, mas verdadeiro. Se ela preferia ouvir, ele ia falar. Qualquer coisa pra espantar o vazio.
— Então tá bom. Vou continuar falando até você se cansar e mandar eu calar a boca, amore mio. — disse ele, o sotaque sokoviano se acentuando com a brincadeira.
Do outro lado, o silêncio deu lugar a um som quase imperceptível, um riso abafado que escapou de Milla. Não era muito, mas era melhor do que nada. Para ele, era quase uma promessa de que ela ainda estava ali, ouvindo, se segurando. E por enquanto, isso já era o bastante.
Pietro continuou falando, inventando histórias bobas e sem sentido, apenas para manter o som das palavras preenchendo o vazio entre eles.
Ele contava sobre coisas banais, como quando Wanda insistiu para que ele experimentasse cozinhar e acabou incendiando metade da cozinha.
Mas aos poucos, as palavras foram se moldando e tomando um tom mais sério. Era quase inevitável que chegassem ao assunto mais delicado.
— Eu nunca te contei como meus pais morreram. — ele começou, a voz perdendo a leveza. — Um míssil caiu bem na nossa casa. Não deu nem tempo de entender o que estava acontecendo... — Ele fez uma pausa, lembrando-se do som ensurdecedor da explosão e do pó cobrindo tudo.
Do outro lado, Milla manteve o silêncio, ouvindo com atenção.
— A gente se escondeu debaixo da cama. — continuou ele, a voz ficando mais amarga a cada palavra. — Só dava pra ver os destroços e... e os corpos dos nossos pais. Tudo o que sobrou deles estava ali, destroçado. E do lado de fora, no meio de tudo, estava o míssil... intacto. Com o nome "Indústrias Stark" bem grande, brilhando pra gente como se fosse um maldito aviso.
A respiração dele se tornou pesada, e ele apertou os olhos, tentando afastar a lembrança.
— A gente ficou ali debaixo da cama por dois dias. Dois dias inteiros esperando que o míssil explodisse e acabasse com tudo de uma vez. — ele continuou, a voz oscilando entre raiva e tristeza. — Eu podia ouvir a Wanda rezando implorando pra alguma coisa nos salvar. Mas ninguém veio.
A voz dele falhou ao fim da frase, deixando as palavras no ar, carregadas de dor e revolta.
O silêncio que seguiu parecia interminável, até que Milla finalmente encontrou a coragem para dizer algo.
— Pietro... eu sinto muito. — a voz dela era suave, quase um sussurro, carregada de empatia. — Nenhuma criança deveria passar por isso. Nenhuma pessoa deveria.
Ele apertou os olhos, tentando controlar a onda de emoções que subia como uma maré. O rosto queimava, e a raiva misturava-se à dor de uma forma que fazia seu peito doer.
— Stark... — ele rosnou o nome como se fosse veneno na boca. — Tony Stark e aquela droga de empresa dele. — A voz dele tremia de ódio. — Eles causaram tudo isso. Tudo. Meu pai, minha mãe, tudo destruído por causa das malditas armas que ele fabricava. E agora? Agora ele é um herói? — Ele riu, mas era uma risada amarga, sem humor algum. — Que tipo de justiça é essa?
Ele se levantou e começou a andar de um lado para o outro na pequena cela, como se precisasse gastar a energia que vinha com a raiva crescente.
— Eles fazem o que querem, vendem o que querem, causam a destruição que querem e depois aparecem como salvadores do mundo, como se nada tivesse acontecido! — Pietro sentiu as mãos se fecharem em punhos, a dor do impacto ainda viva dos socos na parede de dias atrás. — E as pessoas que sofrem por causa disso? As pessoas que eles destruíram? Elas simplesmente são esquecidas.
Ele parou, sentindo o peito subir e descer em respirações pesadas, e se encostou novamente na parede, o coração batendo forte de frustração.
— Isso não é justiça. — sussurrou ele, como se falasse para si mesmo. — Nunca foi.
— Às vezes, não dá para salvar todo mundo, Pietro. — Milla disse, tentando trazer um pouco de perspectiva ao desespero que o consumia. Sua voz estava cansada, mas havia uma determinação por trás dela.
— E por que não? — ele rebateu imediatamente, a frustração ainda clara em suas palavras. — Olha onde estamos! Estamos aqui porque aqueles idiotas não conseguem fazer o trabalho direito. Stark e os Vingadores se acham os salvadores do mundo, mas onde eles estavam quando precisávamos deles?
Milla suspirou, a irritação brotando em sua voz.
— Mas o Stark não é tão ruim assim, Pietro! — Ela fez uma pausa, tentando encontrar as palavras certas.
— Não é tão ruim assim? — Pietro repetiu, quase rindo de incredulidade. — O homem vende armas, Milla. Lucrou com a morte de milhares de pessoas por anos. E agora ele veste uma armadura brilhante e se acha um herói. — A voz dele estava carregada de sarcasmo e raiva. — Os Vingadores são uma piada.
Do outro lado, Milla suspirou profundamente, a voz dela soando cansada. Ela não queria entrar em uma discussão sobre a moralidade dos Vingadores ou explicar seu ponto de vista de agente da S.H.I.E.L.D. Em vez disso, decidiu compartilhar um fragmento de sua própria história.
— Olha, em 2012, quando Loki invadiu a Terra, eu estava em uma missão com a SHIELD. Era uma situação caótica, e tudo estava desmoronando ao nosso redor. — Ela hesitou, lembrando-se do medo que sentiu naquela época. — Foi quando o Homem de Ferro apareceu e me salvou de um Chitauri.
Pietro ficou em silêncio, ouvindo atentamente. Milla podia imaginar a expressão dele, um misto de ceticismo e curiosidade. Por fim, riu secamente, um som que soou amargo em seus lábios.
— Um herói? Ele foi o que causou toda essa bagunça em primeiro lugar. Não é como se ele estivesse salvando o dia sem alguma consequência.
— Eu não gosto de culpar as pessoas pelos erros do passado — Milla disse, a voz firme, mas com um toque de tristeza. — Todos nós temos nossas razões, nossos motivos. Às vezes, as coisas não saem como planejamos.
Pietro soltou uma risada sarcástica, a incredulidade tomando conta dele.
— Você está sendo muito boazinha, Milla. Às vezes, as pessoas merecem ser responsabilizadas por suas ações.
— Então você pode me acusar, então. Afinal, eu sou responsável pela morte do meu próprio pai, já que o entreguei para a S.H.I.E.L.D. — Ela respondeu, a sinceridade em sua voz cortante como uma lâmina.
A declaração pairou no ar entre eles, pesada e carregada de significado. Pietro ficou em silêncio, surpreso com a sinceridade dela.
— Isso é diferente. — ele finalmente disse, a voz mais baixa.
— E ainda assim, ele morreu por causa das minhas ações. É uma verdade que eu não posso ignorar. — Milla suspirou, a dor em suas palavras ecoando no espaço entre eles.
Pietro sentiu um nó se formar em seu estômago, um misto de empatia e frustração. Ele sabia que, de certa forma, ela estava certa, mas a raiva que ele sentia em relação à S.H.I.E.L.D. e aos Vingadores não era algo que ele estava disposto a deixar de lado.
Ele não tinha certeza de como responder. Em vez disso, ele apenas ficou em silêncio, ouvindo os sons suaves das respirações de Milla do outro lado da parede, enquanto o peso das palavras pairava no ar.
A tensão entre Milla e Pietro pairava no ar, densa e quase palpável, após aquela troca de palavras sobre culpas, perdão e passado.
A voz de Pietro ainda ecoava em sua cabeça e Milla mal conseguia processar tudo o que tinham falado. Estava emocionalmente desgastada e o silêncio entre eles era sufocante, mas ao mesmo tempo necessário.
Foi nesse momento que o som inconfundível da porta de metal sendo destrancada ecoou na cela de Milla. Seu corpo se enrijeceu instantaneamente, o frio do medo deslizando por sua espinha. Ela sabia o que aquilo significava.
As luzes frias da instalação refletiram nas paredes de concreto quando a porta se abriu completamente, revelando a figura de Whitehall, com seu sorriso calculado e cruel.
Ela não precisou ver seu rosto para saber o que estava por vir. Whitehall estava lá por uma razão: outra rodada de experimentos.
Cada vez que ele aparecia, significava mais dor, mais sofrimento e uma nova tentativa de matá-la apenas para ver sua regeneração trabalhar contra as probabilidades. Era um jogo sádico de tortura, uma busca interminável por seus limites.
O alívio, se é que se podia chamar assim, era que não era Smirnov. Milla fechou os olhos por um segundo, agradecendo internamente por pelo menos não ser aquele monstro.
Mas Whitehall ele não estava tão distante em termos de crueldade, apenas mais metódico.
Ela ouviu o som pesado das botas de Whitehall se aproximando e sentiu a sombra dele pairar sobre ela. Seus pulmões pareciam pesados enquanto ela lutava contra a antecipação da dor que viria.
— Senhorita Ivanov. — ele começou com aquela voz serena e controlada. — Está pronta para mais um teste?
Ela não respondeu, apenas engoliu em seco. Pietro, no outro lado da parede, também ficou em silêncio, mas ela sabia que ele estava ouvindo, cada som, cada movimento. Sentia a raiva dele crescendo, mas não havia nada que ele pudesse fazer.
Whitehall se virou para os homens que o acompanhavam, ordenando-os sem pressa para levarem Milla.
Horas haviam se passado desde que os experimentos começaram. Foram incontáveis tentativas de romper o que quer que a mantivesse viva, um desfile cruel de métodos que variavam entre injeções de substâncias corrosivas, choque elétrico e tentativas de sufocamento.
A cada nova técnica, Whitehall observava com um brilho clínico no olhar, registrando como o corpo de Milla reagia, como as feridas se fechavam e os ossos se reconstituíam.
Agora, em uma espécie de enfermaria, ela estava deitada em um catre de metal, com um soro injetado no braço para acelerar a recuperação.
Mas, mesmo com o líquido fluindo em suas veias, cada célula do seu corpo gritava de dor. A pele ardia, os músculos tremiam e havia uma exaustão que parecia não ter fim. Embora estivesse inteira fisicamente, a sensação era como se mil facas ainda estivessem perfurando sua carne.
Ela fechou os olhos, buscando o alívio temporário do sono, mas ele não vinha. Cada vez que piscava, flashes dos horrores que sofreu retornavam. Era como se sua mente se recusasse a permitir qualquer descanso.
De repente, o som frio e impessoal da porta se abrindo cortou o ar. Milla prendeu a respiração por um instante, incapaz de saber o que esperar. Ela virou o rosto na direção do som, tentando reunir forças para se preparar para o que quer que fosse entrar pela porta agora.
Quando a porta se abriu, Milla viu uma figura envolta em penumbra, contornos conhecidos que, por um segundo, pareceram uma miragem no seu estado exausto. Mas a silhueta, os traços levemente angulosos, o cabelo escuro caindo sobre os ombros tudo fazia seu coração bater mais forte, trazendo memórias enterradas.
A mulher deu um passo à frente, revelando feições parecidas com as de Milla, mas com uma maturidade que só os anos imprimem. Seus cabelos eram da mesma tonalidade escura, caindo lisos, mas um pouco mais compridos. As sobrancelhas mais grossas, o olhar firme e grave.
Por um instante, as duas ficaram imóveis, encarando-se. Milla sentia o corpo ainda latejar de dor, mas a presença daquela mulher desencadeou um caleidoscópio de lembranças – a infância, a casa da família, uma risada distante que quase se apagou nas suas lembranças.
Quando os olhos dela cruzaram o olhar intenso de sua visitante, uma palavra escapou-lhe em um sussurro quase suplicante:
— Nina?
notas:
Oi amore, tudo bom?
Vim aqui pedir desculpas pelo sumiço, esse capitulo já estava escrito quase inteiro a muito tempo, só faltava um pedacinho, mas eu me atrapalhei com coisas da vida e acabei demorando muito mais do que eu planejava.
Espero que gostem do capítulo, e que estejam gostando da história como um todo.
Prometo que irei demorar menos para voltar com o próximo capítulo :)
beijos, até a próxima.
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