(004) ★・𝐑𝐄𝐆𝐄𝐍𝐄𝐑𝐀𝐓𝐈𝐎𝐍
𝐂𝐚𝐩𝐢𝐭𝐮𝐥𝐨 𝐪𝐮𝐚𝐭𝐫𝐨: ℛ𝑒𝑔𝑒𝓃𝑒𝓇𝒶𝒸̧𝒶̃𝑜
MILLA ABRIU OS OLHOS LENTAMENTE, piscando contra a claridade suave que parecia distante, como se fosse algo fora de alcance e por um momento, ela ficou ali, imóvel, sentindo o silêncio ao redor.
Estava viva. Consciente. E enxergando.
A confusão veio em ondas, esmagando seus pensamentos, enquanto fragmentos desconexos de memórias se agitavam em sua mente.
Ela se lembrava da escuridão, da cegueira repentina que a havia afundado em desespero. Lembrava-se de seus dedos trêmulos encontrando o bisturi, da lâmina fria contra sua pele, da pulsação acelerada em sua garganta, da urgência de acabar com a dor, de acabar com tudo.
O gesto impensado, o impulso que não fazia sentido. Ela não era assim. Não desistia fácil, nunca fora esse tipo de pessoa.
Ela se levantou devagar, o corpo respondendo de forma estranhamente tranquila. Não havia dor, não havia a agonia que deveria estar sentindo.
Como poderia estar bem?
Seus olhos percorreram o ambiente ao seu redor. Não era a cela apertada onde ela estivera antes.
O chão era frio, mas não tão áspero e o ar não carregava o cheiro sufocante da umidade e do desespero. Ela estava em algum lugar diferente. Mais limpo, embora seu corpo estivesse coberto de sangue.
Seu olhar baixou lentamente para suas mãos e braços, manchados de vermelho. O sangue seco formava crostas nas feridas que agora não sentia.
A marca no pescoço... Ela deveria estar morta. As memórias do bisturi entrando em sua carne eram vívidas, tão reais que Milla não pôde evitar o tremor que percorreu seu corpo. O sangue em sua roupa e pele, indicavam que aquilo tinha acontecido. Não era um delírio.
Então, como?
Ela passou os dedos pelo pescoço, onde a lâmina deveria ter deixado um rastro permanente de dor e destruição. Mas não havia nada além de pele lisa, intacta.
Como se a tentativa de tirar a própria vida tivesse sido apagada, como se nunca tivesse acontecido. Seus pensamentos giravam em círculos, incapazes de encontrar lógica.
Ela sentiu o medo enraizando-se em sua mente novamente, uma presença tangível. O que fizeram com ela? Olhou em volta, em busca de respostas, mas não havia nada além do silêncio, nada que indicasse quem a trouxera ali ou por que ainda estava viva, ilesa.
A porta se abriu com um rangido leve, e Milla se virou bruscamente, seu corpo tenso de alerta. Smirnov entrou, seu rosto iluminado por um sorriso que enviou calafrios por sua espinha. Havia algo psicótico na forma como seus olhos brilhavam, como se ele estivesse genuinamente satisfeito em vê-la ali, viva.
— Ah, que alívio, você está acordada — ele disse, com uma falsa doçura que era mais aterrorizante do que qualquer ameaça direta. — Está se sentindo bem, Milla? Parece que a regeneração rápida está funcionando melhor do que esperávamos. Muito bem! Nosso pequeno projetinho, meu e do Whitehall, está finalmente dando resultados.
Ele a observava com um interesse quase científico, como se ela fosse uma peça de laboratório, e não uma pessoa. Seu olhar avaliava seu estado físico, enquanto sua boca disparava termos técnicos e jargões científicos como se estivesse em uma conferência.
— A taxa de regeneração celular está muito acima da média. Considerando a extensão do trauma autoinduzido, diria que o processo de cura foi um sucesso absoluto. O código genético, como prevíamos, respondeu perfeitamente às modificações. As células danificadas foram substituídas em tempo recorde, sem cicatrizes visíveis. Ah, e a estabilização da proteína regenerativa também está dentro das projeções. Impressionante, não é? Você nem sentiu dor, imagino.
Os termos eram científicos e técnicos em sua maioria, mas graças a seu extenso tempo de convivência e treinamento nos laboratórios da SHIELD, ela conseguia entender tudo o que ele estava dizendo.
Cada palavra que saía de sua boca parecia desprovida de qualquer empatia, de qualquer reconhecimento da humanidade de Milla. Ele falava como se ela fosse um simples objeto, uma marionete que ele e Whitehall estavam moldando para seus propósitos obscuros.
— Você foi o teste perfeito — ele continuou, o tom de voz baixo e calculado. — Whitehall queria esperar um pouco mais antes de testar algo tão radical, mas eu sabia. Eu sabia que você iria ceder. Deixei aquele bisturi de propósito. Você sempre odiou perder o controle, não é? Cega, sem saber o que estava acontecendo ao seu redor... Eu sabia que não aguentaria.
Smirnov riu suavemente, como se estivesse contando uma piada para si mesmo. O desprezo nas palavras dele era claro. Ele falava como se a conhecesse por completo, como se previsse cada reação dela, cada medo oculto.
— Você... é um monstro. — Milla sussurrou, a voz carregada de uma mistura de nojo e revolta. Seus dedos ainda tremiam ao lembrar do bisturi, do que havia tentado fazer consigo mesma. A mente dela começava a processar o que realmente estava acontecendo, as peças do quebra-cabeça cruel que Smirnov e Whitehall estavam montando ao redor dela.
Smirnov inclinou a cabeça, seus lábios curvando-se em um sorriso ainda mais perverso.
— Monstro? — Ele soltou uma risada fria. — Não, Milla. Isso é ciência. Ciência verdadeira requer experimentação, sacrifícios. Você não é nada além de uma etapa nesse processo, um meio para um fim maior. Uma arma em potencial.
Ele a olhava como se fosse um cachorro adestrado, esperando que ela se comportasse como o experimento que ele desejava.
Cada palavra era uma bofetada em sua dignidade, um lembrete cruel de que, para eles, ela não era mais uma pessoa.
Smirnov se aproximou, os olhos frios e calculados, enquanto o sorriso psicótico permanecia em seu rosto.
Ele inclinou-se levemente, olhando Milla de cima a baixo, como se estivesse inspecionando sua obra-prima quebrada, agora regenerada.
— Agora, seja uma boa garota e me siga, — ele disse, sua voz baixando para um tom que misturava ameaça e comando. — Vou te dar o privilégio de tomar um banho e tirar esse sangue seco do corpo. Não queremos que minha obra-prima fique suja, não é?
Ele começou a se afastar da porta, mas antes de sair, virou-se novamente, com os olhos cravados nela como lâminas de aço.
— Mas nem pense em tentar nenhuma gracinha. — Ele tirou uma pistola do cinto e mostrou-a a ela de maneira casual, como se estivesse lidando com uma criança que precisasse ser advertida. — Se tentar, eu atiro bem no meio da sua testa. E antes que pergunte, não... você não vai morrer. — Ele deu uma pausa, deixando o silêncio pesado se infiltrar no ar. — Mas vai doer. Muito.
Milla encarou a arma, o brilho metálico refletindo o terror crescente que começava a dominar sua mente.
A ideia de ser baleada e ainda assim não morrer... aquilo era pior do que qualquer coisa que pudesse imaginar. Ela sentiu um arrepio percorrer a espinha. A crueldade fria de Smirnov parecia não ter limites.
Cada célula do corpo dela gritava para lutar, para escapar, mas ela sabia que suas chances eram mínimas naquele momento.
Engoliu em seco, forçando-se a manter a calma, mesmo com o sangue ainda seco em sua pele, com a mente ainda processando o que havia acontecido e o que eles haviam feito com ela.
— Vamos, Milla. — A voz de Smirnov cortou o silêncio como uma lâmina. — Não me faça perder a paciência.
Milla sentiu a humilhação pesar sobre seus ombros enquanto se levantava lentamente, seguindo Smirnov pelos corredores cinzentos da Hydra.
Cada passo ecoava em sua mente, como um lembrete cruel de sua impotência. Ela olhava ao redor, seus olhos percorrendo as portas fechadas e os corredores estreitos.
Não havia janelas, nenhuma pista de onde estava ou quanto tempo tinha se passado. Tudo parecia fluir em um vácuo sem tempo, sem espaço.
Ela tentava manter a calma, observando cada detalhe que pudesse lhe dar uma saída, mas não havia nada além de portas de metal, guardas armados e paredes frias. Smirnov caminhava à frente com sua postura relaxada, como se estivesse conduzindo um animal de estimação.
Finalmente, ele parou em frente a uma porta que levava a um pequeno banheiro. Era apertado, com uma pia amarelada pelo tempo e um chuveiro que gotejava água fria.
Ele jogou algumas roupas limpas para ela, sem sequer olhar em sua direção.
— Aqui. — Ele apontou para dentro. — Tome seu banho, mas não esqueça: sem gracinha.
Milla o olhou com cautela, esperando algum movimento agressivo, mas Smirnov apenas deu um sorriso torto e saiu, deixando-a sozinha. Assim que a porta se fechou, ela correu para trancá-la, as mãos tremendo ao girar o trinco.
Ela ouviu os passos pesados dos guardas se posicionando do lado de fora, o que a fez sentir-se ainda mais sufocada.
Virando-se lentamente, ela encarou o espelho. O reflexo que viu era quase irreconhecível. Olheiras profundas manchavam sua pele pálida, e seus cabelos negros estavam oleosos, grudando-se ao rosto sujo. Dias sem banho, sem descanso, e agora por dentro estava sentindo-se esmagada por tudo aquilo.
Com um suspiro trêmulo, ela começou a se despir, sentindo a pele arranhar contra o tecido sujo de sangue seco.
O som do chuveiro frio reverberou pelas paredes. Ela entrou sob o jato de água, que desceu como agulhas gélidas, mas foi uma pequena forma de alívio. Cada gota, apesar da frieza, parecia tentar lavar o peso da dor e do sangue, embora a sensação de humilhação ainda estivesse ali, pesada e sólida.
Enquanto a água escorria por seu corpo, Milla fechou os olhos e deixou que o silêncio se infiltrasse, tentando pensar com clareza.
Talvez... talvez se ela jogasse o jogo deles, interpretasse o papel da cobaia obediente, conseguisse uma chance de escapar. Ela sabia que precisava ser cuidadosa, inteligente. Cada passo em falso poderia custar-lhe muito.
"Seja a boa garota que eles esperam. Mas não perca de vista quem você realmente é." pensou, deixando a água escorrer como lágrimas invisíveis.
Ela ainda era uma agente da SHIELD. E ela sobreviveria.
Milla voltou para a cela, os passos abafados ecoando pelo chão frio e metálico. O cheiro de mofo e umidade ainda era forte ali dentro, mas, pela primeira vez em dias, ela se sentia limpa.
O cabelo ainda pingava da água do banho, os fios negros úmidos colando-se à nuca e ao rosto, e a roupa, embora muito grande para o seu corpo magro, oferecia um estranho conforto. Era simples, cinza, com mangas largas que desciam até os cotovelos, mas trazia um cheiro forte de água sanitária que, de certa forma, a fazia sentir-se um pouco mais humana.
Ela suspirou enquanto se sentava no chão da cela. Os músculos ainda doíam, lembrando-a da recente luta por sua sanidade, mas o desconforto físico era suportável comparado à fome que ainda apertava seu estômago vazio.
Desde que acordara naquela cela pela primeira vez, os pedaços miseráveis de comida que lhe davam eram escassos, o suficiente apenas para mantê-la viva, mas não saciada.
Fome e dor ainda eram suas companheiras, mas agora, ela se sentia um pouco mais forte.
Milla estava perdida em seus pensamentos, tentando se agarrar àquela pequena faísca de humanidade que restava, quando ouviu seu nome. Era uma voz familiar, atravessando o silêncio opressor da cela, uma voz que parecia ter sido tirada de um sonho distante.
— Milla? — Ele chamou de novo, mais alto dessa vez.
Ela piscou, surpresa, e um sorriso tímido surgiu em seus lábios. Era Pietro. Como ela havia esquecido dele? A alegria de ouvi-lo outra vez foi imediata, quase infantil e ela se endireitou no chão, os olhos ainda brilhando pelo breve alívio.
— Pietro! — respondeu animadamente, com uma leve risada de alívio na voz. — Eu... estou aqui.
Houve um momento de silêncio do outro lado, como se ele estivesse processando as palavras dela, mas o que veio em seguida foi completamente inesperado.
— Caralho, Milla! — A voz dele explodiu em uma mistura de raiva e pânico, a respiração descontrolada. — Como diabos você está viva?!
O sorriso dela se esvaiu, substituído por confusão e culpa. A intensidade na voz de Pietro era quase tangível, e ele continuou antes que ela pudesse dizer qualquer coisa.
— Você... você sabe o que fez? Eu achei que você estava morta! — O tom dele era um misto de incredulidade e fúria, e por trás daquilo, havia um desespero que ele mal conseguia disfarçar. — Eu... — Ele hesitou por um segundo, e Milla podia jurar que ele estava lutando para manter o controle. — Eu chorei, merda. Achei que tinha perdido você.
O peito dela apertou, o peso da culpa se arrastando sobre seus ombros. Ela lembrava-se do momento de impulso, de como tudo parecia fazer sentido na hora. Ela não aguentava mais, e cravar o bisturi no próprio pescoço tinha sido a única solução que sua mente, então quebrada, conseguiu encontrar.
Mas agora, ouvindo a voz de Pietro, todo o desespero dele, ela percebeu o quanto tinha o ferido.
— Pietro... — começou ela, com a voz baixa, quase um sussurro, a garganta apertada. — Eu... eu não estava pensando direito.
Ela levou a mão até o pescoço, onde o bisturi havia perfurado. Não havia dor, nem cicatriz. Seu corpo, de alguma forma, estava ileso, como se aquilo nunca tivesse acontecido. Era impossível.
Mas Pietro... ele estava lá, ele sentiu a perda, ele acreditou que ela estava morta, e o som da sua dor era mais pesado do que qualquer coisa que ela tivesse suportado até agora.
— Eu estava aqui, preso, sem poder fazer nada, achando que você... que você tinha desistido. E eu só... — Ele parou, engolindo em seco. — Você não pode me deixar assim, porra.
Ela fechou os olhos, o peso da culpa e do arrependimento esmagando seu peito.
— Para de xingar, cacete. — Ela bufou passando as mãos pelos cabelos molhados e se apoiando na parede perto do tubo de ventilação. — Eu sinto muito...
— Só... não faça isso de novo. Eu não posso... eu não posso te perder.
O silêncio que se seguiu foi carregado de emoção. Milla sabia que nada que dissesse agora poderia desfazer o que tinha feito, mas, de alguma forma, só ouvir sua voz, mesmo cheia de raiva, era um sinal de que ele ainda estava ali. Ela ainda tinha uma chance.
E, apesar de tudo, ela se agarrou a isso, mesmo que fosse a única coisa que lhe restava.
Depois de um longo silêncio, onde Milla pôde ouvir a própria respiração se acalmar e sentir o peso da conversa anterior lentamente se dissipar, ela resolveu admitir o que havia descoberto, mesmo que suas palavras ainda estivessem carregadas de incerteza.
— Pietro... — Ela começou hesitante, como se ainda estivesse tentando juntar as peças em sua cabeça. — Acho que... acho que sei o que estão fazendo comigo.
A resposta de Pietro veio rápida e ansiosa, como se ele estivesse esperando algo assim o tempo todo.
— O quê? O que eles estão fazendo com você? — A preocupação na voz dele era palpável, mas havia também uma faísca de raiva.
Milla respirou fundo, tentando lembrar dos termos técnicos que ouvira de Smirnov, mesmo que sua mente ainda estivesse confusa.
— Eles... Smirnov disse mitose celular hiperestimulada e recuperação de tecidos de forma. Eles estão tentando manipular minhas células de maneira a promover a cicatrização quase imediata de ferimentos, mesmo... — Ela parou por um momento, percebendo que Pietro provavelmente não estava entendendo nada.
— Milla, fala direito. — Pietro interrompeu, irritado e impaciente.
Ela suspirou, sentindo a frustração crescer, mas entendendo que não tinha outra escolha a não ser simplificar.
— Eu acho que eu... basicamente... tenho super regeneração agora. Meu corpo pode se curar sozinho, rápido. Muito rápido. Foi por isso que o ferimento no meu pescoço desapareceu... Eu deveria estar morta, Pietro, mas não estou.
O silêncio que veio de Pietro do outro lado era quase ensurdecedor. Ela sabia que ele estava processando, tentando entender o que isso significava.
— Então... — Ele finalmente falou, sua voz um pouco mais suave, mas ainda carregada de incredulidade.
Milla fechou os olhos, exausta com o peso de tudo que ele havia dito. Arma, experimento, objeto. Ela sabia que era isso que eles estavam tentando fazer com ela. E agora, com essa nova descoberta, parecia mais claro do que nunca.
— Parece que sim. — Ela respondeu, a voz carregada de amargura. — Sou o projetinho favorito deles agora.
Pietro ficou em silêncio por um longo momento, e ela imaginou o que ele estaria pensando. Talvez estivesse tão desesperado quanto ela para encontrar uma saída, ou talvez estivesse tentando reunir a coragem para admitir o que ambos já sabiam.
— Isso é uma merda. — Ele finalmente disse, a voz rouca.
Milla soltou um suspiro pesado e concordou, a voz cansada e amarga.
— É, é uma merda. — Ela disse, seu tom carregado de frustração e resignação.
Do outro lado, Pietro bufou, estressado.
— Pelo menos... — Ele começou, tentando achar algum tipo de alívio na situação. — Pelo menos você não vai morrer, certo?
Milla soltou uma risada curta, sem humor, e balançou a cabeça, mesmo sabendo que ele não podia vê-la.
— Não morrer, Pietro... — Ela disse, a voz um pouco mais sombria. — Isso só significa que eu ainda vou sentir dor. Isso é um passe livre pra eles me machucarem o quanto quiserem, sem se preocupar com as consequências.
Ele bufou mais uma vez, claramente estressado. Para ele, as coisas eram muito mais simples. O "poder" dele era super velocidade. Claro, era exaustivo e tinha suas implicações, mas era direto. Não envolvia regeneração forçada, tortura, nem a promessa de um ciclo interminável de dor.
— Droga, Milla... — Ele sussurrou, a voz embargada pela raiva que ele sentia por não poder ajudá-la diretamente. — Eu odeio isso. Eles podem fazer o que quiserem agora com você, e isso me deixa maluco.
O silêncio que se seguiu era espesso, cheio de pensamentos não ditos. Pietro sabia que eles agora tinham carta branca para transformá-la em algo mais do que uma simples prisioneira. Eles a veriam como um objeto, uma máquina que não se quebraria facilmente, um corpo "imortal" para experimentar e manipular à vontade.
— Vai ficar tudo bem. — Pietro finalmente falou, mas ela podia ouvir a incerteza por trás de suas palavras. — Nós vamos sair dessa... Mi amore.
Ela fechou os olhos, sentindo a tensão em cada músculo do corpo. Aquele apelido familiar, carregado de afeto, trouxe um calor momentâneo ao peito dela, mas não era suficiente para apagar o desespero.
Milla deu uma risada suave, quase sem acreditar.
— Mi amore? — Ela repetiu, a voz ainda com uma ponta de sarcasmo, mas também de diversão.
Do outro lado da parede, Pietro soltou um som de falsa indignação, carregado de charme.
— O que foi? Não gostou? — Ele perguntou, o sotaque sokoviano se tornando mais forte. — Talvez você prefira amore mio?
Ela riu de novo, balançando a cabeça, mesmo sabendo que ele não podia vê-la.
— Isso é espanhol?
— Ah, estou só tentando aliviar o clima e, quem sabe, fazer você rir um pouco... embora, sinceramente, você não mereça depois de me deixar aqui sozinho, preocupado... pensando que você... — Ele parou, o tom ficando mais sério por um segundo, como se a lembrança fosse pesada demais para ser dita em voz alta.
Milla encostou a cabeça na parede fria da cela, sentindo um conforto estranho em sua voz. Mesmo separados, presos em mundos diferentes e torturados por suas próprias dores, havia algo nas palavras dele que a fazia se sentir um pouco menos sozinha.
Os dois, cada um do lado oposto, agora se apoiavam contra aquela barreira invisível que os separava, sabendo que, por mais que tentassem, não podiam se tocar, romper aquela parede, ou sequer se verem.
— Você está me devendo por me fazer passar por tudo isso. — Ele disse, quebrando o silêncio com uma voz suave, mas carregada de intenção. — Acredite, quando sairmos daqui, vou cobrar.
— Ah, é? — Milla arqueou uma sobrancelha, mesmo sabendo que ele não podia ver, o sorriso crescendo em seus lábios, mas tentou manter a seriedade em sua voz. — E o que você tem em mente?
— Hmm... — Pietro fingiu pensar, e ela podia quase sentir o calor da provocação. — Eu diria que uma noite a sós, só nós dois, sem cientistas malucos ou paredes no caminho, seria um bom começo.
Ela riu, o som leve como um sopro de ar fresco.
— Você realmente não perde tempo, hein?
— Quando se tem super velocidade, o tempo é relativo. — Ele respondeu com aquela confiança que sempre a fazia sorrir.
O riso dela foi tão verdadeiro, tão pleno naquele momento, que por um segundo ela esqueceu onde estava. A presença dele era uma luz no meio da escuridão. Mesmo separados, mesmo distantes, era como se ele estivesse ali, ao seu lado, a mão quase tocando a dela.
Ela não podia vê-lo, não podia tocá-lo, mas naquele momento, o calor da presença de Pietro e a forma como ele a fazia se sentir, era tudo o que ela precisava para esquecer, ainda que brevemente, o horror que os cercava.
E por um momento, o mundo não parecia tão pesado.
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