𝟎𝟓
Abro a cortina, deixando o sol parisiense entrar no quarto enquanto ouço minha boa e velha playlist brasileira no volume máximo no fone de ouvido, alheia a tudo que se passa do lado de fora. Hoje eu tenho a manhã livre e no fim da tarde vou acompanhar o treino dos meninos.
— Desejo que você tenha a quem amar— canto, caminhando pelo quarto ainda no meu pijama— e quando estiver bem cansado, ainda tenha amor pra recomeçar...
Encaro a mala bagunçada, pensando se vale a pena me trocar para sair e tomar café, mas qualquer dúvida vai embora quando ouço meu estômago roncar.
Tomo um banho rápido e coloco uma roupa bonitinha, já que quero turistar um pouquinho antes de ir acompanhar o treino da seleção. Escolho uma calça jeans de corte reto e um cropped branco com um blusão off white e imediatamente solto uma risada ao me olhar no espelho, pensando no que minha mãe diria ao ver a cor do blusão. "Tira essa roupa encardida, Aimê!" Dona Magali tem muitas coisas contra o Off White.
Pego minha bolsa e saio do quarto. Assim que saio do elevador, no térreo, meu telefone toca com o toque específico que coloquei para o Alisson no começo da Copa de 2018.
"No Flow, por onde a gente passa é show, fechou, e olha onde a gente che..."
Interrompo o toque, colocando o telefone no ouvido.
— Cara, você arrasou na sua entrevista! Eu sabia que tu falava bem, mas você sempre falou no futebol, sua área de conforto, agora, meu Deus, você dominou tão bem o assunto do vôlei, tão orgulhoso, Aimê!— ele diz, já me bombardeando de informações. Que isso, gente, nem um bom dia?
— Oi, Alisson, bom dia!— rio, caminhando pela calçada em direção ao café que vi pela rua ontem.
— Oi, irmã, bom dia... desculpa, eu fiquei animado! Não consegui ver a entrevista ontem, a Helena tava dodóizinha, mas fui olhar agora de manhã e quase chorei!
— Ah, a Nena tá melhor? O que ela teve?— me preocupo com minha sobrinha.
— Pegou uma virose na escola, mas já está medicada...
— Ah, sim, normal...— abro a porta da cafeteria— coisa de criança.
— Mas e aí, como estão as coisas aí?
— Tudo tranquilo! A Luna quase me matou do coração, mas isso é fofoca pra te contar pessoalmente!—rio, indo até o balcão. Deixo o telefone mudo enquanto faço o pedido e vou para uma mesa, perto da janela, me acomodando ali— Peraí, que eu vou ligar o vídeo!
Coloco o fone e ligo a câmera e logo depois meu irmão liga também.
— Já tem fofoca da Luna?— Alisson ri— Tem nem uma semana que tão aí!
— E precisa de algum limite para a Luna?— sorrio, ignorando alguns franceses que me encaram por estar falando em português com o meu telefone.
— A gente tava conversando aqui em casa de dar uma passada aí quando a Nena melhorar, faz tempo que a gente não se vê!
— Ah, eu vou amar! Vou fingir que não é pra você ficar me vigiando... podem vir, vou adorar!
— E eu lá sou sua babá, Aimê?— Ele responde sarcástico, mas nós dois sabemos que sim, ele adora dar uma de babá pra cima de mim— E cadê as meninas? Não estão com você?
— Provavelmente estão dormindo ainda, ficamos até tarde na sala de jogos com os meninos.
— Que meninos?
— Do time de Vôlei— dou de ombros, agradecendo em um francês esfarrapado ao garçom que trouxe meu pedido. Apoio o telefone no porta-guardanapo e continuo conversando com meu irmão enquanto tomo meu café francês chique— As meninas do time feminino estavam também, acho que fiz amizade com a Rosamaria... Mas voltando na entrevista, o que você achou?
— Cara, você arrasou! De verdade, sério mesmo! De onde você tirou tanto termo técnico? To muito orgulhoso, mana, você realmente conseguiu e foi incrível!
— Assim eu choro, Alisson!— digo, realmente com lágrimas nos olhos.
Apesar de ter o espírito livre e independente, minha família ainda é tudo pra mim, e dar orgulho para eles é meu maior objetivo, então escutar o Ali falando assim, todo orgulhoso de uma entrevista tão simples, realmente me deixa emocionada.
— Calma, chora não!— ele ri, sabendo bem do meu sentimento.
Sempre fui bem mais próxima dele do que do resto da família, e mesmo quando já estávamos crescidos, eu no Rio e ele se casando, as coisas nunca mudaram. Eu também sou próxima do Muriel, mas não é a mesma coisa, acho que pela diferença bem maior de idade e pelo fato de Muriel ter construído a vida dele muito mais cedo. Assim que ele teve a Dudinha, ele desenvolveu um instinto de pai que acabava usando comigo e com o Alisson, o que, com certeza, causava confusão, principalmente comigo, que nunca gostei de receber ordens. Mas mesmo assim, adoro aquele velho metido a pai de todos.
— Mas e aí, vai fazer o que hoje?— Alisson pergunta.
— Agora de dia eu vou turistar, dar uma passeada por aqui, e depois eu tenho treino dos meninos pra acompanhar, fazer umas brincadeiras com ele para o reels do Instagram, coisa de entretenimento.
— Hum, e vai ser com quem?
— Sei lá, com quem topar!— bebo um gole do meu capuccino— Mas estava pensando nos irmãos, Alan e Darlan, até falei com meu colega de equipe que está me acompanhando... eles parecem bem divertidos!
— Gosto deles! E vai turistar o dia todo sozinha?
— Vou, ué!
Dou de ombros dando mais uma mordida no meu croissant, olhando para a porta do estabelecimento. Está quase vazio, provavelmente por conta do horário, mas vejo dois brasileiros que tenho conhecido bem nesses últimos dias, entrando. Bruninho e Lucarelli entram um atrás do outro e fazem o mesmo percurso que eu fiz até o balcão.
— Liberdade ou solidão?— ouço meu irmão ironizar e não consigo prender a risada, que sai pelo nariz, quase junto com um pedaço de croissant.
— Nossa, eu te odeio, Alisson!— Rio, com o nariz ardendo, e coloco o croissant de volta no prato, vendo meu irmão ter uma crise de riso— Por que você é assim?
— Porque eu sou teu irmão, tenho que te perturbar!
Reviro os olhos, abrindo a boca para responder, mas antes que eu possa falar algo, vejo duas figuras enormes paradas perto da minha mesa. Olha, se eu não tivesse crescido com dois gigantes em casa, eu com certeza me assustaria toda vez.
— Ah, oi!— sorrio para os meninos, tirando um dos fones.
— Eaí!— Lucarelli sorri— a gente pode sentar aqui com você?
— Claro, pô!— respondo do jeitinho mais carioca que aprendi a ser, apontando para o sofá a minha frente— Senta aí!
Os dois se sentam, e me cumprimentam com toquinhos de mão. Ouço meu irmão pigarrear e vejo ele me olhando estranho através da tela do telefone.
— Ih, esqueci de você, foi mal!— desconecto o fone— ó, tô com meus amigos...— viro o telefone para Bruninho e Lucarelli.
— Caraca, eu esqueci que tu é irmã do Alisson!— Lucarelli diz, surpreso— E aí, cara!
— Fala ai, irmão!— meu irmão responde, animado.
— Opa, tudo bem, irmão?— Bruno também cumprimenta Alisson e eu simplesmente acho genial essa coisa dos homens de se chamarem de "irmão" mesmo nem se conhecendo pessoalmente.
Os três trocam umas palavras por alguns segundos antes de eu trazer o telefone de volta para mim.
— Vou desligar, falo com você depois!— sorrio, mandando um beijo para ele.
— Vai me trocar pelos caras do vôlei?— meu irmão finge uma dor inexistente no peito.
— Vou mesmo, fique com Deus!—desligo o telefone.
Bloqueio o telefone e largo ele na mesa, encarando os dois na minha frente, que riem da situação.
— Já estão acordados? Pensei que iam descansar mais!
— A gente até ia— Bruno começa— Mas o Lucão me expulsou do quarto, porque eu tava roncando e ele perdeu o tampão de ouvido dele...
— E o Bruno, não satisfeito, não quer perambular por aí sozinho— Lucarelli termina de explicar o por que de estarem aqui pela manhã.
— Meu casca de bala, pô!— Bruno sorri, sacudindo o ombro de Lucarelli, que ri revirando os olhos.
— Então, vocês tão livres até a hora do treino?
— Sim!
— Tão afim de andar por aí comigo? Meu compromisso é justamente no treino de vocês, então, se estiverem livres a gente tira o dia pra ver a cidade...
— Claro!— Lucarelli responde.
— Já tô dentro!— Bruno sorri.
•
Eu achava que andava rápido, acostumada com o ritmo dos meus irmãos, mas olha... aqueles dois andam devagar perto desses aqui! Finalmente paramos na frente de um restaurante e consigo descansar as pernas, enquanto eles parecem totalmente tranquilos depois do dia inteiro de caminhada.
Já são quase três da tarde e vamos parar para almoçar agora, finalmente. Fomos em vários pontos turisticos e tiramos várias fotos. No geral, foi super divertido, o Bruno já é engraçado sozinho, juntando com o Lucarelli então... quase desmaiei de rir na frente do Rio Sena.
Entramos no restaurante, Lucarelli na frente, eu atrás dele e Bruno logo atrás de mim. Mal sentamos na mesa e eles se levantam de novo quando alguns fãs brasileiros se aproximam para pedir autógrafos e tirar fotos. Espero paciente, olhando o cardápio e até tirando algumas fotos dos meninos com os fãs hora ou outra, até o momento acabar.
— Foi mal por isso, a gente meio que não tem pra onde correr...— Bruno senta novamente, se justificando.
— Relaxa, eu tô acostumada com isso! — abaixei o cardápio, sorrindo. Perdi a conta de quantas vezes já aconteceu exatamente o mesmo cenário com meu irmão— Uma vez a minha família ficou meia hora do lado de fora de um restaurante esperando meu irmão terminar de falar com os fãs dele!
— Ah, cê já sabe então!— Lucarelli da de ombros, sorrindo.
O almoço segue completamente agradável, continuamos conversando e contando histórias. Os meninos falam sobre como começaram no vôlei e eu conto sobre a vez que quase entrei para o futebol, como goleira, e quebrei o nariz na trave em um campeonato da escola.
— Cara...— Lucarelli tapa a boca prendendo o riso, já Bruno nem liga mais, rindo muito da minha cara mesmo— como é que você conseguiu isso?
— A menina chutou a bola no canto, eu fui buscar e... acho que calculei mal... meu nariz é tortinho até hoje por isso!— rio, virando o rosto de lado, mostrando o vãozinho mínimo acima da ponte do nariz.
— Já tentou jogar vôlei?— Bruno pergunta.
— No ensino médio... eu era uma negação! Da vez que eu tentei jogar, torci o dedo mindinho...— Digo e eles riem mais ainda.
— Como você torceu o dedo mindinho?— Bruno pergunta, completamente vermelho, e eu caio na gargalhada também.
— Eu nem tenho uma resposta pra isso, eu só sei que nunca mais cheguei perto da rede....
— É, foi bem melhor você ter virado jornalista!— Lucarelli diz e Bruno concorda.
— Realmente! Mas sabe que eu era boa no basquete? Apesar das boladas que eu levava na cabeça...
— Tem algum esporte que você não apanhava?— Lucarelli segura a risada, dando um gole no seu suco.
— Eu tô bem preocupado, viu!— Bruno me zoa.
— Eu fazia muay thai até bem pouco tempo. Eu desço a porrada legal, tá! Nesse eu não apanho, não!
•
O dia em si foi bem cansativo, mas bastante agradável. O clima olímpico em Paris tá bem contagiante, é como se eu estivesse vivendo um filme. As ruas estão cheias de gente, artistas de rua cantando, dançando, mostrando seus talentos. Nem parece que o mundo pode acabar a qualquer momento.
Tá, eu pesei o clima legal aqui...
Chego no ginásio junto com os caras, mas diferente deles, eu tô com as pernas doendo e morrendo de cansaço.
— Cara, esse passeio contou como cardio...— suspiro, bebendo minha água.
— Ah, isso é porque a gente não te puxou pra treinar ainda...— Lucarelli me zoa, mas com o tom de voz sério.
— Ainda? Vocês tavam mesmo planejando isso?
— Você disse que luta...— Bruno dá de ombros— a gente podia emendar o aquecimento com a luta.
Reviro os olhos encarando os dois. Olho para um canto da quadra e vejo Bruna e Daniel conversando com Darlan e Alan. Conversando não. Gravando. Droga, eu queria gravar com eles...
— Olha, eu desço vocês dois na porrada sem precisar de aquecimento!— saio andando, irritada, deixando-os para trás.
Bruno Rezende's point of view
Observo a cena com um sorrisinho no rosto. A garota é confiante mesmo, gosto disso. Ouço uma risada do Lucarelli e uma tosse forçada do meu pai. Caraca, quando foi que ele apareceu aqui?
— Por que a repórter disse que desce vocês dois na porrada?— meu pai pergunta confuso, e encaro ele, logo depois olho para Lucarelli, que prende a risada.
— Nada não, Bernardinho... vamo pro treino, Luca!— me viro, prendendo o riso e vou para o vestiário, olhando uma última vez na direção de Aimê, vendo-a sentada, sozinha, enquanto a outra jornalista grava com Alan e Darlan.
Nos trocamos na velocidade da luz, já que o resto do time já está aquecendo, e corremos para a quadra.
Eu e Lucarelli continuamos em dupla, treinando uns passes com a bola, aquecendo um pouco, concentrando, quando vejo Aimê caminhando, sozinha, até a porta da quadra, e estranho, já que ela iria fazer a entrevista com Alan e Darlan.
— Espera aí!— digo, jogando a bola para Lucarelli e aumento o passo atrás dela.
Ela já está quase na porta quando consigo alcança-la.
— Opa! Tudo bem?— pergunto, inpedindo-a de sair da quadra e ela se vira para mim. Sua expressão é neutra, mas parece ter algo errado— Você não ia gravar?
— Ah, eu...— vejo ela tentar encontrar palavras— eu até ia, mas eu cheguei aqui e eles já estavam gravando sem mim, aí fiquei meio sem graça de falar que eu já tinha planejado de gravar com os meninos, então só deixei, tão se dando bem, eu faço outra coisa, outra hora...
— Mas e o seu trabalho?— pergunto, colocando as mãos na cintura, um gesto automático de quando estou minimamente indignado.
— Eu resolvo com o meu chefe, tem problema não, acho que ele vai entender!— ela responde tentando parecer positiva, mas acho que nem ela tem certeza disso.
Tudo bem que a CazéTV é conhecida por ser mais despojada e informal, mas continua sendo imprensa, e continua sendo uma empresa, então não é muito legal ela ficar passando por isso, mesmo que pareça bobo, pode prejudicar ela.
Olho ao redor da quadra tentando pensar em um jeito de ajudar ela.
— Olha, eu não quero atrapalhar seu treino, Bruno, melhor eu ir, se não seu pai vai vir me dar bronca!
Olho para ela, confuso, e depois olho na direção do meu pai, que olha para nós com uma sobrancelha erguida. Ignoro, tentando não revirar os olhos.
— Fica aí! — digo por impulso o que vem na minha mente— O que você ia gravar com o Alan e o Darlan, você pode gravar comigo e com o Lucarelli! Posso até chamar o Lucão, se quiser...
Aimê me olha, pensativa e, por algum motivo, estou torcendo para ela aceitar a proposta.
— É só que... eu não sei mais o que gravar, minha ideia já tá sendo usada...— ela encolhe os ombros, agarrando a alça da bolsa.
— Se você puder esperar até o treino terminar, a gente vai pensando em alguma coisa...— sugiro.
Ela parece pensar um pouco mais, encarando a quadra e os caras treinando. Vejo ela respirar fundo antes de colocar as duas mexas da franja atrás de cada orelha pela milésima vez no dia. Não que eu tenha reparado.
— Tá bom... eu espero, Bruninho.
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