𝟎𝟐
Consigo escutar a música brasileira no último volume ainda na esquina do local onde o Uber nos deixou. Pelo que Luna me explicou, a entrada fica num tipo de beco, ou algo assim, que é para não chamar muita atenção de convidados indesejados, mas se o objetivo era manter tudo às escuras, eles com certeza não sabem como fazer isso.
Caminho atrás de Íris até a entrada do lugar, o som de Turma do Pagode cada vez mais alto, mas um homem enorme barra a nossa passagem.
— Desculpem, meninas, mas a entrada é exclusiva.— ele diz, mal encarado.
— Moço, mas a gente foi convidada!— Íris argumenta.
— Nomes?— ele pergunta, abrindo o telefone com a possivel lista de convidados.
Íris se cala, o olhar se perdendo.
Tá de sacanagem. Quero rir. É óbvio que ninguém pegou o nosso nome pra por na lista, e de que adianta a gente ter sido chamada para a festa de ninguém nem sabe o nosso nome?
Respiro fundo, olhando de Luna para Íris. Claro que esse tipo de coisa só acontece com a gente.
Nós três trocamos olhares por um momento, o suficiente para eu entender que, de fato, elas não deram nossos nomes para por na lista.
— Então... esqueceram os próprios nomes, foi?— o segurança provoca, interrompendo nosso momento "melhores amigas que se comunicam por olhares".
Mas acontece que agora que estou aqui, não vou embora. Me viro para ele, determinada a nós fazer entrar.
— Olha, deve ter tido algum mal entendido com a sua lista, mas tá tudo bem, essas coisas acontecem, tá tudo meio louco né?— começo, colocando meu lado atriz pra jogo— Eu sou a Aimê Becker, jornalista— tiro meu crachá de dentro da bolsa e mostro para ele, meu nome e minha foto ali. Bom, não preciso mentir. Só adicionar um pouco de drama— Essas aqui são a Luna e a Íris, elas tão comigo! A gente foi convidada de última hora, provavelmente a lista atualizada nem chegou pra você ainda...
O homem me encara, ainda desconfiado e me vejo obrigada a apelar.
— Olha, eu não tô mentindo!— exclamou, tentando parecer mais dramática e menos desesperada— Eu nem tenho motivos pra isso. E outra, se eu não tivesse sido convidada eu nem saberia o endereço, esse lugar é praticamente impossível de encontrar, de tão escondido que é!— digo, como se a música não estivesse bizarramente alta.
Joguei o verde. Tomara que dê certo...
Respiro fundo, guardando novamente meu crachá depois do homem ter analisado até mesmo o tipo de plastificação. Como se eu e minhas duas amiguinhas apresentássemos algum risco.
— É, deve ser algum engano...— ele começa, meio desconcertado, checando a lista pela terceira vez— mas vocês podem entrar, senhoritas!— ele abre a porta para nós— Boa festa, isso não vai se repetir!
Colhi maduro.
— Obrigada!— passo por ele, puxando as meninas junto comigo.
Assim que entro na festa, tiro o sobretudo, já que o lugar está mil vezes mais quente do que lá fora.
— Nossa, não sabia que você tinha essa lábia toda, Aimê...— Luna diz assim que estamos longe o suficiente da entrada.
— As aulas de oratória da faculdade serviram para alguma coisa...
— Nossa... os homens que tomem cuidado com você...— Íris brinca, tirando seu próprio sobretudo, ficando com seu vestidinho azul.
— Imagina só a Aimê usando esse talento todo com um cara?— Luna entra na brincadeira— Vai fazer o coitado rastejar...
— Menos, né gente!— interrompi o devaneio das duas— Vamo com calma, que pra isso o cara tem que gostar de mim primeiro! 'Cês sabem que eu vivo no modo espanta homem...
— Ah, começa não!— a ruiva para na minha frente— Você não vive no modo espanta homem, você vive no modo ignora homem porque não enxerga a propria beleza!
Reviro os olhos ignorando-a, mais por saber que ela está certa e que eu deveria gostar mais do que vejo no espelho, mas isso não é problema para agora.
Desvio o olhar para o salão, procurando algum lugar para me acomodar, mas o ambiente está escuro e muito, muito cheio.
— Será que não tem nenhum lugar pra sentar?
— Que sentar o que?— Luna diz, agarrando meu pulso— 'Vamo pegar alguma coisa pra beber!
Andamos até o bar, esbarrando em muita gente no caminho. Alguns eu tenho certeza que são atletas, mas não reconheço de lugar nenhum da mídia. Assim que finalmente chegamos nos bancos do bar, coloco o casaco no encosto da cadeira e me sento ali.
— Meu Deus, é a Jade...— Íris diz ao meu lado— Aimê, a Jade Barbosa!— ela me cutuca apontando com o queixo para o outro lado do bar.
Arregalo os olhos, chocada ao ver a minha ídola da Ginástica Artística.
— Meu Deus, a Jade!
— Eaí, Jade!— ouço Luna gritar, chamando atenção não só de Jade, mas de toda a equipe de ginástica brasileira.
— Garota...— eu tento impedir ela, mas ela já está de pé novamente, nos levando até o outro lado do bar.
Encontramos Rebeca, Lorrane, Júlia, Flávia e Jade. Luna já chega com a corda toda, cumprimentando as meninas como se já fôssemos amigas e fazendo as devidas apresentações. As vezes ela compartilha do mesmo espírito de vereadora da Íris, o que me assusta um pouco, já que sou bem mais tímida do que elas.
A conversa flui muito bem, me surpreendendo. Olhando assim parece que nós conhecemos há anos. Peço um drink que Lorrane me indicou para começar oficialmente a noite.
— Nossa, se fosse eu, faria um barraco!— Rebeca diz, indignada com a história que Luna estava contando, que aconteceu antes de embarcarmos para a França.
— Juro! Ela tava querendo encrencar comigo a todos os custos!— Luna responde.
— Mas ela só parou mesmo quando a Aimê começou a armar o barraco— Íris dá de ombros— A coitada com hora marcada pra chegar aqui e aquela tonhona querendo atrapalhar? Ah, me poupe!
— Vocês precisavam ver, a cara de nojo daquela mulher— digo, entre bicadas no meu copo.
— Caraca, hein...—Flavia torce o nariz— isso é falta de homem na vida dela, só pode!
Eu e as meninas caímos na gargalhada, concordando.
— Verdade, tá!— digo— E olha que eu mesma não fico com ninguém há meses...
— Ah, as vezes ela foi corna e tava descontando em vocês, tem isso também!— Lorrane diz, nos arrancando mais risadas.
A conversa continuou, mesmo quando Flavinha, Lorrane e Rebeca saíram para dançar. Entre bebidas e conversas, mal reparo que o bar está cada vez mais cheio. É apenas quando escuto meu nome ser chamado, que olho para trás reparando na multidão.
Ouço chamarem meu nome de novo, mas não consigo ver quem é, e talvez seja apenas coisa da minha cabeça. Dou de ombros, voltando para a conversa.
— Aimê!— sinto uma mão em meu ombro e me viro para ver quem é, apenas para encontrar meu passado em pessoa na minha frente.
— Rafael?— o nome escapa da minha boca, minha expressão um pouco chocada. Rafael Carvalho, bem na minha frente.
Primeira pessoa que eu conheci na UFRJ, primeiro amigo, depois primeiro melhor amigo, depois namorado... e agora ex.
— Em carne e osso!— ele diz com um sorriso enorme, me puxando para um abraço.
— Caramba, quanto tempo!— olho para Luna e Íris, ainda no abraço e as duas estão tão confusas quanto eu.
As coisas entre o Rafa e eu acabaram até bem tranquilas, mas, como em todo pós-relacionamento, as coisas ficaram meio esquisitas e perdemos o contato.
— Pô, verdade!— ele me solta e olha para as meninas, puxando as duas para um abraço ao mesmo tempo— Caraca, que saudade!
Íris e Luna, como as ótimas amigas que são, meio que tomaram minhas dores e também foram parando de falar com ele aos poucos. Não que eu quisesse isso. Foi uma coisa delas, mesmo.
— Nossa, eu não imaginava te encontrar aqui...— digo, tentando não parecer tão estranha enquanto ele cumprimenta Julia e Jade, que estão com a gente, percebendo o clima.
— Imagina eu? De tantos lugares no Rio pra gente se ver, a gente se acha em Paris!— ele sorri, parando na minha frente— To vendo que ja fez amizades!
— Ah, é! Sabe como a Luna é, né...
— Vem cá, deixa eu te apresentar meus amigos!— ele começa a me puxar pelo pulso e olho para as meninas confusas. Luna me encara de volta, gesticulando e sussurrando um "tá bêbado, certeza".
Sigo Rafael para o outro canto da festa, para um círculo de amigos, e minha cara quase vai no chão quando vejo quem está ali.
— Aqui, Aimê! Você deve conhecer eles já, mas vou apresentar assim mesmo!— é, ele tá bêbado— Esse aqui é o Gabriel, o Lucão, o Bruninho, o Lucarelli e o Honorato, e essa é a Bia, esposa do Lucão!
Aceno para o grupo com um sorriso tímido, evitando olhar muito para Bruninho, a vergonha daquele esbarrão ainda me perseguindo.
— Boa noite...
Todos eles respondem em uníssono e Bia sorri para mim.
— Você não é irmã do Alisson?— ela pergunta, analisando meu rosto totalmente diferente dos meus irmãos. Eles puxaram ao pai, eu puxei a mãe.
— Sou eu sim...
— Ah, que legal! — ela diz— E veio assistir as olimpíadas?
— Mais ou menos...— respondo— eu sou jornalista, tô aqui pra fazer a cobertura de alguns jogos...
— Sério isso, Aimê?— Rafael me encara, incredulo.
— É sim...
— Poxa, cê não falou nada...
Por que será, né?
— Ah, é por isso que você falou aquilo pro Bruninho aquele dia?— Lucarelli pergunta, apontando pro amigo.
Caraca, precisava?
Sinto meu rosto ficar muito vermelho e agradeço pela iluminação escura da balada não mostrar isso.
— 'Cês já se conheciam?— Rafael pergunta.
— Não!— eu e Bruno dizemos na mesma hora e nos encaramos por um segundo.
— A gente só se esbarrou na saída do restaurante...— explico.
— É, foi só isso... ela disse que me via aqui em Paris e eu não entendi nada, porque... todo mundo meio que iria me ver aqui, né...
— É, só que eu tinha acabado de assinar o contrato e tava espalhando prós quatro cantos que ia vir, ele só foi mais uma vítima...
— Ah, tá! Entendi, entendi...— Rafael diz, voltando para a conversa anterior com os amigos e eu continuo bebendo meu drink, sem saber onde enfiar a cara.
Não faço ideia sobre o que eles estão conversando. Talvez eu devesse prestar atenção, pois parece ser algo relacionado a vôlei, mas não consigo focar em nada com cada vez mais álcool entrando em meu organismo e a música alta e preocupada demais em evitar olhar para levantador à minha frente. Eu poderia sair daqui? Poderia. Mas tô travada, por algum motivo.
Dou graças a Deus quando uma das minhas músicas favoritas começa a tocar e sinto meu corpo relaxar um pouco ao som do remix de uma música que passei minha infância e adolescência ouvindo.
"Gimme, gimme, gimme a man after midnight, won't somebody help me chase the shadows away"
Meu gosto musical é totalmente baseado em ABBA, graças a Mamma Mia. Sou tão obcecada pelo filme que viciei tanto Íris quanto Luna na história e nas músicas.
As duas correm em minha direção e quase levanto as mãos, agradecendo a Deus, quando elas me puxam para a pista de dança. Deixo meu copo com Rafael e corro junto com elas, deixando o álcool em meu organismo tomar o controle.
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