━━━━━━━━━━━━ CAPÍTULO QUATRO.
minha eterna escuridão.

O mundo sempre foi essa escuridão desde que Hikari se entendia por gente.

Hikari era cega de nascença.

Os olhinhos curiosos e inquietos da linda criança de cabelos loiros procuravam uma resposta na eterna escuridão. Todavia, Hikari podia ouvir muito bem; o choro de sua mãe ecoava por toda aquela sala, abraçando o pequeno corpo infantil de sua filha enquanto deixava as lágrimas rolarem a solta.

A garotinha não estava entendo nada, o que estava acontecendo? Entretanto, futuramente, Hikari finalmente iria entender. Um soluço ecoou, e Rei apertou ainda mais o corpo de sua filha em seu abraço, curvada sobre a própria estrutura diante daquele homem, o mesmo que faria sua vida virar um inferno.

━━Por favor... Eu imploro!━━A Tomioka mais velha pediu, trêmula sem conseguir controlar a própria voz, perdida em todas aquelas sensações e pensamentos.

Implorar? Questionou a menininha de olhos inquietos. Hikari respirou fundo, suspirando sobre o colo de sua mãe ao sentir as lágrimas da mesma escorrerem por sua pele pálida.

━━É a minha filha...━━Continuou a mulher, seu olhos marejados migraram, então, de um vez para aquele homem misterioso, que se mostrava tão tranquilo e calmo.━━A minha filhinha não consegue enxergar, por isso eu imploro!━━Suplicou Rei mais uma vez, com seus olhos esperançosos brilhando na direção daquele homem.

O homem misterioso se levantou do tatame, caminhando calmamente até a dupla de mãe e filhas ao chão. Rei, aflita com tudo aquilo, apenas soluçou, a espera de qualquer resposta vinda por parte daquele que prometeu dar a visão de Hikari novamente.

O homem tocou aos cabelos loiros da criança deitada sobre o peito de sua mãe, trazendo a atenção da menininha cega para si. Os olhos esbranquiçados procuravam, em toda aquela escuridão, uma fonte de luz que desse-lhes esperança.

━━Qual o nome desta criança?━━O homem perguntou de voz rouca, enrolando os fios da garota em seus dedos.

━━É Hikari... Hikari Tomioka.━━Respondeu a maior de voz fraca.

━━Entendi, é um belo nome.━━O homem revelou, acariciando mais uma vez a cabeça loira da criança que, por sua vez, buscava qualquer tipo de informação com seus olhos vazis.━━Senhora Tomioka, isso é sim possível. Entretanto, serão precisos alguns sacrifícios.

Sacrifícios? Questionou Rei solitária, encarando a face sorridente e, ao mesmo tempo, reconfortante daquele homem desconhecido. No templo escuro a Tomioka mais velha se perguntou se estava fazendo a escolha certa.

━━Sacrifícios? Que tipo de sacrifícios?━━Perguntou a mulher de voz trêmula.

━━Bem, o que eu posso dizer é que o mundo não é apenas aquilo que podemos ver.━━Respondeu este, enrolando os cabelos da menina uma última vez.━━Está disposta, senhora Tomioka?

Então Hikari acordou.

Se engasgando com a própria saliva, ela encarou o teto daquele quarto, sentando-se abruptamente a cama em que estava. Se agarrou nos lençóis, na tentativa de se recompor daquele sonho, ou então, lembrança.

Olhou para todos os lados, viu a janela aberta, a cortina sendo bagunçada pelo vento, a cama branca, o pequeno armário no canto daquele quarto, alguns quadros ali também. Hikari via agora.

Se sentiu aliviada, se lembrando da agonia que era toda aquela escuridão infinita, sem poder ver o azul do céu todos os dias, escutando, apenas, as súplicas de sua mãe todas as noites na beira de sua cama, a procura de alguma divindade que pudesse-lhe dar a visão.

E aqui estava Hikari, vendo o mundo.

A garota loira suspirou, sentindo o suor escorrer levemente por sua testa. Seu peito subia e descia, a angústia crescia cada vez mais em seu coração quando se lembrava de sua mãe, como foi vê-la pela primeira vez.

O corpo de Tomioka se relaxou, e então caiu deitada na cama novamente. Encarando aquele teto patético, a loira se questionou como sua mãe tivera a coragem de dar a própria saúde vital em troca da visão de sua filha.

Hikari podia ver agora, ver até mesmo atravéz das coisas. A jovem Tomioka, na verdade, podia até mesmo ver atravéz das paredes, e essa era a resposta de como Hikari parecia estar sempre antecipada nas coisas; todavia, o uso excessivo de seu olhos a deixa extremamente cansada.

Olha que, uma hora, era apenas uma olhos de pupila avermelhada, outra hora possuía escleras alaranjada e duas orbes brancas. Toda hora um demônio diferente.

Encarou o teto tedioso mais uma vez, num longo suspiro cansada, mal percebendo que a porta havia sido aberta. Todavia, Hikari não devolveu o olhar para tal pessoa.

━━Boa trade, Hikari.━━Era Sakura, entretanto, também era aquela que não estava utilizando a vestimenta habitual do colégio Jujutsu de Osaka.

E apenas a sua voz foi o suficiente para deixá-la desconfortável, afinal, havia perdido uma das cartas de sua sensei.

━━Sensei.━━Ditou fraca, virando-se para a figura da mais velha ao lado da cama.

E então a culpa recaiu sobre o corpo da feiticeira. Levando em conta que havia perdido uma das cartas do baralho de sua sensei, e seria difícil dize-la assim sem mais nem menos. Sakura era uma mulher ocupada, cheia de afazeres e responsabilidades, algo assim seria terrível para ela.

━━Como se sente agora?━━Perguntou a rosada, passando cada vez mais perto da loira deitada a cama, que tivera coragem de encara-la.

Então a Tomioka se lembrou o do porque estava ali, percebeu que havia desmaiado na última missão com Okkotsu.

━━Estou bem, mas cadê o Okkotsu?━━A jovem perguntou, se sentando na cama novamente, notando sua sensei próxima do móvel.

━━Está no pátio, treinando com os outros.━━Respondeu a líder Shimura, com o típico sorriso aconchegante na face.━━Estava perguntando por você a momentos atrás.━━Sakura riu, memorizando o quão assustado Yuta ficou.

━━Entendi.━━Murmurou, coçando os olhos.━━Olha, sensei...━━Hikari suspirou, visto as próximas palavras que teria de ditar a sua superior.━━Eu meio que perdi uma das suas cartas.━━A Tomioka retorceu a face, a espera de um sermão, ou algo do tipo.

━━Hikari...━━A mão esquerda da feiticeira especial tocou ao ombro da jovem, afagando levemente a região.━━Não se preocupe com isso, o que realmente importa é a sua saúde.━━A mais jovem se sentiu abraçada pelas palavras da rosada.

Era de noite, e provavelmente o restante dos alunos estavam se aprontando para dormir, ou então no caso de Aoi e Toge, treinando no pátio da escola de Tóquio. São fofos, pensou a loira, enquanto acompanhava o casal com seu olho descoberto.

De fato eram um belo casal, improvável, mas um belo casal! O que deixava mais romântico e com a vibe "Romeu e Julieta", ou sei lá. E o mais engraçado é que sempre que Hikari os via, eles estavam brigando, mas incrivelmente agora estavam aos beijos.

Hikari suspirou solitária sentada sobre a escadaria de pedra da escola, que levava até o prédio principal da localização. O céu já estava escuro, e os postes ajudavam na iluminação do perímetro.

Após todos terem certeza de que Hikari estava bem, alguns foram para suas respectivas missões, outros foram passear, dormir, ou o que quer que estejam fazendo. No fim Hikari não ligava para nada daquilo.

Estava sem sono, consequente estava ligada no 220 por conta da ótima soneca que tirou mais cedo. Em falar nisso, não viu Okkotsu até agora, soubera ela que estava em um dos treinamentos rigorosos de Satoru e Sakura.

━━Tomioka.━━Atrás de si, a voz do bendito.

Quando a jovem olhou sobre seu ombro, se encontrou com o rapaz Okkotsu de ombros retraídos, em pé a alguns degrais acima de si.

━━Okkotsu.━━Ela cumprimentou, ainda inexpressiva, ouvindo o barulho dos grilos ali por perto.

━━Como você tá?━━Ele perguntou, descendo tais degraus lentamente até se sentar ao lado da loira, que voltou a atenção para o casal no campo.

Possivelmente Atsumi e Inumaki perceberam a presença dos dois ali, por isso, agora, estavam saindo do campo.

━━Bem melhor, obrigada por perguntar.━━Devolveu, desviando o olhar para o campo agora vazio.

Hikari devia a Yuta, mas talvez ela só estivesse com vergonha de agradece-lo. Hikari nunca se sentiu assim, até porque agora se sentia vulnerável por Yuta ter visto a sua verdadeira forma.

O garoto inquieto com a situação, escutando o chiar do vento gelado e o barulho dos grilos no fundo, coçou a garganta, coçando a própria nuca enquanto a outra mão esfregava-se sobre os joelhos. Estava nervoso.

A Tomioka então pousou a cabeça na palma da mão, enquanto o cotovelo descansava em seu joelho. Ela também estava incomodada com aquele silêncio, que tão de repente se formou entre a dupla.

Sua cabeça lentamente se virou, observando a figura do rapaz cabisbaixo, brincando com os próprios dedos sobre os joelhos, sem qualquer coragem de encara-la de volta. E tudo bem, ela entendia, afinal, Hikari era mesmo horrível e feia.

Porém, surpreendentemente, Yuta se assustou seu sentir os lábios macis da garota irem de encontro com a sua bochecha, depositando ali um beijo inocente e singelo, mas que foi o suficiente para deixar Yuta corado.

Os olhos do moreno finalmente tomaram coragem para encara-la dentre os vagalumes dali, observando sua figura recepcionar a própria cabeça na palma da mão, olhando para si com o único olho descoberto. Os lábios do rapaz se afastaram um pouco, e um suspiro confuso escapou dali, se sentindo cada vez mais quente.

━━P-Porque fez isso?!━━Okkotsu questionou super confuso, esperançoso pela resposta da figura angelical e silenciosa da Tomioka séria ao seu lado.

━━É um obrigada...━━Ela começou, num suspiro, ainda com sua voz dividindo espaço entre a cantoria dos grilos, ao mesmo tempo em que escurecia mais e mais, e os vagalumes faziam o seu papel.━━Por ter me salvado hoje mais cedo. Muito obrigada.

Ela estava envergonhada, com as bochechas levemente coradas enquanto sua cabeça tombava para o lado, acompanhando o garoto inquieto ao seu lado, que agora encarava o nada com seu rosto avermelhado.

━━Hum.━━Ele resmungou, era embaraçoso.━━Eu só fiz a coisa certa, não precisa me agradecer.━━Adicionou Okkotsu, batucando os pés sobre a escada de pedra.━━Além do mais, a Rika quem fez quase tudo, eu não fiz nada.

Não era verdade.

A cabeça de fios loiros então se voltou ao campo vazio, observando os vagalumes os cercarem na (agora) noite estrelada. A lua refletia a luz do sol, e as estrelas pintavam o céu azul escuro, era uma paisagem muito bonita.

E quando perceberam, aquele silêncio constrangedor os cercou novamente, e os dois se amaldiçoaram por isso. O sussurro do vento ecoava em seus ouvidos, bagunçando as vestes brancas de Yuta, e as avermelhadas da jovem Hikari.

A menina então suspirou, ela tinha conhecimento da curiosidade do rapaz.

━━Eu posso te fazer uma pergunta?━━Ele elevou a voz, após alguns momentos em silêncio observando o campo escuro.

━━Já fez uma.━━Ela respondeu, arrancando uma risada fraca só rapaz, ao mesmo tempo em que ela se perguntava onde estava a graça em tudo aquilo.

━━Eh, está certa.━━Ele riu envergonhado, coçando a própria nuca enquanto encarava o chão, finalmente tomando coragem para devolveu o olhar para a moça ao seu lado.━━É que eu só tô curioso sobre...━━Impedindo a si mesmo, Yuta apontou para o próprio olho, fazendo, assim, com que a loira finalmente entendesse.

Ela suspirou de novo, levando suas mãos até o tapa olho preto que sempre usava consigo, deixando o rapaz ansioso mais uma vez. Ela tirou a peça, cabisbaixa, depositou a peça sobre as próprias pernas enquanto sua franja recaia-se sobre o mesmo olho.

Hikari elevou o olhar, virando-se em direção ao rapaz curioso ao seu lado, ainda com a franja tampando seu olhos amaldiçoado. No fim das contas, Hikari estava com vergonha de mostrá-lo.

Yuta, timidamente, elevou uma de suas mãos até o rosto da garota, e com seus dedos finos pousou a franja atrás de sua orelha, revelando assim a parte do seu rosto antes escondida. E para surpresa do garoto, o olho agora estava totalmente alaranjado, sem qualquer orbe ou brilho aparente.

Ele suspirou no susto, confuso pelas vezes em que seu olho mudou de forma tão de repente. A loira entendeu isso, e timidamente abaixou o olhar para o chão.

━━Não é meu, mas ele me ajuda a enxergar.━━Informou, notando sua visão mudar drasticamente desde que retirou o tapa olho, vendo o tão famoso "mundo invisível", como gostava de chamar.━━A minha mãe está muito doente, e é por causa disso que eu entrei na escola Jujutsu.━━Hikari revelou, notando Yuta ainda focado em sua figura, observando seus cabelos presos voarem com o vento.

━━Eu sinto muito, Tomioka. Eu não sabia.━━Okkotsu sentiu-se, se juntando a moça ao apreciar a vista escura junto dos vagalumes.

━━Tá tudo bem, não precisa sentir.━━Adiantou ela, pegando o tecido preto nas mãos novamente, o ajeitando na cabeça e vista, sendo tapada de vez novamente.

Aos poucos a visão foi ajustando, vendo agora o mundo normalmente. O mundo invisível se foi, agora era o mundo real.

Agora, na mente da jovem Tomioka, a imagem de sua mãe reinava ali. E Yuta pode notar que Hikari se sentia um pouco desconfortável (ou envergonhada) em mostrar sua orbe.

━━Olha, eu não sei o que aconteceu, mas não devia ter vergonha disso.━━Ele começou, rasgando o silêncio.━━Querendo ou não, todo mundo tem um demônio interior, o meu por exemplo é uma maldição.━━Ele riu solitário, e Hikari pegou-se pensando se aquilo era um concelho ou não. E Yuta captou sua confusão.━━Eu acho melhor eu calar a minha boca.━━O Okkotsu ditou envergonhado, recuando os ombros, e se surpreendeu por ouvi-la rir baixo.

━━Você é estranho, mas é gente boa.━━Ela riu, virando a cabeça para o rapaz ao seu lado, que á essa hora se parecia com um pimentão.

Ele então rapidamente virou a face, escondendo suas bochechas rosadas. E enfiando a mão em seu uniforme, notou o relógio marcar '19:48 horas'.

━━Ah, o meu treinamento com o sensei!━━Ele afirmou para si mesmo, guardando o celular no bolso desajeitadamente enquanto se levantava.━━Eu preciso ir. Até mais tarde, Tomioka!━━Yuta se despediu, subindo a escadaria com rapidez, sendo seguido pelas orbes castanhas da moça, que estava pensativa sobre suas palavras.

A loira observou Yuta sumir na escadaria escura com seus olhos arregalados, então ela murmurou baixo:

━━Tchau, Okkotsu.

Meus Tomikkotsu 🤏 amo eles uns queridos