Chร o cรกc bแบกn! Vรฌ nhiแปu lรฝ do tแปซ nay Truyen2U chรญnh thแปฉc ฤ‘แป•i tรชn lร  Truyen247.Pro. Mong cรกc bแบกn tiแบฟp tแปฅc แปงng hแป™ truy cแบญp tรชn miแปn mแป›i nร y nhรฉ! Mรฃi yรชu... โ™ฅ

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โ›๐“ฅ๐˜ฐ๐˜ค๐˜ฆฬ‚ ๐˜ฆฬ ๐˜ฆ๐˜ด๐˜ฑ๐˜ฆ๐˜ค๐˜ช๐˜ข๐˜ญ ๐˜ฑ๐˜ฐ๐˜ณ๐˜ฒ๐˜ถ๐˜ฆ
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โ”โ” Upper Yard, Jardim Superior de Skypiea ; Memรณrias...
แ˜กElisabette, Anjo da Morte. โชO ponto de vista Delaโซ

Seus olhos eram intensos e profundos, de um vermelho tรฃo escuro que superava atรฉ mesmo a cor do sangue em nossas veias. Os cabelos, negros como a noite, contrastavam com a palidez de sua pele. Uma sombra escura descia de seus olhos e escorria pelas bochechas, conferindo-lhe um ar de mistรฉrio e imponรชncia, como se sua mera presenรงa fosse capaz de subjugar minha vontade. Seu corpo, mรกsculo e robusto, jรก moldado pelos primeiros sinais da puberdade, exibia mรบsculos em formaรงรฃo marcados por tatuagens tribais que se estendiam pelo peito e ombros.

Vestia uma capa de penas brancas e mantinha o olhar firme sobre mim. Diante de sua figura, recuei alguns passos, o cenho franzido e os ombros tensos diante do perigo iminente. Aquele garoto era Torgersenยน Surturยฒ, o prรญncipe primogรชnito do Reino de Torgerยณ, em Valhalla.

Eu nรฃo compreendia com clareza os trรขmites burocrรกticos que uniam ou separavam reinos, mas sabia que Skypiea e Valhalla carregavam uma rixa secular. Por isso, vรช-lo ali foi uma surpresa que me despertou sensaรงรตes confusas โ”€โ”€ um frio amargo no estรดmago, feito de medo e desamparo. Sentia-me como um filhote indefeso diante de um lobo faminto.

Contudo, ao contrรกrio do que temi โ”€โ”€ que ele me atacasse sem hesitaรงรฃo โ”€โ”€, Surtur apenas relaxou os ombros e caiu de joelhos diante de mim. Agarrou minhas mรฃos com forรงa, seus olhos refletindo um desespero suplicante que me fez arregalar os olhos. Tentei me afastar, assustada, mas fui impedida pela firmeza com que ele me segurava.

- Por favor, se for realmente filha de Gan Fall, eu imploro que me leve atรฉ ele! Por favor! โ”€ ele exclamou em um tom desesperado, sua voz embargada, os olhos marejados por lรกgrimas que transbordavam em sรบplica humilhante.

- Me solte! Saia de perto! โ”€ protestei, tentando me desvencilhar de suas mรฃos, confusa e com o coraรงรฃo disparado, mas foi em vรฃo.

- Gan Fall nรฃo tem filhos, e jรก nรฃo governa mais estas terras!

- Como assim!? E aโ€ฆ โ”€ ele interrompeu-se de sรบbito, afrouxando o aperto em meus pulsos. - O que foi que disse? Eleโ€ฆ ele nรฃo governa mais?

Minha primeira reaรงรฃo foi o silรชncio. Nรฃo compreendia, de fato, o motivo de todo aquele desespero, tampouco das lรกgrimas que brilhavam em seus olhos avermelhados. Franzi ainda mais o cenho, tomada por uma confusรฃo crescente, sem entender a razรฃo exata por trรกs de sua explosรฃo histรฉrica e do choro carregado de desamparo, como se um fardo invisรญvel o dilacerasse por dentro. Movida tanto pela curiosidade quanto pela desconfianรงa, conduzi-o atรฉ onde o Senhor se encontrava, consciente de que, se aquilo envolvia questรตes burocrรกticas, nรฃo era a mim que cabia resolver, mas sim ao meu pai.

Seguiu-se um longo caminho em silรชncio, mas o peso da afliรงรฃo dele era quase palpรกvel. O pรขnico que exalava de sua presenรงa denunciava que algo nele nรฃo estava em equilรญbrio. Era como uma panela de pressรฃo prestes a romper โ”€โ”€ e eu sabia que, se nรฃo me mantivesse atenta a cada gesto mรญnimo, seria atingida pela forรงa da explosรฃo.

Jamais conheci outras ilhas do cรฉu. Sempre vivi em Skypiea e, atรฉ entรฃo, nunca nutrira qualquer desejo de partir. No entanto, ao ver Surtur โ”€โ”€ e perceber como sua essรชncia destoava da minha โ”€โ”€ algo em mim se agitou. Era, no mรญnimo, intrigante.

Valhalla, sua terra natal, รฉ uma ilha celeste localizada na regiรฃo norte (N/A: situada acima do North Blue). Um paรญs de dimensรตes modestas e populaรงรฃo discreta desde seus primรณrdios, Valhalla sobrevive essencialmente de suas riquezas naturais, embora nunca tenha deixado de ser reconhecida por sua forรงa militar.

Assim que chegamos ao Templo Sagrado, fui recepcionada pelos servos de meu pai, que, com reverรชncias e saudaรงรตes respeitosas, abriram caminho para mim e para Surtur, conduzindo-nos atรฉ o local onde repousava o Deus das Ilhas do Cรฉu. No instante em que nos vimos frente a frente com Enel, seu olhar obscureceu-se de imediato, tomado por uma mescla de confusรฃo e curiosidade โ”€โ”€ sentimentos semelhantes aos que me invadiram quando encontrei Surtur. Este, por sua vez, mantinha no semblante a mesma expressรฃo aflita e desesperada, o que me fez lembrar, ainda que por breves segundos, que รฉramos quase da mesma idade. Na รฉpoca, eu havia acabado de completar quinze anos, e ele devia ter entre dezesseis e dezessete.

Ao nos ver juntos, meu pai se sobressaltou, levantando-se subitamente e empunhando o bastรฃo em direรงรฃo a Surtur, que apenas recuou alguns passos, visivelmente assustado. Contudo, antes que qualquer puniรงรฃo ou confronto pudesse se iniciar, posicionei-me ร  frente dele, interrompendo a aรงรฃo de meu pai e declarei:

- Pai. โ”€ pronunciei, com a voz firme e as mรฃos erguidas em um gesto que pedia cautela. - Este garoto, como pode ver, รฉ Torgersen Surtur, do Reino de Torger.

- Estou ciente. Afaste-se dele. Agora. Por que o trouxe atรฉ aqui, Elisabette?

- Ele afirmou que precisava falar com o senhor. Pelo que parece, trata-se de algo importante... Mas, se assim desejar, posso executรก-lo aqui e agora. โ”€ acrescentei, virando-me para Surtur e apontando minha foice em sua direรงรฃo.

- Nรฃo, por favor! Vim em busca de ajuda! Torger estรก em declรญnio! Valhalla mergulhou no caos! โ”€ exclamou Surtur, sua voz tomada pelo pรขnico, o que imediatamente atraiu meu olhar em sua direรงรฃo.

As palavras de Surtur foram suficientes para que meu pai abandonasse a expressรฃo severa, substituindo-a por um olhar suavizado pela curiosidade diante do que lhe fora revelado. Por fim, ambos adentraram o Templo Sagrado para tratar do que quer que estivesse ocorrendo em Valhalla โ”€โ”€ ou das dificuldades enfrentadas em Torger. Fui impedida de acompanhรก-los, pois, segundo Enel e Surtur, tratava-se de um assunto entre governantes, algo que eu, presumivelmente, nรฃo compreenderia.

ร‰ claro que me irritei. Nรฃo gostei da forma como fui tratada, mas compreendi e me resignei a esperar pelo desfecho da conversa, quando tudo fosse devidamente โ€œesclarecidoโ€ entre os dois. Ainda assim, eu conhecia aquele olhar em meu pai. Sabia que ele estava planejando algo, que Surtur acabaria cedendo a algum de seus caprichos e que, de certa forma, com o declรญnio de Torger, Skypiea tiraria proveito da situaรงรฃo โ”€โ”€ e eu estaria na linha de frente para o que quer que fosse.

Esperei do lado de fora, de guarda, junto aos outros servos. Meia hora se passou desde que eles entraram para discutir seus assuntos, atรฉ que, enfim, Surtur saiu.

Seus olhos demonstravam abalo, mas jรก nรฃo havia o desespero de antes. Estava abatido e desolado, porรฉm resignado.

Ele partiu. E eu permaneci.

Observei-o desaparecer do meu campo de visรฃo atรฉ ver meu pai surgir logo em seguida, detendo-se ao meu lado. Curiosa, lancei-lhe um olhar de soslaio, meus grandes olhos azuis โ”€โ”€ tรฃo semelhantes aos seus โ”€โ”€ fixando-se nos dele em busca de respostas, atรฉ que sua mรฃo pousou suavemente sobre meu ombro, apertando-o com leveza.

- Valhalla nos deve um favor. Enorme. โ”€ declarou ele, com a voz soando em um tom preguiรงosamente firme. - Nรฃo se esqueรงa disso, Elisabette.

- O que aconteceu?

- Nem todos possuem o dom de governar. Alguns se deixam influenciar com facilidade pelas palavras alheias e, por issoโ€ฆ decaem.

- Surtur estรก governando Torger? โ”€ questionei, arqueando uma sobrancelha com curiosidade enquanto cruzava os braรงos.

- Estรก.

- Por quรช?

- O pai faleceu, e ele era o รบnico herdeiro. Assim como vocรช. โ”€ respondeu meu pai com frieza, seus olhos finalmente encontrando os meus, carregados daquele brilho quase desdenhoso. - Vocรช รฉ minha primogรชnita e รบnica. Se algo me acontecer, serรก vocรช quem assumirรก.

- Nunca! Isso seria uma blasfรชmia contra o Senhor!

- Pare de ser tรฃoโ€ฆ estabanada! โ”€ retrucou ele, desferindo um tapa na minha nuca. - Se eu digo que vai, รฉ porque vai! E nรฃo discuta!

- Me desculpe! โ”€ choraminguei, levando ambas as mรฃos ao local atingido enquanto fazia um leve beicinho.

De repente, Enel me agarrou. Suas mรฃos apertaram meu rosto, puxando minhas bochechas para cima e para baixo, esticando-as e beliscando as pequenas gordurinhas do meu queixo, enquanto repetia inรบmeras vezes o quanto eu parecia uma bebรช gorda e arredondada โ”€โ”€ como uma nuvem ambulante em forma humana. Era estranho, mas, de certo modo, eu gostava.

โ”โ” Polar Tang, navio-submarino dos Piratas de Copas; em algum lugar da Novo Mundo, rumo ao Paรญs de Wano.
แ˜กMagni D. Elisabette, Santa Praga. โชO ponto de vista Delaโซ

Eu estava enroscada nos lenรงรณis, enrolada como um sushi de camarรฃo, sentindo o vento frio da ventilaรงรฃo do navio-submarino refrescar meu corpo coberto. Estava tranquila e relaxada, prestes a fechar os olhos quando, de repente, ouvi a porta se abrir. Fingi estar dormindo para que, fosse quem fosse, nรฃo me incomodasse.

Contudo, senti algo pequeno e leve subir na cama. Logo depois, comeรงou a cutucar meu seio. Dando-me por vencida, abri os olhos e franzi o cenho โ”€โ”€ expressรฃo que se desfez imediatamente ao me deparar com Momonosuke. Ele me olhava com olhos grandes e marejados, acompanhados de um beicinho nos lรกbios.

Endireitei-me de imediato, sentando-me na cama para ficar de frente para ele. Entรฃo, levei a mรฃo atรฉ sua cabeรงa e acariciei seus cabelos.

- Ei, Momo-chanโ€ฆ o que aconteceu? Por que ainda estรก acordado? โ”€ perguntei, sonolenta, enquanto o acomodava em meu colo. Ele se agarrou a mim imediatamente.

- Eu nรฃo consigo dormirโ€ฆ e o quarto da O-Robi-san estรก trancadoโ€ฆ โ”€ murmurou, a voz embargada por um choro fraco e manhoso. - Kinโ€™emon jรก dormiuโ€ฆ nรฃo quero incomodรก-loโ€ฆ

- Tรก tudo bem, vocรช pode dormir aqui. โ”€ respondi com um sorriso, voltando a me deitar e puxando-o para mais perto. No entanto, ele se levantou. - Momo-chanโ€ฆ eu quero dormirโ€ฆ

- Mas eu nรฃo estou com sono! E tambรฉm estou com sedeโ€ฆ

- Sede?

- Uhumโ€ฆ โ”€ respondeu, fazendo um beicinho.

- Certo, certoโ€ฆ vamos beber รกguaโ€ฆ โ”€ murmurei, resignada. Levantei-me, o peguei no colo e saรญ do quarto.

Eu segurava a muleta com um dos braรงos para me auxiliar na locomoรงรฃo pelo corredor, enquanto carregava Momonosuke no outro. Mancava em passos lentos atรฉ a cozinha, enquanto o pequeno samurai murmurava palavras quase inaudรญveis, abafadas pelos meus sentidos entorpecidos pelo sono.

O chรฃo do navio-submarino, feito de metal, transmitia um frio cortante ร  sola dos meus pรฉs descalรงos, fazendo com que um arrepio incรดmodo percorresse minha espinha e eriรงasse os pelos do corpo diante da sรบbita mudanรงa de temperatura. O quarto de onde havรญamos saรญdo, embora refrescado pelos dutos de ventilaรงรฃo, ainda conservava um calor acolhedor, ao contrรกrio do ambiente gรฉlido do corredor.

Meus olhos pesavam, e minha mente permanecia turva, focada unicamente na missรฃo de levar o garoto atรฉ a cozinha para que ele tomasse รกgua, e entรฃo pudรฉssemos retornar ao quarto e, com sorte, dormir โ”€โ”€ ou ao menos tentar. Momonosuke choramingava que nรฃo conseguia dormir, dizendo estar nervoso e ansioso. Mesmo sendo um samurai e o futuro xogum do Paรญs de Wano, ainda se mostrava assustado diante de tudo o que estava acontecendo. Coube a mim, a โ€œadultaโ€ da situaรงรฃo, buscar palavras de conforto para acalmรก-lo e embalรก-lo atรฉ que finalmente pegasse no sono โ”€โ”€ e eu, por fim, pudesse fazer o mesmo.

Assim que chegamos ร  cozinha, nรฃo hesitei em acender as luzes, ainda que a claridade azulada me causasse certo incรดmodo, ardendo nos olhos jรก acostumados ร  escuridรฃo. Com cuidado, coloquei Momonosuke sobre a bancada e me dirigi atรฉ o armรกrio. Peguei um copo e servi a quantidade exata de รกgua que sabia que ele beberia.

- Obrigado, O-Eli-san... โ”€ murmurou o pequeno, bebendo de golinho em golinho enquanto eu o observava, com os cotovelos apoiados sobre a bancada.

- Por nada. Se nรฃo fosse por mim, quem iria buscar รกgua para vocรช?

- Bem... o Law-dono... โ”€ ele falou em um tom tรฃo genuรญno, tรฃo inocente, que quase me fez rir.

- Aham, ele ia, sim.

Momonosuke apenas riu das minhas palavras, reconhecendo a ironia de imediato, enquanto eu soltei um leve suspiro pelo nariz ao vรช-lo rir. Por um breve instante, observรก-lo daquela forma โ”€โ”€ agindo como uma crianรงa que ri, que chora, que brinca e que sente medo โ”€โ”€ despertou em mim uma lembranรงa esquecida, quase incรดmoda: Momonosuke รฉ apenas uma crianรงa.

Uma crianรงa que jรก se vรช obrigada a carregar um fardo que jamais deveria ser seu. Uma crianรงa ร  qual foi imposto o peso de uma esperanรงa nacional, depositada inteiramente sobre seus ombros frรกgeis, simplesmente por ser filho de quem รฉ โ”€โ”€ Kozuki Oden. Esse pensamento me obriga a refletirโ€ฆ

Refletir sobre como, mesmo por caminhos distintos, somos parecidos atรฉ certo ponto. Digo, quando eu tinha a idade dele, vi minha mรฃe ser assassinada bem diante dos meus olhos. Um ano depois, iniciei um treinamento exaustivo para me tornar o braรงo direito do meu pai โ”€โ”€ a รบnica em quem ele confiava com absoluta certeza, com a convicรงรฃo de que eu jamais, sob hipรณtese alguma, o decepcionaria.

Naquele tempo, aos nove anos de idade, eu me via como alguรฉm grande o bastante, madura o suficiente para suportar tudo aquilo. Aos dez, jรก me enxergava como uma garota capaz de tudo โ”€โ”€ mesmo sendo tรฃo jovem, acreditava ser forte o bastante para enfrentar qualquer desafio que me fosse lanรงado.

No entanto, agora, diante de Momonosuke, ao encarar seus olhos grandes e brilhantes, repletos da mais pura inocรชncia; suas bochechas redondas, o corpo pequeno e rechonchudo, a barriguinha cheia e os membros curtos e gordinhos โ”€โ”€ percebo, com uma dor inesperada no peito, que eu tambรฉm era assim.

Pequena. Rechonchuda. Infantil. Uma crianรงa.

Um aperto me atravessa o coraรงรฃo, obrigando-me a desviar o olhar de seu rostinho sorridente para algum canto vazio da cozinha, enquanto ele continua a tagarelar, contando histรณrias bobas, coisas que sรณ fazem sentido na imaginaรงรฃo de uma crianรงa.

Porque รฉ isso que ele รฉ.

Apesar do fardo. Apesar da responsabilidade. Apesar da dor e da luta.

Momonosuke รฉ apenas uma crianรงa.

Assim como eu tambรฉm fui um dia.

Um suspiro escapou por meus lรกbios enquanto eu repousava a cabeรงa sobre a bancada da cozinha, notando o olhar curioso de Momonosuke sobre mim. Em resposta, ofereci-lhe um sorriso suave e sonolento, erguendo a mรฃo para tocar seu rosto, acariciando-o com delicadeza e apertando levemente sua bochecha, que logo se tingiu de vermelho.

Ri baixo diante de sua reaรงรฃo, sentindo suas pequenas mรฃos envolverem a minha e afastรก-la gentilmente de si.

- Vocรช รฉ bem pequenino, nรฃo รฉ, Momo-chan? โ”€ falei, oferecendo-lhe um sorriso afetuoso enquanto fechava os olhos.

- Sim, mas eu jรก sou um grande samurai!

- Sabe, eu tambรฉm pensava assim quando tinha a sua idade. Achava que jรก era alguรฉm importante, masโ€ฆ โ”€ pausei, voltando a fitรก-lo dos pรฉs ร  cabeรงa, permitindo que meu olhar se demorasse nos seus olhos. - Olhando para vocรช agora, percebo que eu era apenas uma crianรงa crescendo rรกpido demais.

- O que isso significa? โ”€ indagou Momonosuke, franzindo o cenho, confuso.

- Nada, Momo-chan. Apenas aproveite, tรก? Vocรช ainda รฉ uma crianรงa, e crianรงas devem brincar, nรฃo empunhar espadas ou se transformar em dragรตes cor-de-rosa. โ”€ ri suavemente, dando-lhe um leve tapa nas costas que, acidentalmente, acabou por derrubรก-lo com forรงa da bancada. - AH! MOMONOSUKE!

Ouvi apenas o som oco de sua cabeรงa ao bater no chรฃo e, imediatamente, subi na bancada para olhรก-lo. Vi-o caรญdo, com os olhos arregalados e uma expressรฃo exageradamente chocada no rosto. Trinquei os dentes, o olhar carregado de preocupaรงรฃo, antes de puxรก-lo pelos pรฉs โ”€โ”€ de ponta-cabeรงa โ”€โ”€ e levar a mรฃo atรฉ o galo que comeรงava a se formar em sua nuca, enquanto gesticulava para que ele nรฃo chorasse e permanecesse em silรชncio.

Olhei em volta, desesperada, temendo que viessem me repreender por ter derrubado Momonosuke e causado um ferimento em uma รกrea tรฃo delicada do corpo humano. Por Deus, se aquele tapa tivesse sido realmente forte, eu poderia ter matado esse menino sem querer! Cรฉus, por que crianรงas precisam ser tรฃo leves? Eu sequer bati com forรงa โ”€โ”€ era para ele apenas rir de volta, nรฃo despencar da bancada como um saco de batatas.

- Shhh! Nรฃo chore! Jรก passou! โ”€ virei-o de costas e comecei a soprar o galo latejante, chacoalhando-o levemente para distraรญ-lo da dor.

- O-Eli-sanโ€ฆ vocรช รฉ meio bruta, nรฉ..? โ”€ choramingou, enterrando o rosto na curva do meu pescoรงo. - Nรฃo รฉ nada gentilโ€ฆ

- Vocรช que รฉ mole! Que tipo de samurai se desmonta com um tapinha!?

- Nรฃo sou mole! Vocรช รฉ um brutamontes de vestidinho e batom! โ”€ retrucou, beliscando meu nariz. Arregalei os olhos, surpresa e em choque diante de tanta ousadia.

- Como ousa!? Seuโ€ฆ seu menino levado! Que falta de educaรงรฃo! Isso รฉ jeito de tratar uma dama?

- Que gritaria รฉ essa na minha cozinha? Vocรชs dois sabem que horas sรฃo? โ”€ de repente, uma voz rouca ecoou pelo ambiente. Ao encarar a porta, vi apenas um par de olhos brilhando na escuridรฃo, fazendo-me arrepiar dos pรฉs ร  cabeรงa. Logo em seguida, as luzes comeรงaram a falhar e, num estalo, se apagaram completamente.

Nรฃo apenas Momonosuke, mas eu tambรฉm gritei alto diante do susto provocado pela sรบbita apariรงรฃo โ”€โ”€ sabe-se lรก de quem โ”€โ”€ naquele instante. Em meio ao pavor, bati com a lombar na quina da bancada da cozinha e tropecei na muleta, enquanto o pequeno samurai explodia em fumaรงa e se transformava em dragรฃo bem ali, em meus braรงos. Apertei-o com forรงa, numa tentativa instintiva de protegรช-lo da possรญvel assombraรงรฃo que surgira de forma tรฃo repentina, como se estivesse ali com a missรฃo de nos arrastar para o Umbral.

Todo o meu corpo se arrepiou, e eu podia sentir a longa figura escamosa e enrolada de Momonosuke tremer sobre mim. Estรกvamos ambos apavorados. Tentei me erguer, mas a dor na regiรฃo atingida me impediu. Foi entรฃo que, de sรบbito, a luz se acendeu novamente.

Ali, parado na porta, nos fitando com expressรฃo severa, estava ele โ”€โ”€ o capitรฃo do Polar Tang, comandante dos Piratas de Copas, o famigerado, ou talvez amaldiรงoado, Cirurgiรฃo da Morte: Trafalgar Law. Com uma veia saltada na testa, os dentes cerrados e o punho afundado no interruptor, ele nos encarava com os olhos ardendo em pura fรบria.

- Momo. Elisabette-ya. โ”€ disse ele, visivelmente irritado, o olhar alternando entre o meu rosto e o do menino encolhido em meu colo. - O que vocรชs ainda estรฃo fazendo acordados? Vรฃo dormir, suas pestes.

- Momo-chan nรฃo consegue dormir!

- Hm... a-agora eu quero dormir... โ”€ murmurou Momonosuke, escondendo o focinho na tentativa de se proteger da ira do mais velho. - Tenho medo do Law-dono...

- Tch. โ”€ Law estalou a lรญngua, revirando os olhos, impaciente.

- Nรฃo se preocupe, Momo-chan, eu te levo atรฉ o quarto do Kinโ€™emon para que vocรช possa nanar. โ”€ falei com um sorriso afetuoso, ao que o pequeno apenas assentiu, ainda escondido. - Vocรช precisa parar de assustar os outros! Maluco! โ”€ gritei para ele, que respondeu me mostrando o dedo do meio.

Dei de ombros e me levantei com certa dificuldade, agarrando a muleta enquanto ainda segurava Momonosuke nos braรงos. Caminhei para fora da cozinha, passando por Law e sentindo seu olhar ardente de รณdio queimando em minhas costas. Sabia muito bem que, entre todos ali, ele provavelmente fora o รบnico que acordara num pulo com a nossa gritaria.

Segui com Momo atรฉ o local onde ele costumava dormir ao lado de Kinโ€™emon e Kanjuro. Coloquei o menino no chรฃo e, apรณs se acalmar, ele retornou ร  sua forma humana. Abaixei-me entรฃo para ficar ร  sua altura. Com cuidado, segurei seu rosto, inclinando sua cabeรงa de leve para o lado a fim de verificar o galo em sua nuca. Suspirei aliviada ao perceber que jรก havia desaparecido e voltei minha atenรงรฃo para seus olhinhos, sorrindo suavemente.

- Estรก mesmo com sono?

- Uhum...

- ร‰ verdade? Porque, se nรฃo estiver, vocรช pode ir para o meu quarto e passamos a noite toda juntinhos, conversando e brincando. O que acha? โ”€ passei a mรฃo por sua cabeรงa enquanto acariciava sua bochecha com a outra.

- Obrigado, O-Eli-san! Mas agora estou com sono de verdade. Law-dono รฉ tรฃo assustador que me deixou com sono sรณ para nรฃo vรช-lo mais hoje!

- Nรฃo diga isso... Ele nem รฉ tรฃo assustador assim. โ”€ retruquei, tentando conter o riso. - Bem, depende da ocasiรฃo em que cruzo com ele. ร€s vezes parece que o tinhoso encarnou no corpo dele e ele passa o dia inteiro brigando comigo por qualquer coisa! Tรฃo chato... Mas eu gosto dele.

- Gosta!? โ”€ Momonosuke me olhou, visivelmente chocado.

- Claro que gosto. Afinal, ele รฉ meu... โ”€ hesitei, enquanto inรบmeras lembranรงas dos momentos vividos com Law passavam rapidamente pela minha mente, arrancando-me um sorriso fraco, quase imperceptรญvel. - Ele รฉ meu aliado. Nada mais... nada menos.

- Hm... โ”€ ele desviou o olhar, fazendo um pequeno beicinho.

- Vai dormir, vai... โ”€ sussurrei, puxando-o levemente para beijar suas bochechas. - Boa noite, Momo-chan. Amanhรฃ vocรช precisa acordar bem cedinho para o cafรฉ da manhรฃ, ouviu? Nรฃo pode pular; รฉ a refeiรงรฃo mais importante do dia!

- Eu sei, eu sei... โ”€ resmungou, voltando a me encarar. - Vocรช estรก parecendo uma mรฃe.

- Eh? Uma mรฃe? โ”€ arregalei os olhos, surpresa.

- Aham! Uma mรฃe muito legal! โ”€ disse com um risinho fraco, antes de me abraรงar. - Se um dia vocรช tiver filhos, eles vรฃo gostar muito de ter vocรช como mamรฃe! Vocรช quer ter?

- Bom, eu pretendo. Minha linhagem nรฃo pode simplesmente se encerrar. Pode nรฃo parecer, mas meu sangue e meu nome possuem importรขncia no lugar onde nasci. โ”€ respondi em um tom mais sรฉrio, e seu olhar infantil suavizou, como se buscasse algo nas prรณprias lembranรงas enquanto me observava em silรชncio.

- ร‰... Eu sei bem disso...

- Sabe? - arqueei uma sobrancelha, curiosa.

- Nada nรฃo! Boa noite! โ”€ respondeu rapidamente, soltando-se do abraรงo e entrando no quarto, fechando a porta com uma batida repentina.

Permaneรงo ali, ainda ajoelhada diante da porta do quarto, encarando-a em silรชncio, enquanto as palavras ecoam em minha mente. Apesar de sempre ter sabido que, em algum momento, seria necessรกrio dar continuidade ร  linhagem Magni D., a ideia de ser mรฃe jamais habitou meus pensamentos. Nunca a odiei โ”€โ”€ a maternidade โ”€โ”€ e tampouco nutri aversรฃo por crianรงas. Pelo contrรกrio, sempre fui gentil com elas. Mas, em verdade, eu nรฃo sei como lidar com uma. Como รฉ cuidar, amparar, proteger?

Nunca segurei um bebรช. Nunca sequer toquei em um. Apenas os observei de longe, frรกgeis em seus berรงos, como pequenas promessas de vida ainda envoltas em mistรฉrio. Dizem que sรฃo moles, delicados como uma geleia quente com pequenos fragmentos de peso. Que sรฃo sensรญveis ao ponto de o prรณprio vento ser capaz de lhes fazer mal. Eu conseguiria segurรก-lo sem feri-lo? Sem fazรช-lo chorar de dor ou desconforto?

Jamais vi uma mulher grรกvida alรฉm de Ofรฉlia โ”€โ”€ e mesmo ela nรฃo chegou a carregar o ventre em plenitude. Nรฃo sei, portanto, como รฉ uma barriga que cresce, redonda e viva. Como รฉ sentir um ser crescendo em seu interior, preso a vocรช por laรงos invisรญveis, se alimentando de vocรช, vivendo atravรฉs de vocรช, e ainda assim inalcanรงรกvel aos seus olhos? Como se certifica de que estรก tudo bem? Dรณi? Incomoda?

Robin me contou certa vez que bebรชs chutam dentro do ventre, e que suas mรฃes conseguem senti-los se mover. Imagino que deva ser uma sensaรงรฃoโ€ฆ inquietante. Ter algo dentro de si que se move, que respira, que depende completamente de sua existรชncia para continuar. Algo que nรฃo se vรช, mas que se sente como uma lembranรงa vรญvida. Seria eu capaz de suportar tal responsabilidade? Poderia eu segurar meu filho sem esmagรก-lo em meus braรงos trรชmulos?

Levantei-me em silรชncio, as mรฃos pousando suavemente sobre o ventre, acariciando a pele como se ali jรก repousasse uma vida por vir. Meus olhos, perdidos no vazio, se voltaram para o chรฃo, como se buscassem respostas em meio ร  nรฉvoa de pensamentos que me consumiam.

Sei que terei um filho um dia. Porque รฉ o que se espera. O sangue da famรญlia precisa seguir, precisa viver. Um filho que darรก origem a outro, e assim sucessivamente, perpetuando um legado que nรฃo me pertence por completo, mas ao qual pertenรงo por destino. Homens sรฃo sempre preferidos โ”€โ”€ dizem que sรฃo os aptos a governar, a manter o nome vivo. Jรก as mulheresโ€ฆ apenas geram.

Meu pai, um menino รณrfรฃo que possuรญa apenas o primeiro nome, nรฃo me deixou heranรงa alguma alรฉm do silรชncio de sua ausรชncia. Coube ร  minha mรฃe me passar o โ€œMagni D.โ€, nome que carrego com resignaรงรฃo e peso. Contudo, quando meu filho nascer, o โ€œMagni D.โ€ desaparecerรก. Restarรก o sangue โ”€โ”€ mas o nome, nรฃo mais. Talvez seja uma maldiรงรฃo silenciosa iniciada com minha avรณ, Magni D. Lagerthaโด, passada para minha mรฃeโ€ฆ e, enfim, para mim.

Gan Fall certa vez me contou que, durante geraรงรตes, os primogรชnitos da linhagem sempre foram homens. As mulheres vinham depois โ”€โ”€ ou nunca. Mas essa tradiรงรฃo morreu com Lagertha. Desde entรฃo, apenas mulheres nasceram primeiroโ€ฆ e sempre foram รบnicas. Lagertha morreu jovem, aos 22. Minha mรฃe, aos 27. Eu tinha apenas nove anos.

Sei que parece mรณrbido โ”€โ”€ e talvez seja โ”€โ”€ mas ร s vezes me pergunto se estou fadada a repetir o mesmo ciclo. Se terei uma filha รบnicaโ€ฆ e se a morte virรก cedo para mim, como para elas.

Afinalโ€ฆ como dizem: o corte sempre sangra.

Caminhava com passos lentos e cuidadosos, esforรงando-me ao mรกximo para nรฃo fazer barulho e evitar acordar alguรฉm que pudesse se irritar com o som. No meio daquele silรชncio sereno, ouvi um assobio suave vindo da direรงรฃo para a qual eu me dirigia e, ao levantar o olhar, encontrei Law prรณximo ร  porta de seu quarto. Estava ali, parado, com os braรงos cruzados, observando-me com um semblante tรฃo sonolento quanto o meu. Nรฃo parecia mais estar bravo como minutos antes.

Nossos olhares se encontraram, mesmo com a penumbra do corredor mal iluminado por uma รบnica luz fraca. Sorri de leve, quase timidamente, e bastou o mรญnimo curvar de seus lรกbios em resposta para que eu compreendesse seu chamado silencioso. Acelerei os passos o quanto pude โ”€โ”€ ainda que com certa dificuldade, apoiada na muleta que me ajudava a manter o equilรญbrio โ”€โ”€, desejando encurtar aquela distรขncia entre nรณs.

Quando me aproximei, a poucos passos de onde ele estava, senti o calor subir ร s bochechas e o coraรงรฃo palpitar apressado no peito. Era como vรช-lo pela primeira vez em sรฉculos, mesmo que estivรฉssemos nos vendo todos os dias, quase o tempo inteiro, desde que nossa alianรงa havia sido formada. Ainda assim, desde que percebi que os sentimentos que me aqueciam o peito e deixavam minha barriga em festa eram por causa dele, nunca mais consegui encarรก-lo sem sentir tudo de novo โ”€โ”€ e de novo.

Coraรงรฃo acelerado, batendo como um tambor descompassado; bochechas em chamas, como se estivessem prestes a derreter; um friozinho na barriga que parecia um enxame de borboletas danรงando lรก dentro... E aquele sorriso bobo que insistia em escapar sempre que eu o via. Era esquisito, talvez atรฉ exagerado, mas era tรฃo bom. Tรฃo bom sentir aquilo. E, mesmo que ele nรฃo dissesse com todas as letras, eu sabia โ”€โ”€ eu sentia โ”€โ”€ que ele tambรฉm se sentia assim. Porque o coraรงรฃo dele tambรฉm mudava o ritmo, tambรฉm ficava ansioso, aflito, carente... por mim.

- Ainda estรก irritado? Eu derrubei o Momonosuke sem querer da bancada da cozinha, mas nรฃo imaginei que a cabeรงa dele fosse tรฃo pesada a ponto de fazer tanto barulho. โ”€ comentei com uma risada fraca, levando a mรฃo aos lรกbios para abafar o som. - Me desculpa por ter te acordado?

- Na verdade, eu jรก estava acordado. โ”€ respondeu, a voz rouca e cansada, enquanto suas mรฃos encontravam o caminho atรฉ minha cintura, apertando-a suavemente. - Estava indo atรฉ o seu quarto quando ouvi a zoada de vocรชs na cozinha.

- Teria perdido a viagem, porque nรฃo ia encontrar ninguรฉm lรก.

- Percebe-se. โ”€ murmurou ele, puxando-me com delicadeza para dentro de seu quarto e fechando a porta atrรกs de nรณs.

- Por que nรฃo consegue dormir, afinal? Vocรช parece tรฃo cansado. โ”€ comentei enquanto ele me deitava gentilmente sobre a cama, sentindo seu corpo sobre o meu, embora nรฃo por completo.

- Nรฃo vou dizer... ร‰ um motivo muito estรบpido. โ”€ retrucou Law, suspirando e rolando para o lado atรฉ deitar-se ao meu lado, procurando minha mรฃo e entrelaรงando nossos dedos.

- Ah, pelo amor, nรฉ? Outro dia vocรช estava reclamando para mim que aquele tal de Sora sei lรก o quรช estava sendo... โ”€ parei, tentando lembrar a palavra certa. - Surfado? Nos livrinhos de desenho que vocรช lรช.

- ร‰ nerfado, e sim, ele estรก sendo nerfado nas รบltimas HQs publicadas, para agradar o pรบblico atual. Isso รฉ ridรญculo. O personagem estรก perdendo sua essรชncia sรณ para dar protagonismo aos novos. โ”€ disse, visivelmente irritado, enquanto eu apenas torcia o nariz e os lรกbios, numa expressรฃo de leve desprezo.

- Quando vocรช comeรงa a falar assim, eu sinto nojo.

- Nรฃo me olhe desse jeito. Vocรช nรฃo entende porque nรฃo acompanha desde o inรญcio da publicaรงรฃo, mas eu sim. โ”€ retrucou ele, me fazendo revirar os olhos com desdรฉm.

- E eu achando que vocรช nรฃo podia ficar mais estranho... aรญ comeรงa a agir assim. Nem sei se existe uma palavra pra descrever isso... credo.

Law apenas soltou um suspiro em resposta ร s minhas crรญticas antes de me puxar com delicadeza, atรฉ que meu rosto repousasse contra seu peito. Seus braรงos envolveram minha cintura com firmeza e ternura, enquanto os meus se enlaรงavam ao redor de seu corpo.

Ali, no calor de seu abraรงo, encontrei consolo. Seu corpo, morno e acolhedor, dissipava o frio que se agarrava ao meu como um espectro. Suas mรฃos, cuidadosas, deslizaram por minha camisola, adentrando-a com gentileza, deixando carรญcias suaves pelas minhas costas. Nรฃo havia malรญcia em seus gestos, tampouco desejo carnal ou algum pedido velado para que fizรฉssemos sexo โ”€โ”€ era apenas um afago sincero, afetuoso e repleto da pureza de quem ama.

Suas mรฃos, grandes e firmes, eram quase largas o suficiente para cobrir todo o meu torso. E, de algum modo, ele parecia gostar disso โ”€โ”€ da minha delicadeza, da suavidade das minhas curvas, e do contraste entre sua forรงa contida e o cuidado apaixonado com que me tocava. Suspirei contra seu peito, sentindo o leve apoio de seu queixo sobre a minha cabeรงa, enquanto seus dedos longos e tatuados traรงavam caminhos desordenados pela minha pele, como quem desenha com carinho o contorno de uma memรณria preciosa.

Suas mรฃos chegaram atรฉ minha nuca, puxando-me ainda mais para perto, de modo que nossos corpos se colassem por completo, nossas pernas se entrelaรงando com naturalidade. Apertei com suavidade o tecido de sua camisa entre meus dedos, como se quisesse guardar ali um pedaรงo daquele instante. E ele, em resposta, comeรงou a distribuir beijos demorados por minha cabeรงa, descendo atรฉ minha testa, espalhando-os depois por cada canto do meu rosto โ”€โ”€ minhas bochechas, meus olhos fechados, o queixo, os lรกbios.

Quando ergui o rosto para encontrรก-lo, nossos olhares se cruzaram e se perderam um no outro. Sorrisos pequenos e serenos se formaram em nossos lรกbios, como se soubรฉssemos, sem dizer uma palavra sequer, que ali โ”€โ”€ naquele silรชncio, naquele calor โ”€โ”€ existia um lar.

- Eu nรฃo consegui dormir porque queria ver vocรช. โ”€ sussurrou ele, uma de suas mรฃos se afastando para repousar em meu rosto, segurando-o com delicadeza enquanto seu polegar acariciava minha bochecha em movimentos circulares e lentos.

- Esse era o motivo โ€œestรบpidoโ€? โ”€ perguntei com um sorriso ladino, porรฉm suave. - Assim vocรช me deixa triste... Faz parecer que querer me ver รฉ algo ruim.

- Nรฃo diga asneiras, Lizzy. โ”€ respondeu, uma leve ruga de irritaรงรฃo se formando entre suas sobrancelhas. - Sรณ disse que era estรบpido porque estou agindo como um imbecil, querendo ficar trancado com vocรช dentro de um quarto.

- Se me permite dizer, eu nรฃo reclamaria de passar todo o tempo com vocรช em um quarto, se isso significasse ficarmos horas e horas assim, agarradinhos e eu recebendo beijinhos.

- Se fosse possรญvel, farรญamos isso. Eu faria isso. Levaria vocรช para bem longe, para uma ilha minรบscula, sem muitas pessoas e com uma casa sรณ nossa. โ”€ disse Law, suas palavras me fazendo refletir por alguns instantes, antes que ele prosseguisse: - Passarรญamos o dia inteiro no quarto, escuro, juntos e completamente sozinhos.

- Uma ilha bem distante atรฉ que me atrai, e que seja minรบscula tambรฉm... mas com poucas pessoas e o dia inteiro num quarto escuro, nรฃo dรก. Eu gosto de ver gente! โ”€ fiz um beicinho, franzindo o cenho ao imaginar o cenรกrio que ele tentava pintar para nรณs dois. - Nรฃo, nรฃo, nรฃo! Que vida chata!

- Nรฃo seria chata. Serรญamos sรณ nรณs dois.

- E seria chata justamente por isso! โ”€ retruquei, puxando sua orelha em um gesto carinhosamente repreensivo.

Por fim, seus lรกbios encontraram os meus, como se soubessem que essa era a รบnica maneira de me silenciar โ”€โ”€ de calar nรฃo apenas minhas palavras, mas tambรฉm os pensamentos que tumultuavam minha mente. Nossas lรญnguas se tocaram com delicadeza, danรงando uma coreografia รญntima e sutil, enquanto seus dentes mordiscavam meus lรกbios com suavidade, provocando arrepios que percorriam minha espinha. Retribuรญ o gesto, mordendo os dele com a mesma ternura, sentindo meu coraรงรฃo acelerar dentro do peito e um calor denso e arrebatador se espalhar por todo o meu corpo, outrora gรฉlido.

Apertei-me contra ele, meus braรงos envolvendo sua cintura com forรงa, como se temesse que ele escapasse de mim, e fui correspondida em igual intensidade. Um suspiro entrecortado escapou de meus lรกbios ao senti-lo me puxar para seu colo, suas mรฃos percorrendo minhas costas com uma urgรชncia febril, enquanto as minhas buscavam o contorno de seu rosto. Segurei-o entre as palmas, como se fosse a รบnica coisa que me mantinha ancorada ร  realidade. Meus dedos passearam por suas costeletas, brincaram com seus brincos, contornaram cada piercing com reverรชncia, como quem memoriza o corpo do ser amado.

Era um beijo confuso, cheio de medo e necessidade โ”€โ”€ desesperado, porque sabรญamos o quanto aquele amor nos transbordava. E, ainda assim, nos afastamos apenas o necessรกrio para recuperar o fรดlego, os olhos cerrados e as respiraรงรตes irregulares, tรฃo ofegantes que pareciam sufocar. Nossos coraรงรตes, descompassados, ameaรงavam romper o peito, e quando abrimos os olhos e nos encaramos, o silรชncio que nos envolvia foi quebrado apenas pelos nossos suspiros pesados โ”€โ”€ a รบnica trilha sonora de um momento que dizia tudo, mesmo sem palavras.

- Nรฃo vou mentirโ€ฆ nรฃo seria algo ruim.

- O quรช? โ”€ sussurrou ele, trazendo novamente a mรฃo atรฉ meu rosto. Inclinei-me suavemente para repousar contra sua palma, fechando os olhos com lentidรฃo.

- Morar com vocรช. Em uma casa de verdade, nรฃo em um navio pirata. โ”€ murmurei, em um tom baixo e arrastado. - Uma casa pequena, porรฉm bonita, com um jardim e uma horta.

- Vocรช estรก certa. Nรฃo seria ruim. Porรฉmโ€ฆ โ€” Law interrompeu-se, e seu olhar tornou-se opaco, a afeiรงรฃo esvaindo-se de sua expressรฃo. โ”€ Nรฃo poderรญamos. Nรฃo terรญamos paz. Porque, uma vez que nossos rostos estรฃo estampados nos quatro cantos do mundo, jamais terรญamos uma vida tranquila. Nunca.

- ร‰ uma penaโ€ฆ eu queria fazer refogado de abรณbora para o jantar.

- Seria agradรกvel.

- Simโ€ฆ e talvez nosso bebรช fosse gordinho. โ”€ murmurei, fazendo um leve beicinho.

- Que bebรช? โ”€ ele arregalou os olhos.

- O que terรญamos. โ”€ respondi, arqueando uma sobrancelha enquanto saรญa de cima dele e me deitava ao seu lado, voltando o olhar para o teto. - Vocรช jรก se imaginou sendo pai? Tem 26 anos, jรก viveu o bastante para, ao menos, considerar essa possibilidade.

- Nรฃoโ€ฆ acho que nรฃo levo jeito para isso. E a vida que levo nunca me deu espaรงo para me imaginar com um bebรช no colo me chamando de โ€œpapaiโ€. โ”€ disse, olhando-me de canto, refletindo por um momento antes de continuar: - E vocรช? Jรก pensou nissoโ€ฆ?

- Devo ser sincera ou devo simplesmente dizer sim ou nรฃo?

- O que vocรช disser, eu vou ouvirโ€ฆ ou fingir que ouvi, dependendo da besteira que vocรช falar.

- Esse รฉ um jeito muito rude de tratar uma dama.

- Responda logo ร  minha pergunta. โ”€ disse Law, beliscando levemente meu braรงo, fazendo-me grunhir diante da dor aguda.

- Certo, certo... Bom, eu nunca me imaginei sendo mรฃe, mas nรฃo vou mentir que sei que, em algum momento, terei que ter um filho. Entรฃo... acho que sim, talvez eu esteja comeรงando a me imaginar nesse papel. โ”€ respondi, por fim, com a voz soando um tanto desesperada. Ao olhar de relance, percebi seus olhos acinzentados fixos em mim, atentos. - Querendo ou nรฃo, sou importante para Skypiea, portanto, um dia...

- E vocรช quer isso? โ”€ ele me interrompeu, segurando meu queixo com firmeza e aproximando meu rosto do seu, impedindo-me de desviar o olhar.

- Hรฃ? Querer o quรช?

- Passar a vida inteira gerando filhos para um paรญs que sequer gosta de vocรช. โ”€ argumentou com firmeza, suas palavras fazendo-me silenciar por um instante. Engoli em seco, pensativa.

- Com o sangue da famรญlia, sรณ restou eu...

- Vocรช รฉ uma miserรกvel.

Permaneci em silรชncio, observando-o, esperando que dissesse algo mais. No entanto, tudo o que fez foi soltar meu rosto e cobrir o prรณprio com o braรงo, sem pronunciar absolutamente nenhuma palavra. Um silรชncio absoluto se instaurou enquanto eu me encolhia, arrastando-me atรฉ encostar a lateral da cabeรงa em seu ombro. Minhas mรฃos se agarraram ร  sua camisa, e permaneci naquela posiรงรฃo.

Era evidente que ele havia se irritado. Ele nรฃo teria se calado se nรฃo estivesse, de fato, aborrecido. Ainda assim, nรฃo disse mais nada, evitou-me, recusou-se a responder. Contudo, nรฃo se afastou, tampouco impediu minha aproximaรงรฃo. Apenas permitiu que eu permanecesse ali, ao seu lado, mesmo com o clima estranho que tomava conta do quarto e o silรชncio ensurdecedor que me sufocava.

No fim, porรฉm, ele tinha razรฃo.

Eu era, de fato, uma miserรกvel.

Uma maldita miserรกvel que, um dia, condenaria uma crianรงa a carregar este sangue sujo.

- Astridโต. โ”€ disse Law, de repente, fazendo-me olhรก-lo com curiosidade e confusรฃo.

Ao notar meu semblante confuso, ele suspirou e tocou meu rosto mais uma vez, lanรงando-me um olhar que eu simplesmente nรฃo soube interpretar. Nรฃo conseguia discernir se estava irritado, triste, se queria chorar novamente e se esconder de mim. Eu nรฃo conseguia compreendรช-lo.

Seu olhar era vulnerรกvel, frรกgil, abalado โ”€โ”€ quase suplicante โ”€โ”€, mas eu nรฃo conseguia entender o porquรช.

- Se tivรฉssemos uma filha, ela se chamaria Astrid. โ”€ declarou, por fim.

Meu olhar se iluminou, surpresa com o que ele acabara de dizer e encantada com a escolha que fizera. Astrid era um nome belรญssimo, tal como seu significado indicava: โ€œdivinamente belaโ€. Um sorriso suave curvou o canto dos meus lรกbios, e envolvi seu pescoรงo com os braรงos, sentindo suas mรฃos firmes segurarem minha cintura, mantendo-me ali, serena e aconchegada no conforto de seu abraรงo.

Em um mรชs, chegarรญamos a Wano e permanecerรญamos escondidos, aguardando o momento certo por mais algum tempo. Contudo, seria ali que o nosso destino, inevitavelmente, encontraria um ponto final โ”€โ”€ quando o plano para a derrota de Kaido enfim se concretizasse. Entรฃo, seguirรญamos caminhos distintos, rotas opostas, talvez reencontrando-nos apenas depois de muitos meses... ou atรฉ mesmo anos. Apenas o movimento das marรฉs poderia nos revelar como o destino se desenrolaria no instante em que eu partisse, para sempre, do Mar Azul, e ele embarcasse no Polar Tang, guiando sua tripulaรงรฃo rumo aonde seu coraรงรฃo desejasse chegar.

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