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━━ 𖥔 ִ ་ ، 𝟳𝟬. 𝗟𝗶𝗺𝗶𝗮𝗿.

𝗖𝗔𝗟𝗟 𝗢𝗙 𝗦𝗜𝗟𝗘𝗡𝗖𝗘, 𝘵𝘳𝘢𝘧𝘢𝘭𝘨𝘢𝘳 𝘥. 𝘸𝘢𝘵𝘦𝘳 𝘭𝘢𝘸.
𝘭𝘢𝘺𝘰𝘶𝘵 𝘣𝘺 𝘯𝘪𝘯𝘢, 𝘢𝘬𝘮𝘢𝘯𝘮𝘪.

❛𝒯𝘶𝘥𝘰 𝘰 𝘲𝘶𝘦 𝘦𝘶 𝘧𝘪𝘻 𝘯𝘢 𝘷𝘪𝘥𝘢,
𝘦𝘶 𝘧𝘪𝘻 𝘱𝘰𝘳 𝘦𝘭𝘦. ℳ𝘢𝘴 𝘢𝘨𝘰𝘳𝘢 𝘦𝘭𝘦
𝘧𝘰𝘪 𝘦𝘮𝘣𝘰𝘳𝘢, 𝘦 𝘦𝘶 𝘢𝘪𝘯𝘥𝘢 𝘦𝘴𝘵𝘰𝘶 𝘢𝘲𝘶𝘪.❜

❛𝓥𝘰𝘤𝘦̂ 𝘦́ 𝘦𝘴𝘱𝘦𝘤𝘪𝘢𝘭 𝘱𝘰𝘳𝘲𝘶𝘦
𝘯𝘢𝘴𝘤𝘦𝘶 𝘯𝘦𝘴𝘵𝘦 𝘮𝘶𝘯𝘥𝘰.❜

━━ Upper Yard, Jardim Superior de Skypiea ; Memórias...
ᘡElisabette, Anjo da Morte. ❪O ponto de vista Dela❫

Seus olhos eram intensos e profundos, de um vermelho tão escuro que superava até mesmo a cor do sangue em nossas veias. Os cabelos, negros como a noite, contrastavam com a palidez de sua pele. Uma sombra escura descia de seus olhos e escorria pelas bochechas, conferindo-lhe um ar de mistério e imponência, como se sua mera presença fosse capaz de subjugar minha vontade. Seu corpo, másculo e robusto, já moldado pelos primeiros sinais da puberdade, exibia músculos em formação marcados por tatuagens tribais que se estendiam pelo peito e ombros.

Vestia uma capa de penas brancas e mantinha o olhar firme sobre mim. Diante de sua figura, recuei alguns passos, o cenho franzido e os ombros tensos diante do perigo iminente. Aquele garoto era Torgersen¹ Surtur², o príncipe primogênito do Reino de Torger³, em Valhalla.

Eu não compreendia com clareza os trâmites burocráticos que uniam ou separavam reinos, mas sabia que Skypiea e Valhalla carregavam uma rixa secular. Por isso, vê-lo ali foi uma surpresa que me despertou sensações confusas ── um frio amargo no estômago, feito de medo e desamparo. Sentia-me como um filhote indefeso diante de um lobo faminto.

Contudo, ao contrário do que temi ── que ele me atacasse sem hesitação ──, Surtur apenas relaxou os ombros e caiu de joelhos diante de mim. Agarrou minhas mãos com força, seus olhos refletindo um desespero suplicante que me fez arregalar os olhos. Tentei me afastar, assustada, mas fui impedida pela firmeza com que ele me segurava.

- Por favor, se for realmente filha de Gan Fall, eu imploro que me leve até ele! Por favor! ─ ele exclamou em um tom desesperado, sua voz embargada, os olhos marejados por lágrimas que transbordavam em súplica humilhante.

- Me solte! Saia de perto! ─ protestei, tentando me desvencilhar de suas mãos, confusa e com o coração disparado, mas foi em vão.

- Gan Fall não tem filhos, e já não governa mais estas terras!

- Como assim!? E a… ─ ele interrompeu-se de súbito, afrouxando o aperto em meus pulsos. - O que foi que disse? Ele… ele não governa mais?

Minha primeira reação foi o silêncio. Não compreendia, de fato, o motivo de todo aquele desespero, tampouco das lágrimas que brilhavam em seus olhos avermelhados. Franzi ainda mais o cenho, tomada por uma confusão crescente, sem entender a razão exata por trás de sua explosão histérica e do choro carregado de desamparo, como se um fardo invisível o dilacerasse por dentro. Movida tanto pela curiosidade quanto pela desconfiança, conduzi-o até onde o Senhor se encontrava, consciente de que, se aquilo envolvia questões burocráticas, não era a mim que cabia resolver, mas sim ao meu pai.

Seguiu-se um longo caminho em silêncio, mas o peso da aflição dele era quase palpável. O pânico que exalava de sua presença denunciava que algo nele não estava em equilíbrio. Era como uma panela de pressão prestes a romper ── e eu sabia que, se não me mantivesse atenta a cada gesto mínimo, seria atingida pela força da explosão.

Jamais conheci outras ilhas do céu. Sempre vivi em Skypiea e, até então, nunca nutrira qualquer desejo de partir. No entanto, ao ver Surtur ── e perceber como sua essência destoava da minha ── algo em mim se agitou. Era, no mínimo, intrigante.

Valhalla, sua terra natal, é uma ilha celeste localizada na região norte (N/A: situada acima do North Blue). Um país de dimensões modestas e população discreta desde seus primórdios, Valhalla sobrevive essencialmente de suas riquezas naturais, embora nunca tenha deixado de ser reconhecida por sua força militar.

Assim que chegamos ao Templo Sagrado, fui recepcionada pelos servos de meu pai, que, com reverências e saudações respeitosas, abriram caminho para mim e para Surtur, conduzindo-nos até o local onde repousava o Deus das Ilhas do Céu. No instante em que nos vimos frente a frente com Enel, seu olhar obscureceu-se de imediato, tomado por uma mescla de confusão e curiosidade ── sentimentos semelhantes aos que me invadiram quando encontrei Surtur. Este, por sua vez, mantinha no semblante a mesma expressão aflita e desesperada, o que me fez lembrar, ainda que por breves segundos, que éramos quase da mesma idade. Na época, eu havia acabado de completar quinze anos, e ele devia ter entre dezesseis e dezessete.

Ao nos ver juntos, meu pai se sobressaltou, levantando-se subitamente e empunhando o bastão em direção a Surtur, que apenas recuou alguns passos, visivelmente assustado. Contudo, antes que qualquer punição ou confronto pudesse se iniciar, posicionei-me à frente dele, interrompendo a ação de meu pai e declarei:

- Pai. ─ pronunciei, com a voz firme e as mãos erguidas em um gesto que pedia cautela. - Este garoto, como pode ver, é Torgersen Surtur, do Reino de Torger.

- Estou ciente. Afaste-se dele. Agora. Por que o trouxe até aqui, Elisabette?

- Ele afirmou que precisava falar com o senhor. Pelo que parece, trata-se de algo importante... Mas, se assim desejar, posso executá-lo aqui e agora. ─ acrescentei, virando-me para Surtur e apontando minha foice em sua direção.

- Não, por favor! Vim em busca de ajuda! Torger está em declínio! Valhalla mergulhou no caos! ─ exclamou Surtur, sua voz tomada pelo pânico, o que imediatamente atraiu meu olhar em sua direção.

As palavras de Surtur foram suficientes para que meu pai abandonasse a expressão severa, substituindo-a por um olhar suavizado pela curiosidade diante do que lhe fora revelado. Por fim, ambos adentraram o Templo Sagrado para tratar do que quer que estivesse ocorrendo em Valhalla ── ou das dificuldades enfrentadas em Torger. Fui impedida de acompanhá-los, pois, segundo Enel e Surtur, tratava-se de um assunto entre governantes, algo que eu, presumivelmente, não compreenderia.

É claro que me irritei. Não gostei da forma como fui tratada, mas compreendi e me resignei a esperar pelo desfecho da conversa, quando tudo fosse devidamente “esclarecido” entre os dois. Ainda assim, eu conhecia aquele olhar em meu pai. Sabia que ele estava planejando algo, que Surtur acabaria cedendo a algum de seus caprichos e que, de certa forma, com o declínio de Torger, Skypiea tiraria proveito da situação ── e eu estaria na linha de frente para o que quer que fosse.

Esperei do lado de fora, de guarda, junto aos outros servos. Meia hora se passou desde que eles entraram para discutir seus assuntos, até que, enfim, Surtur saiu.

Seus olhos demonstravam abalo, mas já não havia o desespero de antes. Estava abatido e desolado, porém resignado.

Ele partiu. E eu permaneci.

Observei-o desaparecer do meu campo de visão até ver meu pai surgir logo em seguida, detendo-se ao meu lado. Curiosa, lancei-lhe um olhar de soslaio, meus grandes olhos azuis ── tão semelhantes aos seus ── fixando-se nos dele em busca de respostas, até que sua mão pousou suavemente sobre meu ombro, apertando-o com leveza.

- Valhalla nos deve um favor. Enorme. ─ declarou ele, com a voz soando em um tom preguiçosamente firme. - Não se esqueça disso, Elisabette.

- O que aconteceu?

- Nem todos possuem o dom de governar. Alguns se deixam influenciar com facilidade pelas palavras alheias e, por isso… decaem.

- Surtur está governando Torger? ─ questionei, arqueando uma sobrancelha com curiosidade enquanto cruzava os braços.

- Está.

- Por quê?

- O pai faleceu, e ele era o único herdeiro. Assim como você. ─ respondeu meu pai com frieza, seus olhos finalmente encontrando os meus, carregados daquele brilho quase desdenhoso. - Você é minha primogênita e única. Se algo me acontecer, será você quem assumirá.

- Nunca! Isso seria uma blasfêmia contra o Senhor!

- Pare de ser tão… estabanada! ─ retrucou ele, desferindo um tapa na minha nuca. - Se eu digo que vai, é porque vai! E não discuta!

- Me desculpe! ─ choraminguei, levando ambas as mãos ao local atingido enquanto fazia um leve beicinho.

De repente, Enel me agarrou. Suas mãos apertaram meu rosto, puxando minhas bochechas para cima e para baixo, esticando-as e beliscando as pequenas gordurinhas do meu queixo, enquanto repetia inúmeras vezes o quanto eu parecia uma bebê gorda e arredondada ── como uma nuvem ambulante em forma humana. Era estranho, mas, de certo modo, eu gostava.

━ Polar Tang, navio-submarino dos Piratas de Copas; em algum lugar da Novo Mundo, rumo ao País de Wano.
ᘡMagni D. Elisabette, Santa Praga. ❪O ponto de vista Dela❫

Eu estava enroscada nos lençóis, enrolada como um sushi de camarão, sentindo o vento frio da ventilação do navio-submarino refrescar meu corpo coberto. Estava tranquila e relaxada, prestes a fechar os olhos quando, de repente, ouvi a porta se abrir. Fingi estar dormindo para que, fosse quem fosse, não me incomodasse.

Contudo, senti algo pequeno e leve subir na cama. Logo depois, começou a cutucar meu seio. Dando-me por vencida, abri os olhos e franzi o cenho ── expressão que se desfez imediatamente ao me deparar com Momonosuke. Ele me olhava com olhos grandes e marejados, acompanhados de um beicinho nos lábios.

Endireitei-me de imediato, sentando-me na cama para ficar de frente para ele. Então, levei a mão até sua cabeça e acariciei seus cabelos.

- Ei, Momo-chan… o que aconteceu? Por que ainda está acordado? ─ perguntei, sonolenta, enquanto o acomodava em meu colo. Ele se agarrou a mim imediatamente.

- Eu não consigo dormir… e o quarto da O-Robi-san está trancado… ─ murmurou, a voz embargada por um choro fraco e manhoso. - Kin’emon já dormiu… não quero incomodá-lo…

- Tá tudo bem, você pode dormir aqui. ─ respondi com um sorriso, voltando a me deitar e puxando-o para mais perto. No entanto, ele se levantou. - Momo-chan… eu quero dormir…

- Mas eu não estou com sono! E também estou com sede…

- Sede?

- Uhum… ─ respondeu, fazendo um beicinho.

- Certo, certo… vamos beber água… ─ murmurei, resignada. Levantei-me, o peguei no colo e saí do quarto.

Eu segurava a muleta com um dos braços para me auxiliar na locomoção pelo corredor, enquanto carregava Momonosuke no outro. Mancava em passos lentos até a cozinha, enquanto o pequeno samurai murmurava palavras quase inaudíveis, abafadas pelos meus sentidos entorpecidos pelo sono.

O chão do navio-submarino, feito de metal, transmitia um frio cortante à sola dos meus pés descalços, fazendo com que um arrepio incômodo percorresse minha espinha e eriçasse os pelos do corpo diante da súbita mudança de temperatura. O quarto de onde havíamos saído, embora refrescado pelos dutos de ventilação, ainda conservava um calor acolhedor, ao contrário do ambiente gélido do corredor.

Meus olhos pesavam, e minha mente permanecia turva, focada unicamente na missão de levar o garoto até a cozinha para que ele tomasse água, e então pudéssemos retornar ao quarto e, com sorte, dormir ── ou ao menos tentar. Momonosuke choramingava que não conseguia dormir, dizendo estar nervoso e ansioso. Mesmo sendo um samurai e o futuro xogum do País de Wano, ainda se mostrava assustado diante de tudo o que estava acontecendo. Coube a mim, a “adulta” da situação, buscar palavras de conforto para acalmá-lo e embalá-lo até que finalmente pegasse no sono ── e eu, por fim, pudesse fazer o mesmo.

Assim que chegamos à cozinha, não hesitei em acender as luzes, ainda que a claridade azulada me causasse certo incômodo, ardendo nos olhos já acostumados à escuridão. Com cuidado, coloquei Momonosuke sobre a bancada e me dirigi até o armário. Peguei um copo e servi a quantidade exata de água que sabia que ele beberia.

- Obrigado, O-Eli-san... ─ murmurou o pequeno, bebendo de golinho em golinho enquanto eu o observava, com os cotovelos apoiados sobre a bancada.

- Por nada. Se não fosse por mim, quem iria buscar água para você?

- Bem... o Law-dono... ─ ele falou em um tom tão genuíno, tão inocente, que quase me fez rir.

- Aham, ele ia, sim.

Momonosuke apenas riu das minhas palavras, reconhecendo a ironia de imediato, enquanto eu soltei um leve suspiro pelo nariz ao vê-lo rir. Por um breve instante, observá-lo daquela forma ── agindo como uma criança que ri, que chora, que brinca e que sente medo ── despertou em mim uma lembrança esquecida, quase incômoda: Momonosuke é apenas uma criança.

Uma criança que já se vê obrigada a carregar um fardo que jamais deveria ser seu. Uma criança à qual foi imposto o peso de uma esperança nacional, depositada inteiramente sobre seus ombros frágeis, simplesmente por ser filho de quem é ── Kozuki Oden. Esse pensamento me obriga a refletir…

Refletir sobre como, mesmo por caminhos distintos, somos parecidos até certo ponto. Digo, quando eu tinha a idade dele, vi minha mãe ser assassinada bem diante dos meus olhos. Um ano depois, iniciei um treinamento exaustivo para me tornar o braço direito do meu pai ── a única em quem ele confiava com absoluta certeza, com a convicção de que eu jamais, sob hipótese alguma, o decepcionaria.

Naquele tempo, aos nove anos de idade, eu me via como alguém grande o bastante, madura o suficiente para suportar tudo aquilo. Aos dez, já me enxergava como uma garota capaz de tudo ── mesmo sendo tão jovem, acreditava ser forte o bastante para enfrentar qualquer desafio que me fosse lançado.

No entanto, agora, diante de Momonosuke, ao encarar seus olhos grandes e brilhantes, repletos da mais pura inocência; suas bochechas redondas, o corpo pequeno e rechonchudo, a barriguinha cheia e os membros curtos e gordinhos ── percebo, com uma dor inesperada no peito, que eu também era assim.

Pequena. Rechonchuda. Infantil. Uma criança.

Um aperto me atravessa o coração, obrigando-me a desviar o olhar de seu rostinho sorridente para algum canto vazio da cozinha, enquanto ele continua a tagarelar, contando histórias bobas, coisas que só fazem sentido na imaginação de uma criança.

Porque é isso que ele é.

Apesar do fardo. Apesar da responsabilidade. Apesar da dor e da luta.

Momonosuke é apenas uma criança.

Assim como eu também fui um dia.

Um suspiro escapou por meus lábios enquanto eu repousava a cabeça sobre a bancada da cozinha, notando o olhar curioso de Momonosuke sobre mim. Em resposta, ofereci-lhe um sorriso suave e sonolento, erguendo a mão para tocar seu rosto, acariciando-o com delicadeza e apertando levemente sua bochecha, que logo se tingiu de vermelho.

Ri baixo diante de sua reação, sentindo suas pequenas mãos envolverem a minha e afastá-la gentilmente de si.

- Você é bem pequenino, não é, Momo-chan? ─ falei, oferecendo-lhe um sorriso afetuoso enquanto fechava os olhos.

- Sim, mas eu já sou um grande samurai!

- Sabe, eu também pensava assim quando tinha a sua idade. Achava que já era alguém importante, mas… ─ pausei, voltando a fitá-lo dos pés à cabeça, permitindo que meu olhar se demorasse nos seus olhos. - Olhando para você agora, percebo que eu era apenas uma criança crescendo rápido demais.

- O que isso significa? ─ indagou Momonosuke, franzindo o cenho, confuso.

- Nada, Momo-chan. Apenas aproveite, tá? Você ainda é uma criança, e crianças devem brincar, não empunhar espadas ou se transformar em dragões cor-de-rosa. ─ ri suavemente, dando-lhe um leve tapa nas costas que, acidentalmente, acabou por derrubá-lo com força da bancada. - AH! MOMONOSUKE!

Ouvi apenas o som oco de sua cabeça ao bater no chão e, imediatamente, subi na bancada para olhá-lo. Vi-o caído, com os olhos arregalados e uma expressão exageradamente chocada no rosto. Trinquei os dentes, o olhar carregado de preocupação, antes de puxá-lo pelos pés ── de ponta-cabeça ── e levar a mão até o galo que começava a se formar em sua nuca, enquanto gesticulava para que ele não chorasse e permanecesse em silêncio.

Olhei em volta, desesperada, temendo que viessem me repreender por ter derrubado Momonosuke e causado um ferimento em uma área tão delicada do corpo humano. Por Deus, se aquele tapa tivesse sido realmente forte, eu poderia ter matado esse menino sem querer! Céus, por que crianças precisam ser tão leves? Eu sequer bati com força ── era para ele apenas rir de volta, não despencar da bancada como um saco de batatas.

- Shhh! Não chore! Já passou! ─ virei-o de costas e comecei a soprar o galo latejante, chacoalhando-o levemente para distraí-lo da dor.

- O-Eli-san… você é meio bruta, né..? ─ choramingou, enterrando o rosto na curva do meu pescoço. - Não é nada gentil…

- Você que é mole! Que tipo de samurai se desmonta com um tapinha!?

- Não sou mole! Você é um brutamontes de vestidinho e batom! ─ retrucou, beliscando meu nariz. Arregalei os olhos, surpresa e em choque diante de tanta ousadia.

- Como ousa!? Seu… seu menino levado! Que falta de educação! Isso é jeito de tratar uma dama?

- Que gritaria é essa na minha cozinha? Vocês dois sabem que horas são? ─ de repente, uma voz rouca ecoou pelo ambiente. Ao encarar a porta, vi apenas um par de olhos brilhando na escuridão, fazendo-me arrepiar dos pés à cabeça. Logo em seguida, as luzes começaram a falhar e, num estalo, se apagaram completamente.

Não apenas Momonosuke, mas eu também gritei alto diante do susto provocado pela súbita aparição ── sabe-se lá de quem ── naquele instante. Em meio ao pavor, bati com a lombar na quina da bancada da cozinha e tropecei na muleta, enquanto o pequeno samurai explodia em fumaça e se transformava em dragão bem ali, em meus braços. Apertei-o com força, numa tentativa instintiva de protegê-lo da possível assombração que surgira de forma tão repentina, como se estivesse ali com a missão de nos arrastar para o Umbral.

Todo o meu corpo se arrepiou, e eu podia sentir a longa figura escamosa e enrolada de Momonosuke tremer sobre mim. Estávamos ambos apavorados. Tentei me erguer, mas a dor na região atingida me impediu. Foi então que, de súbito, a luz se acendeu novamente.

Ali, parado na porta, nos fitando com expressão severa, estava ele ── o capitão do Polar Tang, comandante dos Piratas de Copas, o famigerado, ou talvez amaldiçoado, Cirurgião da Morte: Trafalgar Law. Com uma veia saltada na testa, os dentes cerrados e o punho afundado no interruptor, ele nos encarava com os olhos ardendo em pura fúria.

- Momo. Elisabette-ya. ─ disse ele, visivelmente irritado, o olhar alternando entre o meu rosto e o do menino encolhido em meu colo. - O que vocês ainda estão fazendo acordados? Vão dormir, suas pestes.

- Momo-chan não consegue dormir!

- Hm... a-agora eu quero dormir... ─ murmurou Momonosuke, escondendo o focinho na tentativa de se proteger da ira do mais velho. - Tenho medo do Law-dono...

- Tch. ─ Law estalou a língua, revirando os olhos, impaciente.

- Não se preocupe, Momo-chan, eu te levo até o quarto do Kin’emon para que você possa nanar. ─ falei com um sorriso afetuoso, ao que o pequeno apenas assentiu, ainda escondido. - Você precisa parar de assustar os outros! Maluco! ─ gritei para ele, que respondeu me mostrando o dedo do meio.

Dei de ombros e me levantei com certa dificuldade, agarrando a muleta enquanto ainda segurava Momonosuke nos braços. Caminhei para fora da cozinha, passando por Law e sentindo seu olhar ardente de ódio queimando em minhas costas. Sabia muito bem que, entre todos ali, ele provavelmente fora o único que acordara num pulo com a nossa gritaria.

Segui com Momo até o local onde ele costumava dormir ao lado de Kin’emon e Kanjuro. Coloquei o menino no chão e, após se acalmar, ele retornou à sua forma humana. Abaixei-me então para ficar à sua altura. Com cuidado, segurei seu rosto, inclinando sua cabeça de leve para o lado a fim de verificar o galo em sua nuca. Suspirei aliviada ao perceber que já havia desaparecido e voltei minha atenção para seus olhinhos, sorrindo suavemente.

- Está mesmo com sono?

- Uhum...

- É verdade? Porque, se não estiver, você pode ir para o meu quarto e passamos a noite toda juntinhos, conversando e brincando. O que acha? ─ passei a mão por sua cabeça enquanto acariciava sua bochecha com a outra.

- Obrigado, O-Eli-san! Mas agora estou com sono de verdade. Law-dono é tão assustador que me deixou com sono só para não vê-lo mais hoje!

- Não diga isso... Ele nem é tão assustador assim. ─ retruquei, tentando conter o riso. - Bem, depende da ocasião em que cruzo com ele. Às vezes parece que o tinhoso encarnou no corpo dele e ele passa o dia inteiro brigando comigo por qualquer coisa! Tão chato... Mas eu gosto dele.

- Gosta!? ─ Momonosuke me olhou, visivelmente chocado.

- Claro que gosto. Afinal, ele é meu... ─ hesitei, enquanto inúmeras lembranças dos momentos vividos com Law passavam rapidamente pela minha mente, arrancando-me um sorriso fraco, quase imperceptível. - Ele é meu aliado. Nada mais... nada menos.

- Hm... ─ ele desviou o olhar, fazendo um pequeno beicinho.

- Vai dormir, vai... ─ sussurrei, puxando-o levemente para beijar suas bochechas. - Boa noite, Momo-chan. Amanhã você precisa acordar bem cedinho para o café da manhã, ouviu? Não pode pular; é a refeição mais importante do dia!

- Eu sei, eu sei... ─ resmungou, voltando a me encarar. - Você está parecendo uma mãe.

- Eh? Uma mãe? ─ arregalei os olhos, surpresa.

- Aham! Uma mãe muito legal! ─ disse com um risinho fraco, antes de me abraçar. - Se um dia você tiver filhos, eles vão gostar muito de ter você como mamãe! Você quer ter?

- Bom, eu pretendo. Minha linhagem não pode simplesmente se encerrar. Pode não parecer, mas meu sangue e meu nome possuem importância no lugar onde nasci. ─ respondi em um tom mais sério, e seu olhar infantil suavizou, como se buscasse algo nas próprias lembranças enquanto me observava em silêncio.

- É... Eu sei bem disso...

- Sabe? - arqueei uma sobrancelha, curiosa.

- Nada não! Boa noite! ─ respondeu rapidamente, soltando-se do abraço e entrando no quarto, fechando a porta com uma batida repentina.

Permaneço ali, ainda ajoelhada diante da porta do quarto, encarando-a em silêncio, enquanto as palavras ecoam em minha mente. Apesar de sempre ter sabido que, em algum momento, seria necessário dar continuidade à linhagem Magni D., a ideia de ser mãe jamais habitou meus pensamentos. Nunca a odiei ── a maternidade ── e tampouco nutri aversão por crianças. Pelo contrário, sempre fui gentil com elas. Mas, em verdade, eu não sei como lidar com uma. Como é cuidar, amparar, proteger?

Nunca segurei um bebê. Nunca sequer toquei em um. Apenas os observei de longe, frágeis em seus berços, como pequenas promessas de vida ainda envoltas em mistério. Dizem que são moles, delicados como uma geleia quente com pequenos fragmentos de peso. Que são sensíveis ao ponto de o próprio vento ser capaz de lhes fazer mal. Eu conseguiria segurá-lo sem feri-lo? Sem fazê-lo chorar de dor ou desconforto?

Jamais vi uma mulher grávida além de Ofélia ── e mesmo ela não chegou a carregar o ventre em plenitude. Não sei, portanto, como é uma barriga que cresce, redonda e viva. Como é sentir um ser crescendo em seu interior, preso a você por laços invisíveis, se alimentando de você, vivendo através de você, e ainda assim inalcançável aos seus olhos? Como se certifica de que está tudo bem? Dói? Incomoda?

Robin me contou certa vez que bebês chutam dentro do ventre, e que suas mães conseguem senti-los se mover. Imagino que deva ser uma sensação… inquietante. Ter algo dentro de si que se move, que respira, que depende completamente de sua existência para continuar. Algo que não se vê, mas que se sente como uma lembrança vívida. Seria eu capaz de suportar tal responsabilidade? Poderia eu segurar meu filho sem esmagá-lo em meus braços trêmulos?

Levantei-me em silêncio, as mãos pousando suavemente sobre o ventre, acariciando a pele como se ali já repousasse uma vida por vir. Meus olhos, perdidos no vazio, se voltaram para o chão, como se buscassem respostas em meio à névoa de pensamentos que me consumiam.

Sei que terei um filho um dia. Porque é o que se espera. O sangue da família precisa seguir, precisa viver. Um filho que dará origem a outro, e assim sucessivamente, perpetuando um legado que não me pertence por completo, mas ao qual pertenço por destino. Homens são sempre preferidos ── dizem que são os aptos a governar, a manter o nome vivo. Já as mulheres… apenas geram.

Meu pai, um menino órfão que possuía apenas o primeiro nome, não me deixou herança alguma além do silêncio de sua ausência. Coube à minha mãe me passar o “Magni D.”, nome que carrego com resignação e peso. Contudo, quando meu filho nascer, o “Magni D.” desaparecerá. Restará o sangue ── mas o nome, não mais. Talvez seja uma maldição silenciosa iniciada com minha avó, Magni D. Lagertha⁴, passada para minha mãe… e, enfim, para mim.

Gan Fall certa vez me contou que, durante gerações, os primogênitos da linhagem sempre foram homens. As mulheres vinham depois ── ou nunca. Mas essa tradição morreu com Lagertha. Desde então, apenas mulheres nasceram primeiro… e sempre foram únicas. Lagertha morreu jovem, aos 22. Minha mãe, aos 27. Eu tinha apenas nove anos.

Sei que parece mórbido ── e talvez seja ── mas às vezes me pergunto se estou fadada a repetir o mesmo ciclo. Se terei uma filha única… e se a morte virá cedo para mim, como para elas.

Afinal… como dizem: o corte sempre sangra.

Caminhava com passos lentos e cuidadosos, esforçando-me ao máximo para não fazer barulho e evitar acordar alguém que pudesse se irritar com o som. No meio daquele silêncio sereno, ouvi um assobio suave vindo da direção para a qual eu me dirigia e, ao levantar o olhar, encontrei Law próximo à porta de seu quarto. Estava ali, parado, com os braços cruzados, observando-me com um semblante tão sonolento quanto o meu. Não parecia mais estar bravo como minutos antes.

Nossos olhares se encontraram, mesmo com a penumbra do corredor mal iluminado por uma única luz fraca. Sorri de leve, quase timidamente, e bastou o mínimo curvar de seus lábios em resposta para que eu compreendesse seu chamado silencioso. Acelerei os passos o quanto pude ── ainda que com certa dificuldade, apoiada na muleta que me ajudava a manter o equilíbrio ──, desejando encurtar aquela distância entre nós.

Quando me aproximei, a poucos passos de onde ele estava, senti o calor subir às bochechas e o coração palpitar apressado no peito. Era como vê-lo pela primeira vez em séculos, mesmo que estivéssemos nos vendo todos os dias, quase o tempo inteiro, desde que nossa aliança havia sido formada. Ainda assim, desde que percebi que os sentimentos que me aqueciam o peito e deixavam minha barriga em festa eram por causa dele, nunca mais consegui encará-lo sem sentir tudo de novo ── e de novo.

Coração acelerado, batendo como um tambor descompassado; bochechas em chamas, como se estivessem prestes a derreter; um friozinho na barriga que parecia um enxame de borboletas dançando lá dentro... E aquele sorriso bobo que insistia em escapar sempre que eu o via. Era esquisito, talvez até exagerado, mas era tão bom. Tão bom sentir aquilo. E, mesmo que ele não dissesse com todas as letras, eu sabia ── eu sentia ── que ele também se sentia assim. Porque o coração dele também mudava o ritmo, também ficava ansioso, aflito, carente... por mim.

- Ainda está irritado? Eu derrubei o Momonosuke sem querer da bancada da cozinha, mas não imaginei que a cabeça dele fosse tão pesada a ponto de fazer tanto barulho. ─ comentei com uma risada fraca, levando a mão aos lábios para abafar o som. - Me desculpa por ter te acordado?

- Na verdade, eu já estava acordado. ─ respondeu, a voz rouca e cansada, enquanto suas mãos encontravam o caminho até minha cintura, apertando-a suavemente. - Estava indo até o seu quarto quando ouvi a zoada de vocês na cozinha.

- Teria perdido a viagem, porque não ia encontrar ninguém lá.

- Percebe-se. ─ murmurou ele, puxando-me com delicadeza para dentro de seu quarto e fechando a porta atrás de nós.

- Por que não consegue dormir, afinal? Você parece tão cansado. ─ comentei enquanto ele me deitava gentilmente sobre a cama, sentindo seu corpo sobre o meu, embora não por completo.

- Não vou dizer... É um motivo muito estúpido. ─ retrucou Law, suspirando e rolando para o lado até deitar-se ao meu lado, procurando minha mão e entrelaçando nossos dedos.

- Ah, pelo amor, né? Outro dia você estava reclamando para mim que aquele tal de Sora sei lá o quê estava sendo... ─ parei, tentando lembrar a palavra certa. - Surfado? Nos livrinhos de desenho que você lê.

- É nerfado, e sim, ele está sendo nerfado nas últimas HQs publicadas, para agradar o público atual. Isso é ridículo. O personagem está perdendo sua essência só para dar protagonismo aos novos. ─ disse, visivelmente irritado, enquanto eu apenas torcia o nariz e os lábios, numa expressão de leve desprezo.

- Quando você começa a falar assim, eu sinto nojo.

- Não me olhe desse jeito. Você não entende porque não acompanha desde o início da publicação, mas eu sim. ─ retrucou ele, me fazendo revirar os olhos com desdém.

- E eu achando que você não podia ficar mais estranho... aí começa a agir assim. Nem sei se existe uma palavra pra descrever isso... credo.

Law apenas soltou um suspiro em resposta às minhas críticas antes de me puxar com delicadeza, até que meu rosto repousasse contra seu peito. Seus braços envolveram minha cintura com firmeza e ternura, enquanto os meus se enlaçavam ao redor de seu corpo.

Ali, no calor de seu abraço, encontrei consolo. Seu corpo, morno e acolhedor, dissipava o frio que se agarrava ao meu como um espectro. Suas mãos, cuidadosas, deslizaram por minha camisola, adentrando-a com gentileza, deixando carícias suaves pelas minhas costas. Não havia malícia em seus gestos, tampouco desejo carnal ou algum pedido velado para que fizéssemos sexo ── era apenas um afago sincero, afetuoso e repleto da pureza de quem ama.

Suas mãos, grandes e firmes, eram quase largas o suficiente para cobrir todo o meu torso. E, de algum modo, ele parecia gostar disso ── da minha delicadeza, da suavidade das minhas curvas, e do contraste entre sua força contida e o cuidado apaixonado com que me tocava. Suspirei contra seu peito, sentindo o leve apoio de seu queixo sobre a minha cabeça, enquanto seus dedos longos e tatuados traçavam caminhos desordenados pela minha pele, como quem desenha com carinho o contorno de uma memória preciosa.

Suas mãos chegaram até minha nuca, puxando-me ainda mais para perto, de modo que nossos corpos se colassem por completo, nossas pernas se entrelaçando com naturalidade. Apertei com suavidade o tecido de sua camisa entre meus dedos, como se quisesse guardar ali um pedaço daquele instante. E ele, em resposta, começou a distribuir beijos demorados por minha cabeça, descendo até minha testa, espalhando-os depois por cada canto do meu rosto ── minhas bochechas, meus olhos fechados, o queixo, os lábios.

Quando ergui o rosto para encontrá-lo, nossos olhares se cruzaram e se perderam um no outro. Sorrisos pequenos e serenos se formaram em nossos lábios, como se soubéssemos, sem dizer uma palavra sequer, que ali ── naquele silêncio, naquele calor ── existia um lar.

- Eu não consegui dormir porque queria ver você. ─ sussurrou ele, uma de suas mãos se afastando para repousar em meu rosto, segurando-o com delicadeza enquanto seu polegar acariciava minha bochecha em movimentos circulares e lentos.

- Esse era o motivo “estúpido”? ─ perguntei com um sorriso ladino, porém suave. - Assim você me deixa triste... Faz parecer que querer me ver é algo ruim.

- Não diga asneiras, Lizzy. ─ respondeu, uma leve ruga de irritação se formando entre suas sobrancelhas. - Só disse que era estúpido porque estou agindo como um imbecil, querendo ficar trancado com você dentro de um quarto.

- Se me permite dizer, eu não reclamaria de passar todo o tempo com você em um quarto, se isso significasse ficarmos horas e horas assim, agarradinhos e eu recebendo beijinhos.

- Se fosse possível, faríamos isso. Eu faria isso. Levaria você para bem longe, para uma ilha minúscula, sem muitas pessoas e com uma casa só nossa. ─ disse Law, suas palavras me fazendo refletir por alguns instantes, antes que ele prosseguisse: - Passaríamos o dia inteiro no quarto, escuro, juntos e completamente sozinhos.

- Uma ilha bem distante até que me atrai, e que seja minúscula também... mas com poucas pessoas e o dia inteiro num quarto escuro, não dá. Eu gosto de ver gente! ─ fiz um beicinho, franzindo o cenho ao imaginar o cenário que ele tentava pintar para nós dois. - Não, não, não! Que vida chata!

- Não seria chata. Seríamos só nós dois.

- E seria chata justamente por isso! ─ retruquei, puxando sua orelha em um gesto carinhosamente repreensivo.

Por fim, seus lábios encontraram os meus, como se soubessem que essa era a única maneira de me silenciar ── de calar não apenas minhas palavras, mas também os pensamentos que tumultuavam minha mente. Nossas línguas se tocaram com delicadeza, dançando uma coreografia íntima e sutil, enquanto seus dentes mordiscavam meus lábios com suavidade, provocando arrepios que percorriam minha espinha. Retribuí o gesto, mordendo os dele com a mesma ternura, sentindo meu coração acelerar dentro do peito e um calor denso e arrebatador se espalhar por todo o meu corpo, outrora gélido.

Apertei-me contra ele, meus braços envolvendo sua cintura com força, como se temesse que ele escapasse de mim, e fui correspondida em igual intensidade. Um suspiro entrecortado escapou de meus lábios ao senti-lo me puxar para seu colo, suas mãos percorrendo minhas costas com uma urgência febril, enquanto as minhas buscavam o contorno de seu rosto. Segurei-o entre as palmas, como se fosse a única coisa que me mantinha ancorada à realidade. Meus dedos passearam por suas costeletas, brincaram com seus brincos, contornaram cada piercing com reverência, como quem memoriza o corpo do ser amado.

Era um beijo confuso, cheio de medo e necessidade ── desesperado, porque sabíamos o quanto aquele amor nos transbordava. E, ainda assim, nos afastamos apenas o necessário para recuperar o fôlego, os olhos cerrados e as respirações irregulares, tão ofegantes que pareciam sufocar. Nossos corações, descompassados, ameaçavam romper o peito, e quando abrimos os olhos e nos encaramos, o silêncio que nos envolvia foi quebrado apenas pelos nossos suspiros pesados ── a única trilha sonora de um momento que dizia tudo, mesmo sem palavras.

- Não vou mentir… não seria algo ruim.

- O quê? ─ sussurrou ele, trazendo novamente a mão até meu rosto. Inclinei-me suavemente para repousar contra sua palma, fechando os olhos com lentidão.

- Morar com você. Em uma casa de verdade, não em um navio pirata. ─ murmurei, em um tom baixo e arrastado. - Uma casa pequena, porém bonita, com um jardim e uma horta.

- Você está certa. Não seria ruim. Porém… — Law interrompeu-se, e seu olhar tornou-se opaco, a afeição esvaindo-se de sua expressão. ─ Não poderíamos. Não teríamos paz. Porque, uma vez que nossos rostos estão estampados nos quatro cantos do mundo, jamais teríamos uma vida tranquila. Nunca.

- É uma pena… eu queria fazer refogado de abóbora para o jantar.

- Seria agradável.

- Sim… e talvez nosso bebê fosse gordinho. ─ murmurei, fazendo um leve beicinho.

- Que bebê? ─ ele arregalou os olhos.

- O que teríamos. ─ respondi, arqueando uma sobrancelha enquanto saía de cima dele e me deitava ao seu lado, voltando o olhar para o teto. - Você já se imaginou sendo pai? Tem 26 anos, já viveu o bastante para, ao menos, considerar essa possibilidade.

- Não… acho que não levo jeito para isso. E a vida que levo nunca me deu espaço para me imaginar com um bebê no colo me chamando de “papai”. ─ disse, olhando-me de canto, refletindo por um momento antes de continuar: - E você? Já pensou nisso…?

- Devo ser sincera ou devo simplesmente dizer sim ou não?

- O que você disser, eu vou ouvir… ou fingir que ouvi, dependendo da besteira que você falar.

- Esse é um jeito muito rude de tratar uma dama.

- Responda logo à minha pergunta. ─ disse Law, beliscando levemente meu braço, fazendo-me grunhir diante da dor aguda.

- Certo, certo... Bom, eu nunca me imaginei sendo mãe, mas não vou mentir que sei que, em algum momento, terei que ter um filho. Então... acho que sim, talvez eu esteja começando a me imaginar nesse papel. ─ respondi, por fim, com a voz soando um tanto desesperada. Ao olhar de relance, percebi seus olhos acinzentados fixos em mim, atentos. - Querendo ou não, sou importante para Skypiea, portanto, um dia...

- E você quer isso? ─ ele me interrompeu, segurando meu queixo com firmeza e aproximando meu rosto do seu, impedindo-me de desviar o olhar.

- Hã? Querer o quê?

- Passar a vida inteira gerando filhos para um país que sequer gosta de você. ─ argumentou com firmeza, suas palavras fazendo-me silenciar por um instante. Engoli em seco, pensativa.

- Com o sangue da família, só restou eu...

- Você é uma miserável.

Permaneci em silêncio, observando-o, esperando que dissesse algo mais. No entanto, tudo o que fez foi soltar meu rosto e cobrir o próprio com o braço, sem pronunciar absolutamente nenhuma palavra. Um silêncio absoluto se instaurou enquanto eu me encolhia, arrastando-me até encostar a lateral da cabeça em seu ombro. Minhas mãos se agarraram à sua camisa, e permaneci naquela posição.

Era evidente que ele havia se irritado. Ele não teria se calado se não estivesse, de fato, aborrecido. Ainda assim, não disse mais nada, evitou-me, recusou-se a responder. Contudo, não se afastou, tampouco impediu minha aproximação. Apenas permitiu que eu permanecesse ali, ao seu lado, mesmo com o clima estranho que tomava conta do quarto e o silêncio ensurdecedor que me sufocava.

No fim, porém, ele tinha razão.

Eu era, de fato, uma miserável.

Uma maldita miserável que, um dia, condenaria uma criança a carregar este sangue sujo.

- Astrid⁵. ─ disse Law, de repente, fazendo-me olhá-lo com curiosidade e confusão.

Ao notar meu semblante confuso, ele suspirou e tocou meu rosto mais uma vez, lançando-me um olhar que eu simplesmente não soube interpretar. Não conseguia discernir se estava irritado, triste, se queria chorar novamente e se esconder de mim. Eu não conseguia compreendê-lo.

Seu olhar era vulnerável, frágil, abalado ── quase suplicante ──, mas eu não conseguia entender o porquê.

- Se tivéssemos uma filha, ela se chamaria Astrid. ─ declarou, por fim.

Meu olhar se iluminou, surpresa com o que ele acabara de dizer e encantada com a escolha que fizera. Astrid era um nome belíssimo, tal como seu significado indicava: “divinamente bela”. Um sorriso suave curvou o canto dos meus lábios, e envolvi seu pescoço com os braços, sentindo suas mãos firmes segurarem minha cintura, mantendo-me ali, serena e aconchegada no conforto de seu abraço.

Em um mês, chegaríamos a Wano e permaneceríamos escondidos, aguardando o momento certo por mais algum tempo. Contudo, seria ali que o nosso destino, inevitavelmente, encontraria um ponto final ── quando o plano para a derrota de Kaido enfim se concretizasse. Então, seguiríamos caminhos distintos, rotas opostas, talvez reencontrando-nos apenas depois de muitos meses... ou até mesmo anos. Apenas o movimento das marés poderia nos revelar como o destino se desenrolaria no instante em que eu partisse, para sempre, do Mar Azul, e ele embarcasse no Polar Tang, guiando sua tripulação rumo aonde seu coração desejasse chegar.

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