
โโ ๐ฅ ึด เผ ุ ๐ฒ๐ณ. ๐๐ฝ๐ฒ๐๐ฎ๐ฟ ๐ฑ๐ฒ ๐๐๐ฑ๐ผ, ๐ฎ๐ถ๐ป๐ฑ๐ฎ ๐ฒฬ ๐๐ผ๐ฐ๐ฒฬ.
โ ๏ธ ๐ก๐ข๐ง๐ ๐๐ ๐๐ซ๐ง๐ฅ๐๐ ๐ ๐๐ ๐ฃ๐ข๐ฅ๐ง๐๐ก๐๐๐ โ ๏ธ
O capรญtulo a seguir contรฉm cenas explรญcitas de รณrgรฃos humanos expostos e incitaรงรฃo a experimentos cientรญficos em cadรกveres. Tambรฉm hรก cenas de mutilaรงรฃo e ferimentos abertos. Se vocรช รฉ sensรญvel a esses temas, aconselho que nรฃo leia e aguarde o prรณximo capรญtulo ou simplesmente pule para o final. Nada aqui serรก romantizado; apenas aprecie a leitura e entenda que tudo nรฃo passa de ficรงรฃo.
๐๐๐๐ ๐ข๐ ๐ฆ๐๐๐๐ก๐๐, ๐ต๐ณ๐ข๐ง๐ข๐ญ๐จ๐ข๐ณ ๐ฅ. ๐ธ๐ข๐ต๐ฆ๐ณ ๐ญ๐ข๐ธ.
๐ญ๐ข๐บ๐ฐ๐ถ๐ต ๐ฃ๐บ ๐ฏ๐ช๐ฏ๐ข, ๐ข๐ฌ๐ฎ๐ข๐ฏ๐ฎ๐ช.
โ๐ฏ๐ถ๐ฅ๐ฐ ๐ฐ ๐ฒ๐ถ๐ฆ ๐ฆ๐ถ ๐ง๐ช๐ป ๐ฏ๐ข ๐ท๐ช๐ฅ๐ข,
๐ฆ๐ถ ๐ง๐ช๐ป ๐ฑ๐ฐ๐ณ ๐ฆ๐ญ๐ฆ. โณ๐ข๐ด ๐ข๐จ๐ฐ๐ณ๐ข ๐ฆ๐ญ๐ฆ
๐ง๐ฐ๐ช ๐ฆ๐ฎ๐ฃ๐ฐ๐ณ๐ข, ๐ฆ ๐ฆ๐ถ ๐ข๐ช๐ฏ๐ฅ๐ข ๐ฆ๐ด๐ต๐ฐ๐ถ ๐ข๐ฒ๐ถ๐ช.โ
โ๐ฅ๐ฐ๐ค๐ฆฬ ๐ฆฬ ๐ฆ๐ด๐ฑ๐ฆ๐ค๐ช๐ข๐ญ ๐ฑ๐ฐ๐ณ๐ฒ๐ถ๐ฆ
๐ฏ๐ข๐ด๐ค๐ฆ๐ถ ๐ฏ๐ฆ๐ด๐ต๐ฆ ๐ฎ๐ถ๐ฏ๐ฅ๐ฐ.โ
โโ Segunda parte da Grand Line, Novo Mundo ; Paรญs de Zou.
Law manteve-se em silรชncio enquanto a fitava nos olhos. Seu olhar sรฉrio e gรฉlido permanecia fixo no semblante de sua aliada, que agora lhe parecia exausta, abatida, desolada โโ e, acima de tudo, morta por dentro. Tudo nela exalava morte. Elisabette se assemelhava a um cadรกver ambulante: fria ao toque, inexpressiva, silenciosa โโ caracterรญsticas que ele desconhecia nela e ร s quais, com todas as forรงas, se recusava a se habituar.
Ele desejava vรช-la rir novamente de forma escandalosa, fazer caretas exageradas por nunca conseguir disfarรงar suas emoรงรตes, ouvir sua voz fina e estridente comentando com entusiasmo sobre tudo e qualquer coisa. Sentia falta das mรฃos inquietas, sempre gesticulando, apontando, dos pรฉs descalรงos que batiam no chรฃo com forรงa por falta de delicadeza โโ embora ela vivesse proclamando ser uma dama frรกgil e sensรญvel. Sentia falta da sua energia constante, da agitaรงรฃo vibrante que a fazia parecer viva como nenhuma outra. Agora, porรฉm, o que via ร sua frente era o completo oposto: uma mulher irreconhecรญvel, um corpo que se movia apenas como forma de protesto, como se a vida lhe houvesse sido arrancada cedo demais, contra sua vontade.
E, naquele instante, tudo o que Law mais queria era poder envolvรช-la nos braรงos, apertรก-la contra o peito e acolhรช-la como ela tantas vezes fizera com ele. Queria abraรงรก-la como se o mundo ao redor nรฃo importasse, beijรก-la como se nada mais existisse alรฉm deles dois, como se tudo o que restasse na existรชncia fosse aquele instante compartilhado.
Um nรณ apertou-se em seu peito, enquanto suas mรฃos tremiam com o impulso de tocรก-la. Por Deus, ele renunciaria a uma eternidade apenas para poder senti-la como antes. Porque, apesar de tudo, ela era o mais prรณximo do cรฉu que ele jรก havia alcanรงado โโ e perdรช-la para ela mesma doรญa mais do que mil punhaladas cravadas no coraรงรฃo.
- O seu coraรงรฃo estรก aqui. โ disse ele, a voz rouca e baixa como um sussurro que rasgava o silรชncio. Sem encarรก-la, desviou o olhar e se dirigiu calmamente a uma prateleira encostada no canto do quarto โโ um espaรงo sombrio, repleto de frascos contendo lรญquidos opacos, vรญsceras preservadas e instrumentos de dissecaรงรฃo perfeitamente organizados.
- Um local... esquisito para guardar o รณrgรฃo vital de alguรฉm, nรฃo acha? โ ironizou Elisabette, arqueando uma sobrancelha ao se erguer com esforรงo, apoiando-se nas muletas para segui-lo. - E, honestamente, vocรช guarda coisas estranhรญssimas aqui. โ murmurou, os olhos passeando pelas prateleiras. Ela estacou diante de um crรขnio humano exposto ao lado de um caderno coberto de anotaรงรตes apinhadas e manchadas โโ talvez de sangue seco. Seu estรดmago revirou violentamente. - Isso aqui รฉ real!?
- Se vocรช derrubรก-lo e ele se quebrar, o prรณximo serรก o seu. โ respondeu ele com frieza, sem sequer virar o rosto em sua direรงรฃo.
- Ai, que sensaรงรฃo ruim!
- Estรก exagerando demais para alguรฉm que dilacera corpos a dentadas. โ retrucou Law com sarcasmo รกcido, lanรงando-lhe um olhar cortante por sobre o ombro antes de voltar a examinar as prateleiras.
- Pelo menos eu deixo os corpos onde caem quando morrem, e nรฃo os trago para o meu quarto! โ rebateu com desdรฉm, franzindo o nariz ao parar diante de um armรกrio. Movida por um impulso curioso, abriu a porta... e entรฃo paralisou. O choque percorreu sua espinha feito uma lรขmina de gelo. Frascos e mais frascos, organizados em fileiras perfeitas, continham รณrgรฃos humanos preservados em lรญquidos translรบcidos e viscosos โโ coraรงรตes, olhos, fรญgados, atรฉ lรญnguas. - E ISSO AQUI?
- Materiais de estudo. Nรฃo toque em nada. โ alertou ele com severidade, empurrando-a para o lado com um gesto firme antes de fechar o armรกrio. Em seguida, abaixou-se e deslizou um compartimento oculto sob a prateleira. Uma gaveta secreta se abriu com um estalo seco.
A gaveta era ampla, espaรงosa, dividida em compartimentos que abrigavam diversos frascos, papรฉis com anotaรงรตes rabiscadas ร s pressas, documentos envelhecidos e, em um deles, algo se movia. Nรฃo era grande, tampouco pequeno โโ pulsava em um ritmo constante, emitindo um som abafado e rรญtmico, como batidas de um tambor molhado, acompanhado por um fraco brilho azulado que tremeluzia na penumbra.
Elisabette estreitou os olhos, tentando discernir o que via naquela luz precรกria, atรฉ que a verdade tomou forma diante dela como um soco na barriga. Arfou alto, agarrando-se com forรงa ร s muletas quando reconheceu o que jazia ali, envolto em um cubo translรบcido e gelatinoso: era seu coraรงรฃo.
Ele pulsava com violรชncia, acelerado, respondendo ร s emoรงรตes que a invadiam naquele instante com uma sincronia aterradora. Faรญscas elรฉtricas azuladas danรงavam em sua superfรญcie, como um escudo protetor frรกgil e vivo. O nojo e o pรขnico colidiram dentro dela. O estรดmago se contorceu em nรกusea, as pernas fraquejaram, e um nรณ espesso subiu ร garganta, ameaรงando fazรช-la vomitar.
Contudo, ela engoliu o desconforto com esforรงo, sufocando o impulso de fugir dali. Estendeu a mรฃo hesitante, trรชmula, os dedos pairando sobre o recipiente como se temesse tocar algo sagrado e profano ao mesmo tempo. Quando enfim encostou na superfรญcie do cubo, o toque foi suave, cauteloso โโ quase temeroso, como se pudesse ferir a si mesma.
Engoliu em seco, mordeu o lรกbio inferior atรฉ sentir o gosto metรกlico do sangue e, com um gesto contido, envolveu o cubo com firmeza, embora o corpo inteiro estremecesse. Seus olhos entรฃo buscaram Law, e o que encontrou a fez congelar.
Ele a observava em silรชncio, o rosto impassรญvel, mas os olhos... os olhos eram frios, clรญnicos, invasivos. Uma anรกlise silenciosa e minuciosa, como se a estivesse dissecando com o olhar. Sentiu-se exposta, vulnerรกvel, invadida. E nรฃo era apenas desconforto โโ era um alarme instintivo.
O submarino, outrora apenas silencioso, agora parecia sufocante. As paredes pareciam se fechar em torno dela. Estar a sรณs com o Cirurgiรฃo da Morte jรก nรฃo era uma situaรงรฃo inofensiva ou sequer neutra โโ era perigosa. Aquilo nรฃo era uma visita, era uma exposiรงรฃo, um alerta. Algo dentro dela gritava para que se colocasse em guarda, para que esperasse o momento em que teria de se defender... ou fugir.
Elisabette desviou os olhos dos dele, inspirando profundamente. Apรณs dois anos inteiros ansiando por aquele instante, ela ergueu a camisa atรฉ expor o peito e, com delicadeza, posicionou o coraรงรฃo no lugar ao qual verdadeiramente pertencia. Um arrepio eletrizante percorreu-lhe todo o corpo, uma onda de energia reverberou por suas veias e tendรตes, e suas pupilas contraรญram-se por um breve momento, enquanto um raio azul cintilante circulava suas รญris.
Ela prendeu a respiraรงรฃo e pressionou a mรฃo contra o prรณprio peito ao sentir a pele se fechar instantaneamente sobre o รณrgรฃo recรฉm-reposto. Piscou algumas vezes, tentando assimilar a sensaรงรฃo do retorno de sua forรงa vital โโ nรฃo que estivesse fraca antes, mas a ausรชncia do coraรงรฃo em seu corpo, da eletricidade que o envolvia, havia lhe causado uma limitaรงรฃo sutil, como se estivesse sendo contida contra a prรณpria vontade.
Inspirou novamente, desta vez com mais firmeza, sentindo o corpo tornar-se leve, desperto e inteiro. Estava de pรฉ, os pรฉs firmes sobre o chรฃo, apesar do apoio das muletas โโ agora, finalmente, sentia-se completa.
- Quando soube que vocรช havia entregue cem coraรงรตes de piratas ร Marinha para se tornar um Shichibukai, confesso que tive medo de que o meu estivesse entre eles. โ disse Elisabette, rompendo o silรชncio. Um sorriso amargo curvou seus lรกbios pรกlidos enquanto o fitava com atenรงรฃo.
- Se quer saber a verdade, quase cogitei entregรก-lo. โ retrucou ele, com rispidez, desviando o olhar e soltando um suspiro. - Tive alguns problemas com a caรงadora que me ajudou a coletar os coraรงรตesยน. Mas havรญamos feito um acordo, e eu nรฃo quebraria sua confianรงa... sabia que vocรช nรฃo quebraria a minha.
- Eu nem sabia como iria pagรก-lo, na verdade... tantas coisas comeรงaram a acontecer de forma tรฃo repentina que eu apenas comecei a aceitar que talvez nunca o recuperaria. Ou que teria que, sei lรก, estragar tudo de uma vez e roubรก-lo de vocรช... mesmo que isso significasse nunca mais... โ murmurou a jovem, mantendo a cabeรงa baixa, os olhos fixos no chรฃo amadeirado.
- Nunca mais o quรช...?
- Nรฃo importa. Pelo menos... nรฃo mais...
- Elisabette-ya. โ chamou ele, a voz suavizando-se atรฉ quase soar como um lamento, enquanto segurava o queixo dela, obrigando-a a encarรก-lo. - Naquele dia, quando vocรช caiu no mar... o que realmente aconteceu? Por que comeu o Fruto do Anjo?
Por um instante, Elisabette sentiu o calor tomar-lhe as bochechas diante do toque inesperado dele. O aperto em seu queixo era suave, porรฉm firme, e fez sua respiraรงรฃo vacilar por breves segundos antes que ela apertasse com mais forรงa as muletas nas mรฃos, numa tentativa falha de se manter firme. Seu coraรงรฃo, recรฉm-reinstalado em seu peito, disparava de forma intensa โโ de um jeito que hรก muito nรฃo sentia. Em silรชncio, questionou-se se aquele era o ritmo que ele sempre assumia quando estava com Law. Sua mรฃo, quase por reflexo, foi atรฉ o peito, onde os batimentos pareciam querer romper a pele, pulsando com violรชncia sob a palma trรชmula. Era uma sensaรงรฃo estranha, mas que ela conhecia bem. Sempre fora assim com ele.
A jovem de cabelos platinados engoliu em seco e esboรงou um recuo, mas ele a impediu com a outra mรฃo, envolvendo-lhe o braรงo e a mantendo prรณxima, cativa. Suas respiraรงรตes se encontraram, mornas, entrelaรงadas no espaรงo estreito entre seus rostos. Ela desviou o olhar, mas ele nรฃo permitiu que se afastasse. Nรฃo queria que ela se fosse. Nรฃo podia vรช-la longe. Nรฃo ainda. Nรฃo enquanto nรฃo compreendesse por completo o que se passava por trรกs dos silรชncios e omissรตes dela. Mesmo apรณs todas as palavras jรก ditas, ele sentia, no รขmago, que havia mais โโ verdades que ela enterrava sob camadas de dor e orgulho.
Essa ignorรขncia o consumia, corroรญa sua sanidade, transformando sua inquietaรงรฃo em algo doentio. Doรญa-lhe saber que nรฃo havia nada ao seu alcance que pudesse salvรก-la dela mesma, que ele era impotente diante das feridas que ela insistia em abrir e manter expostas. E essa impotรชncia o envenenava com uma agonia silenciosa, como um corte profundo apodrecendo ao toque de sal e รกlcool.
Por mais que odiasse admitir, por mais que lutasse contra a verdade, sabia que jรก estava envolvido demais โโ alรฉm do que consideraria prudente, alรฉm do desejo carnal, alรฉm do mero afeto. Era uma obsessรฃo disfarรงada de zelo, um desejo possessivo e quase patolรณgico de tรช-la sob seu domรญnio, de vรช-la viva, consciente, reagindo. Era a necessidade desesperada de sentir que ela ainda lhe pertencia, que ainda estava ali... e que, de algum modo, sรณ ele poderia tocรก-la dessa forma.
- Porque eu nรฃo posso mais fugir das consequรชncias das minhas prรณprias aรงรตes. โ a resposta rompeu a quietude do momento, embora nรฃo fosse suficiente para dissipar a tensรฃo que pairava no ar como uma tempestade prestes a desabar. - Quando derrotarmos Kaido, eu irei embora. โ murmurou, a voz trรชmula e embargada pelo choro contido, tentando se afastar, ainda que o aperto firme em seu queixo e em seu braรงo jรก comeรงasse a machucรก-la.
- O Mugiwara-ya sabe disso?
- Eu pretendia contar antes dele partir para Whole Cake, mas... eu sabia que aquele nรฃo era o momento certo... โ desviou o olhar, os lรกbios tremendo. - Eu vou esperar ele voltar para anunciar minha saรญda e, entรฃo, eu...
Ela nรฃo conseguiu terminar a frase. Foi empurrada com brutalidade contra a parede, o impacto reverberando em suas costas, fazendo-a prender a respiraรงรฃo.
- Entรฃo vocรช o quรช? โ ele rosnou, os lรกbios perigosamente prรณximos dos dela, o calor de sua pele invadindo o espaรงo entre os dois, quase tocando-a. Ela arfou, engasgando-se com a prรณpria saliva diante da proximidade sufocante.
- Entรฃo... eu vou embora. โ repetiu, com a voz quase inaudรญvel, como se, ao dizรช-lo em voz alta, tornasse aquilo mais real โโ mais dolorosamente inevitรกvel.
Law pretendia responder. Repreendรช-la. Gritar, se necessรกrio. Dizer, com todas as letras, que nรฃo โโ que ela nรฃo iria embora, que ele jamais permitiria que ela desse fim ร prรณpria existรชncia daquela forma silenciosa e cruel. Mas as palavras morreram em sua garganta no instante em que ela se inclinou e repousou a testa em seu ombro โโ sem, no entanto, tocรก-lo por completo. Havia hesitaรงรฃo em seu gesto. Havia medo. E isso o destruiu.
Ele permaneceu imรณvel por um momento, sentindo o frio de sua pele roรงar a sua, tรฃo leve e distante que parecia um sussurro. Sua presenรงa, antes tรฃo viva, agora se tornava fantasmagรณrica. Entรฃo, como se tentasse trazรช-la de volta ao mundo dos vivos, ele a envolveu com forรงa nos braรงos, pressionando seu corpo curvilรญneo contra o dele, tentando aquecรช-la com seu prรณprio calor. Mas o que encontrou foi a frieza mรณrbida de sua carne, a leveza absurda de um corpo que parecia nรฃo carregar mais nenhuma vida, mesmo que ela ainda falasse, respirasse, se movesse โโ ainda que estivesse ali.
Aquilo o dilacerava.
Doรญa porque estava alรฉm de qualquer reparo. Doรญa porque nรฃo havia cirurgia, nรฃo havia bisturi, nรฃo havia tรฉcnica ou perรญcia que pudesse salvรก-la. A Ope Ope no Mi, com todos os seus milagres, nรฃo poderia curรก-la. Porque, mesmo que seus olhos ainda brilhassem em tons mortais, ela jรก nรฃo era mais. Ela estava se esvaindo, fragmento por fragmento, e ele sabia โโ sabia โโ que estava prestes a perdรช-la para sempre.
Suas mรฃos, trรชmulas, deslizaram pelas costas dela, adentrando o tecido da blusa, tocando a pele onde antes haviam asas. Asas que ela mesma dizia serem desproporcionais, cheias de penas macias, exageradamente grandes โโ "como eu", ela dizia, com um sorriso triste. Law se perguntou se doeu perdรช-las. Se ela sentia falta delas. Se ainda doรญa caminhar sem o peso que carregava nas costas. Se a ausรชncia desequilibrava seu corpo. Se o cรฉu fazia falta. Mas nenhuma dessas perguntas ousou sair de sua boca. Sรณ o silรชncio restava entre eles, tรฃo denso que parecia sufocรก-lo.
Ela nรฃo reagia. Nรฃo dizia nada. E ele tambรฉm nรฃo.
Foi quando um soluรงo rompeu a quietude โโ frรกgil, quebrado, tรฃo humano que o paralisou. Seus dedos apertaram sua cintura com mais forรงa, como se pudesse mantรช-la ali apenas por vontade, por desespero, por pura obstinaรงรฃo. Ele precisava mantรช-la prรณxima. Segura. Protegida de tudo, atรฉ dela mesma.
Law estava adoecendo.
Ou talvez jรก estivesse doente hรก muito tempo. Alucinado. Despencando em queda livre em direรงรฃo a ela, sem ter onde se segurar, sem qualquer esperanรงa de salvaรงรฃo. E talvez nem quisesse ser salvo. Porque, mesmo que a amasse em meio ao desespero, ele sabia: ela estava morrendo. E ele estava morrendo junto.
- Vocรช me faz sentir fraca... โ a voz de Elisabette escapou em um sussurro trรชmulo, embargado pelo choro entalado, tรฃo baixo que quase nรฃo existia. Suas mรฃos, antes hesitantes, enfim encontraram o corpo dele, agarrando-se ร camisa com um aperto dรฉbil, desesperado. - ร uma sensaรงรฃo angustiante, sufocante... Eu queria tanto que vocรช simplesmente... desaparecesse. Que morresse. Que deixasse de existir, para que eu nรฃo precisasse mais carregar esse inferno que vocรช causa no meu peito... โ sua confissรฃo saiu como um veneno misturado ร dor, e a fragilidade de seus dedos tremendo sobre ele fez Law respirar fundo, encostando o rosto em seus cabelos em silรชncio.
- Estรก dizendo que me quer morto? โ perguntou, a voz rouca e densa, oscilando entre incredulidade e resignaรงรฃo. Havia ali algo de quebrado, algo que se partia em silรชncio, como se estivesse tentando compreender atรฉ que ponto aquilo era real โโ e atรฉ onde ele mesmo suportaria ouvi-la.
- Eu... talvez... โ ela gaguejou, engolindo em seco, o olhar perdido em alguma lembranรงa longรญnqua. - Sentir o que sinto por vocรช me enfraquece. Me torna vulnerรกvel, exposta, humana demais... e eu nรฃo posso continuar assim... nรฃo posso mais...
A frase se partiu em meio ao caos que explodia dentro dela. Um engasgo. Um soluรงo. As mรฃos antes frรกgeis agora subiam lentamente atรฉ o pescoรงo dele, os dedos se fechando ao redor da pele quente. Seus olhos encontraram os dele, e o vazio que ele via ali o aterrorizava. Nรฃo era mais a mulher que conhecia. Aquela que amava... jรก nรฃo estava presente. O que restava diante dele era a verdade crua e dilacerante โโ a face despida da dor, da sanidade, da esperanรงa.
- Eu vou te matar. โ ela murmurou, e a ameaรงa, dita de forma tรฃo calma, fez com que o tempo parecesse congelar entre eles.
- Vรก em frente. โ ele respondeu sem hesitar, a voz fria como aรงo, sem sequer piscar.
- Eu vou.
- Entรฃo vรก. โ Law manteve-se imรณvel, suas mรฃos ainda presas ร cintura dela, o toque firme, possessivo, como se dissesse silenciosamente que, mesmo diante da morte, nรฃo a soltaria. Seus olhos, opacos e insondรกveis, encaravam os dela com uma intensidade gรฉlida, e sua expressรฃo inexpressiva โโ vazia de medo, de sรบplica, de raiva โโ fez o corpo dela estremecer.
A Praga fitava profundamente os olhos do Cirurgiรฃo da Morte enquanto apertava seu pescoรงo com crescente intensidade. A cada segundo que se esvaรญa, a pressรฃo de seus dedos tornava-se mais firme, mais cruel. As mรฃos dele, antes presas com forรงa ร cintura dela, comeรงavam a ceder, escorregando como se estivessem desistindo. Suas pernas tremiam, e a escuridรฃo nublava sua visรฃo enquanto a urgรชncia por oxigรชnio transformava-se num tormento abrasador e insuportรกvel.
No instante em que acreditou estar prestes a sucumbir ร falta de ar, os dedos de Law se moveram num impulso desesperado, ativando uma Room que o arrancou violentamente da frente dela. O movimento foi brusco, instintivo โโ e a surpreendeu por completo. Ela arregalou os olhos, os dentes cerrados em raiva e susto, mas nรฃo foi rรกpida o bastante: o canivete lanรงado por ele cravou-se em seu ombro com precisรฃo cirรบrgica. Um arquejo escapou de seus lรกbios, misto de dor e incredulidade. Ainda assim, seu punho se fechou e, mesmo enfraquecida, ela tentou golpeรก-lo com a violรชncia instintiva de quem luta pela prรณpria sanidade.
Ele desviou com uma frieza inquietante e, num sรณ empurrรฃo, a lanรงou para trรกs. O corpo dela cambaleou atรฉ colidir com a escrivaninha, caindo de costas com um estrondo seco que derrubou papรฉis, frascos e canetas sobre o chรฃo. O impacto ecoou como um grito mudo no silรชncio do quarto.
Elisabette tentou se erguer, os lรกbios entreabertos num suspiro arrastado, enquanto uma das mรฃos alcanรงava o ferimento latejante no ombro. Antes que pudesse se mover mais, seus pulsos foram tomados com forรงa por Law โโ ele jรก estava entre suas pernas, o rosto ofegante, os olhos arregalados, ambos encharcados pelo caos da luta. As respiraรงรตes estavam entrecortadas, febris, como se os dois tivessem despertado de um torpor prolongado para um pesadelo ainda maior.
Uma gota de suor escorreu pela testa dela, e seus olhos, aflitos, procuraram os dele โโ dilatados, selvagens, mas frios. Entรฃo, a chama da lamparina vacilou e se apagou, engolindo ambos na penumbra do quarto gรฉlido de Trafalgar. A escuridรฃo os tragou sem aviso, e o silรชncio que se seguiu parecia berrar. Ele apertou ainda mais os pulsos dela, como se temesse que, ao soltรก-la, ela desaparecesse โโ ou o matasse.
A lรขmina do canivete cravada no ombro de Elisabette comeรงou a se desprender lentamente da carne, deslizando para fora do ferimento com uma languidez quase cruel, atรฉ cair com um som metรกlico sobre a superfรญcie da escrivaninha onde seu corpo ainda jazia pressionado. O sangue, agora livre do lacre da lรขmina, comeรงou a escorrer em filetes espessos, formando respingos desordenados que manchavam sua pele pรกlida com traรงos vรญvidos de vermelho. A iluminaรงรฃo tรชnue da lua, filtrada pela escotilha semicerrada do quarto de Law, mal tocava o cenรกrio โโ as nuvens densas e carregadas encobriam o cรฉu e traziam consigo uma tempestade que sacudia o mar com violรชncia. O navio-submarino balanรงava incessantemente, como se refletisse o caos dentro deles.
Foi entรฃo que um peso cรกlido e opressivo se impรดs sobre ela โโ Law deitou-se sobre seu corpo ferido, os movimentos pesados e contidos, como se algo dentro dele tivesse finalmente cedido. Sua cabeรงa repousou sobre o ombro ensanguentado dela, a testa encostando suavemente em seu pescoรงo, como se buscasse ali, no frio daquela pele, algum consolo que lhe escapava. Sua respiraรงรฃo era descompassada, presa entre a culpa e o desejo. Os pensamentos, confusos e conflituosos, giravam como um turbilhรฃo: prรณs e contras se chocando numa danรงa desesperada โโ os contras gritavam alto, mas ele ainda assim se agarrava aos frรกgeis prรณs. Ele nรฃo queria soltรก-la. Nรฃo queria afastรก-la. Nรฃo queria perdรช-la โโ nรฃo mais.
Por que ela precisava tornar tudo ainda mais difรญcil do que jรก era? Desde o princรญpio, ele tentara conter o que sentia, restringir tudo a toques ocasionais, olhares furtivos, silรชncios compartilhados. Mas ela... ela cruzava todas as linhas sem perceber, invadia seus limites, desarmava suas defesas, e tornava tudo entre eles mais complexo, mais รญntimo, mais inevitรกvel. Era como afundar em um abismo e desejar nunca mais emergir.
Ela o perturbava.
Ela o enfeitiรงava.
Ela o destruรญa.
Cada gesto seu era um veneno doce โโ o aroma de chuva no algodรฃo de suas roupas, o toque leve mesmo com mรฃos marcadas pela vida, a voz cรกlida que parecia sussurrar diretamente para suas feridas mais antigas, os abraรงos que nรฃo exigiam nada e ainda assim davam tudo, os olhos que o viam por completo. Tudo nela o enredava em um vรญcio insano e incurรกvel, um desejo que roรงava a loucura, uma necessidade dolorosa que o fazia odiar o quanto a amava.
E ali, no meio da escuridรฃo, do sangue e do silรชncio quebrado apenas pelo som da tempestade, Law apertou os olhos e simplesmente ficou โโ preso a ela, a si mesmo, ao peso do que sentia e do que jamais conseguiria afastar.
- Semanas atrรกs, quando recebi aquela ligaรงรฃo no banheiro da pousada em Porzellanpuppen... a mesma pessoa veio atรฉ mim em busca da Tenshi Tenshi no Mi e das plantas capazes de curar a epidemia da Febre das รrvores nas Ilhas do Cรฉu. โ sussurrou Elisabette, encostando suavemente a lateral da cabeรงa na dele, os olhos ardendo sob o peso de lรกgrimas que logo se derramaram sem controle por seu rosto pรกlido. - Nรฃo importa o quรฃo longe eu tente escapar de Skypiea, ou o quanto eu lute para apagar o passado... as feridas continuam abertas, e as pessoas ainda sofrem por minha causa. Uma guerra civil foi iniciada em meu nome. Irmรฃos se voltaram uns contra os outros... uns desejam a minha morte, como se ela fosse uma soluรงรฃo; outros me veem como a รบltima esperanรงa de um paรญs que, mais uma vez, mergulha no prรณprio inferno.
Ela fez uma pausa, engolindo em seco, sentindo o nรณ se formar em sua garganta.
- Achei que, se eu morresse, tudo se resolveria. Que o remorso cessaria, e eles nรฃo precisariam mais suportar o fardo da minha existรชncia. Mas a verdade... a verdade cruel รฉ que nรฃo importa o quanto eu tente... eu simplesmente nรฃo consigo morrer.
- Eu prefiro vocรช viva... mesmo que atormentada... do que morta e eternamente fora do meu alcance. โ Law murmurou contra sua pele, inspirando profundamente, como se precisasse se envenenar do perfume suave de algodรฃo que escapava de seu pescoรงo.
- Isso soa como um pensamento absurdamente egoรญsta...
- Talvez seja. Mas estou me permitindo ser egoรญsta... pela primeira vez na vida. โ retrucou, soltando delicadamente seus pulsos para envolver o corpo dela com os braรงos, apertando-a contra si como se temesse que o mundo a roubasse dele a qualquer instante. - Vocรช me torna um homem pior, sabia?
- Bem... foi vocรช quem quis assim, nรฃo foi? โ murmurou ela, afastando-se apenas o suficiente para encarรก-lo, permitindo que suas mรฃos deslizassem por seus braรงos atรฉ alcanรงarem os ombros, os dedos trรชmulos buscando consolo no calor da pele dele. - Vocรช me disse para continuar miserรกvel... mas que fosse miserรกvel ao seu lado.
- Disse, sim...
- Mas vocรช nรฃo disse isso para mim, disse? โ sussurrou Elisabette, desviando o olhar, as lรกgrimas escorrendo com amargura pelos cantos dos olhos e mergulhando nos fios de cabelo desgrenhados. - Disse para ela.
- Ela?
- Ela... โ repetiu com a voz embargada, hesitante, como se proferir aquilo lhe roubasse o fรดlego. - Aquela garota tola... ingรชnua... que vivia com a cabeรงa nas nuvens. Estรบpida... e ainda assim tรฃo melhor do que eu.
Um silรชncio cortante se formou, atรฉ que a voz grave de Trafalgar a atravessou como um trovรฃo em noite sem lua:
- Chega disso, Lizzy-ya.
Ela estacou. O tom dele a arrepiou, mas foi o apelido que a fez prender a respiraรงรฃo.
- Vocรช continua sendo vocรช. โ ele prosseguiu, firme. - Ela รฉ vocรช. Vocรช รฉ ela. Apesar de tudo. Mesmo agora. Mesmo ferida, mesmo em ruรญnas. Vocรช ainda รฉ... vocรช.
E entรฃo, num sussurro abafado pela dor contida:
- E eu... eu amo vocรช.
A รบltima frase foi o estopim. Tudo aquilo que ela mantinha contido no peito, por tanto tempo reprimido, rompeu em um sรณ gesto desesperado. Seus braรงos e pernas enroscaram-se ao redor dele com urgรชncia, como se sua prรณpria existรชncia dependesse daquele contato, como se soltar-se significasse desaparecer. O ferimento no ombro ardia, ainda sangrando em silรชncio, mas aquela dor fรญsica era insignificante diante do tormento mais cruel: o de, apesar de tudo, ainda ser ela mesma.
Ser ela... ainda que fragmentada, confusa, em ruรญnas. Odiava a ideia de carregar tantas versรตes de si, todas conflitantes, todas gritando ao mesmo tempo. E, ainda assim, permanecer inteira doรญa ainda mais. Assustava. Dilacerava.
Law a envolveu com forรงa, como se pudesse fundi-la ao prรณprio corpo. Ergueu-a do chรฃo e a manteve junto de si, colando-a contra o peito como um relicรกrio precioso que jamais permitiria perder. Seu rosto afundou na curva do pescoรงo dela, enquanto ela se escondia em seu ombro como se ali houvesse refรบgio contra o mundo. As lรกgrimas quentes que caรญam dos olhos dela escorriam por sua pele como lamentos silenciosos, e cada soluรงo que fazia seu corpo tremer era sentido por ele como se fossem seus prรณprios.
Naquele momento, ela era apenas fragilidade: sensรญvel, vulnerรกvel, indefesa. E ele... ele seria o que fosse preciso. Abrigo. Fortaleza. Guardiรฃo. Estaria ali para acolhรช-la, para firmar os pรฉs dela no chรฃo quando o mundo desabasse. Nรฃo importava quem ela tivesse sido, quem ela fosse agora ou quem jamais conseguiria ser. Ele a seguraria com a mesma intensidade de quem segura algo sagrado, com a devoรงรฃo de quem encontra, no caos de alguรฉm, o prรณprio sentido.
Mesmo que aquilo que tivessem estivesse se tornando confuso, doloroso, atรฉ possessivamente obsessivo... ainda assim, encontravam alรญvio um no corpo do outro. Eram refรบgio. Eram vรญcio. Ela, mesmo com a pele fria, os olhos opacos e a alma por vezes desvanecida, ainda era tudo. Ainda era dele.
E Trafalgar Law, o Cirurgiรฃo da Morte, Capitรฃo dos Piratas de Copas, seria o escudo entre ela e qualquer coisa que ameaรงasse quebrรก-la mais uma vez. Porque, ainda que tudo ruรญsse, ele jamais permitiria que a levassem para longe de seus braรงos. Nรฃo enquanto ainda respirasse.
Os olhos dele pousaram suavemente sobre o ombro nu da jovem, onde o corte aberto ainda vertia sangue em fios lentos. Algo dentro dele se remexeu โโ uma inquietaรงรฃo instintiva, profunda โโ e, sem pensar, levou os lรกbios atรฉ o ferimento, depositando ali um beijo tรญmido, manchando a prรณpria pele com o lรญquido carmesim e ferroso. Ela suspirou, estremecendo sob o gesto รญntimo e insรณlito.
Law afastou o rosto, os olhos buscando os dela. Estavam vermelhos e inchados, ainda inundados por lรกgrimas que escorriam lentamente, acompanhadas por soluรงos fracos e uma respiraรงรฃo entrecortada. O nariz escorria discretamente, traindo a fragilidade que ela tentava conter. Com cuidado, a mรฃo dele soltou o corpo dela, apenas o suficiente para subir atรฉ seu rosto. O polegar encontrou sua bochecha รบmida e ruborizada, traรงando cรญrculos suaves e lentos, como se pudesse apagar a dor.
O olhar dela, tรฃo vulnerรกvel e desolado, puxava com violรชncia as cordas do coraรงรฃo dele โโ como se cada lรกgrima derramada sussurrasse um pedido de permanรชncia que ele jamais seria capaz de recusar.
- Veja sรณ o que vocรช me fez fazer, sua pirralha idiota... โ murmurou, aproximando seus lรกbios pรกlidos em um beijo hesitante, porรฉm terno. - Peรงo desculpas... mas foi vocรช quem me enforcou e, por um momento, achei que... ah, droga... venha, eu... eu vou lhe limpar e tambรฉm vou trocar esses curativos...
- Trafal... โ ela parou, o olhar perdido por um instante antes de voltar a falar novamente com a voz fraca e tรญmida, quase chorosa: - Law-san...
Um suspiro โโ de alรญvio ou talvez de puro esgotamento โโ escapou silenciosamente por entre os lรกbios do homem, que apenas a apertou com mais forรงa contra si, como se quisesse protegรช-la do mundo, do tempo e da dor. Seus passos foram suaves e cuidadosos ao atravessar o cรดmodo atรฉ o banheiro, onde a acomodou delicadamente sobre a bancada da pia. Com gestos atentos, desvencilhou-se dela, mas seus olhos nรฃo a deixaram nem por um instante.
Law a observou em silรชncio, como quem contempla algo frรกgil e precioso. Suas mรฃos, envoltas em ternura contida, moveram-se com cuidado atรฉ a camisa dela, retirando-a lentamente, respeitando cada segundo daquele desnudar silencioso. Depois, com a mesma delicadeza quase reverente, abaixou sua saia e a calcinha, expondo sua nudez ร luz trรชmula do cรดmodo โโ mas, para ele, nada havia ali senรฃo vulnerabilidade. Seu olhar acinzentado, sempre tรฃo aguรงado, naquele instante via apenas a alma ferida diante de si.
Desfez os curativos com o mesmo zelo, desnudando aos poucos as marcas da dor em sua pele. E entรฃo, num gesto que misturava forรงa e proteรงรฃo, a tomou nos braรงos novamente, guiando-a com gentileza atรฉ o chuveiro. A ajudou a se apoiar contra a parede e, apรณs despir-se tambรฉm, a envolveu pela cintura e a atraiu contra o peito. Ligou a ducha, deixando que a รกgua fria despencasse sobre seus corpos, lavando o sangue, o suor e os vestรญgios de uma dor recente demais para ser esquecida.
Elisabette inspirou profundamente, o toque gelado da รกgua cortando-lhe a pele e despertando nela lembranรงas dolorosas โโ o momento em que seu corpo foi engolido pelo mar, a exaustรฃo da rendiรงรฃo, e a visรฃo fantasmagรณrica de suas asas se desintegrando no oceano escuro, pena por pena, como se sua liberdade se desfizesse em pรณ diante de seus olhos, restando apenas o vazio.
Percebendo a tensรฃo que ainda habitava o corpo frรกgil aconchegado ao seu, Law suavizou o olhar e a apertou com mais firmeza, como se, de alguma forma, pudesse afastar os pesadelos que a consumiam. Sentiu, aos poucos, os ombros dela relaxarem, os mรบsculos cederem, atรฉ que ela enfim se rendeu ร quele conforto e permitiu que o choro cessasse por completo.
Com movimentos lentos, as mรฃos dele percorreram suas costas, ensaboando-a com delicadeza quase ritualรญstica, como se purificรก-la fosse seu dever sagrado. Limpou-lhe os braรงos, as pernas, e por fim o rosto โโ onde o carinho se disfarรงava entre gestos de cuidado. Por fim, aplicou o shampoo em seus cabelos platinados, massageando o couro cabeludo com a mesma devoรงรฃo de quem toca algo precioso, descendo pelas longas madeixas onduladas atรฉ que tudo fosse levado pela รกgua.
Ao terminar, envolveu-a em uma toalha macia e a tomou nos braรงos no estilo de uma noiva, como se carregasse o mundo inteiro. Encostou a testa na dela e a beijou mais uma vez, num gesto lento, รญntimo e doce, onde as lรญnguas se tocaram brevemente, como se aquele instante pudesse durar para sempre.
De volta ao quarto, deitou-a com cuidado sobre a cama e comeรงou a secรก-la. Refez os curativos com paciรชncia, aplicou as medicaรงรตes e, por fim, deteve-se diante da expressรฃo entristecida e amada que dominava o semblante dela. Parou por um momento. Ajoelhou-se diante de seu corpo ferido e segurou-lhe o rosto com ambas as mรฃos, os dedos deslizando suavemente por suas bochechas, enquanto seus olhos mergulhavam nos dela โโ um olhar repleto de carinho, cuidado e uma silenciosa promessa de nรฃo deixรก-la jamais.
- Vocรช pode... cortar o meu cabelo? โ o questionamento o pegou de surpresa, levando-o a arquear levemente as sobrancelhas, enquanto seu olhar se tornava curioso e ligeiramente confuso.
- Cortar o seu cabelo? Por quรช? โ Law respondeu com outra pergunta, suas mรฃos deslizando atรฉ os ombros dela. - Ele รฉ lindo assim.
- Eu... eu sempre quis cortรก-lo, mas... sempre tive medo de mudar tanto assim, entรฃo... entรฃo eu nunca... โ ela hesitou, seu olhar sustentando o dele por alguns instantes antes de desviar para o lado. Mordeu os lรกbios, arrependida. - Esquece...
- Lizzy-ya.
Elisabette voltou a encarรก-lo, atenta como um filhote ao ouvir o chamado do dono. Seus olhos de cores distintas se fixaram nos dele com uma curiosidade genuรญna, como se o simples ato de ele a chamar daquela forma fosse suficiente para despertรก-la de um transe silencioso e paranoico.
- Se vocรช quiser que eu corte o seu cabelo, eu corto.
- Mesmo...?
- Claro. โ afirmou, erguendo um pouco o corpo, apenas o suficiente para aproximar os rostos e depositar um beijo suave em sua testa. - Eu... eu sรณ nรฃo posso garantir que vรก ficar bom, tudo bem? Sou mรฉdico, nรฃo cabeleireiro.
Diferente do que esperava, ela soltou uma risada fraca. Os ombros se moveram suavemente com a gargalhada tรญmida, enquanto ela o olhava com diversรฃo nos olhos, fazendo com que seu peito se aquecesse. Law suspirou, aliviado por ter a oportunidade โโ e o privilรฉgio โโ de ouvir aquele som mais uma vez, ainda que tรฃo frรกgil, abafado, quase preso na garganta. E, mesmo assim, foi o suficiente para arrancar-lhe um leve sorriso no canto dos lรกbios.
Aquilo era um comeรงo โโ ou talvez, um recomeรงo.
Law a encarava com um semblante carrancudo, o cenho profundamente franzido diante da tolice que acabara de cometer. eu "O que se poderia esperar ao usar uma tesoura cega e enferrujada para cortar os cabelos de alguรฉm?" โโ questionou-se mentalmente, levando uma das mรฃos atรฉ o rosto e apertando a ponte do nariz com visรญvel frustraรงรฃo.
Ele sabia que nรฃo era nenhum especialista em cortes de cabelo. Afinal, os encarregados por impedir que uma moita de fios emaranhados e absurdamente volumosos tomasse conta de sua prรณpria cabeรงa eram Clione ou Ikkaku. Agora, deparava-se com o desastre que provocara ao subestimar suas prรณprias (inexistentes) habilidades.
No chรฃo da lavanderia, vรกrias mechas platinadas jaziam espalhadas. Cachos loiros estavam dispersos em desordem, e recortes tortos e mal feitos denunciavam o erro. Seus pรฉs estavam cercados por fios despedaรงados, enquanto ele segurava firmemente o encosto da cadeira, impedindo que Elisabette se virasse e visse o estrago.
Os cabelos, que ela pedira para que fossem cortados na altura do meio das costas, estavam agora acima dos ombros; e a franja, que deveria ser apenas aparada, terminava na linha das sobrancelhas. Se ela nรฃo o havia enforcado no quarto anteriormente, certamente o mataria agora โโ talvez enfiando aquela tesoura velha e caindo aos pedaรงos diretamente em sua garganta.
- Posso olhar? โ ela sorriu, fitando-o com uma expectativa tรฃo genuรญna que o fez trincar os dentes e engolir em seco.
- Pode, sim. Mas lembre-se do que eu disse: sou mรฉdico, nรฃo cabeleireiro. โ suspirou Law, girando lentamente a cadeira atรฉ que o rosto dela se voltasse para o espelho. No reflexo, viu os olhos de Elisabette se arregalarem.
- Ah, nรฃo! Nรฃo foi isso que eu pedi!
- Eu avisei! โ retrucou ele, sentindo o sangue gelar ao vรช-la se levantar da cadeira e se aproximar ainda mais do pequeno espelho. - Vocรช insistiu, eu sรณ obedeci!
- Minha cabeรงa estรก parecendo um capacete! โ Elisabette levou as mรฃos ao rosto, horrorizada, e virou-se para ele. - A franja nรฃo combina em nada com as sobrancelhas! Estรก ridรญculo!
- Eu dou um jeito nelas, vem cรก. โ antes que ela pudesse protestar, ele jรก a puxava pela cintura e pegava o barbeador. - Nรฃo se mexa.
- Ai!
- Puta que pariu...
- O quรช!? โ ela empalideceu, tentando virar o rosto para o espelho, mas teve o queixo firmemente segurado.
- Fique quieta, Lizzy-ya!
โโโโโโโโโโโโโโโโโโ
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