
━━ 𖥔 ִ ་ ، 𝟲𝟲. 𝗔𝗹𝗴𝘂𝗲́𝗺 𝗽𝗮𝗿𝗮 𝗮𝗺𝗮𝗿.
𝗖𝗔𝗟𝗟 𝗢𝗙 𝗦𝗜𝗟𝗘𝗡𝗖𝗘, 𝘵𝘳𝘢𝘧𝘢𝘭𝘨𝘢𝘳 𝘥. 𝘸𝘢𝘵𝘦𝘳 𝘭𝘢𝘸.
𝘭𝘢𝘺𝘰𝘶𝘵 𝘣𝘺 𝘯𝘪𝘯𝘢, 𝘢𝘬𝘮𝘢𝘯𝘮𝘪.
❛𝒯𝘶𝘥𝘰 𝘰 𝘲𝘶𝘦 𝘦𝘶 𝘧𝘪𝘻 𝘯𝘢 𝘷𝘪𝘥𝘢,
𝘦𝘶 𝘧𝘪𝘻 𝘱𝘰𝘳 𝘦𝘭𝘦. ℳ𝘢𝘴 𝘢𝘨𝘰𝘳𝘢 𝘦𝘭𝘦
𝘧𝘰𝘪 𝘦𝘮𝘣𝘰𝘳𝘢, 𝘦 𝘦𝘶 𝘢𝘪𝘯𝘥𝘢 𝘦𝘴𝘵𝘰𝘶 𝘢𝘲𝘶𝘪.❜
❛𝓥𝘰𝘤𝘦̂ 𝘦́ 𝘦𝘴𝘱𝘦𝘤𝘪𝘢𝘭 𝘱𝘰𝘳𝘲𝘶𝘦
𝘯𝘢𝘴𝘤𝘦𝘶 𝘯𝘦𝘴𝘵𝘦 𝘮𝘶𝘯𝘥𝘰.❜
━━ Em algum lugar do North Blue ; Memórias...
ᘡTrafalgar Law, Cirurgião da Morte. ❪O ponto de vista dele❫
Se havia algo que uma criança de treze anos ainda não conseguia compreender por completo, era o verdadeiro significado da morte. E, ainda que eu já soubesse o que era morrer, já tivesse testemunhado incontáveis vidas se esvaindo diante de meus olhos sem que eu pudesse mover um único músculo para impedir, o pavor continuava ali, implacável. A qualquer momento, meu corpo poderia ceder à Doença do Chumbo Branco, e eu simplesmente deixaria de existir.
As noites eram maldormidas, sufocantes, envoltas em febre e alucinações, enquanto o temor de uma convulsão febril me mantinha acordado, imóvel, aterrorizado. A raiva e a revolta eram as únicas emoções que ainda me pertenciam, pois até mesmo a tristeza parecia ter se esvaído. Restava apenas a angústia corrosiva, o medo incessante de que, ao fechar os olhos por um instante sequer, eu jamais voltaria a abri-los.
Não importava o quanto eu comesse, nem mesmo o quanto Cora-san se esforçasse para me alimentar ── pois, segundo ele, eu estava em fase de crescimento e precisava comer para me tornar "um homem forte" como ele. Meu corpo, entretanto, não reagia. Permanecia esguio, frágil, incapaz de se desenvolver como deveria. Aos treze anos, eu tinha o mesmo peso e altura de uma criança de dez. Meu organismo simplesmente se recusava a amadurecer, preso no tempo como um corpo condenado à deterioração antes mesmo de alcançar a plenitude da vida.
O único médico que me examinou com real preocupação foi aquele que, por fim, confirmou o que eu já suspeitava. Lembro-me com nitidez do seu olhar grave, das palavras ditas em tom seco e irremediável, do modo como Cora-san apertou os punhos para conter as lágrimas que, mesmo que ele tentasse esconder, estavam ali, visíveis sob aquela máscara de seriedade.
"A doença está se alastrando por todo o corpo dele. É por isso que não apresenta sinais de puberdade ou crescimento desde que foi infectado. Em breve, todos os seus órgãos estarão comprometidos, e então, de fato, os dias dele estarão contados."
Respirei fundo, engolindo o choro, desviando o olhar para longe na tentativa inútil de me resignar à minha sentença. Mas Cora-san... ele não se abalou. Nem por um segundo. Enquanto eu tentava aceitar o inevitável, ele persistia. Continuou buscando, perguntando, arriscando-se, agarrando-se a qualquer fio de esperança até que, enfim, surgiu a menção da Ope Ope no Mi.
No início, não vi qualquer chance. Imaginei que seria apenas mais uma busca desesperada, outro caminho que nos levaria a lugar algum. No final, ele falharia, e eu morreria. E Cora-san, que tanto lutou, carregaria para sempre o peso da culpa por não ter conseguido me salvar. Mas o que ele nunca soube... é que, por mais que eu desejasse sobreviver, eu nunca quis que a responsabilidade pela minha vida recaísse sobre ele.
Ele não tinha nada a ver com meu sofrimento.
Ou, pelo menos, era o que eu tentava me convencer. Porque, com o tempo, percebi que Cora-san não era apenas meu salvador. Ele era a única pessoa no mundo em quem eu podia confiar.
E, de alguma forma, amar.
Todas as vezes em que eu fingia estar dormindo e ouvia o som abafado de seus soluços, enquanto bebia até o sono finalmente tomá-lo, amaldiçoando-se por não conseguir me ajudar como gostaria, algo dentro de mim se despedaçava de um modo que eu sabia que jamais poderia consertar. Mesmo que eu sobrevivesse e tivesse a chance de levar uma vida pacífica ao seu lado, aquela fissura permaneceria, irremediável.
No início, eu o odiei. Quis matá-lo por ter me arrancado debaixo das asas de alguém a quem eu admirava ── Donquixote Doflamingo. Mas, com o tempo, quando compreendi o que ele realmente significava para mim, quando reconheci o turbilhão de sentimentos que me tomava sempre que ele demonstrava cuidado e afeição, percebi que já não sabia mais como existir sem sua presença.
Não poderia viver sem tê-lo ao meu lado, sem ouvir suas palavras tentando aliviar meu humor, sem suas trapalhadas ridículas ou suas piadas sem graça. Tampouco saberia lidar com as madrugadas em claro sem suas histórias fantasiosas, aquelas que ele insistia em contar quando a dor me consumia e me mantinha acordado, à mercê de uma agonia constante.
Naquele caos que era minha vida, a única paz que conheci estava em suas palavras.
E, acima de tudo, em seu toque.
Certa noite, ao retornarmos de mais uma tentativa frustrada em um hospital, o céu já estava tomado pela escuridão, e o frio parecia ainda mais cortante. Ou, ao menos, era o que eu imaginava, pois já não conseguia distinguir se o ar gélido realmente castigava minha pele ou se era apenas a febre maldita que me fazia tremer e bater os dentes contra o peito de Cora-san. Meu corpo pequeno e frágil estava envolto em seus braços firmes, protegido pelo calor do casaco de plumas negras que, apesar da dor e do delírio, me proporcionava um mínimo de conforto.
Minhas mãos trêmulas se agarravam ao tecido de seu suéter enquanto minha respiração ofegante escapava em sussurros desconexos, palavras sem sentido que nem eu mesmo conseguia compreender. No entanto, mesmo diante da minha fragilidade, seus dedos deslizavam suavemente por minhas bochechas, em uma carícia leve e cuidadosa ── como se qualquer deslize, qualquer passo em falso, pudesse me ferir ainda mais.
Chegamos a uma área mais isolada, uma colina não muito distante do vilarejo, onde Cora-san decidiu que passaríamos a noite. Com delicadeza, ele me deitou sobre o chão, ajustando o moletom em meu corpo para cobrir completamente minha pele e minimizar o frio que me fazia tremer. Em seguida, retirou seu casaco de plumas e o utilizou para improvisar um colchão, que, devido ao seu tamanho em comparação ao meu, também serviu como cobertor. Com gestos cuidadosos, ele me aninhou ali, como se eu fosse um pequeno embrulho frágil.
Observei-o em silêncio, o cenho franzido, a visão embaçada e o rosto corado pela febre. Sua mão pousou suavemente sobre minha testa, a pele ligeiramente fria contrastando com o ardor abrasador do meu corpo. Ele suspirou, passando os dedos lentamente pelos cabelos loiros e desalinhados antes de voltar a me encarar. Um sorriso surgiu em seus lábios, e sua voz, embora gentil, carregava um tom brincalhão ao dizer:
- Seu anjinho da guarda não tem sido de muita ajuda, não é? Que sapequinha... O pequenino deve estar tirando uma soneca agora. ─ ele riu, um tanto desajeitado, enquanto se ajoelhava no chão e começava a organizar uma fogueira.
- É um imbecil que não serve pra nada... ─ murmurei, minha voz quase inaudível devido à fraqueza, enquanto me encolhia sob o casaco.
- Como eu disse dias atrás, ele deve ser uma criança como você, só que atrapalhada e bobinha... Não um bombom de limão como você.
- Eu não sou um bombom de limão...! ─ tentei protestar, mas meu esforço foi em vão. Uma pontada dolorosa atravessou meu peito, fazendo-me engolir em seco.
- Ah, sim, você é. ─ ele riu novamente, finalmente conseguindo acender a fogueira. Em seguida, aproximou-se de mim, deitando-se ao meu lado. Sua mão encontrou meu peito, onde começou a dar leves tapinhas, reconfortantes e ritmados. - Um bombom de limão azedinho e ranzinza. Mas fique tranquilo, Law... Eu gosto de você mesmo assim.
- Cora-san...
- Sim?
- Seu cabelo tá pegando fogo... ─ murmurei, observando sua expressão se transformar em puro choque antes que ele começasse a rolar desesperadamente pela grama, tentando apagar as chamas em sua cabeça.
Permaneci em silêncio, exausto demais para reagir com uma gargalhada ao vê-lo rolar de um lado para o outro, cobrindo-se de grama e terra. Meus olhos, pesados pelo sono e pelo cansaço, permaneceram fixos em sua figura desajeitada, enquanto ele gritava e repetia inúmeras vezes para que o fogo se apagasse ── sendo que as chamas já haviam se extinguido no instante em que ele dera a primeira volta sobre o gramado.
Quando finalmente cessou seus movimentos, respirou fundo, deixando o antebraço repousar sobre a testa, enquanto o suor escorria por sua bochecha. Seu rosto trazia uma expressão exagerada, como se tivesse acabado de enfrentar um grande perigo, transformando um pequeno incidente em uma verdadeira tempestade em copo d'água.
Ao voltar a me encarar, ele sorriu largamente. Franzi o cenho e escondi parte do rosto na manga de seu casaco, lançando-lhe um olhar carrancudo, esperando que entendesse o recado: eu não queria mais ser incomodado e tentaria dormir. Contudo, percebi que ele ainda parecia disposto a passar horas conversando, e eu sabia exatamente o motivo de sua insistência em manter o diálogo.
- E então, Law, o que você quer ser quando crescer?
- Um defunto bem enterrado. ─ respondi com rispidez, desviando o olhar, enquanto ele arregalava os olhos, deixando seu queixo cair.
- QUANTA NEGATIVIDADE! ─ exclamou, cutucando minha bochecha com o indicador. - Você não pode pensar assim! Vamos conseguir curar você.
- Se você diz... ─ murmurei, e, tomado por minha própria vulnerabilidade e fragilidade, segurei sua mão, que parecia grande demais comparada às minhas, e deixei meu rosto descansar em sua palma.
- Sabe, Law, eu tenho certeza de que você será um grande homem quando crescer. Terá muitos amigos e, quem sabe, até uma namoradinha, caso resolva melhorar um pouco esse seu humor.
- Não preciso de amigos... nem de namorada! Meninas são chatas e barulhentas, a voz delas me irrita! São muito finas e estridentes!
- Engraçado você dizer isso quando sua voz também é fina e estridente...
- Não é, não! ─ retruquei, emburrado.
- Claro que é. E eu acho adorável. ─ Cora-san riu, apertando levemente minha bochecha. Em seguida, se aproximou e, com a mão livre, acariciou minha cabeça com cuidado. - Você vai crescer, Law. Vai se tornar um homem forte e inteligente. E eu estarei lá para puxar sua orelha sempre que for rabugento com seus colegas.
Eu não lhe respondi; apenas me mantive em silêncio enquanto ele continuava a acariciar meu rosto, sua mão, geralmente pesada e áspera, agora tocava minha pele com uma leveza surpreendente. Seus dedos brincavam cuidadosamente com meus fios de cabelo grisalhos e deslizavam por meu rosto com um carinho afetuoso demais para alguém que, em teoria, não possuía qualquer vínculo comigo ── mas cuja presença eu, no entanto, ansiava cada vez mais.
Durante semanas, tentei convencer a mim mesmo de que não precisava dele, de que não necessitava de ninguém além de Doflamingo. Acreditava que apenas ele poderia compreender minha dor, minha revolta e a angústia entrelaçada à raiva que mantinha meu coração em constante turbulência, sufocado por rancor. Mas... os dias passaram, as semanas se transformaram em meses e, quando menos esperei, percebi que desejava a presença de Cora-san mais do que qualquer outra coisa no mundo.
Eu queria estar com ele sempre, receber seus cuidados e sua atenção direcionados unicamente a mim, sem que nada pudesse nos separar. Se eu fosse salvo ── se ele realmente conseguisse a Ope Ope no Mi e me curasse da Doença do Chumbo Branco ──, tudo o que eu desejava era que, a partir daquele momento, nada mais mudasse.
Queria permanecer ao seu lado, sob sua proteção, sob seus cuidados e sua atenção constante, acompanhando seus passos, crescendo e me tornando alguém como ele. Desejava que, a cada movimento que eu fizesse, a cada passo dado, sorriso esboçado, promessa feita ou declaração pronunciada, ele estivesse ali. Que estivesse presente a cada laço que eu rompesse, a cada palavra que eu dissesse, em todos os dias e noites que viessem.
Queria que ele me visse jogar, fazer amigos ou até mesmo conhecer uma garota qualquer ── e que, em todos esses momentos, ele estivesse ali, apenas me observando e sorrindo, como sempre fizera desde o início de nossa jornada em busca de uma cura para mim.
- Sabe, quando você crescer, pode formar uma família. Uma família de verdade, diferente da Família Donquixote. ─ disse ele, sorrindo antes de afastar a mão de mim. Em seguida, deitou-se de costas, apoiando a cabeça nos braços e cruzando as pernas de maneira relaxada.
- Não quero me casar... nem ter filhos. Se isso acontecesse, eles poderiam nascer doentes como eu. ─ retruquei, dando de ombros. Ergui o olhar para o céu, observando o manto índigo pontilhado por estrelas cintilantes.
- Ah, Law... ─ ele sorriu, sem desviar os olhos do céu. - Família não se resume a laços sanguíneos. Já ouviu aquele ditado: "Seu sangue até pernilongo tem"? Família são as pessoas que te amam, que cuidam de você e te respeitam. Qualquer um que te oferecer essas coisas é sua família, Law. Nunca se esqueça disso.
- Não vou...
Observei Cora-san se acomodar no gramado, entregando-se ao calor da fogueira e ao abraço silencioso da noite, onde nossas únicas fontes de luz eram o fogo bruxuleante e as estrelas distantes. Não demorou para que o cansaço o vencesse, e seu ronco suave preenchesse o silêncio, deixando-me "sozinho" com meus próprios pensamentos ── e tudo o que me consumia: raiva, angústia, rancor. Encolhi-me dentro de seu casaco, buscando algum resquício de calor, algo que pudesse tornar o chão duro menos cruel.
Juntei as mãos, tentando aquecê-las com o sopro fraco de minha respiração. Um arrepio percorreu minha espinha, e meus dedos tremeram. Eu sabia que família não se resumia ao laço de sangue, mas sim a respeito, lealdade, amor e cuidado. Eu não era ingênuo ── só tinha medo. Um medo sufocante, paralisante. Um medo que se entranhava em minha pele e se enroscava em meus ossos. Medo de amar de novo. Medo de me apegar a alguém da mesma forma que amei meus pais, minha irmã, meus amigos. Medo de que amar significasse condená-los, entregar-lhes o fardo da morte que sempre parecia me acompanhar, arrancando de mim tudo o que era bom.
Eu amava Cora-san. E o pavor de perdê-lo, de vê-lo desaparecer, de nunca mais ouvir sua risada desajeitada, corroía-me por dentro. No fim, meu pior temor se concretizou ── vê-lo morrer por minha causa foi o que estilhaçou o que já estava quebrado: meu coração.
━━ Segunda parte da Grand Line, Novo Mundo ; País de Zou.
Atualmente.
Meu olhar permanecia fixo em Elisabette-ya e no Mugiwara-ya, que se mantinham próximos demais, com as mãos nos rostos um do outro ── uma intimidade comprometedora até mesmo para dois idiotas cuja dinâmica sempre fora marcada por uma forte relação de capitão e subordinada. Ele me fitou com naturalidade, mantendo a expressão séria por alguns segundos antes de exibir seu habitual sorriso largo. Ela, no entanto, manteve os olhos cravados em mim, o semblante indecifrável, como se me analisasse. Minha atenção prendeu-se no olho dourado dela, que até dois dias atrás permanecia com a coloração perolada, resultado do ferimento de bala que a deixara cega.
O silêncio entre nós apenas não se tornou insuportável porque o garoto do chapéu de palha não cessava de falar. Comentava sobre Elisabette-ya e sua recuperação, expressando sua gratidão por eu ter me oferecido para cuidar dela na ausência de Tony-ya, e dizia que seria eternamente agradecido por qualquer coisa que eu fizesse para ajudá-la a se restabelecer. Entretanto, minha disposição em auxiliá-la havia se dissipado com a mesma rapidez com que surgira ao me dispor a tratá-la.
Meu estômago revirava e fervia de inquietação, e embora minha expressão permanecesse fria como de costume, eu me segurava com esforço para não ir até ela e exigir explicações ── por que, diabos, ela estava beijando seu capitão? Aquilo era algum tipo de brincadeira? Ou teria ela realmente perdido o juízo ao cair no mar?
- Vou deixar cê cuidando dela e vou terminar de encher a pança pra viagem. Passo aqui antes de partir pra me despedir, tá bom, Lis? ─ disse ele, com um sorriso ainda mais largo ao encarar sua companheira, que mantinha o olhar perdido nos olhos dele e, por fim, retribuiu com um sorriso fraco.
- Tá bom, vou esperá-lo... ─ ela sussurrou tão baixo que mal pude ouvir, mas, devido à nossa proximidade, fui capaz de ler os seus lábios.
Quando o Mugiwara-ya se retirou da cabana, a porta se fechou atrás dele e, após alguns segundos, virei-me para encarar Elisabette-ya, que já me observava com seus olhos grandes e cansados. Havia olheiras profundas e muito escuras marcando seu semblante, destacando-se de maneira drástica contra a palidez extrema de sua pele. Até mesmo suas bochechas, que costumavam ter um leve tom rosado, agora estavam alvas demais, dando-lhe uma aparência quase sem vida.
Com um olhar clínico, analisei-a superficialmente, sem sequer precisar examiná-la por completo. A tonalidade esbranquiçada de sua pele tornava visíveis as veias em tons azulados e arroxeados, sendo essas, junto aos olhos ── um azul e o outro dourado ──, as únicas fontes de cor em seu corpo, que se mostrava apagado, ofuscado pelo ambiente, quase translúcido.
Eu já havia cuidado de seus ferimentos em outras ocasiões ── como quando a acolhi em Sabaody e a mantive sob meus cuidados até que pudesse se virar sozinha, ou no Thousand Sunny, quando tratei da Febre das Árvores, e mais tarde, em Dressrosa, após o confronto com Doflamingo. Mas desta vez... desta vez era diferente. Ela não parecia tão ferida fisicamente quanto antes e, ainda assim, jamais a vi tão abatida. Era como se a vida já a tivesse deixado, como se, diante de mim, restasse apenas um corpo ── uma casca vazia ── que me fitava com olhos sonolentos e exaustos.
Não era ela.
Aquele olhar, embora exausto e praticamente destituído de vida, era irreconhecível. Mesmo que estivéssemos a milhas de distância ou que mil anos se passassem sem vê-la, ainda assim, eu seria capaz de reconhecê-la. No entanto, ali, diante de mim, a me encarar... não era ela.
Apesar de o rosto ser o mesmo ── as bochechas redondas e suavemente preenchidas, os lábios rosados e carnudos formando naturalmente um leve biquinho, os olhos grandes sempre atentos a tudo, os cabelos platinados com a raiz lisa e as pontas formando ondas de cachos dourados que se destacavam entre os fios prateados, o corpo curvilíneo, as sardas delicadamente espalhadas pelo rosto e busto, pequenas demais para serem notadas à distância, mas visíveis o bastante de perto ── aquela não era a Elisabette que eu conhecia. Aquela que eu havia aprendido a amar acima de quaisquer defeitos, além de todas as nossas diferenças. Eu podia sentir isso... pela forma como ela me olhava. Pela expressão vazia em seus olhos.
Era a mesma pessoa que, a sangue frio, ceifara o Pássaro do Sul. A mesma que investira contra Doflamingo com fúria desmedida, empunhando sua foice elétrica. E, ainda assim, não era ela. Havia algo de profundamente errado. Era bizarro, estranho, inexplicável... mas algo dentro de mim gritava, suplicava, quase soluçava em desespero, alertando: aquela não era ela. Ainda que, de algum modo, fosse.
Era confuso. Drasticamente confuso. Porque nem eu compreendia aquela mudança tão sutil, tão imperceptível, e ao mesmo tempo alarmante, estrondosa, quase dilacerante.
Aproximei-me um pouco mais dela e, ao contrário das outras vezes ── em que sempre arregalava os olhos e me observava com desconfiança, mesmo sabendo que eu jamais lhe faria mal algum ──, Elisabette não recuou. Manteve-se quieta, em silêncio, apenas observando aproximar-me, até o momento em que sua expressão vazia se elevou e encontrou o meu olhar.
Permaneci em silêncio, encarando-a, até que minha mão tocou suavemente seu rosto. E, ainda assim, nenhuma reação. Nenhum rubor, nenhum arrepio, nenhum sorriso ou desvio de olhar. Apenas permaneceu ali, imóvel, inexpressiva. Sua pele, outrora quente e macia, encontrava-se agora fria ── gélida como se tivesse acabado de emergir das profundezas do mar. Ela estava tão fria quanto um cadáver.
Quando percebi, ambas as minhas mãos já repousavam em seu rosto, como se buscassem, desesperadamente, algo familiar. E foi nesse instante que ela finalmente desviou o olhar, adotando um semblante abalado, como se, de alguma forma, compreendesse a dor que eu estava sentindo. Como se estivesse, ela mesma, tentando encontrar-se dentro de si.
Uma pontada atravessou meu peito ── uma dor semelhante àquela que senti quando perdi Cora-san. Então, apertei-lhe o rosto uma última vez antes de afastar minhas mãos, dando um passo para trás. Respirei fundo, recompondo-me, recuperando a expressão fria e firme que costumava usar como escudo, e voltei a encará-la em silêncio... antes de finalmente começar a falar:
- Você está gelada... ─ comentei, soltando um suspiro enquanto colocava a maleta médica sobre a cômoda ao lado de sua cama. Abri-a em seguida e comecei a separar alguns medicamentos.
- Trafalgar... ─ ela sussurrou, chamando-me pelo nome e fazendo com que eu interrompesse meus movimentos. - Pegue minha bolsa... por favor.
- Certo. ─ respondi em um tom baixo. Virei-me e caminhei até a cadeira onde a bolsa estava apoiada. Retornei até ela e a coloquei com cuidado sobre seu colo.
- Depois de dois anos e alguns meses... finalmente tenho como te pagar.
- O quê?
Ela abriu um sorriso fraco, o olhar sombrio, enquanto abria a bolsa e revelava diversas moedas douradas e algumas cédulas. Contudo, não eram berries, o que me fez franzir o cenho e encará-la, confuso.
- O que é isso?
- Extol. Moeda de Skypiea. ─ respondeu Elisabette-ya com um sorriso ladino, agarrando a bolsa e a lançando em minha direção. Instintivamente, estendi as mãos e a segurei, ainda em choque.
Por um momento, permaneci em silêncio, encarando seus olhos de cores distintas, sem saber que reação deveria esboçar ou o que dizer. Eu pretendia falar algo, mas as palavras morreram em minha garganta antes mesmo de emitirem um único som. O sorriso dela se desfez, e seu olhar manteve-se sombrio, ao passo que os meus olhos se estreitaram ao se fixarem nos dela. A tensão retornou com a mesma rapidez com que havia se dissipado, e o ambiente ao nosso redor pareceu pesar sobre nossos ombros, tornando-se esmagador.
De fato, eu não planejava mais cobrar-lhe o coração; pretendia devolvê-lo de uma forma ou de outra ── especialmente após tudo o que ocorreu em Dressrosa e, posteriormente, em Zou. Tampouco esperava que ela realmente quitasse a dívida. Aquela quantidade de moedas douradas e cédulas dentro da bolsa me surpreendeu de tal forma que me vi sem palavras, tentando assimilar o fato de que o pagamento havia, de fato, sido efetuado ── e, com ele, o vínculo que nos mantinha unidos de alguma forma havia se rompido antes que eu mesmo pudesse fazê-lo.
- E então? ─ ela sussurrou, apoiando a mão na cabeceira da cama ao tentar se levantar. - Já paguei você. Agora, devolva o meu coração.
- Quando todos estiverem dormindo, nós iremos buscá-lo. ─ respondi, lançando mais um olhar ao interior da bolsa.
- Está dizendo a verdade?
- A única pessoa que sempre mente aqui é você. ─ as palavras escaparam de meus lábios de forma natural, impulsiva e cortante, em uma defesa precipitada que acabou por atingi-la sem qualquer aviso, o suficiente para fazê-la franzir o cenho e arregalar os olhos.
Elisabette, diferentemente do que eu esperava, apenas assentiu e voltou a se sentar na cama, encostando-se de lado à cabeceira, com os olhos fixos no chão em silêncio resignado, sem sequer contestar o que eu havia dito. Senti o peito apertar ao ver a expressão em seu rosto, mas me contive. Nada disse. Apenas iniciei o que havia vindo fazer: examinar seus ferimentos internos e verificar seu estado geral ── algo que, graças à Ope Ope no Mi, seria consideravelmente mais simples e eficiente.
ᘡNarrador. ; ❪O ponto de vista do Leitor❫
O dia transcorreu lentamente, chegando ao fim com a separação dos Chapéus de Palha de seu capitão e de parte da tripulação, que seguira rumo a Whole Cake em busca do cozinheiro do bando, agora revelado como o Príncipe Vinsmoke Sanji, um ex-integrante do antigo Reino Germa. A despedida ocorreu de forma tranquila, com Luffy se despedindo de seus companheiros e os deixando sob os cuidados de seu imediato, Roronoa Zoro. Confiou também em seu aliado, o capitão dos Piratas de Copas, Trafalgar Law, para conduzi-los em segurança até o País de Wano.
Em Zou, permaneceram apenas cinco membros dos Chapéus de Palha: Zoro, Usopp, Elisabette, Robin e Franky. Já Nami, Chopper e Brook partiram com o capitão a bordo do Thousand Sunny em direção ao território de Big Mom, unidos com o propósito de resgatar Sanji de um destino que poderia significar o fim de sua jornada como cozinheiro do bando e de sua busca pelo lendário All Blue.
Quando a noite caiu sobre o País de Zou, apenas o som das cigarras cantando, dos sapos coaxando e o chilrear das corujas preenchia o ar. Os Guardiões do Ducado de Mokomo já se encontravam espalhados pelas diversas regiões do pequeno país. Nekomamushi, por sua vez, repousava sobre o galho de uma árvore, observando a noite estrelada que iluminava o vilarejo. Enquanto isso, na parte traseira de Zunesha, prestes a descer pelo elevador improvisado, estavam Law e Elisabette.
Com cuidado, o moreno de pele tatuada auxiliou-a a subir, posicionando-a adequadamente sobre suas muletas antes de puxar, com lentidão, a corda que os conduziria até onde estava o Polar Tang. Ambos permaneciam em silêncio. Law, recostado, concentrava-se em guiá-los na descida, com o olhar fixo na corda, sentindo a textura áspera queimar levemente as palmas de suas mãos. Elisabette, por sua vez, mantinha o olhar voltado para o chão, os cabelos platinados caindo suavemente sobre os ombros e balançando com a brisa noturna, que arrepiava sua pele e provocava um frio sutil, ainda que incômodo.
O céu encontrava-se escuro, e nuvens de tonalidade marrom-clara começavam a se formar, encobrindo as estrelas e ocultando a lua, o que tornava o ambiente ainda mais lúgubre e sombrio, envolvendo-os em uma penumbra cada vez mais densa conforme se aproximavam do mar. Já podiam ouvir o som das ondas quebrando contra a lateral metálica do navio-submarino dos Piratas de Copas e também contra as imensas patas do elefante colossal.
Logo, gotas de chuva começaram a cair suavemente sobre suas peles, obrigando-os a erguer o olhar, surpresos e curiosos. A mão da jovem de cabelos platinados ergueu-se discretamente, sentindo os pingos frios sobre a palma. Um suspiro escapou-lhe dos lábios ao perceber o vento se intensificar, lançando seus cabelos para trás. Ela voltou o olhar para Trafalgar em busca de alguma orientação, mas ele apenas desviou o rosto e continuou sua tarefa em silêncio, fazendo com que a jovem apenas se encolhesse e colocasse a jaqueta sobre a cabeça, tentando, de alguma forma, se proteger da chuva.
Não demorou para que estivessem perigosamente próximos do mar. A água salgada e gelada, revolta sob os ventos cortantes da tempestade que se armava no céu enegrecido, começava a invadir o espaço do elevador improvisado, encharcando o chão de madeira rangente. A chuva aumentava com fúria, e o som das ondas quebrando contra o casco metálico do submarino ecoava como um rugido ameaçador. Elisabette arregalou os olhos em pânico, seus dedos cravando-se nas muletas enquanto dava passos trêmulos para trás, como se cada centímetro de aproximação da água fosse uma sentença.
Tentou, em um impulso de desespero, abrir as asas e alçar voo, mas uma dor aguda explodiu em sua cabeça, como se a força vital estivesse sendo sugada para fora de seu corpo. Permaneceu ali, estática, seus olhos perdendo o foco, mergulhados em uma negação silenciosa. Os pés afundavam-se nas poças geladas, e ela apenas os encarava, impotente, observando-se afogar sem sequer ter caído.
Um nó espesso e sufocante formou-se em sua garganta. A fraqueza que o mar lhe causava tornava-se insuportável. O ar parecia rarefeito, sua visão embaçada pela chuva, pela vertigem. A realidade à sua volta distorcia-se como um pesadelo: borrões escuros, sons abafados, pulsos nas têmporas. As pernas cederam, e o medo de desabar no mar a esmagou por completo. Estava prestes a se perder, até que sentiu ── como um choque contra o delírio ── duas mãos grandes e firmes segurarem com força seus ombros, a arrancando bruscamente daquele transe apavorante.
- Oi, Elisabette-ya! ─ ele gritou, com a voz séria e fria, fazendo com que ela o encarasse, assustada. - Você ouviu o que eu disse?
- N-não... desculpa... eu... ─ respondeu ela, desviando o olhar para a água que lambia seus pés descalços, enquanto suas mãos, instintivamente, buscavam apoio, agarrando-se à camisa dele.
- Fique tranquila, não é o suficiente para enfraquecê-la demais. ─ disse Law, agora em um tom mais suave, ciente de que aquela sensação de fraqueza era algo completamente novo para ela e do quão apavorante podia ser na primeira vez. - Vamos... antes que a chuva piore e destrua o elevador com nós dois nele.
- Ai, minha nossa!
- Estou brincando... ─ murmurou, desviando o olhar enquanto a tomava nos braços e saltava com leveza para o convés do Polar Tang.
Ciente das dificuldades que ela enfrentava para caminhar ── agora agravadas pela ausência de suas asas, que comprometia seu equilíbrio natural ──, o moreno de pele tatuada optou por tomá-la nos braços. Havia nela uma leveza desconhecida, quase etérea, que lhe pareceu estranha e dolorosa, como se o corpo que agora sustentava não fosse o mesmo que outrora acolhera com familiaridade. Havia algo de diferente, de mais frágil, de mais vulnerável ── e isso o incomodava no âmago. Parecia estar carregando outra mulher, qualquer uma, menos a sua... ou melhor, aquela que ele ainda desejava, com todas as forças, acreditar que era sua. A mesma que, tempos atrás, havia se entregado a ele por completo, despertando sentimentos há muito esquecidos: amor, paz... e um pertencimento raro.
Ela segurava contra o peito as muletas, os braços antes fortes agora pareciam finos, esguios, marcados pela perda de vigor. Ainda se viam traços de músculos ali, discretos, como memórias de uma força que já lhe pertencera. Mas a magreza a envolvia como um manto triste, e ele, mesmo sabendo que a Febre das Árvores havia sido vencida, não conseguia se livrar da dúvida cruel: estaria ela verdadeiramente saudável?
Engoliu as palavras que queriam sair, deixando-as guardadas no coração, sufocadas no silêncio. Apenas a manteve junto ao peito, protegida, enquanto atravessava os corredores do navio-submarino. A escuridão os envolvia à medida que adentravam o interior do Polar Tang, e as paredes de aço e latão devolviam a ele a sensação de um frio reconfortante ── familiar. Naquele ambiente silencioso, sentia-se, apesar de tudo, em casa.
Afinal, o Polar Tang era seu lar. E sua tripulação, mais do que aliados ou subordinados, era sua família. Como Corazón lhe dissera há treze anos, família não é definida por sangue, mas pelo vínculo, pelo afeto, pelo cuidado e pelo respeito mútuo. E era isso que definia os Piratas de Copas: uma família construída nas margens do caos.
Seu amor, sua afeição, sua dedicação silenciosa a cada um deles ── mesmo sob o peso do mau humor constante ── era o que o mantinha de pé. Trafalgar Law resistia, não por teimosia, mas porque sabia que havia pessoas que esperavam por ele. Amigos, irmãos... laços que não podiam ser rompidos pela morte. E talvez, só talvez, fosse isso que ainda o definisse como homem: alguém que, mesmo ferido, continuava caminhando por amor àqueles que escolheu chamar de lar.
Assim que chegaram ao quarto, Law a acomodou com cuidado sobre a própria cama, retirando-lhe as muletas e apoiando-as suavemente contra a parede. Seu olhar encontrou o dela por um breve instante ── mas dela, nada veio. O mais alto suspirou, afastando-se com hesitação, antes de dar alguns passos e apoiar o corpo contra a escrivaninha. Esse simples gesto atraiu o olhar da jovem, que o acompanhou com aquele brilho curioso e familiar nos olhos ── embora, naquele instante, parecesse envolto em uma estranha e silenciosa distância.
Elisabette repousou as mãos sobre as próprias coxas, sentindo o frio da pele em contraste com o calor confortável do colchão que a envolvia e aquecia, já que ainda trazia consigo os respingos de chuva do temporal que os havia alcançado minutos antes. Seus pensamentos estavam desordenados, um caos tanto quanto o próprio corpo. Parte dela desejava o calor dele ── o aconchego, o carinho e o conforto que ele havia aprendido a oferecer com tanto cuidado. No entanto, outra parte sabia que não devia mais, que não podia mais. Sabia que não era mais a detentora daquele amor, que ele... de algum modo, compreendia que aquela que estava diante dele já não era a mesma.
- Honestamente, eu não esperava que fosse realmente quitar a dívida. ─ declarou Law, com os braços cruzados, os olhos parcialmente ocultos pela sombra projetada pela aba de seu chapéu. - Cheguei a considerar devolver seu coração sem cobrar nada em troca...
- Que tolice. Desde o início, deixei bem claro que iria pagá-lo cada centavo. ─ retrucou ela, com a voz suave, porém firme, buscando pelo olhar dele sob a tênue iluminação do abajur.
- Não me julgue. Eu tinha muitos motivos para duvidar de que seria capaz de cumprir essa promessa. ─ disse ele, permitindo-se esboçar um leve sorriso de canto ao notar o brilho surpreso nos olhos dela.
- Bem, ao menos provei que honrei minha palavra e quitei o que devia. Então... onde está?
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