Chร o cรกc bแบกn! Vรฌ nhiแปu lรฝ do tแปซ nay Truyen2U chรญnh thแปฉc ฤ‘แป•i tรชn lร  Truyen247.Pro. Mong cรกc bแบกn tiแบฟp tแปฅc แปงng hแป™ truy cแบญp tรชn miแปn mแป›i nร y nhรฉ! Mรฃi yรชu... โ™ฅ

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โ”โ” Segunda parte da Grand Line, Novo Mundo ; Paรญs de Zou.
แ˜กMagni D. Elisabette, Santa Praga. โชO ponto de vista Delaโซ

Acordei com a sensaรงรฃo de pressรฃo esmagadora nas laterais da cabeรงa, como se algo estivesse comprimindo meu crรขnio, enquanto uma dor latejante pulsava na parte frontal, em ondas ritmadas e cortantes. O corpo parecia um peso morto, recusando-se a responder aos meus comandos, mas, com um esforรงo excruciante, consegui erguer a mรฃo trรชmula atรฉ o rosto. Os dedos deslizaram pela pele lisa e macia, arrancando-me um calafrio โ”€โ”€ nรฃo fora um sonho.

Um suspiro exasperado escapou dos meus lรกbios, carregado de frustraรงรฃo. Frustraรงรฃo pelo que havia acontecido. Frustraรงรฃo pelo caos que causei entre os companheiros dela. Frustraรงรฃo por ter envolvido atรฉ mesmo o aliado deles na confusรฃo. Lembranรงas fragmentadas surgiram em meio ร  nรฉvoa da dor โ”€โ”€ vozes agitadas, discussรตes acaloradas. Trafalgar e Chopper trocando diagnรณsticos, conjecturando possibilidades sobre o que poderia ter acontecido com meu corpo. O som das palavras se sobrepunha, desfocado, quase indistinguรญvel, como se tivessem sido ditas embaixo d'รกgua.

Meus olhos vagaram pela cabana escura, as sombras dos corpos adormecidos projetadas nas paredes por frestas tรญmidas de luz. Chopper, Luffy e Trafalgar estavam espalhados pelo chรฃo, suas respiraรงรตes pesadas preenchendo o silรชncio sufocante.

Eu precisava sair dali.

A droga das Extol ainda estavam comigo. Precisava entregรก-las ao aliado deles, recuperar meu coraรงรฃo e acabar logo com essa maldita dรญvida que aquela idiota fez questรฃo de negociar sem sequer pensar.

Prendi a respiraรงรฃo e reuni o que restava de forรงa nos braรงos, fincando as mรฃos trรชmulas no colchรฃo improvisado antes de jogar o corpo para frente. Um erro.

A dor explodiu em minhas costelas como uma descarga elรฉtrica, se espalhando em estalos afiados que pareciam perfurar cada osso. Meus dentes se cerraram em um reflexo automรกtico para conter o gemido involuntรกrio que ameaรงou escapar. O mundo oscilou por um instante, e as bordas da minha visรฃo se encheram de pontos brilhantes.

Fechei os olhos com forรงa, buscando controlar a respiraรงรฃo instรกvel, e, quando os abri novamente, o breu diante de mim pareceu ainda mais opressor. A รบnica luz real vinha de um pequeno reflexo dourado que cintilava na penumbra, escapando da bolsa caรญda sobre uma cadeira.

As moedas.

Minha รบnica saรญda.

Agora, finalmente, elas me salvariam da merda colossal que ela havia feito.

No entanto, meu corpo ardia em dor. Uma dor lancinante, tรฃo insuportรกvel que o simples ato de permanecer sentada, com o peso apoiado sobre a base do meu corpo, era o suficiente para me fazer querer rasgar a prรณpria pele, arrancar cada nervo que latejava em agonia. Ela havia se segurado com Wyper. Ela havia hesitado porque sentiu pena, porque teve medo de matรก-lo, porque sabia que podia se quisesse โ”€โ”€ mas ela nรฃo queria. Ela se deixou levar pelos ideais ingรชnuos do Chapรฉu de Palha e seu bando, esquecendo de onde veio, esquecendo para o que nasceu: exterminar qualquer um que se opusesse a ela.

Virei o rosto apenas para me deparar com Trafalgar adormecido ao lado da cama, o corpo largado de qualquer jeito sobre uma cadeira, o semblante exausto denunciando que provavelmente esteve ali durante todo o tempo, esperando pelo meu despertar. Ou melhor, pelo dela.

Soltei um suspiro longo, revirando os olhos, sentindo cada mรบsculo protestar contra o movimento. A fraqueza era esmagadora, cada gesto mรญnimo se transformava em um esforรงo sobre-humano. O que ela tinha na cabeรงa? O que a fez acreditar, nem que por um segundo, que resolveria tudo com essa tola tentativa de redenรงรฃo? Se queria ser aceita, se queria se encaixar, agora sรณ havia piorado tudo. Deveria ter ficado em silรชncio. Deveria ter feito o que precisava ser feito, sem sentimentalismos, sem hesitaรงรฃo.

E agora, eu teria que explicar toda essa situaรงรฃo aos seus companheiros. Eu teria que lidar com as consequรชncias das escolhas dela. E tudo isso apenas me trazia uma certeza absoluta: eu nรฃo sou ela. Porque ela morreu.

Eu nรฃo estou morta.

Vocรช estรก.

Nรฃo estou.

Vocรช nรฃo sabe lidar com o que tem em mรฃos. Vocรช รฉ fraca, ingรชnua demais. Burra. Jรก deveria ter morrido hรก muito tempo.

Nรฃo posso.

A dor na cabeรงa retornou, latejando incessantemente enquanto eu inspirava profundamente, tentando me manter lรบcida โ”€โ”€ sem ferir a mim mesma ou a qualquer outro que fosse imprudente o suficiente para estar perto e ao alcance das minhas mรฃos. Meus dedos deslizaram novamente pelos cabelos, encontrando pequenos inchaรงos no couro cabeludo, marcas indelรฉveis da luta contra Wyper. Um suspiro ficou preso na minha garganta quando uma pontada aguda irrompeu sob uma das feridas cobertas pelas ataduras ao redor do meu corpo, prรณxima ao seio esquerdo. Trinquei os dentes com forรงa โ”€โ”€ se Trafalgar nรฃo tivesse sido o responsรกvel pelos curativos naquela รกrea especรญfica, entรฃo todos os companheiros dela jรก sabiam da minha condiรงรฃo atual: sem coraรงรฃo, literalmente.

Deixei o corpo afundar no colchรฃo improvisado, sentindo a maciez do tecido me envolver como um manto quente e acolhedor, dissipando momentaneamente a dor, ainda que apenas pelo efeito dos analgรฉsicos e anti-inflamatรณrios que, provavelmente, ainda estavam circulando no meu organismo. Caso contrรกrio, eu estaria choramingando como uma completa imbecil.

Meus olhos vagaram atรฉ o teto rรบstico sobre nossas cabeรงas, um emaranhado de madeira, folhas de palmeira e palha, enquanto um suspiro escapava por entre meus lรกbios. Puxei o cobertor para mais perto, ajustando-o atรฉ o queixo, e, de relance, notei o corpo de Trafalgar prestes a tombar para o lado. Antes que ele caรญsse no chรฃo, reuni forรงas e ergui o braรงo em um reflexo veloz, agarrando-o pelo pulso. Meus dedos se fecharam ao redor de sua pele fria, e, com um esforรงo que me fez prender a respiraรงรฃo, consegui impedir sua queda. Se tivesse batido a cabeรงa contra o chรฃo, e sem exagero algum, provavelmente ficaria com um rombo no meio da testa.

Permiti que o silรชncio se instalasse entre nรณs, puxando-o com delicadeza atรฉ que sua lateral repousasse contra a cabeceira da cama. Minha mรฃo permaneceu sobre a sua pele por mais tempo do que o necessรกrio, sentindo seu calor, a maciez sutil que contrastava com a frieza usual de seu olhar. Meus olhos vagaram atรฉ seu rosto adormecido, tรฃo sereno, tรฃo alheio ao caos que consumia minha mente. Honestamente, eu preferia que continuasse assim, sem saber โ”€โ”€ sem carregar o peso de algo que sequer lhe pertencia. Mas ela... ela nรฃo conseguiu manter a boca fechada. Ela despejou tudo de uma vez, como uma crianรงa desesperada por atenรงรฃo, ansiando por um colo que jamais deveria ter almejado.

E, no entanto... nรฃo posso negar. O conforto que emana dele โ”€โ”€ de Trafalgar โ”€โ”€ รฉ mais do que eu esperava. Mais do que ela esperava. No inรญcio, tudo me pareceu estranho; agi por impulso, joguei sobre os ombros dela a responsabilidade de resolver o que, no fim, recaiu sobre mim. Agora, estou aqui โ”€โ”€ sem coraรงรฃo, envolta em uma dรญvida cuja salvaรงรฃo depende de uma bolsa repleta de Extol, uma quantia incerta que pode ou nรฃo ser suficiente. No fim, tudo dependerรก dele.

E, no silรชncio da noite, me pego questionando o que restarรก quando eu finalmente recuperar meu coraรงรฃo. Quando o elo que nos une se desfizer por completo โ”€โ”€ a Febre das รrvores, a proteรงรฃo, o coraรงรฃo โ”€โ”€, seremos ainda algo um para o outro? Ou tudo nรฃo passarรก de um instante fugaz, de um laรงo frรกgil que se dissiparรก no ar como se jamais tivesse existido? Depois de tudo... depois dos toques hesitantes, das carรญcias silenciosas, das sรบplicas murmuradas entre suspiros, dos beijos que carregavam mais promessas do que palavras... Depois de tudo que vivemos desde Punk Hazard, quando essa tรชnue linha entre devedor e cobrador comeรงou a se desfazer, me pergunto se ainda haverรก algo que nos ligue โ”€โ”€ ou se, no fim, fomos apenas passageiros na histรณria um do outro.

A voz dele soou distante, mas eu a ouvi com nitidez.

"Eu te amo."

Foram essas as palavras que Trafalgar Law, o temido Cirurgiรฃo da Morte, pronunciou para mim. Um sussurro abafado, quase inaudรญvel, perdido entre o delรญrio do cansaรงo e a penumbra da minha consciรชncia vacilante. Dividida entre o desejo de despertar por completo e a necessidade de repousar atรฉ que meu corpo enfim se recuperasse, ainda assim, eu o ouvi. Sua voz mรกscula, rouca, sempre tรฃo grave, mas agora tingida de uma suavidade incomum, envolveu meus sentidos como um afago inesperado, um calor morno que me empurrou, de maneira delicada e inevitรกvel, para o descanso. E assim, me permiti ceder. Deixei que os medicamentos e pomadas cumprissem seu papel, que o tempo seguisse seu curso, que a dor se dissipasse na escuridรฃo do sono.

Um sorriso fraco โ”€โ”€ quase imperceptรญvel โ”€โ”€ desenhou-se em meus lรกbios pรกlidos quando recolhi minha mรฃo da dele, escondendo-a sob o cobertor. Meu olhar permaneceu fixo em seu rosto adormecido, permitindo-me absorver os traรงos que tanto haviam a fascinado. E, por fim, compreendi. Compreendi a atraรงรฃo dela, compreendi a fragilidade que ele lhe impunha, mesmo diante de sua forรงa descomunal โ”€โ”€ uma forรงa que, nas Ilhas do Cรฉu, comparariam ร  de um exรฉrcito inteiro. Ela nรฃo entende completamente. Mas eu entendo.

ร‰ amor.

Desde o inรญcio. Sempre foi.

Mas ela tem medo.

Medo do depois, do amanhรฃ, do que o futuro lhes reserva. Medo do que serรฃo um para o outro quando a Alianรงa Ninja-Pirata-Mink-Samurai se desfizer. Medo do fim, da despedida inevitรกvel, do momento em que precisarรฃo encarar a verdade nua e crua: sรฃo piratas. De tripulaรงรตes diferentes. Rivais em busca do mesmo tesouro, do mesmo poder que rege os mares.

E, no entanto, por mais รณbvia que essa realidade pareรงa, algo em mim hesita. Algo em mim duvida. Trafalgar Law nรฃo รฉ um homem que se deixa mover apenas pela cobiรงa do One Piece โ”€โ”€ ele nunca disse que o desejava, nunca demonstrou essa ambiรงรฃo ardente que consome tantos outros. Seus olhos carregam algo mais profundo. Sua alma guarda um propรณsito oculto, um fardo nรฃo revelado. Assim como nunca explicou, com clareza, suas razรตes para desejar a queda de Donquixote Doflamingo, ele tampouco demonstrou estar pronto para compartilhar os segredos que o levaram atรฉ aqui.

E eu me pergunto: Trafalgar D. Water Law... o que aconteceu com vocรช?

O que o fez trilhar esse caminho?

O que alimenta esse รณdio silencioso que pulsa em suas veias, que transborda para alรฉm da sede de vinganรงa contra Doflamingo? Algo nele parece mais... antigo. Algo que nรฃo pertence apenas ao passado recente, mas a uma dor que o moldou hรก muito tempo.

E eu queria saber.

Queria entender.

O amor... um sentimento tรฃo paradoxal, tรฃo absurdamente complexo. Um tormento doce, uma ruรญna inevitรกvel. Ele me aquece e me consome, me liberta e me aprisiona. Amo Trafalgar Law, e sei que ele me ama de volta. Mas que diferenรงa isso faz? No fim, o amor nรฃo passa de um alicerce frรกgil, uma mentira confortรกvel que nos permite ter algo a que nos agarrar enquanto tudo ao nosso redor desmorona.

Os beijos sรฃo bons. O sexo, ainda melhor. Quando ele me toca, quando suas mรฃos me seguram com aquela firmeza calculada, sinto como se estivesse nos cรฉus outra vez. Como se meu corpo deixasse de ser apenas matรฉria e carne, como se eu fosse arrancada da realidade e lanรงada para alรฉm do que รฉ tangรญvel. Como se nรณs dois, juntos, nos tornรกssemos algo maior, algo que nรฃo pode ser explicado, nem nomeado, apenas sentido. ร‰ como se eu jรก o conhecesse hรก vidas, como se esse amor sempre tivesse existido, adormecido em algum canto escuro da minha alma, esperando o momento exato para despertar.

Mas entรฃo me pergunto... esse amor que Trafalgar Law diz sentir, esse calor, esse desejo, essa urgรชncia โ”€โ”€ ele รฉ para mim? Ou รฉ para ela?

Serรก que o calor do seu corpo foi feito apenas para envolver a frieza da pele dela? Serรก que a umidade morna de sua lรญngua sรณ tocarรก os lรกbios dela? Serรก que ele afundarรก dentro dela, arrancando suspiros e gemidos cheios de amor e prazer, enquanto eu permaneรงo apenas como uma sombra, um eco distorcido daquilo que ela representa?

Porque, mesmo que sejamos as mesmas... nรฃo somos a mesma.

Nossos corpos sรฃo idรชnticos, nossa pele compartilha as mesmas cicatrizes, nossas mรฃos seguram a mesma dor. Mas eu nunca serei ela. Nunca fui. Nunca serei.

E ele? Ele percebe a diferenรงa? Ele sente? Ou, para ele, sรณ hรก uma?

Se nem meu pai percebeu, como ele perceberia? Ele, que surgiu na minha vida hรก poucos meses, nรฃo tem como enxergar o que sempre esteve diante dos olhos de todos e, ainda assim, permaneceu invisรญvel. Se meu prรณprio pai nunca notou que minha cabeรงa sempre esteve ferida, como poderia ele? Ninguรฉm nunca reparou. Ninguรฉm nunca verรก.

Foram anos aprendendo a me esconder, a me proteger, a manter tudo sob controle โ”€โ”€ ou, pelo menos, a ilusรฃo de controle. Mas tudo comeรงou a ruir no instante em que um garoto de chapรฉu de palha apareceu cantando no Jardim Superior. Ele sorriu para mim. Como se me conhecesse. Como se enxergasse algo... bom em mim.

E foi ali que tudo comeรงou a desmoronar.

Foi ali que ela viu uma fresta na minha muralha e se lanรงou para fora. Ela viveu o que eu nunca fui capaz de viver, sentiu o que eu nunca fui capaz de sentir, existiu de uma forma que eu nunca soube existir. E agora... agora eu vejo o que isso causou. Vejo o que fizemos. O que acabei permitindo.

Nรฃo posso deixรก-la continuar.

Se ela continuar, vai se machucar ainda mais.

E, apesar de tudo, eu nรฃo quero que a รบnica parte boa de mim seja destruรญda. Nรฃo quero que ela se quebre de uma forma irreversรญvel. Nรฃo quero que ela sangre atรฉ nรฃo restar mais nada.

Eu preciso contรช-la.

Antes que seja tarde demais.

Por fim, o cansaรงo fรญsico e a exaustรฃo mental tomaram-me por completo, arrastando-me para um torpor inevitรกvel. As pรกlpebras, pesadas alรฉm do que deveria ser normal, caรญam lentamente, enquanto meu corpo se entregava ao alรญvio ilusรณrio do descanso, mesmo sob o peso da dor e da ardรชncia persistente que castigavam minha pele.

Meus olhos permaneceram fixos no teto, mas a visรฃo comeรงou a se turvar, dissolvendo-se em um emaranhado de sombras indistintas. Os sons ao meu redor, antes tรฃo nรญtidos, foram se distorcendo, tornando-se fragmentos dispersos de uma realidade que se esvaรญa. O canto estridente das cigarras e o farfalhar insistente dos grilos, antes insuportรกveis, passaram a soar como um zumbido longรญnquo e inconsistente. O piar das pequenas corujas ao redor, cujos chamados ecoavam suavemente na noite, foi se tornando um sussurro abafado, quase irreconhecรญvel.

E entรฃo, sem resistรชncia, fui vencida.

Afundei na inconsciรชncia, arrastada por um sono profundo e inevitรกvel, como se a prรณpria escuridรฃo me envolvesse em um abraรงo silencioso e absoluto.

A primeira sensaรงรฃo que me atingiu ao despertar foi a ardรชncia provocada por Chopper ao remover cuidadosamente os esparadrapos que fixavam as gazes sobre minhas feridas. Apesar de toda a delicadeza de seus movimentos, nรฃo foi o suficiente para evitar a dor lancinante da pele sendo arrancada junto ao adesivo.

Senti os olhos arderem com a dor aguda, mas me esforcei para manter a compostura, recusando-me a ceder ร s lรกgrimas que ameaรงavam se formar por causa do incรดmodo da pele repuxada e dos pelos sendo arrancados. Trinquei os dentes por um instante e inspirei profundamente, percebendo que, embora meu corpo estivesse menos dolorido, ainda me sentia demasiadamente leve. A ausรชncia das asas era uma lacuna quase fรญsica, desestabilizando meu equilรญbrio, como se a perda delas tivesse alterado atรฉ mesmo minha postura.

Desviei o olhar para a pequena rena, que me observava com atenรงรฃo. Chopper sorriu de forma gentil e, com um gesto leve, tocou minha cabeรงa com o casco โ”€โ”€ um cumprimento silencioso, um consolo sutil para alguรฉm que acabava de despertar apรณs uma surra.

- Bom dia, Lis! Como se sente? Vocรช dormiu bastante depois que fiz os curativos e parou de choramingar assim que apliquei os analgรฉsicos. โ”€ ele sorriu, pegando um pรฃo de batata e me estendendo.

- Me sinto... melhor. โ”€ respondi sem rodeios, mantendo o olhar fixo no dele. Entรฃo, enfiei o pรฃo inteiro na boca, sentindo minha bochecha inchar do lado em que mastigava. - Cadรช o pexoal?

- Bem, Nami, Luffy e Brook estรฃo se preparando para irmos atรฉ Whole Cake buscar o Sanji, pois o casamento serรก em alguns dias. Robin, Franky, Zoro e Usopp estรฃo lรก fora. Daqui a pouco, vรชm ver vocรช.

- Espera... Quando vocรชs vรฃo para Whole Cake?

- Ainda esta tarde. โ”€ o pequenino suspirou, me lanรงando um olhar culpado. - Querรญamos esperar atรฉ que vocรช estivesse recuperada, mas tememos nรฃo chegar a tempo de impedir que o Sanji cometa uma loucura.

- Ah, Chopper, que isso? Eu vou ficar bem, tรก legal? Nรฃo รฉ como se eu nรฃo soubesse fazer alguns curativos sozinha. Alรฉm do mais, a Robin pode me ajudar. โ”€ dei-lhe um sorriso, embora a ideia de continuar acamada me irritasse de certa forma.

- Quanto a isso... o Tral se ofereceu para cuidar dos seus ferimentos e... te ajudar, caso precise de fisioterapia.

- Fisioterapia? Por que eu precisaria de fisioterapia!? โ”€ arregalei os olhos, franzindo o cenho, confusa e intrigada com sua constataรงรฃo.

Chopper suspirou, coรงando a lateral do focinho antes de responder com o tom paciente e gentil de sempre, mas tambรฉm carregado de preocupaรงรฃo genuรญna.

- Lis, vocรช teve asas a vida inteira. Seu corpo se desenvolveu com elas, seus mรบsculos, sua postura, seu equilรญbrio... tudo foi condicionado ร  presenรงa delas. Agora que nรฃo as tem mais, seu corpo precisa se adaptar a essa nova realidade. Vocรช pode nรฃo perceber de imediato, mas a falta das asas afeta a sua coluna, o jeito que vocรช se movimenta, atรฉ mesmo a forma como respira.

Ele fez uma breve pausa, observando minha expressรฃo tensa antes de continuar:

- Seu centro de gravidade mudou, o que pode te fazer tropeรงar ou sentir tonturas com mais frequรชncia. Alguns mรบsculos que antes sustentavam o peso das asas podem atrofiar se vocรช nรฃo exercitรก-los, e outros, que nunca precisaram trabalhar tanto, podem acabar sobrecarregados. Se nรฃo cuidarmos disso agora, pode acabar desenvolvendo dores crรดnicas ou atรฉ problemas mais graves no futuro.

Chopper cruzou as patas e me lanรงou um olhar firme, mas cheio de empatia.

- Nรฃo รฉ questรฃo de ser forte ou fraca, Lis. Seu corpo passou por uma mudanรงa drรกstica, e รฉ natural que precise de ajuda para se reajustar. E รฉ pra isso que a fisioterapia existe.

De imediato, nรฃo respondi. Apenas mantive o olhar fixo nos olhos grandes e redondos de Chopper, duas esferas castanhas que refletiam a luz do ambiente com uma inquietaรงรฃo quase infantil. Meus lรกbios permaneceram comprimidos em um silรชncio deliberado, pois sabia que minha expressรฃo โ”€โ”€ fria, analรญtica, carregada de uma tensรฃo difรญcil de nomear โ”€โ”€ poderia deixรก-lo desconfortรกvel. Ainda assim, assenti levemente, desviando o olhar, buscando refรบgio em qualquer detalhe ao redor que me distraรญsse do caos que pulsava dentro de mim. Pensamentos fragmentados se atropelavam, ruรญdos ecoavam como gritos distantes em minha mente, e a sensaรงรฃo de desconexรฃo com a realidade tornava cada segundo insuportavelmente lento.

Chopper continuou falando. Sua voz, normalmente reconfortante, soava distante, como se atravessasse um nevoeiro denso. Mencionou minha recuperaรงรฃo, as muletas que Franky havia construรญdo para mim, a oferta de Trafalgar para me auxiliar na ausรชncia dele, as instruรงรตes mรฉdicas que eu deveria seguir ร  risca para acelerar o processo de cura.

"Se fizer tudo certo, logo poderรก andar sem apoio."

Palavras simples, pragmรกticas. Mas nada soava simples dentro de mim.

Usar muletas? Isso nรฃo era um problema. Jรก havia usado antes. Nรฃo era a primeira vez que me via forรงada a depender de algo externo para seguir em frente. O problema real era ela. O quanto ELA me havia fodido de um jeito irreversรญvel. Quando pensei que finalmente nos livraria de Wyper, ela cedeu. Fez uma aposta estรบpida. Uma escolha idiota. Uma decisรฃo que nos trouxe atรฉ aqui.

Mas nรฃo posso permitir que isso me afete agora. Preciso focar. Preciso me reerguer. Meu corpo pode estar fraco, instรกvel, despedaรงado, mas minha determinaรงรฃo precisa ser mais forte. A Tenshi Tenshi no Mi... eu ainda al arranhei a superfรญcie do que posso fazer com esse poder, e nรฃo hรก tempo para hesitaรงรฃo. Wano nos espera, e eu sei que a dificuldade serรก imensurรกvel. Enfrentar um Shichibukai jรก foi um inferno. Agora estamos lidando com um Yonkou.

Nรฃo posso falhar.

Ela falhou.

E eu nรฃo cometerei o mesmo erro.

Nรฃo como aconteceu com Enel.

Por Luffy, eu...

Eu nรฃo sei atรฉ onde poderia ir. Nรฃo sei o que seria capaz de fazer.

Mas sei que, de alguma forma, preciso levรก-lo atรฉ o topo.

Depois de um tempo, Chopper anunciou que precisava se retirar para se preparar para a partida com Luffy, Nami e Brook, deixando-me sozinha na cabana. O silรชncio preencheu o espaรงo ao seu redor, mas dentro de mim, tudo era ruรญdo โ”€โ”€ pensamentos desordenados, urgentes, esmagadores. Soltei um suspiro longo, apoiando as costas contra a cabeceira da cama, e meus olhos se fixaram na bolsa largada sobre a cadeira.

Eu precisava do meu coraรงรฃo de volta. Agora.

Nรฃo importava se nรฃo tinha moedas o suficiente, se Trafalgar se recusasse ou se tentasse argumentar โ”€โ”€ ele iria me devolver meu coraรงรฃo por bem ou por mal. Eu sentiria seu peso dentro do meu peito outra vez, seu pulsar rรญtmico ecoando atravรฉs da carne e dos ossos, me ancorando na realidade. Eu nรฃo poderia continuar assim, esse vazio me corroendo por dentro, essa ausรชncia que fazia meu prรณprio corpo parecer um espaรงo oco, uma concha vazia.

Agarrei a cabeceira da cama, preparando-me para levantar, mas no instante seguinte, um cheiro familiar de frango assado impregnou no ar, denso e inescapรกvel, invadindo minhas narinas e paralisando meu movimento. O calor de uma presenรงa conhecida se fez sentir antes mesmo de eu vรช-lo. Meu corpo soube antes da minha mente. Luffy.

Agarrei o lenรงol com forรงa, tentando ignorar o arrepio involuntรกrio que percorreu minha espinha. Respirei fundo, forรงando-me a acomodar-me novamente, a fingir que nada acontecia, que nada estava fora do lugar dentro de mim.

Foi entรฃo que ele entrou.

Luffy surgiu na cabana com sua despreocupaรงรฃo caracterรญstica, segurando uma coxa de frango enorme em uma das mรฃos, o rosto lambuzado de molho, os olhos brilhando com aquela inocรชncia infuriantemente desarmante. E, por um instante, enquanto ele mastigava com um sorriso satisfeito, como se nada no mundo pudesse estar errado, senti a tรชnue linha entre realidade e ilusรฃo estremecer.

- Ei, Lis! O Chopper dixe que xรช tinha acordado, entรฃo vim te ver! โ”€ exclamou ele com um sorriso radiante, pulando na cama e sentando-se na ponta, ainda assim permanecendo perto de mim. - Como xรช tรก, hein?

- Estou melhorando. โ”€ respondi, retribuindo o sorriso enquanto um calor reconfortante se espalhava pelo meu peito com sua presenรงa.

- Que bom!

- Sim...

Permaneci em silรชncio, observando-o devorar a carne suculenta, o som de seus dentes rasgando as fibras brancas preenchendo a cabana com um ritmo quase hipnotizante. A satisfaรงรฃo estampada em seu rosto era tรฃo genuรญna que, por um instante, senti um รญmpeto de abusar da nossa amizade e pedir uma mordida. Mas nรฃo o fiz. Apenas continuei a observรก-lo, deixando que a confusรฃo dentro de mim se tornasse um nรณ apertado, sufocante.

Ele sempre foi assim โ”€โ”€ tรฃo alheio, tรฃo despreocupado com tudo que me cerca. Isso sempre me fez questionar: por que me trouxe com ele? O que hรก em mim que o cativou a ponto de ignorar minhas recusas, de nรฃo se importar com o que fui ou com os fantasmas que carrego? Ele simplesmente me quis ao seu lado, como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Confiou-me a vigia de seu navio, entregou-me de mรฃos beijadas o posto de sentinela, sem hesitar, sem questionar.

Mas como? Como pode ter tanta certeza?

Eu, entre todas as pessoas, sou a รบltima a quem ele deveria confiar essa responsabilidade. Ele nunca parou para pensar que eu poderia ser uma ameaรงa? Nunca cogitou que eu poderia, a qualquer momento, voltar-me contra ele? Vingar meu pai?

E os outros? Nem Robin, nem Zoro, nem Sanji... ninguรฉm nunca ponderou essa possibilidade?

Vocรช nรฃo teria coragem.

Cale-se.

Vocรช nunca faria mal a eles. Especialmente a ele.

Mandei calar a boca.

Vocรช nรฃo pode-

- SILรŠNCIO! โ”€ o grito escapou antes que eu pudesse contรช-lo, cortando o ar como uma lรขmina afiada.

Luffy parou de mastigar no mesmo instante. Engoliu o que comia e me encarou, os olhos brilhando com aquela curiosidade infantil, mas agora carregando algo mais โ”€โ”€ algo intrigado, atento.

E eu sรณ conseguia sentir o coraรงรฃo martelando contra minhas costelas, a respiraรงรฃo acelerada e a sombra da dรบvida sussurrando no fundo da minha mente.

- Mas eu tรด calado, oxi.

- Desculpe, eu sรณ... โ”€ suspirei, desviando o olhar. - ร€s vezes ainda me pergunto o porquรช.

- Hm? O porquรช do quรช? โ”€ ele inclinou a cabeรงa para o lado, coรงando-a, e me arrancando um sorriso fraco.

- Por que vocรช me trouxe. Sabe, mesmo sabendo de tudo o que fiz, de tudo o que eu era... e ainda sou. Vocรช confia em mim para navegar ao seu lado. โ”€ sussurrei, meus olhos finalmente encontrando os dele, e percebi seu olhar se fixar no meu olho dourado. - Por quรช?

Luffy apenas soltou um zumbido baixo, fechando os olhos enquanto levava a mรฃo ao queixo, refletindo. Talvez estivesse apenas buscando uma resposta simples, despretensiosa, algo que me faria rir ou bufar em frustraรงรฃo. Mas, no fim, qualquer resposta vinda dele era vรกlida. Sempre foi.

Desde que nos conhecemos, eu gostava de olhar para ele. Amava vรช-lo. Amava tรช-lo por perto. Eu o amava. De uma forma que nรฃo conseguia explicar, de um jeito que beirava o irracional. Tudo nele me acalmava e, ao mesmo tempo, me dilacerava. Sentia paz ao estar ao seu lado, mas, dentro de mim, algo gritava em fรบria โ”€โ”€ uma culpa silenciosa e corrosiva, uma traiรงรฃo que queimava em meu peito toda vez que lembrava do meu pai. O que eu sentia por Luffy nรฃo era normal. Nรฃo era saudรกvel. Mas tambรฉm nรฃo era algo que me faria feri-lo. Pelo contrรกrio... era um amor que me fazia sofrer por ele. Que me fazia machucar a mim mesma sem sequer hesitar, sem me importar com as consequรชncias.

- Porque cรช รฉ muito forte. Ah, e รฉ bonita tambรฉm! Cรช parece uma amarรญlis branca! Jรก viu uma? โ”€ ele sorriu, pegando uma mecha do meu cabelo e enrolando-a entre os dedos.

- Uma amarรญlis branca...?

- ร‰ uma flor! Lรก onde eu morava, tinha um monte delas. โ”€ explicou, ainda sorrindo, usando minha mecha loira como se fosse um bigode falso. - Elas sรฃo bonitas e bem branquinhas. Igual vocรช.

- Entรฃo vocรช me chamou para o bando porque sou bonita e forte? โ”€ murmurei, confusa.

- Bem... acho que tambรฉm porque vocรช precisava de um lugar para ficar, nรฉ? Se nรฃo, o pessoal lรก de Skypiea ia fazer picadinho de vocรช, mulher!

- Vocรช nunca pensou que eu poderia te trair?

Luffy inclinou a cabeรงa levemente para o lado, seu olhar escuro e profundo fixando-se no meu.

- Vocรช vai me trair?

Fiquei em silรชncio, meus olhos presos aos dele, enquanto minhas mรฃos subiam atรฉ seu rosto, unindo nossas testas. A respiraรงรฃo de ambos se misturava em um compasso tenso, carregado de algo que nรฃo conseguรญamos nomear. Nรฃo havia palavras, apenas um duelo silencioso, onde nossas vontades colidiam em um embate psicolรณgico. Seus olhos diziam algo que eu nรฃo conseguia decifrar, enquanto os meus gritavam um desespero reprimido.

Estรกvamos ali outra vez. Como hรก dois anos. Como no dia em que tentei tirar minha prรณpria vida, e ele simplesmente veio para cima de mim. Do mesmo jeito. Agarrou meu rosto, segurou-me firme, seus olhos cravando-se nos meus como se quisesse arrancar de dentro de mim todas as respostas que eu mesma nรฃo sabia. E eu o encarei de volta, sem desviar, com a mesma intensidade. Foi naquele instante, naquele sorriso que ele deu, que tudo comeรงou.

Engoli em seco ao sentir suas mรฃos se moverem, agarrando as laterais da minha cabeรงa. Seus dedos se entrelaรงaram em meus fios platinados, puxando-me para mais perto. O ar ficou preso em meus pulmรตes, sufocando junto com a incerteza do que viria a seguir. Eu sabia que alguรฉm se aproximava da minha cabana, sentia a presenรงa, mas ela nรฃo era forte o suficiente para me arrancar desse transe, dessa batalha muda entre nรณs.

- Eu nunca vou te trair, Chapรฉu de Palha. โ”€ minha voz saiu fria, rรญspida, carregada de algo que nem eu mesma entendia. - Se um dia eu fizer isso, vocรช pode me punir com as prรณprias mรฃos.

Os dedos dele apertaram ainda mais minha pele, como se testasse a veracidade das minhas palavras.

- Eu acredito em vocรช.

- Por quรช? โ”€ meus olhos se estreitaram, os dentes cerrando em frustraรงรฃo.

- Porque vocรช รฉ minha companheira. โ”€ o tom dele era firme, quase desafiador. Exatamente o mesmo que o meu.

Eu estava pronta para responder quando o ranger da porta da cabana ecoou pelo ambiente, arrancando-nos abruptamente do transe em que estรกvamos. Meu corpo enrijeceu no instante em que meus olhos se voltaram para a entrada, onde Trafalgar Law se erguia como uma sombra silenciosa. Ele segurava uma pequena maleta mรฉdica em uma das mรฃos, enquanto a outra sustentava a alรงa da mochila jogada sobre os ombros.

Um arrepio percorreu minha espinha quando percebi a mudanรงa sutil โ”€โ”€ mas ameaรงadora โ”€โ”€ em sua expressรฃo. A aba de seu chapรฉu projetava uma sombra ainda mais escura sobre o rosto, ocultando parte de seus olhos acinzentados, que alternavam entre mim e Luffy com um olhar afiado, analรญtico.

Luffy, alheio ร  tensรฃo crescente, simplesmente se afastou como se nada tivesse acontecido, um sorriso largo ainda estampado nos lรกbios. Cruzou os braรงos e acenou para o cirurgiรฃo, a despreocupaรงรฃo em seu tom quase um insulto ร  tensรฃo que agora pesava no ar.

Trafalgar nรฃo respondeu. Seus dedos apertaram a alรงa da maleta, e as veias em seus braรงos se destacaram sob a pressรฃo do aperto. Uma energia crua e furiosa irradiava dele, densa o suficiente para me fazer engolir em seco.

โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”


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