Chร o cรกc bแบกn! Vรฌ nhiแปu lรฝ do tแปซ nay Truyen2U chรญnh thแปฉc ฤ‘แป•i tรชn lร  Truyen247.Pro. Mong cรกc bแบกn tiแบฟp tแปฅc แปงng hแป™ truy cแบญp tรชn miแปn mแป›i nร y nhรฉ! Mรฃi yรชu... โ™ฅ

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โ”โ” Segunda parte da Grand Line, Novo Mundo ; Paรญs de Zou.

O impacto repentino da รกgua gรฉlida contra suas feridas abertas foi como lรขminas invisรญveis rasgando sua pele, enviando ondas de dor lancinante por todo o seu corpo. Elisabette abriu a boca em um grito mudo, bolhas de ar escapando de seus lรกbios e ascendendo ร  superfรญcie enquanto seu corpo afundava, impotente. Cada centรญmetro que descia revelava, com um silรชncio cruel, quem havia herdado os poderes da Akuma no Mi do Anjo Seraphim.

Paralisada, o fรดlego se esvaindo rapidamente, sua visรฃo comeรงou a se turvar. O desespero se misturava ร  resignaรงรฃo conforme o pensamento se tornava inevitรกvel: ali seria seu fim. Nรฃo conseguia se mover, nรฃo conseguia ver Wyper โ”€โ”€ ele devia ter morrido na queda. E ela seria a prรณxima.

As correntes violentas a arrastavam sem piedade, jogando-a de um lado para o outro, puxando-a inexoravelmente para as profundezas escuras do oceano. Seus sentidos comeรงavam a falhar, o sal queimando seus olhos, o aperto invisรญvel da รกgua esmagando seus pulmรตes como um abraรงo sufocante da prรณpria morte. O destino que sempre tentara evitar finalmente a alcanรงava, implacรกvel. Nรฃo havia para onde correr, nรฃo havia mais luta โ”€โ”€ somente a escuridรฃo se fechando ao seu redor, fria e inexorรกvel.

Por que aquilo estava acontecendo? Quando, exatamente, ela se perdera daquela maneira?

Elisabette tentava se mover, mas seu corpo recusava-se a obedecer. O desespero se misturava ร  confusรฃo enquanto seu prรณprio sangue tingia a รกgua ao seu redor, dissolvendo-se em vermelho profundo. Suas asas... estavam se desintegrando. Montes de penas e penugem flutuavam ao seu redor como restos de algo que jรก nรฃo lhe pertencia, fragmentos de si sendo arrancados sem piedade.

Sua mente era um caos absoluto. Tentava pensar, mas tudo se desfazia em borrรตes distantes, vozes se distorcendo e se sobrepondo em sua consciรชncia. O frio, antes lancinante, comeรงava a perder efeito conforme seus membros perdiam a sensibilidade. Seus dedos petrificados pareciam nรฃo lhe pertencer mais, e, quando sentiu que seu corpo estava prestes a se tornar um com o oceano, uma รบltima dor aguda atravessou seu peito โ”€โ”€ nรฃo fรญsica, mas um aperto sufocante, uma ferida que nenhum corte poderia causar.

De todas as histรณrias que ouvira, dos contos de fadas que escutara e tentara ler, de todos os amores e amizades que cultivara ao longo de sua jornada no Mar Azul, uma รบnica imagem persistiu na nรฉvoa de sua consciรชncia. No meio do turbilhรฃo de memรณrias que se esvaรญam como areia entre seus dedos, um vulto comeรงou a tomar forma. E entรฃo, como se rasgasse a escuridรฃo ร  forรงa, surgiu a silhueta de Trafalgar Law. O Cirurgiรฃo da Morte.

Mesmo ร  beira do fim, conseguia vรช-lo. Como se o tempo tivesse parado, as lembranรงas emergiam com clareza dolorosa: a primeira troca de olhares, o dia em que ele a socorreu apรณs sua derrota para Bartholomew Kuma, o instante em que, sem dizer uma palavra, a levou para comer porque sabia que ela estava horas sem se alimentar. O confronto no convรฉs do Sunny, o olhar penetrante, as palavras cortantes. Mas o que mais brilhava entre as memรณrias eram os momentos apรณs o reencontro em Punk Hazard.

A primeira conversa, a primeira risada, o choro sufocado, os braรงos que a seguraram quando ela desabou. O toque cuidadoso ao tratar das manchas em sua pele, a dedicaรงรฃo silenciosa de quem fazia tudo ao seu alcance para mantรช-la viva, mesmo sem prometer nada. Tudo aconteceu de forma tรฃo natural, tรฃo irrefreรกvel, que sรณ percebeu tarde demais โ”€โ”€ naquele tapa certeiro que desferira nele, retribuรญdo por um beijo doce e inesperado.

Seu afeto por Law comeรงara de maneira ingรชnua, como uma vontade pueril de fazer amizade. Mas, sem se dar conta, passou a precisar dele. Da sua presenรงa, do seu olhar, do som da sua voz. E agora... agora, como um nada, como uma poeira insignificante, seria tragada pelo mar e levaria consigo o poder que tanto rejeitara.

A ironia era cruel. Seu ancestral, Magni D. Elohim, passara sua vida inteira tentando manter seus descendentes longe daquela fruta maldita. E agora ela, a bastarda entre todos eles, morreria por causa da Tenshi Tenshi no Mi. Nรฃo em batalha, nรฃo lutando como uma guerreira, mas de uma forma humilhante โ”€โ”€ afogada, agonizando, apagando-se lentamente enquanto o oceano a reclamava para si.

Elisabette sabia que nunca havia realmente vivido. Desde o inรญcio, tudo o que fizera fora pelos outros, nunca por si mesma. Nรฃo existia, apenas sobrevivia โ”€โ”€ servia, obedecia, sacrificava-se. Mas uma forรงa invisรญvel, cruel e implacรกvel, parecia determinada a arrancar qualquer resquรญcio de felicidade que ousasse tocar, por menor ou mais insignificante que fosse. Felicidade nรฃo lhe pertencia. E, se nรฃo lhe pertencia, entรฃo jamais poderia vivรช-la por conta prรณpria.

Primeiro, pensou que fora feliz ao lado de seu pai. Depois, conheceu Luffy e tornou-se pirata, acreditando, ainda que ingenuamente, que finalmente estava vivendo. Mas, no fundo, tudo girava em torno dos outros. Aventuras, batalhas, risadas e promessas de glรณria, enquanto seus companheiros seguiam em busca de sonhos grandiosos โ”€โ”€ tornar-se o Rei dos Piratas, o maior espadachim do mundo, mapear todo o planeta, tornar-se um grande guerreiro dos mares, encontrar o lendรกrio All Blue, curar todas as doenรงas, desvendar os mistรฉrios do sรฉculo perdido, construir o navio mais resistente que jรก existira, reencontrar um amigo desaparecido... cada um deles carregava uma ambiรงรฃo ardente, um propรณsito que justificava suas lutas diรกrias.

Mas e ela?

Qual era o sonho de Magni D. Elisabette?

Ajudar Luffy? Navegar pelos mares sem rumo? O que, afinal? A verdade, crua e dilacerante, era que nem ela sabia. Nรฃo existia um desejo ardente em seu peito, nenhuma ambiรงรฃo que a fizesse lutar atรฉ a รบltima gota de sangue. Apenas se deixava levar, seguindo os passos dos outros, preenchendo espaรงos vazios que nรฃo lhe pertenciam.

E agora, nos รบltimos suspiros, enquanto sentia o prรณprio corpo afundar na escuridรฃo implacรกvel do oceano, compreendia a verdade terrรญvel โ”€โ”€ comparada a eles, era apenas um rascunho malfeito do que deveria ser um ser vivo. Um quase nada. Um peso morto.

Apenas lutava. Mas lutar sem um propรณsito era o mesmo que nรฃo existir.

Em meio ao turbilhรฃo de sensaรงรตes que se dissipavam junto ร  vida que lentamente lhe escapava, um sorriso fraco tremulou em seus lรกbios. Seus olhos, pesados, comeรงaram a se fechar, e a superfรญcie, antes tรฃo prรณxima, tornava-se um borrรฃo distante, inalcanรงรกvel.

Ao menos, teriam tido uma รบltima lembranรงa boa dela, nรฃo? Ainda que nรฃo tivesse se desculpado com Franky... ainda que nรฃo tivesse dito todas as palavras que deveria... os momentos que compartilharam talvez fossem suficientes para que ele se recordasse dela com carinho. Ela havia sido boa o bastante enquanto estavam todos juntos, nรฃo havia? Talvez sim, talvez nรฃo. Elisabette nรฃo sabia. No fim, nada disso importava mais.

O que restava era a quietude esmagadora do oceano ao seu redor. E, envolta naquele silรชncio absoluto, ela apenas agradeceu. Agradeceu por ter estado com Law uma รบltima vez antes de tudo ruir. Agradeceu por ter sentido os lรกbios dele contra os seus, as mรฃos firmes explorando sua pele, o toque quente e cheio de promessas nรฃo ditas. Agradeceu pelo breve instante em que se permitiu existir nos braรงos dele sem a necessidade de lutar, sem precisar ser forte.

Com Law, Elisabette sentia-se frรกgil. Vulnerรกvel.

E, pela primeira vez, nรฃo temia essa sensaรงรฃo. Pelo contrรกrio, ansiava por ela. Gostava de estar ร  mercรช da proteรงรฃo e do olhar atento dele. Gostava do jeito que ele a tocava com uma gentileza inesperada, dos cuidados que lhe oferecia sem nunca dizer em palavras o quanto se importava. Gostava das carรญcias, dos silรชncios compartilhados, da forma como ele a fazia se sentir viva, mesmo quando tudo dentro dela parecia morto.

Gostava dele.

Nรฃo.

Ela o amava.

Amava com tudo que havia nela, com cada cicatriz, com cada sombra de seu passado que a condenava a uma vida de escuridรฃo. Amava sem reservas, sem desculpas, sem promessas de um futuro que sabia que nunca teria.

E, por mais que sua existรชncia fosse um erro, por mais que seu coraรงรฃo estivesse corrompido e sua alma fosse um campo de batalhas perdidas, ainda assim, ela ousava acreditar โ”€โ”€ mesmo que apenas por um instante fugaz โ”€โ”€ que tambรฉm havia sido amada de volta.

Entregando-se completamente ao seu destino inevitรกvel, Elisabette deixou o corpo relaxar, os mรบsculos cedendo ร  exaustรฃo enquanto suas pรกlpebras, pesadas como chumbo, se fechavam lentamente. Finalmente aceitava que nรฃo havia mais volta. Nรฃo havia salvaรงรฃo.

Atรฉ que algo a puxou de volta ร  realidade.

Um aperto firme, desesperado, envolveu seu braรงo com forรงa suficiente para fazรช-la estremecer em um espasmo involuntรกrio. O choque percorreu cada fibra de seu corpo, mas antes que pudesse compreender o que acontecia, sentiu-se sendo arrastada para cima. Seus olhos se arregalaram ao ver Wyper โ”€โ”€ o guerreiro Shandia, ferido, exausto, mas ali, segurando-a com forรงa, recusando-se a soltรก-la.

Ele passou ambos os braรงos ao redor de seu tronco frรกgil e comeรงou a nadar em direรงรฃo ร  superfรญcie, ignorando a dor evidente que o consumia. Elisabette, no entanto, permanecia imรณvel, assustada demais para reagir, incapaz de acreditar que ainda estava ali โ”€โ”€ que ele ainda estava ali.

O oceano negro a chamava, as correntes ainda tentavam puxรก-la de volta para o abismo, mas Wyper lutava contra elas, avanรงando com dificuldade, os mรบsculos tensionados pela forรงa que fazia para mantรช-la segura. O tempo parecia distorcido, arrastando-se cruelmente enquanto ambos subiam, cada metro percorrido sendo uma batalha contra a prรณpria morte.

Entรฃo, romperam a superfรญcie.

O ar invadiu os pulmรตes de Wyper em uma lufada violenta, seu peito subindo e descendo enquanto buscava desesperadamente por oxigรชnio. E entรฃo, como se apenas naquele instante percebesse o quรฃo prรณxima estivera do fim, Elisabette inspirou bruscamente, sugando o ar como se ele fosse sua รบnica รขncora para a vida.

Seu corpo estremeceu com o impacto da respiraรงรฃo abrupta, a sensaรงรฃo de queimor em seus pulmรตes misturando-se ao pรขnico e ร  incredulidade. Ela nรฃo havia morrido. Nรฃo ainda.

E tudo isso porque Wyper havia se recusado a deixรก-la afundar.

- Wyper...! โ”€ ela gritou, a voz fraca e trรชmula, o corpo debilitado pelo contato com o mar. - O que... o que estรก fazendo...?!

- Temos... uma aposta... e eu... venci...

- Wyper... nรณs vamos morrer... โ”€ resmungou, quase inaudรญvel, enquanto sentia as mรฃos dele segurando sua cintura com firmeza, mantendo-a junto a si, as costas pressionadas contra seu peito.

- Nรฃo... o Deus do Sol nรฃo vai permitir... โ”€ a voz de Wyper tambรฉm estava enfraquecida, mas havia uma convicรงรฃo inabalรกvel em suas palavras, suficiente para fazรช-la franzir levemente o cenho.

Wyper a segurou com mais firmeza, reunindo as รบltimas forรงas nas pernas para nadar em direรงรฃo ao Thousand Sunny, que seguia ร  deriva, movido pela correnteza enquanto era arrastado pelo caminhar errante de Zunesha sobre o oceano. O esforรงo para se manterem ร  tona era desesperador, mas, com a ajuda do pรกssaro de Gan Fall, foram lanรงados sobre o convรฉs do navio, seus corpos feridos e exaustos colidindo pesadamente contra o gramado que cobria o piso. O impacto arrancou-lhes o pouco de ar que ainda tinham nos pulmรตes, e, finalmente, cederam ao cansaรงo avassalador.

O mundo girava ao redor de Elisabette. A cabeรงa latejava como se estivesse sendo esmagada, e cada fibra de seu corpo parecia desfalecer sob o peso da exaustรฃo. Ainda encharcada, sentia a รกgua do mar se misturar ao sangue que escorria de seus ferimentos, tornando a sensaรงรฃo de fraqueza ainda mais cruel. O cรฉu acima dela escurecia lentamente, mas seus olhos turvos mal podiam distinguir o horizonte.

"Entรฃo รฉ assim que se sente?" pensou, ofegante, enquanto seu peito subia e descia de forma irregular, lutando para absorver oxigรชnio suficiente antes que seu corpo cedesse de vez.

Instintivamente, sua mรฃo deslizou atรฉ o peito, encontrando apenas o vazio esmagador que ali se alojava. O tecido molhado de seu vestido grudava-se ร  pele, marcando sua silhueta de maneira humilhante, expondo sua vulnerabilidade de forma cruel e irrefutรกvel. Naquele instante, Elisabette soube que havia perdido tudo. Sua vida, sua felicidade e, acima de tudo, o pouco que lhe restava de liberdade.

Engoliu em seco, sentindo um nรณ sufocante apertar-lhe a garganta. Seus lรกbios tremeram antes que os mordesse com forรงa, a ponto de sentir o gosto metรกlico do prรณprio sangue. O desespero sussurrava para que fechasse os olhos e aceitasse o fim, mas algo dentro dela se recusava a ceder.

Ela ainda nรฃo podia cair.

Luffy ainda precisava dela. Seus companheiros ainda precisavam dela.

Ela... ainda precisava lutar.

Elisabette virou o rosto para o lado, seu olhar encontrando o semblante igualmente exausto de Wyper. O sangue escorria de seu nariz e da ferida aberta no centro da testa, tingindo sua pele com vestรญgios de dor. A visรฃo lhe arrancou um suspiro trรชmulo, um som que mais parecia um soluรงo sufocado, um eco silencioso de tudo o que nรฃo conseguia dizer.

Aquela ferida, percebeu, jamais deixaria de sangrar. E nรฃo se referia apenas aos cortes visรญveis.

Trรชmula, sentindo cada fibra do prรณprio corpo ceder ao peso da exaustรฃo, tentou reunir forรงas para se erguer. Seus braรงos fracos, tรฃo frรกgeis quanto sua prรณpria existรชncia naquele momento, mal suportavam seu peso. As mรฃos feridas tremiam sob a pressรฃo, e, ainda assim, recusou-se a permanecer caรญda.

Ao seu lado, Wyper fez o mesmo. E, quando finalmente se encararam, ambos se viram refletidos um no outro. Dois corpos cansados, consumidos pela dor, marcados por cicatrizes invisรญveis que jamais se curariam. Exaustos. Feridos. Destruรญdos. Por dentro e por fora.

- Wyper... eu nรฃo posso voltar ainda... โ”€ murmurou com a voz rouca pela fraqueza, o olhar consumido pela dor e pelo cansaรงo. - Eu... eu ainda preciso... lutar aqui...

- Fizemos uma aposta, Elisabette. Cumpra. โ”€ a voz dele carregava firmeza e autoridade. Erguendo-se diante dela, Wyper a observou de cima, e, naquele momento, ela pareceu tรฃo pequena e vulnerรกvel que, se ele decidisse matรก-la ali mesmo, nรฃo encontraria resistรชncia.

- Eu vou cumprir... eu vou voltar... sรณ preciso de mais um tempo. Por favor...

- Por que eu deveria te dar um tempo? โ”€ Wyper questionou, os olhos afiados cravando-se nela como lรขminas.

- Hรก um paรญs... de um amigo... โ”€ sussurrou, desviando o olhar. - E hรก um homem... Kaido... Ele estรก fazendo com aquele lugar o mesmo que meu pai fez com as Ilhas do Cรฉu...

- E ajudar a salvar esse paรญs vai aliviar sua culpa?

- Nรฃo sei.

- Onde estรฃo as plantas? โ”€ o tom dele suavizou, tornando-se quase compreensivo. Elisabette arregalou os olhos, confusa com a mudanรงa repentina.

- Na minha bolsa... โ”€ murmurou, erguendo a mรฃo trรชmula. A bolsa pendia de seu punho, e Wyper a pegou sem hesitar.

- Vocรช trouxe... o Extolยน?

- Trouxe. โ”€ ele revirou os olhos antes de lhe lanรงar um รบltimo olhar severo. - Agora pague pelo seu coraรงรฃo... e pare de fazer acordos tรฃo estรบpidos.

Assim que seu olhar se fixou com mais atenรงรฃo na figura da birkan diante de si, Wyper sentiu um engasgo prender-se em sua garganta, os olhos se arregalando em absoluto choque. Algo que antes lhe passara despercebido agora se revelava diante dele com uma clareza aterradora. O olho outrora cego de Elisabette havia adquirido um tom dourado incandescente, com cintilaรงรตes alaranjadas que pareciam se mover como brasas vivas. No centro, um espiral brilhante se desenhava ao redor de uma estrela de seis pontas branca, pulsando como se fosse dotada de vida prรณpria. O cenho de Wyper se franziu, confusรฃo e atordoamento se misturando em sua expressรฃo, mas o verdadeiro terror o golpeou quando seu olhar deslizou para as costas da jovem.

Ele congelou. O ar esvaiu-se de seus pulmรตes, e um frio cortante percorreu sua espinha, tornando-o pรกlido. Engolindo em seco, sentiu um calafrio subir por sua nuca. As asas de Elisabette... haviam desaparecido.

O que diabos havia acontecido?

Com um gesto nervoso, passou a mรฃo pelos cabelos, os dedos trรชmulos se embrenhando nos fios รบmidos, enquanto dava passos incertos, como se tentasse racionalizar o que via. As queimaduras haviam sumido, o olho cego fora restaurado, mas โ”€โ”€ meu Deus โ”€โ”€ ao custo das asas?

Recuperar a visรฃo e ter a pele restaurada talvez pudesse ser considerado uma bรชnรงรฃo para qualquer outro. Mas perder as asas? Para ele, para qualquer shandia comum ou skypiean, aquilo nรฃo teria tanta importรขncia. Afinal, eles nunca puderam voar. Mas ela... ela podia. Ela voava. E agora... nรฃo mais.

Ao perceber a expressรฃo no rosto de Wyper, Elisabette apenas se encolheu, desviando o olhar para as prรณprias mรฃos feridas, sujas e apoiadas no chรฃo. Jรก sabia que suas asas haviam desaparecido โ”€โ”€ havia as visto se desfazendo enquanto afundava nas รกguas, reduzindo-se a nada, fragmento por fragmento. Mas, por um breve instante de desespero, quis acreditar que aquilo nรฃo passava de uma alucinaรงรฃo, um delรญrio causado pela falta de oxigรชnio. Quis, com todas as suas forรงas, convencer-se de que nรฃo era real.

Contudo, ao encarar o olhar de Wyper, ao ver o pรขnico estampado em suas feiรงรตes, o choque paralisando seus gestos, soube.

Oh, cรฉus, soube.

Um soluรงo preso na garganta a fez levar a mรฃo atรฉ as costas, os dedos trรชmulos buscando por algo que jรก nรฃo existia. Encontrou apenas pele lisa, vazia, sem vestรญgio algum do que um dia fora sua essรชncia. Fechou os olhos, soltando um suspiro pesado, carregado de resignaรงรฃo.

As asas, para um pรกssaro, sรฃo o sรญmbolo mรกximo da liberdade. Mesmo enclausurado, um pรกssaro sabe que, se um dia as grades de sua gaiola se abrirem, poderรก voar para longe, escapar, redescobrir o cรฉu. Mas... e quando nรฃo hรก mais asas?

Quรฃo cruel era o destino para arrancar-lhe justamente aquilo que a definia?

Irรดnico.

Tantos a haviam comparado a um pรกssaro ao longo da vida. Luffy, com sua inocente crenรงa de que ela era um "passarรฃo"; Zoro, sempre chamando-a de "pomba lesa"; Law, com seu costume de referir-se a ela como "passarinho"; seu pai, que a elogiava por sua velocidade, dizendo que era รกgil como uma รกguia. Sempre foi vista como uma criatura alada โ”€โ”€ uma mulher-pรกssaro, indomรกvel, um espรญrito que pertencia ao cรฉu.

Mas agora...

Agora nรฃo passava de um pรกssaro sem asas.

E um pรกssaro sem asas jamais serรก livre. Jamais.

Uma risada escapou de seus lรกbios, amarga, vazia, carregada de uma ironia que apenas ela poderia compreender. Nรฃo havia mais cรฉu para onde fugir. Nรฃo havia mais liberdade a ser almejada. Havia apenas o vazio. Um beco sem saรญda.

- Acho que agora nรฃo hรก mais saรญda... โ”€ ela sorriu largo, um sorriso amargo, quase resignado, enquanto as mechas de cabelo, encharcadas de รกgua e sangue, grudavam em sua pele pรกlida. - Acho que nรฃo poderei ver o Chapรฉu de Palha se tornar o Rei dos Piratas...

- Elisabette... โ”€ Wyper murmurou, aproximando-se para ajudรก-la a se levantar. - O quรฃo importante รฉ para vocรช salvar aquele paรญs?

- Tanto... que me sinto uma hipรณcrita.

- Pierre, vamos levรก-la de volta.

- Wyper... โ”€ Elisabette o fitou, confusa, embora soubesse que devia estar agradecida pelo tempo que ele lhe concedia.

- O que Enel fez com o povo das Ilhas do Cรฉu รฉ imperdoรกvel, e รฉ algo que eu nรฃo desejaria a ninguรฉm, Elisabette. โ”€ ele disse, segurando-a com cuidado pela cintura antes de colocรก-la sobre o dorso do pรกssaro, que agora assumira a forma majestosa de um pรฉgaso. - Seis meses. Esse รฉ o prazo que te dou antes de ir atrรกs de vocรช outra vez e, honestamente... eu vou te agarrar tรฃo forte que vocรช nรฃo terรก como fugir.

- Prometa.

- O quรช?

- Nada... Vamos. โ”€ sussurrou, deixando o corpo tombar sobre o pescoรงo de Pierre, que, sem demora, ergueu voo, levando-a para longe.

Quando os pรฉs de Elisabette tocaram o chรฃo, foi como se estivesse dando seus primeiros passos pela segunda vez na vida. Cada movimento era desajeitado, um tropeรงo inevitรกvel, um equilรญbrio frรกgil que a fazia oscilar entre cair para frente ou para trรกs. O mundo ao seu redor girava, o corpo sentia-se leve demais, quase etรฉreo, como se faltasse um peso essencial para mantรช-la ancorada ร  realidade. A ausรชncia de suas asas nรฃo era apenas uma perda fรญsica โ”€โ”€ era como se seu prรณprio sistema tivesse sido reconfigurado, obrigando-a a reaprender a caminhar, a existir.

Ela cambaleava descontroladamente, jogando o corpo para trรกs sempre que sentia a gravidade puxรก-la para o chรฃo, os ombros se projetando instintivamente para frente e depois para trรกs, numa busca desesperada por um equilรญbrio que jรก nรฃo existia. O pรขnico sussurrava em sua mente, mas ela o sufocava, apertando com forรงa o casaco de plumas negras contra si, como se aquilo pudesse devolver-lhe o que havia sido arrancado.

Entรฃo, ร  sua frente, as ruรญnas de Zou emergiram como um pressรกgio de sua prรณpria decadรชncia. Pior do que isso, seus companheiros estavam ali, reunidos, seus olhares fixos, carregados de expectativa e inquietaรงรฃo. Eles esperavam por alguรฉm. Eles esperavam por ela.

Ferida. Exausta. Mutilada. Cada passo era uma batalha, cada movimento drenava suas forรงas, tornando a caminhada um desafio insuportรกvel. Nunca havia precisado se esforรงar tanto para algo tรฃo simples. Caminhar... algo que deveria ser natural, instintivo, agora se tornava um tormento, uma lembranรงa cruel de que, mesmo de pรฉ, ela jรก nรฃo era a mesma.

Todos os olhares se voltaram para ela, congelados em uma mistura de espanto e horror. O choque era palpรกvel โ”€โ”€ cada um deles reconhecia, sem precisar de palavras, que Elisabette havia lutado com tudo o que tinha. Lutado atรฉ os ossos, atรฉ o รบltimo fรดlego, e sua aparรชncia era um testemunho cruel do massacre que havia sofrido. Seu corpo exibia marcas de violรชncia implacรกvel, cicatrizes recรฉm-abertas, feridas que pareciam contar, por si sรณ, a histรณria de um sofrimento inimaginรกvel.

Enquanto seus companheiros permaneciam paralisados pelo choque, os olhos de Elisabette passaram por cada um deles atรฉ se fixarem em Franky. Assim que o olhar metรกlico do carpinteiro encontrou o dela, algo dentro dela se rompeu. O peito apertou em um espasmo doloroso, e o nรณ que sufocava sua garganta se desfez em um soluรงo irreprimรญvel.

Lรกgrimas espessas e quentes desceram em torrentes por seu rosto, queimando sua pele como fogo lรญquido. Mesmo sem o equilรญbrio que um dia fora seu, ela largou o casaco de plumas e correu, ou ao menos tentou, em direรงรฃo ao ciborgue. Seu corpo vacilava, os passos eram trรดpegos, mas a urgรชncia a impulsionava. Num salto desajeitado, atirou-se contra ele. Franky a agarrou sem hesitar, envolvendo-a em seus braรงos robustos no instante em que o corpo dela cedeu.

O rosto de Elisabette afundou em seu peito como o de uma crianรงa buscando refรบgio no colo do pai. Ela tremia, soluรงava alto, sua respiraรงรฃo entrecortada por palavras desconexas โ”€โ”€ tentava se justificar, se explicar, mas nada fazia sentido, nada era coerente. E Franky, com o coraรงรฃo pesado e os olhos marejados, apenas a segurou com firmeza, sem dizer nada, sem pedir explicaรงรตes. Apenas a acolheu, como se, naquele momento, ela fosse exatamente isso: sua menina, seu bebรช, perdida, machucada, buscando conforto nos รบnicos braรงos que ainda podiam protegรช-la.

- Lis! O que aconteceu!? โ”€ Nami indagou, com desespero na voz, encarando as costas dela com os olhos arregalados e horrorizados.

- O que รฉ isso no seu olho? โ”€ Zoro segurou o rosto dela com uma das mรฃos, forรงando-a a olhar para ele. - O que vocรช estava fazendo no Sunny!?

- Lis, vocรช estava lutando na entrada de Zou!? Contra quem!? โ”€ Usopp alternava o olhar entre o rosto choroso dela e a direรงรฃo da qual ela havia vindo.

- Saiam de perto dela! Ela precisa de cuidados! โ”€ Chopper interveio, assumindo sua forma humanoide para puxรก-la dos braรงos de seu companheiro e segurรก-la com cuidado pelos ombros, seus olhos percorrendo toda a sua silhueta para averiguar os ferimentos. - Nรฃo se preocupe, Lis! Eu cuidarei bem de vocรช!

Elisabette nada disse. Apenas permitiu que o mรฉdico de seu bando a erguesse nos braรงos, carregando-a nas costas com delicadeza. Seu corpo, fragilizado e marcado pelo sofrimento, foi envolto no casaco de plumas negras, uma tentativa inรบtil de ocultar o desastre que havia se tornado. Ela sabia que, se seus aliados vissem seu estado deplorรกvel, o alarde seria inevitรกvel. E, por mais que soubesse que nรฃo poderia esconder a verdade por muito tempo, ao menos poderia ganhar alguns minutos antes que o caos irrompesse.

Os Minks eram generosos e atenciosos, sempre receptivos. Haviam acolhido os Piratas do Chapรฉu de Palha com hospitalidade e calor, e, em retribuiรงรฃo, o grupo nรฃo desejava lhes trazer mais incรดmodo ou preocupaรงรฃo. Mas os ferimentos de Elisabette eram profundos, as marcas da batalha se espalhavam por seu corpo como cicatrizes de guerra ainda abertas, e aquilo nรฃo era algo que pudesse ser ocultado para sempre.

Tentando evitar olhares curiosos, os membros do bando se dispersaram, tentando distrair os samurais, os Minks e os Piratas de Copas. No entanto, a tentativa de encobrir a verdade foi frustrada pelo olhar clรญnico e afiado do Cirurgiรฃo da Morte. Law observou de relance a cena e, no mesmo instante, algo o fez parar. Seu olhar pousou sobre o casaco de Chopper e, no meio das plumas, uma mรฃo escapava โ”€โ”€ pรกlida, trรชmula, suja de sangue fresco que escorria lentamente.

Ele congelou. O raciocรญnio se alinhou em segundos.

A ausรชncia dela durante a tarde. O silรชncio incomum. As explosรตes na entrada. E, agora, aquilo.

Algo estava errado. Horrivelmente errado.

Law prendeu a respiraรงรฃo e moveu-se com rapidez, sua postura rรญgida e determinada. Dirigiu-se ร  cabana onde Chopper havia entrado, abrindo a porta com violรชncia, o estrondo ecoando pelo pequeno espaรงo. O pequeno mรฉdico se sobressaltou, os olhos arregalados em pรขnico, mas Law percebeu de imediato que o medo nรฃo era dele. O medo era pela situaรงรฃo.

Nรฃo demorou para que Luffy e Robin surgissem logo atrรกs. Seus olhares se voltaram para Law com confusรฃo, mas nรฃo questionaram. Nรฃo precisavam. Bastou um รบnico segundo para que seus olhos pousassem na figura jogada sobre a cama improvisada construรญda pela Tribo Mink. E entรฃo, o mundo pareceu parar.

- O que aconteceu com ela? โ”€ Law questionou, esforรงando-se para manter a expressรฃo neutra e a voz sob controle, embora sua mente estivesse um turbilhรฃo de pensamentos ao analisar os ferimentos ร  distรขncia. - Quem fez isso?

- N-Nรฃo sabemos! Ela nรฃo disse... Ou melhor... nรฃo conseguiu dizer... โ”€ Chopper respondeu, a afliรงรฃo evidente em sua voz trรชmula enquanto suas patas รกgeis limpavam os ferimentos de Elisabette, sentindo uma leve fraqueza devido ao contato com a รกgua do mar ainda impregnada em sua pele. - Ela estรก encharcada... o corpo dela estรก frio demais... ela entrou em hipotermia... โ”€ o pequeno mรฉdico engoliu em seco, os olhos se movendo freneticamente entre os sinais vitais da sentinela. - Ela deve ter caรญdo no mar. Nรฃo sei... O que ela estava fazendo no Sunny? โ”€ murmurou, enquanto seu focinho franzia em preocupaรงรฃo ao observar o tom arroxeado nos lรกbios de Elisabette. - Cianoseยฒ... a respiraรงรฃo estรก fraca e irregular... droga, ela estรก completamente exausta...! โ”€ a conclusรฃo o atingiu como um choque. - A Lis nรฃo sabe nadar...! โ”€ a voz dele se ergueu em um tom esganiรงado. - Ela deve ter ficado tempo demais se debatendo na รกgua, tentando voltar para o navio!

E entรฃo, no instante seguinte, Chopper congelou.

Seus olhos arregalaram-se em pavor quando ele pressionou o casco contra o peito dela mais uma vez, a boca entreaberta em puro espanto.

- Eu... eu nรฃo estou sentindo os batimentos cardรญacos dela...!

O silรชncio que se seguiu foi esmagador.

- Mas ela ainda estรก respirando... Como isso รฉ possรญvel?!

Trafalgar cerrou os punhos e trincou os dentes, sentindo o peso esmagador da culpa desabar sobre si como um golpe certeiro na coluna. Era รณbvio que Elisabette jamais contaria aos seus companheiros sobre o destino de seu coraรงรฃo โ”€โ”€ se tivessem conhecimento disso, teriam, no mรญnimo, tentado negociar sua devoluรงรฃo antes de aceitar a alianรงa ร s cegas. Afinal, por mais ingรชnuo e impulsivo que fosse o capitรฃo dos Piratas do Chapรฉu de Palha, seu afeto, preocupaรงรฃo e lealdade para com sua tripulaรงรฃo eram inquestionรกveis.

Law inspirou profundamente, lutando para manter a compostura enquanto observava Chopper continuar os exames. A rena mรฉdica trabalhava com precisรฃo, colocando compressas de รกgua morna sobre o corpo ferido de Elisabette, tomando o mรกximo de cuidado para nรฃo agravar ainda mais seus machucados. Mas entรฃo, algo lhe chamou a atenรงรฃo do โ”€โ”€ ele percebeu a ausรชncia das asas dela. O espaรงo onde antes se prendiam agora era apenas pele lisa, sem cicatrizes ou sinais das queimaduras causadas pelo El Thor. Um calafrio percorreu sua espinha.

Permanecendo em silรชncio, confuso e aflito, Law lutou contra o impulso de questionar, de exigir respostas que talvez nem ela tivesse. Em vez disso, conteve-se e se ofereceu para ajudar Chopper, que, sem hesitar, aceitou de bom grado. Elisabette precisava de todos os cuidados possรญveis, de cada gota de atenรงรฃo e precisรฃo mรฉdica, se quisessem evitar que sua condiรงรฃo se tornasse ainda mais crรญtica.


โ”โ” Trafalgar Law, Cirurgiรฃo da Morte. โชO ponto de vista deleโซ

Jรก haviam se passado horas desde que Elisabette-ya fora trazida de volta para sua cabana para ser tratada. Tony-ya e eu passamos um longo tempo limpando seus ferimentos e envolvendo-os com ataduras. Por precauรงรฃo, tomei para mim a responsabilidade de cuidar da รกrea de seu busto, evitando que mais uma bomba estourasse e causasse um choque ainda maior entre os Chapรฉus de Palha. Ela ainda estava pรกlida, mas, ao menos, os tons arroxeados em seus dedos e lรกbios haviam desaparecido, retornando a uma coloraรงรฃo mais natural. Ou melhor, natural demais.

Nรฃo apenas eu, mas todos ali ainda se viam intrigados com a mudanรงa drรกstica que ela sofrera em questรฃo de uma รบnica hora longe de nossas vistas. Como se tivesse morrido e renascido como uma nova pessoa. As cicatrizes de queimadura em seus braรงos e ao redor do olho haviam desaparecido, substituรญdas por uma pele lisa, restaurada como se nunca tivesse sido marcada pelo fogo. Entretanto, o mais desconcertante fora o momento em que, durante seus delรญrios, provocados pelo tempo excessivo sem oxigรชnio, seus olhos se arregalaram e seu olho cego brilhou. A coloraรงรฃo leitosa se foi, dando lugar a um dourado intenso, cintilante, com espirais alaranjadas que se desenhavam ao redor da รญris.

Era algo... magnรญfico. Mas, ao mesmo tempo, estranhamente aterrador.

Usei o Scan para examinรก-la melhor e, por fim, minhas suspeitas se confirmaram: Elisabette-ya havia se tornado uma usuรกria de Akuma no Mi enquanto esteve longe. Quando revelei isso aos seus companheiros, eles trocaram olhares confusos e atordoados, pois nem mesmo eles sabiam qual fruto ela ingerira ou o motivo para tal decisรฃo.

Toda aquela situaรงรฃo fez minha mente viajar atรฉ a noite anterior, em minha cabana. O momento em que ela me confessou, com lรกgrimas carregadas de desespero e tristeza, cada detalhe de seu passado trรกgico. E entรฃo tudo comeรงou a se encaixar. As ligaรงรตes feitas ร s escondidas durante a madrugada. A Febre das รrvores. O fato de ela, de certa forma, carregar a culpa pela propagaรงรฃo do vรญrus. Pontos soltos que agora se entrelaรงavam e fortaleciam minha teoria.

Contudo, eu precisava esperรก-la acordar. Nรฃo apenas para entender o que realmente havia acontecido, mas porque ela tambรฉm teria que dar explicaรงรตes a seus companheiros. Eles estavam inquietos, preocupados com seu estado, e atรฉ mesmo o prรณprio Mugiwara-ya se via em um conflito interno entre permanecer em Zou atรฉ que Elisabette-ya se recuperasse ou seguir para Whole Cake e impedir Kuroashi-ya de se casar com uma das filhas de Big Mom.

Tony-ya dormia em uma rede que havia amarrado no centro da cabana, enquanto eu permanecia sentado ao lado da cama de Elisabette-ya, em silรชncio, imerso em meus prรณprios pensamentos. A lamparina estava apagada, mergulhando o ambiente em uma penumbra sufocante. Eu odiava aquilo.

Odiava cada detalhe daquela situaรงรฃo. Odiava vรช-la naquele estado. Odiava testemunhar sua destruiรงรฃo tรฃo absoluta. Mas, acima de tudo, odiava a mim mesmo por compreender aquele que a ferira.

Porque, se ela realmente fora o demรดnio em forma de mulher que se pintara sem hesitaรงรฃo, sem gaguejar ou vacilar, entรฃo quem quer que tivesse feito aquilo possuรญa seus motivos. O tal Wyper โ”€โ”€ em quem eu desconfiava โ”€โ”€ compartilhava da mesma dor que um dia eu senti. A dor de ver tudo o que se ama ser reduzido a cinzas pelas mรฃos de outra pessoa.

E era isso que me consumia. Porque eu nรฃo queria entender a dor dele. Nem seu รณdio.

Eu queria entender a ela.

Soltei um suspiro pesado e exasperado, passando as mรฃos pelo rosto enquanto uma รบnica pergunta ecoava em minha mente: em que momento eu havia me permitido envolver mais do que o necessรกrio com os Chapรฉus de Palha e, sobretudo, com Elisabette-ya?

Talvez fosse o destino, uma forรงa inevitรกvel que nos entrelaรงava pelo D. em nossos nomes. Talvez fosse a simples convivรชncia, um laรงo que se estreitava sem que eu percebesse. Eu nรฃo sabia ao certo. Mas todas as vezes que pensava nela, que meus olhos encontravam os dela... o mundo ao nosso redor parecia cessar, suspenso em um instante que pertencia apenas a nรณs dois.

E a culpa era minha.

Minha por sempre ter compreendido o que eram aqueles sentimentos. Minha por reconhecer desde o princรญpio o frio que percorria meu estรดmago, a inquietaรงรฃo sutil ao estar prรณximo a ela โ”€โ”€ que, em vรฃo, tentei disfarรงar sob o vรฉu do mau humor e da indiferenรงa. Desde a primeira vez que senti o rosto arder, soube exatamente o que significava. E, ainda assim, fui incapaz de resistir.

Permiti que tudo evoluรญsse... De olhares prolongados para abraรงos demorados. De toques hesitantes para carรญcias suaves em sua pele. Do roรงar de nossos lรกbios para um beijo, de um beijo para inรบmeros outros โ”€โ”€ atรฉ que, por fim, nos entregamos por completo, consumidos pelo desejo e pela necessidade de transformar em corpo o que nossos coraรงรตes jรก sabiam.

Cuidadosamente, levei a mรฃo atรฉ seu rosto, deslizando os dedos por sua pele adormecida, ainda marcada pelas dores que persistiam, mesmo apรณs as doses generosas de antibiรณticos e anti-inflamatรณrios que havรญamos administrado. Seu corpo ainda lutava, febril, aquecido pela inflamaรงรฃo dos ferimentos que insistiam em nรฃo cicatrizar.

Deixei que meu polegar traรงasse pequenos cรญrculos sobre sua bochecha, num gesto inconsciente de conforto, atรฉ que, num รญmpeto de delicadeza, inclinei-me em sua direรงรฃo e depositei um beijo suave em sua testa. Um suspiro escapou dos meus lรกbios, e, sem me dar conta, deixei que minha prรณpria testa repousasse contra a sua, sentindo sua respiraรงรฃo trรชmula contra minha pele.

Aos poucos, sua expressรฃo de dor pareceu suavizar, como se, ainda que adormecida, ela sentisse minha presenรงa. E entรฃo, rendido por aquele instante de vulnerabilidade, pelo aperto sufocante que se instalava em meu peito ao vรช-la tรฃo frรกgil, permiti-me sussurrar contra sua pele, sem sequer pensar:

- Eu te amo.

โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”โ”


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