
โโ ๐ฅ ึด เผ ุ๐ฑ๐ต. ๐๐ถ๐ป๐ฑ๐ฎ ๐บ๐ฒ๐ป๐ถ๐ป๐ฎ.
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โโ Fairy Vearth, Terra Sem Fim ; Lua.
แกEnel, O Deus das Ilhas do Cรฉu. โชO ponto de vista Deleโซ
Eu me lembro de quando havia se passado cerca de um ano e seis meses desde o assassinato de Freyja, e eu me sentia, a cada dia que passava, mais perdido e solitรกrio em meio ร vida. Minha mente era um labirinto de confusรตes, e meus sentimentos pareciam se dissipar sempre que seu nome era pronunciado. Isso se tornava especialmente insuportรกvel nas inรบmeras ocasiรตes em que eu precisava lidar com os choros escandalosos de Elisabette, que lamentava a ausรชncia da mรฃe e carregava o peso da culpa que o desgraรงado de Urouge havia lanรงado sobre seus ombros - quando, na verdade, o รบnico responsรกvel pela tragรฉdia era eu. Estava tรฃo cego pela seduรงรฃo do poder em minhas mรฃos que nรฃo consegui protegรช-las. Restou-me apenas a dolorosa realidade de me tornar viรบvo aos 29 anos. Contudo, o mais devastador foi testemunhar minha filhinha se tornar รณrfรฃ de mรฃe em uma idade tรฃo tenra.
Quando a encontrei, agarrada ao corpo sem vida de Freyja, foi como se uma parte da minha prรณpria existรชncia tivesse sido brutalmente arrancada de mim. O desespero refletido em seus olhos azuis era insuportรกvel; seu rosto, suas mรฃos e suas roupas estavam manchados com o sangue da mulher que mais amei, morta diante dos meus olhos. Era uma visรฃo agonizante: a vista de nossa primogรชnita sobre o colo da mรฃe, uma crianรงa que sequer parecia compreender a gravidade do que estava acontecendo ao seu redor.
Desde aquela manhรฃ, nรฃo soube mais o que fazer. A รบnica certeza que eu tinha era que Elisabette precisava, mais do que nunca, de mim. Eu tentava me manter firme unicamente por ela, pois, se nรฃo fosse por sua presenรงa, eu jรก teria destruรญdo tudo ao meu redor e encerrado com a minha prรณpria vida. No entanto, por ela, eu precisava manter a cabeรงa erguida e seguir em frente.
Constantemente, ela permanecia quieta nos corredores do templo, sentada em algum canto, escondida nas lacunas ou enrolada em cobertores enquanto chorava baixinho, chamando pela mรฃe e pedindo desculpas. Era algo que feria meu coraรงรฃo, um coraรงรฃo que eu sequer sabia que ainda tinha. Tudo o que eu podia fazer era pegรก-la no colo e ninar para acalmรก-la. Ela jรก estava crescendo, prestes a completar 10 anos de idade, mas, aos meus olhos, ainda era aquela bebรช gorda que sorriu para mim quando me viu pela primeira vez ao nascer.
Eu nรฃo queria que Elisabette crescesse, mas, inexoravelmente, ela continuava a fazรช-lo. Estava deixando de ser rechonchuda; suas bochechas jรก nรฃo eram mais tรฃo cheias e macias, embora ainda fossem razoavelmente grandes e conferissem ao seu rosto - mesmo sendo fino e comprido - aquelas feiรงรตes redondas e infantis, que, no entanto, estavam desaparecendo a cada ano. Eu jรก nรฃo a compreendia; ela mudava incessantemente e, sempre que acreditava estar finalmente prรณximo de entendรช-la, ela crescia novamente.
Embora nรฃo me arrependesse de tornรก-la minha preciosa guerreira perfeita, ao completar 14 anos, senti o terror se apoderar do meu corpo novamente, desde o momento em que vi Freyja morta. Durante seus treinamentos, Elisabette, pela primeira vez, morreu. Lembro-me vividamente da cena diante de meus olhos: seu corpo magro encolhido nos braรงos de Shura, que tentava a todo custo se explicar, afirmando que esperava que ela conseguisse desviar de seu ataque. No entanto, nรฃo conseguiu mudar de direรงรฃo a tempo e foi atingida em cheio, falecendo instantaneamente.
Eu quis gritar, eu quis matรก-lo, eu quis destruir tudo ao meu redor, descontando minha frustraรงรฃo em tudo e todos. Queria que todos sentissem a minha dor, pois, mais uma vez, a vida havia me tirado tudo o que restava: minha primogรชnita e รบnica, minha filhinha querida, minha preciosa guerreira perfeita, minha Elisabette.
Seu corpo estava deitado sobre um altar, para que pudesse ter seus รบltimos momentos de glรณria. Durante um ataque de raiva, um de meus raios a acertou, fazendo-a contorcer-se. Como um milagre, o ar voltou para seus pulmรตes, seu cรฉrebro recuperou o controle sobre seus sentidos e seu coraรงรฃo voltou a bombear sangue por seu corpo. Isso deixou nรฃo apenas a mim, mas a todos os meus servos em completo choque. De repente, Elisabette sentou-se e nos olhou confusa, seus grandes olhos azuis cheios de medo e pรขnico, como se tivesse sido punida ou repreendida por algo, sem sequer perceber que havia morrido e que agora eu havia lhe dado a vida novamente.
E ela morreu novamente, semanas depois. E de novo, e de novo, mais uma vez, outra vez, novamente e de novo; era como se eu nรฃo tivesse mais controle sobre sua vida, como se uma forรงa maior jรก houvesse decidido seu destino, levando-a a morrer de uma forma ou de outra. Entretanto, eu sempre a eletrocutava e a trazia de volta, mesmo que sua cabeรงa recรฉm-reanimada distorcesse a nossa realidade e entendesse que aquilo - os choques, todos os vรกrios volts percorrendo suas correntes sanguรญneas, energizando cada membro de seu corpo - nรฃo era nada alรฉm de uma puniรงรฃo por algo. De certo modo, eu preferia que ela compreendesse assim, que nรฃo sentisse o terror de saber que estava morrendo e escapando dos meus dedos o tempo inteiro.
E tudo isso porque eu nรฃo aceitava a morte de Elisabette. Infelizmente, nada que eu fizesse poderia impedir sua morte. Isso se devia ao fato de que o corpo de Elisabette jรก estava impregnado pela morte, e รฉ por isso que nรฃo importava o quanto eu quisesse protegรช-la ou tornรก-la forte; nรฃo havia resposta para isso. Esse รฉ um mundo cruel.
Quando Luffy, do Chapรฉu de Palha, chegou a Upper Yard, acreditei que ele seria apenas mais um estรบpido a quem eu demonstraria os poderes da minha divindade, deixando claro ao povo das Ilhas do Cรฉu o quรฃo poderoso eu era. Eu os destruiria e partiria com os meus para a Fairy Vearth, a Terra Sem Fim, onde serรญamos livres, grandiosos e, principalmente, quem eu realmente desejava ao meu lado naquele lugar esplรชndido era ninguรฉm mais do que meu sangue e carne: minha filhinha, Elisabette.
Todavia, nรฃo foi isso que aconteceu, e vi meus subordinados sendo derrotados um por um, atรฉ o momento em que senti Elisabette tambรฉm ser derrotada. Tive a visรฃo do espadachim Roronoa Zoro a devastando em menos de quinze minutos com um รบnico golpe, capaz de deixรก-la desacordada.
Nรฃo demorei para ir ao seu encontro, pegรก-la em meus braรงos e deixar um beijo em sua testa gelada pelo suor e o sangue, sabendo que, assim que acabasse com a palhaรงada daqueles forasteiros, voltaria para buscรก-la. Entรฃo, deitei-a sobre o chรฃo e a enrolei em seu casaco para mantรช-la protegida do calor do sol e dos mosquitos que poderiam atacar sua pele pรกlida e sensรญvel. Ainda lembro com clareza de nosso รบltimo diรกlogo, quando seus olhos se abriram lentamente e se fixaram em mim com um apelo silencioso e amedrontado.
โโ Upper Yard, Jardim Superior de Skypiea ; 2 anos atrรกs...
Elisabette estava com uma ferida aberta em sua testa, fazendo com que uma quantidade absurda de sangue escorresse por seu rosto enquanto me encarava com um olhar cansado e exausto, o cenho franzido e os dentes da frente quebrados. Sua mรฃo fraca se estendeu em minha direรงรฃo, tentando me tocar quando me levantei e, fracamente, agarrou a barra de minha calรงa, fazendo com que eu baixasse o olhar para encarรก-la.
- Vamos fugir... eles sรฃo fortes demais... - sua voz soou quebrada e abalada, como se seu apelo pela fuga fosse uma forma de se humilhar.
- Estรก duvidando do poder de Deus?
- Nรฃo, j-jamais... eu sรณ... - parou, soltando um suspiro seguido por uma tosse com respingos de sangue. - Por favor, n-nรฃo vรก...
- Preciso dar uma liรงรฃo naquele pirralho do mar azul e naqueles vira-latas companheiros dele, especialmente naquele espadachim imundo que te deixou assim. - falei em um tom arrogante enquanto puxava minha calรงa de seu aperto, observando sua mรฃo pender e cair no chรฃo.
Dei alguns passos hesitantes e, quando estava prestes a transformar meu corpo em eletricidade, Elisabette se lanรงou sobre minhas pernas, agarrando-me com o que restava de suas forรงas. Imediatamente, parei de me mover, encarando-a com os olhos arregalados. Embora tentasse manter uma fachada inexpressiva e inabalรกvel, nรฃo consegui evitar o aperto no peito ao ver quรฃo frรกgil ela parecia. Seu corpo, marcado por hematomas, com um corte na testa e os dentes quebrados, olhava para mim como se eu estivesse prestes a abandonรก-la.
Aquela visรฃo de Elisabette, tรฃo pequena e encolhida, era como uma viagem ao passado, um retorno ร quela garotinha que me seguia por todos os lugares, chamando-me de "papai" ou "paizinho", implorando por colo ou me convidando para brincar. Era doloroso. Complicado.
No entanto, eu sabia que precisava partir; precisava lutar e pรดr fim a tudo isso para que pudesse levรก-la ao conforto de um lar pacรญfico onde ela realmente seria feliz.
Voltei-me para Elisabette e, com um gesto carregado de ternura, coloquei-me de joelhos, envolvendo-a em um abraรงo apertado. Senti seu rosto repousar sobre meu ombro, enquanto ela me olhava de canto com aqueles olhos azuis, tรฃo belos e doces, que, apesar de todas as adversidades, ainda refletiam um brilho amรกvel de ingenuidade. Ela possuรญa tรฃo pouco conhecimento sobre o mundo; pouco lhe interessava o que existia alรฉm das Ilhas do Cรฉu, alรฉm de Birka, alรฉm de Skypiea, alรฉm do Jardim Superior... Nunca demonstrara interesse por nada que nรฃo fosse a minha atenรงรฃo voltada para ela.
Elisabette era uma menina encantadora, tรฃo querida. Minha filhinha era preciosa, dotada de uma amabilidade รญmpar. Ela era o รบnico bem que ainda possuรญa, e nรฃo poderia permitir que aqueles que ousaram ferir seu rosto lindo, arranhar sua pele delicada ou rasgar seu vestido favorito saรญssem impunes.
"Feche os olhos, nรฃo tenha medo... o monstro foi embora, ele fugiu e o papai estรก aqui... linda, linda, linda, linda menina..."
Cantarolei suavemente em seu ouvido, sentindo o corpo dela relaxar em meus braรงos enquanto um sorriso fraco surgia em seus lรกbios rosados, manchados de sangue. Seus olhos encontraram os meus com aquele olhar de sono e diversรฃo, como a menina travessa que costumava ser na infรขncia, quando dizia que nรฃo queria dormir para brincar de boneca com Freyja.
- O S-senhor... vai voltar para me buscar?
- Obviamente. - retruquei, voltando a deitรก-la no chรฃo. - Nรฃo se esqueรงa, Elisabette: vocรช รฉ carne da minha carne, sangue do meu sangue.
- Promete? - sussurrou, seus olhos quase se fechando ร medida que a exaustรฃo comeรงava a dominar seu corpo.
- Se isso faz com que sua mente frรกgil se sinta menos barulhenta, entรฃo sim, eu prometo.
Mais uma vez, dei-lhe as costas e transformei meu corpo em um raio azul intenso, o som do trovรฃo ecoando por todas as naรงรตes das Ilhas do Cรฉu. Partindo de onde estava na literal velocidade da luz, meu objetivo era encontrar meu adversรกrio, Monkey D. Luffy, o fedelho que afirmava que se tornaria o Rei dos Piratas. Eu tinha plena certeza de que o derrotaria sem dificuldades, pois, mesmo sendo feito de borracha, eu o desgastaria, nem que fosse ร base de socos.
E eu a perdi. Cheguei a Fairy Vearth sem meus subordinados e fiรฉis sacerdotes, cuja ausรชncia nรฃo faria falta alguma, mas tambรฉm cheguei sem a รบnica pessoa que realmente desejava ali, naquele lugar, ao meu lado: minha Elisabette. Nรฃo sabia o que havia acontecido com ela apรณs a minha derrota, tampouco se ainda estava viva, e a dรบvida me destruรญa lentamente por dentro. Apenas tinha certeza de uma coisa: um dia eu iria para o Mar Azul para destruir aquele maldito garoto com chapรฉu de palha.
โโ Segunda parte da Grand Line, Novo Mundo ; Algum lugar do mar.
แกElisabette, Anjo da Morte. โชO ponto de vista Delaโซ
Depois que havรญamos falado com Luffy, nรฃo demoramos muito para vรช-los chegando ao porto e rapidamente fomos ao encontro do Going Luffy-senpai para retornarmos ร nossa rota rumo a Zou. Fiquei feliz em rever meus companheiros, mesmo que tivรฉssemos estado apenas trรชs dias longe deles; ainda assim, senti falta da companhia de todos, principalmente de Luffy. O dia tambรฉm havia sido tranquilo: comemos, bebemos, cantamos e danรงamos. Quando a noite caiu, todos se recolheram para dormir, cabendo a mim novamente a missรฃo de proteger o navio enquanto a tripulaรงรฃo descansava apรณs um dia inteiro de muita agitaรงรฃo.
A noite estava bonita, e o cรฉu estrelado me proporcionava um banho refrescante de luz da lua. Fazia algum tempo desde que eu nรฃo parava para admirar Fairy Vearth, trazendo ร minha memรณria lembranรงas de quando eu fazia o mesmo com meu pai, deitados sobre o gramado de Upper Yard para contemplรก-la.
Ele nutria uma profunda admiraรงรฃo pela lua. Olhava para ela com um olhar que transparecia uma paixรฃo desmedida, como se a contemplaรงรฃo lunar lhe oferecesse um consolo nas horas sombrias que se seguiram ร morte da mamรฃe. Passรกvamos horas deitados no chรฃo ou em seu quarto, que possuรญa uma imensa janela com uma vista deslumbrante do cรฉu noturno e estrelado. Era uma visรฃo esplรชndida que eu havia apreciado durante toda a infรขncia, especialmente nos momentos em que evitava permanecer em meu prรณprio quarto para desfrutar da sua companhia. Assim, nos perdรญamos no tempo, admirando a chamada "Terra Sem Fim".
Ele me contava inรบmeras histรณrias, narrativas que eu nunca havia me dado ao trabalho de investigar suas origens, mas que me fascinavam profundamente. Eu simplesmente adorava ouvi-lo contar, e amava observar como seus olhos brilhavam intensamente e como seu sorriso se alargava ร medida que as histรณrias se desenrolavam, transformando-se em relatos hipnotizantes e irresistรญveis. Eram fรกbulas sobre Deus, descrito como aquele que possuรญa tambores ressonantes anunciando Sua presenรงa; falava-me de um Deus capaz de segurar raios, imensamente poderoso, e afirmava que Fairy Vearth era o รบnico lugar digno de Sua grandiosidade.
Saber que, apesar de tudo o que ocorreu hรก dois anos, ele conseguiu cumprir seu objetivo de alcanรงar a lua com a Arca Maxim traz-me uma certa tranquilidade, pois me concede ao menos a mรญnima noรงรฃo de que ele estรก vivo. No entanto, essa mesma revelaรงรฃo tambรฉm provoca em mim uma profunda sensaรงรฃo de traiรงรฃo, solidรฃo e abandono; ele nรฃo retornou para me buscar como havia prometido. A รบltima imagem que guardo de seu semblante รฉ a de sua derrota nas mรฃos de Luffy, um instante que me deixou desolada e perdida, sem saber qual caminho seguir. A realidade cruel รฉ que nรฃo havia mais ninguรฉm em Skypiea para mim - os sacerdotes haviam desaparecido, os servos se foram e nรฃo restavam aliados que pudessem vingar sua memรณria ao meu lado. Eu era a รบltima sobrevivente do exรฉrcito que ele havia construรญdo naquele jogo mortal.
Uma pontada aguda em minha cabeรงa fez-me inclinar-me e apoiar uma mรฃo no corrimรฃo do navio, enquanto a outra foi levada atรฉ o local da dor, permitindo que um suspiro escapasse de meus lรกbios. Desviei o olhar do cรฉu e encarei o chรฃo com um semblante dolorido e o cenho franzido.
Aquelas dores estavam se tornando constantes; nem mesmo os remรฉdios que Law-san havia adquirido para que eu tomasse surtiram efeito. Havia momentos em que eu mal conseguia permanecer quieta, tamanha era a intensidade da dor. Law-san mencionara que eu estava estressada e precisava relaxar, evitando perder a paciรชncia com bobagens. Contudo, essa tarefa tornara-se cada vez mais desafiadora desde que Wyper revelara a bomba sobre os acontecimentos nas Ilhas do Cรฉu. Eu desejava sinceramente encontrar tranquilidade, dormir aconchegada ao travesseiro e ter sonhos leves; no entanto, pensar em tudo aquilo ocorrendo indiretamente por minha causa deixava-me inquieta.
- Ei, Pomba Lesa! Seu turno acabou. Entre no navio! - a voz de Zoro despertou-me dos meus pensamentos, atraindo minha atenรงรฃo para sua direรงรฃo.
- Acabou? Nรฃo devem ser nem trรชs da manhรฃ. - ergui uma sobrancelha e cruzei os braรงos enquanto encostava o quadril na amurada, tentando fingir que estava tudo bem.
- Nรฃo sรฃo. Acabou de dar uma e meia. - ele disse, aproximando-se de mim e, quando se colocou em minha frente, sua sombra cobriu-me. - Mas eu quero que vocรช arraste essas suas asinhas para a cama e durma.
- Eu sou a sentinela; esse รฉ meu trabalho!
- Sim, e vocรช faz um รณtimo trabalho, tenho que admitir. - ele revirou os olhos enquanto segurava minha bochecha. - Porรฉm, ainda quero que vocรช vรก dormir. Vocรช precisa descansar. Vocรช ainda nรฃo estรก completamente recuperada!
- Ah, eu estou bem recuperada. Vocรช nem imagina como descobri isso... - dei uma risada baixa e seca, sentindo minhas bochechas ardendo.
De repente, um arrepio frio percorreu minha espinha e uma gota de suor rolou por meu rosto ao sentir o olhar de Zoro intensificar-se e queimar bem no meio da minha testa, como se fosse uma bala disparada naquela regiรฃo. Engoli em seco e comprimi os lรกbios em uma linha reta; dei um sorriso apavorado para ele e murmurei, trรชmula:
- Z-Zorinho?
- O que vocรช quis dizer com isso? - ele falou em um tom ameaรงador que fez minhas pernas ficarem bambas, quase fazendo-me sentir a alma sair do meu corpo. - Responda!
- Boa noite, Zoro! - falei, abrindo as asas e voando de forma desajeitada atรฉ colidir contra a porta que levava para o interior do navio, forรงando-a a abrir com o impacto. Por fim, levantei-me rapidamente e a fechei antes de ser fatiada como presunto.
Assim que coloquei os pรฉs na parte interna do navio, a escuridรฃo do ambiente nรฃo me cegou devido ร pouca luz lunar que entrava pelas frestas da porta e pelos buracos de ventilaรงรฃo presentes nela. Comecei a caminhar aleatoriamente em direรงรฃo ร cozinha, guiando-me pelo que parecia ser o cheiro de รกgua sanitรกria e carne queimada, parando apenas quando tropecei no batente da entrada da cozinha, quase caindo ao chรฃo. Fui salva pelos meus reflexos, que me ajudaram a agarrar a borda e usar o joelho como apoio para nรฃo ceder e evitar uma queda.
Dirigi-me atรฉ a geladeira e peguei o jarro de รกgua, colocando um pouco em um copo e bebendo, sentindo uma agonia irritante entre a testa e o nariz devido ร temperatura extremamente gelada, o que me fez arrepiar a pele e soltar um sopro de ar gรฉlido. Em seguida, guardei tudo e lavei rapidamente o copo, deixando-o no armรกrio repleto de chicletes - uma visรฃo assombrosa que me fez franzir a testa e sentir algo semelhante, embora nรฃo tรฃo intenso quanto o nojo.
"Vocรช vem por bem ou eu te trago arrastada pelos cabelos!"
As palavras de Wyper ainda ressoavam claramente em minha mente, como se apenas alguns segundos tivessem se passado desde nossa discussรฃo acalorada, enquanto eu me encontrava escondida no banheiro, acreditando que Law-san nรฃo acordaria. Fui pega de surpresa ao sentir sua presenรงa do outro lado da porta, provavelmente ouvindo tudo o que estรกvamos gritando um com o outro, apesar de ter me segurado ao mรกximo para nรฃo explodir e evitar bater a lรญngua nos dentes. Entretanto, ele deve estar desconfiado de algo; alguma coisa o deixou atรดnito, pois desde que subimos novamente a bordo do Going Luffy-senpai, ele nรฃo falou comigo.
Nรฃo que eu tivesse interesse em conversar com ele; longe disso! Afinal, por que eu me importaria se ele deseja falar comigo ou nรฃo? Nรณs dois... somos apenas aliados; nem amigos somos. O que ocorreu em Porzellanpuppen foi apenas o resultado da tensรฃo sexual em um quarto vazio, com um homem e uma mulher jovens, cujos hormรดnios estavam ร flor da pele. Nรฃo รฉ como se o que aconteceu entre nรณs dois tivesse significado algo para ele, mesmo que... ele tenha me olhado daquela forma e me tocado com tanta... adoraรงรฃo.
O fato รฉ que... eu nรฃo sou uma mulher para ele. Quando eu era adolescente, prestes a completar 16 anos, meu pai me contou que, um dia, eu precisaria me casar e dar continuidade ร linhagem da nossa famรญlia. Ele ressaltou, no entanto, que eu deveria encontrar a pessoa certa e ter cuidado com aquele com quem uniria meu corpo. Ele dizia que alguns homens nรฃo levam as mulheres a sรฉrio, tratando-as apenas como diversรฃo, um passatempo que ajuda a esquecer o estresse do dia a dia.
Meu pai nunca teve outra mulher alรฉm da minha mรฃe; ela sempre foi a รบnica em sua vida desde que ambos eram crianรงas. ร verdade que ele teve uma dessas diversรตes passageiras que quase mancharam o sangue da nossa famรญlia, mas eu tomei uma decisรฃo e, mesmo que ele tenha surtado com o que fiz, foi por uma boa causa e ele sabe disso. Eu apenas o protegi de uma crianรงa que cresceria e tentaria algo contra ele, uma vez que aquela situaรงรฃo se desenvolveria entre a ralรฉ da cidade principal de Skypiea.
Entretanto, nรฃo รฉ sobre isso que desejo refletir; nรฃo devo perder tempo e sobrecarregar minha mente com aquele bastardo e aquela mulher. Eles nรฃo me interessam mais; ambos estรฃo mortos porque eu os matei! Nรฃo sรฃo... mais importantes. Quero dizer, nunca foram. Nenhum deles, nem ela, nem o menino.
Entrei em silรชncio no quarto onde todos estavam dormindo, fazendo passos lentos e cuidadosos para nรฃo acordar ninguรฉm enquanto me aproximava do meu saco de dormir, que estava ao lado de Usopp, que roncava alto e arrancou um sorriso fraco dos meus lรกbios. Deitei-me quieta, tomando cuidado para nรฃo acordar nem ele nem ninguรฉm. Entรฃo, aconcheguei-me, aninhada ao calor do meu prรณprio corpo, enquanto olhava para a pequena escotilha estreita na parede, que deixava a luz da lua incidir sobre o meu rosto. Mais uma vez, era como olhar nรฃo apenas para Fairy Vearth, mas tambรฉm para o meu pai.
Pergunto-me, quase sempre, desde que soube que ele, na verdade, estava vivo, se ele sabia que eu tambรฉm estava. E, caso nรฃo soubesse e acreditasse que eu estivesse morta, se ele teria sofrido e chorado por mim, mesmo que um pouco.
Reconheรงo que รฉ tolice da minha parte, uma teimosia e falta de amor prรณprio pensar nele; contudo, o que posso fazer? Apesar de tudo, Enel ainda era meu pai - ainda era aquele que cuidou de mim, que me ensinou tudo o que sei e, consequentemente, aquele que fez com que eu me tornasse tudo o que sou. Se sou o ser mais forte das Ilhas do Cรฉu, aquela que vale por um exรฉrcito inteiro e รฉ reconhecida como a Guerreira Perfeita, isso se deve a meu pai. Pois foi dele que vim; foi ele quem me deu a vida e foi ele quem me tornou quem sou. Se sou forte, se sou poderosa, se consigo proteger meus companheiros e aliados da maneira como protejo - com unhas e dentes - รฉ porque, antes deles, Enel me tornou forte.
Gostaria de poder compartilhar com eles o que sinto, como tudo isso representa para mim, como dรณi e me machuca. Sou grata a todos eles, aos meus companheiros, por terem me acolhido, por terem me aceitado no grupo como uma deles - mesmo que eu mesma nรฃo me considere parte - e agradeรงo, principalmente, ao garoto com chapรฉu de palha, Monkey D. Luffy, por ter estendido sua mรฃo para mim, apesar de tudo que eu havia feito, e de todas as vezes em que tentei nรฃo apenas matรก-lo, mas tambรฉm seus companheiros.
O problema รฉ que sei que eles nunca me entenderiam e jamais tentariam compreender, pois, para eles, Enel era o vilรฃo, o inimigo. Enel foi visto sob a perspectiva deles, do povo de Skypiea e Shandora, e nรฃo pela minha ou pela dos Sacerdotes.
Isso me destruรญa lentamente. Os dias se passaram, transformaram-se em meses e, finalmente, em dois anos - dois anos com tudo isso entalado em minha garganta, estilhaรงando meu peito, deixando-me dolorida e sufocada, como se a qualquer momento eu fosse explodir. E se eu explodisse, se eu liberasse tudo que estรก preso dentro de mim, tudo que tento segurar com todas as minhas forรงas, eles nunca entenderiam. Nรฃo compreenderiam que eu amo meu pai, que ele รฉ meu pai, que รฉ a รบnica famรญlia que tenho. E... todos os dias, sempre que estou com eles, em cada instante em que olho para Luffy - mesmo sentindo gratidรฃo - um gosto amargo se alastra pela minha lรญngua, um sabor insuportรกvel que me faz querer vomitar. Porque sempre que o vejo, sempre que ele sorri para mim e consegue me fazer rir, lembro-me de que estou navegando sob a bandeira do homem que destruiu tudo o que conhecia; lembrei-me de que me tornei leal ร quele que derrotou meu pai.
Virei-me para o lado, afastando o rosto do luar e, ao erguer o olhar, pude ver Luffy adormecido na rede, com os braรงos e as pernas para fora, enquanto o restante do corpo estava deitado em uma posiรงรฃo torta, fazendo com que um leve sopro de riso escapasse de meus lรกbios.
Serรก que ele ainda me aceitaria na tripulaรงรฃo se soubesse que nรฃo sou essa menina bonita que ele acredita que eu sou?
O que vocรช acha?
Quando todos haviam acordado e tomado cafรฉ da manhรฃ, reuniram-se, evidentemente, no convรฉs para mais um dia inteiro de bebedeira e comilanรงa incessante. Eu estava sentada em um canto, tentando remendar as rachaduras na lรขmina de Inazuma, mas tudo o que isso me causava era mais estresse. A lรขmina, extremamente afiada e amolada, cortava todas as bandagens que eu enrolava; atรฉ mesmo as fitas isolantes grossas nรฃo conseguiam se manter firmes por muito tempo. Honestamente, minha paciรชncia jรก estava se esgotando, e faltava pouco para que eu mesma terminasse quebrando minha foice.
Notando a evidente ruga de irritaรงรฃo entre minhas sobrancelhas, Franky se aproximou de mim com seu semblante brincalhรฃo habitual e parou prรณximo a onde eu estava, cruzando os braรงos robรณticos sobre o peito enquanto me encarava de cima com um sorriso largo.
- Ei, maninha! Quer ajuda? Vocรช parece estar prestes a enfiar Inazuma no rabicรณ de alguรฉm. - ele riu, sentando-se perto de mim.
- Nรฃo precisa. Eu resolvo isso sozinha. - falei, meu tom rรญspido deixando claro que nรฃo desejava ser incomodada naquele momento.
- Tem certeza? Vocรช estรก aรญ hรก um tempo.
- E qual รฉ o problema? - retruquei, franzindo o cenho e encarando-o irritada. โ Eu posso resolver meus problemas sozinha, tรก legal?
- Oh, calma lรก! Eu nรฃo quis te chatear. - Franky arrumou a postura com um beicinho, coรงando a nuca enquanto me observava.
- Preciso de concentraรงรฃo. Vรก lรก com a Robin e me deixe em paz. - falei novamente, desviando o olhar e voltando a atenรงรฃo para Inazuma.
Entretanto, quando pensei que nada poderia piorar, algo completamente inesperado aconteceu e me deixou pรกlida de susto, pois nunca havia ocorrido antes: levei um choque.
- AI, FILHA DA PUTA!
- O que foi!?
- Levei choque! - engoli em seco, encarando a foice com os olhos arregalados. Eu nunca havia sido eletrocutada por Inazuma, nem por qualquer outra onda de eletricidade que nรฃo provenha do meu pai.
- Choque? Mas vocรช nรฃo era imune?
- Eu nรฃo era, eu sou! - gritei, sentindo uma gota de suor escorregar pelo rosto. Ao agarrar com a mรฃo a lรขmina da foice, senti eletricidade percorrer meu braรงo inteiro, causando-me desconforto. - Inazuma! Pare!
- Ei, Lis, รฉ melhor vocรช parar de tocar aรญ. - Franky tentou tomar a arma da minha mรฃo, mas me esquivei e agarrei com firmeza o cabo. - Elisabette, me dรก.
- Nรฃo. ร temporรกrio. Eu vou consertรก-la, certo? Nรฃo se meta.
- De modo algum! Vocรช viu como ficou? Estรก levando choque! Aquilo que vocรช fez em Dressrosa foi uma prova de que seu corpo nรฃo aguenta mais! - ele insistiu, agarrando o cabo e puxando-o das minhas mรฃos.
- Claro que aguenta! Eu sou forte!
- Sim, eu sei que vocรช รฉ forte, mas atรฉ seu corpo tem limites e claramente vocรช ultrapassou todos eles.
- Devolve! - trinquei os dentes, meu olhar escurecendo enquanto tomava Inazuma dele. - Nรฃo se meta! Eu ainda estou me recuperando; รฉ por isso que estou levando choque!
- Elisabette, eu sรณ estou...
- Pare de agir como se vocรช fosse meu pai! Vocรช nรฃo รฉ meu pai!
Minhas palavras pareceram ter surpreendido Franky, que apenas desfez a expressรฃo sรฉria para me encarar com os olhos arregalados e o cenho franzido em confusรฃo, como se eu tivesse dito o maior dos absurdos, quando, na verdade, havia apenas falado a verdade: Franky nรฃo era meu pai - nunca foi e jamais seria, pois nรฃo รฉramos uma famรญlia. Ele nรฃo me respondeu; permaneceu calado, olhando para mim com seus olhos fixos nos meus, como se estivesse se contendo para nรฃo rebater o que eu havia lhe dito, embora ambos soubรฉssemos que eu nรฃo estava mentindo.
Ele, entรฃo, apenas assentiu em silรชncio e deu as costas, saindo em passos silenciosos e me deixando para trรกs... sozinha.
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