
โโ ๐ฅ ึด เผ ุ๐ฑ๐ฐ. ๐ฆ๐ผ๐๐ถ๐ป๐ต๐ผ๐ ๐ฒ ๐ฒ๐๐พ๐๐ฒ๐ฐ๐ถ๐ฑ๐ผ๐.
โโ Upper Yard, Jardim Superior de Skypiea ; Memรณrias...
แกElisabette, Anjo da Morte. โชO ponto de vista Delaโซ
As chuvas nas Ilhas do Cรฉu costumavam ser mais intensas e violentas do que em qualquer outra parte do mundo, visto que estรกvamos acima das nuvens, onde as tempestades apresentavam uma dinรขmica singular devido ร inversรฃo atmosfรฉrica. Os trovรตes ecoavam de maneira ensurdecedora, tรฃo poderosos que rivalizavam com os prรณprios relรขmpagos e raios invocados por meu pai. E eu, aos dez anos de idade, frequentemente me via correndo pelo Jardim Superior, segurando apenas um bastรฃo de madeira em minhas mรฃos para me defender dos lobos que me perseguiam toda vez que era expulsa do Templo Sagrado para meus treinos.
Eu corria e corria, tropeรงando e caindo em alguns momentos, mas jamais podia me dar ao luxo de parar. As lรกgrimas escorriam pelo meu rosto, misturando-se ร รกgua da chuva, enquanto eu clamava desesperadamente pela ajuda dos Sacerdotes ou de meu pai, que sรณ intervinham se eu fosse de fato atacada e incapaz de me defender.
Meus pรฉs estavam quase sempre feridos, e minhas asas enfraquecidas pelo esforรงo constante de voar para me manter segura. Meu corpo sempre foi magro e esguio, o que me tornava leve e me permitia esconder com facilidade dentro de troncos de รกrvores ou em pequenas crateras no solo, torcendo apenas para nรฃo ser farejada e devorada antes de conseguir forรงas para gritar o mais alto que eu podia, implorando pelo socorro de Deus, do meu Deus, de meu pai, Enel, o Deus de Skypiea.
Certo dia, durante o treinamento, eu fazia o possรญvel para desviar dos golpes de seu tridente, que frequentemente atingiam meu rosto e minhas costas, fazendo-me cair ou ser arremessada ร distรขncia.
Meu pai era cruel. Nรฃo demonstrava piedade ao me machucar.
Ele era bruto e agressivo.
Foram inรบmeras as vezes em que fui dormir com o corpo coberto de hematomas, arranhรตes e, por vezes, queimaduras, apรณs horas incessantes de treinamento. Enel desejava que eu me tornasse o ser perfeito, que meu corpo fosse o mais รกgil e resistente possรญvel, e, em sua visรฃo, ele acreditava que conseguiria me moldar conforme suas ambiรงรตes para sua primogรชnita e รบnica filha: a perfeiรงรฃo encarnada, apรณs Deus.
Meu pai desejava que eu fosse a maioral, logo apรณs ele, que eu fosse temida pelo povo da mesma forma que ele era. Ele almejava que eu fosse o seu reflexo, e, gradualmente, era exatamente isso que eu me tornava. Eu jรก estava me transformando em alguรฉm cruel e violenta. Eu era mรก. Ouvia as pessoas afirmarem isso e jรก nรฃo me importava, pois, no fundo, eu sabia que era verdade. Mesmo sendo apenas uma crianรงa, jรก compreendia o destino que me aguardava, pois o sangue que corria em minhas veias era o que me tornava filha de Enel e Freyja. Ambos eram cruรฉis. Nรฃo apenas ele, nem apenas ela. Os dois. E eu... eu era a perfeita fusรฃo dos dois.
E, certo dia, acertei o bastรฃo de madeira com forรงa suficiente no rosto de Enel para derrubรก-lo. Em seguida, comecei a golpeรก-lo repetidamente, com toda a forรงa que meus braรงos conseguiam reunir, determinado a continuar acertando-o com firmeza. Eu gritava e chorava, pedindo desculpas inรบmeras vezes, enquanto via o sangue espirrar de seu nariz em minha direรงรฃo, tudo enquanto ele permanecia imรณvel, com um olhar indecifrรกvel fixo em mim.
Atรฉ que ele me agarrou com ambas as mรฃos, ergueu-me ร sua frente e se levantou, enquanto minhas pernas se encolhiam, e eu chorava baixinho, aterrorizada, encarando-o. O sangue escorria por seu rosto, e seu nariz, levemente torto e ensanguentado, intensificava meu desespero. Meu coraรงรฃo disparou. Eu havia ferido meu prรณprio pai. O machucara. Meu pai. Meu Deus. Eu havia ferido a Deus. O fizera sangrar. Estava pecando. Eu pequei. Eu o feri. Fiz o que ele havia ordenado, mas... nรฃo era isso que eu queria. Eu nรฃo desejava machucรก-lo e... ele sorriu.
- Jamais peรงa desculpas por fazer o que รฉ certo. - disse Enel, em um tom de voz que me arrepiou dos pรฉs ร cabeรงa. - Minha menina perfeita. Vocรช รฉ perfeita, Elisabette. Perfeita.
- Eu... machuquei o Senhor, papai... - murmurei ainda chorosa, meus olhos fixos nos dele, enquanto eu tremia.
- Isso porque somente vocรช รฉ capaz disso.
- O quรช...?
- Vocรช, Elisabette, รฉ a รบnica capaz de me derrotar. A รบnica capaz de libertar este mundo das minhas mรฃos. - ele falou, com um sorriso macabro brincando em seus lรกbios, enquanto me colocava no chรฃo e se ajoelhava para ficar ร minha altura.
- Eu jamais faria isso com o Senhor! - protestei, e, quando tentei abraรงรก-lo, ele me impediu, segurando meu queixo.
- Exatamente. Vocรช nunca faria isso. E jamais farรก.
Assenti ร s suas palavras e, entรฃo, meu pai me pegou no colo, abraรงando-me com forรงa e deixando alguns beijos em meu rosto antes de se virar e comeรงar a caminhar em direรงรฃo ao Templo Sagrado. Enquanto ele caminhava, pude observar o local onde estรกvamos treinando momentos antes. O sangue fresco de meu pai ainda manchava o chรฃo, assim como as marcas de meu suor que permaneciam espalhadas ao redor, juntamente com o bastรฃo de madeira, largado descuidadamente em um canto.
Era reconfortante estar em seus braรงos, deitada com a cabeรงa apoiada em seu ombro, observando tudo ao nosso redor como se estivesse sendo levada ao meu รกpice, enquanto contemplava o que um dia compartilhamos.
Meu pai sempre foi assim: distante, e ao mesmo tempo, presente. Nunca compreendi o motivo, mas aprendi a lidar com sua indiferenรงa, nรฃo apenas em relaรงรฃo a mim, mas tambรฉm a todos ร nossa volta: os Sacerdotes, nossos servos e as pessoas que vinham ao Templo Sagrado, sobrevivendo ร s Provaรงรตes para implorar por uma bรชnรงรฃo ou pela cura de algum mal que os consumia.
Acredito que, no fim, era isso que me fazia nรฃo me importar com as vezes em que ele me feria, pois, ao final de tudo, ele sempre me carregaria e me demonstraria amor. Enel me machucava, mas depois cuidava de mim, embalava-me, beijava meu rosto e dizia que eu era tudo o que ele tinha na vida, que eu era "sua menina perfeita", atรฉ o dia em que atingi o รกpice da perfeiรงรฃo que, desde meu nascimento, ele havia planejado para mim: a Guerreira Perfeita. Nunca compreendi exatamente o que isso significava, mas sabia que era algo que o agradava. O sorriso em seu rosto, a satisfaรงรฃo em seus suspiros e o orgulho em seu olhar eram o que me mantinham firme, alรฉm de suas severas repreensรตes sempre que eu falhava em meus treinamentos.
Em uma noite estrelada, apรณs a ceia, eu me encontrava deitada na cama de meu pai, envolta em seus lenรงรณis, aguardando pacientemente seu retorno do banho. Meus olhos, pesados, jรก comeรงavam a ceder ao cansaรงo, minha visรฃo turvando-se aos poucos, quando finalmente o vi regressar. Sua pele jรก estava seca, e ele se deitou ao meu lado, sem dar muita atenรงรฃo ร minha presenรงa, virando-se de costas para mim. Os tambores localizados nas costas de seu corpo logo chamaram minha atenรงรฃo, e, movida pela curiosidade, estendi a mรฃo e toquei um deles. Um arrepio percorreu todo o meu ser ao sentir uma leve onda de choque.
No mesmo instante, Enel voltou-se para mim, seu olhar pousando em minha figura encolhida, enquanto eu segurava o dedo na boca, com os olhos marejados e o cenho franzido. Um sorriso fraco brotou em seus lรกbios, e ele se virou de frente para mim, segurando delicadamente meu rosto. Com um gesto que eu conhecia tรฃo bem, comeรงou a puxar minhas bochechas para cima e para baixo, esticando-as de um lado para o outro, enquanto eu o fitava com um leve traรงo de raiva. Sempre detestei quando ele me tratava assim, beliscando minhas bochechas como se eu fosse uma bebรช gorda.
Apesar de meu desagrado, havia algo de reconfortante e familiar naqueles gestos, algo que, no fundo, me fazia sentir que, mesmo em meio ร sua frieza, havia um tipo de afeto reservado para mim, ainda que fosse expressado de uma maneira tรฃo peculiar.
- Elisabette. - chamou, mantendo-se em silรชncio por alguns segundos ao sentar-se e me colocar entre suas pernas, acariciando meus cabelos e enrolando os dedos nas mechas prateadas. - Vocรช sabe por que รฉ especial?
- Nรฃo sei. Por quรช?
- Porque vocรช รฉ minha filha. Vocรช รฉ especial porque รฉ filha de Deus. - disse ele com firmeza e autoridade, suas mรฃos agarrando meus ombros e mantendo meu olhar preso ao dele. - Repita isso.
- Eu sou especial porque sou filha de Deus.
- Outra vez.
- Eu sou especial porque sou filha de Deus.
- E, mesmo sendo a filha de Deus, a criatura perfeita e forte que รฉ, ainda รฉ sangue do meu sangue e carne da minha carne. Portanto, Elisabette, esteja ciente de que, sempre que perceber uma ameaรงa ร qual nรฃo conseguirรก enfrentar, nunca hesite em me chamar. Eu sou teu pai; te concedi o dom da vida e cabe somente a mim decidir quando e se deve partir deste mundo. Nรฃo importa onde vocรช esteja, com quem estejas ou quais e quantos inimigos te cercam; eu, unicamente eu, teu pai, irei ao teu socorro e te salvarei. - ele finalizou sem mais palavras a acrescentar, inclinando-se para tocar minha testa com um beijo terno, seguido de um abraรงo apertado que quase me fez perder o fรดlego, deixando-me surpresa e, ao mesmo tempo, emocionada.
โโ Segunda parte da Grand Line, Novo Mundo ; Algum lugar do mar.
แกNarrador. ; โชO ponto de vista do Leitorโซ
Atualmente.
Elisabette estava sentada de frente para Law, que examinava seu olho com atenรงรฃo e cuidado, utilizando a lanterna de pupila para o exame. Ele buscava alguma reaรงรฃo do seu olho ferido e, como esperado, nรฃo encontrou nada alรฉm do previsto: a bala havia causado um dano irreversรญvel ร retina dela, o que resultaria na cegueira permanente do olho direito.
Esse diagnรณstico tambรฉm era esperado por ela, que nรฃo pareceu se abalar imediatamente pelo que lhe fora dito. Ao contrรกrio, a jovem Birkan apenas soltou uma risada fraca, pontuando que jรก imaginava que aquilo aconteceria, uma vez que o tiro fora certeiro o suficiente para matรก-la, mas nรฃo o fez.
- Pelo lado bom, talvez isso melhore meu Mantra. Quem precisa de olho quando se pode ver sem ele? - ela sorriu de maneira zombeteira enquanto girava na cadeira e se olhava no espelho. - O que acharam?
- Cร FICOU MANEIRASSA, LIS!
- Eu estou, nรฉ? - com as mรฃos nos quadris, Elisabette estufou o peito em uma pose orgulhosa.
- Vocรช vai usar um tapa-olho ou algo do tipo, Lis? Ficaria incrรญvel em vocรช. Combinarรก com toda essa atitude, ficarรก ainda mais impressionante! - Usopp sugeriu com um sorriso, tampando um dos olhos com a mรฃo para imitar o uso de um tapa-olho.
- Existe tapa-olho feito de ouro?
- Acredito que nรฃo.
- Entรฃo, nรฃo! - ela retrucou com um tom rude, empinando o nariz em uma expressรฃo arrogante.
Law observava com atenรงรฃo e em silรชncio a interaรงรฃo entre os Chapรฉus de Palha, a animaรงรฃo e a algazarra que faziam em relaรงรฃo ร recuperaรงรฃo de sua companheira. Atรฉ ele prรณprio se sentia contente com a rapidez com que ela havia se recuperado de seus ferimentos, estando quase em perfeito estado, nรฃo fosse pela cegueira e pelo uso da muleta para se locomover.
Ainda era estranho para ele vรช-la com aquelas marcas de queimadura nos braรงos e a camada branca que havia se formado em seu olho devido ร perda da visรฃo. No final das contas, aquela ainda era ela, nรฃo era? Ele quase podia ter certeza de que sim, embora tivesse a impressรฃo de que ela estava... mais cansada do que o normal. Ele nรฃo sabia ao certo. Talvez fosse o seu jeito estabanado que parecia ter se aquietado, com as olheiras naturais agora mais visรญveis, escuras de sono e exaustรฃo.
Desde que a conhecera, Law imediatamente notou seu comportamento hiperativo e agitado, como se ela fosse uma mรกquina programada para passar o dia todo em movimento, fazendo barulho e falando, evidenciando sua presenรงa. Contudo, de uns dias para cรก, ela se tornara mais fechada e silenciosa. Ele frequentemente a via dormindo novamente, encostada por aรญ, encolhida nos cantos, jogada no ninho do corvo, adormecida com os braรงos escorados para fora do navio e quase com o corpo inteiro suspenso. Em todas as ocasiรตes em que a viu nessa situaรงรฃo, Elisabette nรฃo estava apenas embriagada; estava completamente bรชbada.
Nรฃo foram poucas as vezes em que ouviu Robin e Franky a chamarem de canto para conversar, atento ร leitura labial para entender que sempre estavam tentando chamar sua atenรงรฃo em relaรงรฃo ร sua bebedeira.
Entretanto, agora ela parecia um pouco mais radiante em comparaรงรฃo ao inรญcio da viagem para Zou, apresentando um pouco mais de vida. No entanto, uma aura e uma sensaรงรฃo estranha ainda a rodeavam, como se algo ruim emanasse dela, como se estivesse prestes a surtar, a gritar ou a explodir. Ele nรฃo sabia ao certo, mas sentia - como um sexto sentido o alertando para ficar de olho nela, permanecer perto dela e nรฃo deixรก-la sozinha.
- Ei, Luffy-senpai! - Bartolomeo interrompeu os pensamentos de Trafalgar ao entrar de repente na enfermaria mal organizada de seu navio, chamando a atenรงรฃo de todos para si. - Nรณs vamos precisar fazer uma parada para abastecer o nosso armazรฉm e comprar algumas coisas! Hรก algum problema?
- Claro que nรฃo, pรด! O navio รฉ seu! - ele sorriu amplamente, cruzando os braรงos sobre o peito.
- Espera... Luffy-senpai... vocรช estรก... me deixando... no comando!? - os olhos do Canibal se arregalaram, lรกgrimas grossas surgindo e imediatamente rolando por seu rosto, acompanhadas de ranho.
- Achei que cรช jรก tava, Galinho!
Era por volta das duas da tarde quando o Going Luffy-senpai atracou em uma pequena ilha prรณxima de onde estavam. O local era ideal para que os Piratas do Barto-Club pudessem realizar suas compras necessรกrias, alรฉm de ser um bom lugar para passear, devido ร s diversas lojas e praรงas presentes na cidade principal da ilha. Apesar de ser bem pequena e ter uma populaรงรฃo ainda menor, era bastante acolhedora e visualmente agradรกvel - com casas bem decoradas e ruas pavimentadas com pedras brancas, era como passear em uma cidade imperial, tamanha elegรขncia que ali se encontrava.
Elisabette estava caminhando cuidadosamente com sua muleta pela feira, a sacolinha de moedas amarrada ร cintura, enquanto observava atentamente as casas e tudo ao seu redor: as pessoas, as construรงรตes. Ela estava encantada com tudo e, ao mesmo tempo, confusa, perguntando-se como uma ilha tรฃo minรบscula poderia ser tรฃo prรณspera quanto aparentava.
"Ei, Trafalgar, vocรช vai lรก tambรฉm?"
"Pretendo. Por quรช?"
"Se vocรช for, se importa de ficar de olho na minha maninha? Ela sempre acaba se perdendo quando sai para fazer compras."
Aquelas foram as exatas palavras usadas por Franky antes de praticamente expulsar Law do navio para colocรก-lo contra sua vontade - ou nรฃo - como babรก de Elisabette. Agora, ele se encontrava a alguns metros de distรขncia dela, observando-a em silรชncio enquanto ela caminhava mais ร frente. Apenas se ouvia o som de seus passos sobre os pedregulhos que formavam o asfalto esbranquiรงado abaixo de seus pรฉs, o tilintar das moedas em seu quadril e as conversas das pessoas ao redor: alguns eram comerciantes, outros compradores e civis passeando pela feira.
- Nรฃo รฉ porque o Franky pediu para vocรช vir comigo que vocรช tinha que vir, sabia? Vocรช poderia, sei lรก, fazer outra coisa, comprar algo? Do que vocรช gosta? De coisas de mรฉdico? Seringas com sangue? Bisturis? - ela o encarou de soslaio, parando de caminhar e se apoiando na muleta para se virar de frente para ele.
- Nรฃo tenho mais nada interessante para fazer, entรฃo tudo que me restou para nรฃo morrer de tรฉdio naquele navio grudento e fedido foi vir com vocรช, passarinho - retrucou em um murmรบrio rouco, como se nรฃo quisesse admitir aquilo.
- Se vocรช diz. - sorriu, dando de ombros e voltando a andar. - Estou atrรกs de um caderno novo; o meu acabou as pรกginas. Uma lixa de unha e esmalte tambรฉm estรฃo na minha lista. Veja! - Elisabette entregou a ele uma folha com alguns rabiscos de palavras desordenadas.
Law ergueu uma sobrancelha, tentando nรฃo deixar transparecer sua surpresa ao ver que ela realmente havia escrito uma lista de compras, mesmo que ร sua maneira:
- Vocรช escreveu isso sozinha?
- Sim! - a jovem olhou para ele com expectativa, orgulhosa de si mesma e aguardando algum elogio que, obviamente, ele nรฃo teve outra alternativa senรฃo dar a ela.
- Muito bem. Parabรฉns.
Elisabette riu para ele, agarrando sua mรฃo e o puxando pela feira, garantindo que nรฃo o perdesse de vista e que nรฃo se afastassem, o que resultaria em um atraso para procurรก-la pela ilha. Isso provavelmente acabaria com mais um tripulante perdido, caso se envolvesse nas buscas: Roronoa Zoro.
Law a seguia com uma serenidade que lhe era peculiar, permitindo que ela o guiasse - ou melhor, o puxasse - para onde desejasse ir, sem se preocupar, ao menos nรฃo da mesma forma que antes. Seus olhares se cruzavam ocasionalmente ao longo dos caminhos que percorriam, e as mรฃos permaneciam entrelaรงadas, unidas como se tivessem sido destinadas a nunca se soltar. Assim, seguiam o fluxo daquelas pequenas preciosidades que aquele final de tarde lhes oferecia.
ร medida que os minutos se desenrolavam lentamente, como se o tempo tivesse decidido se estender em uma eternidade, Trafalgar permitia-se contemplar a figura dela, jamais deixando-a fora de seu campo de visรฃo ou de seu alcance. Cada passo que ela dava, cada leve salto, cada bater de asas quando seus pรฉs escorregavam devido ร muleta tocando um piso irregular - nada escapava ร sua atenรงรฃo. Ela jรก nรฃo era um mero detalhe em sua jornada; hรก muito havia ultrapassado essa condiรงรฃo. Talvez fosse seu sorriso torto, seu comportamento quase infantil ou sua insistรชncia em estar sempre ao seu lado, persuadindo-o a permanecer com ela, que o havia feito ceder ร doรงura de sua voz, ao brilho encantador de seus olhos e, pior ainda, ร quele sentimento avassalador que comeรงava a florescer dentro dele.
Era uma tarefa รกrdua compreender a profundidade de seus sentimentos; era desafiador entender a si mesmo, pois, enquanto tudo parecia um territรณrio inexplorado, havia tambรฉm uma familiaridade inquietante - um carinho nostรกlgico que, ao mesmo tempo em que o envolvia em um manto de seguranรงa, o deixava apavorado, ร beira do pรขnico. Ele desejava sentir, mas temia essa intensidade, receando experimentar algo que transcendesse o que acreditava ser aceitรกvel. Afinal, ela era tudo, exceto uma presenรงa com a qual pudesse lidar e esquecer. Elisabette sempre estaria ali, prรณxima o suficiente para atormentรก-lo, mantendo-o naquela linha tรชnue entre a razรฃo e a loucura.
Quanto mais desejava afastรก-la de sua vida, mais ardentemente a queria por perto. A mera ideia de vรช-la distante era insuportรกvel; nรฃo suportava imaginar-se longe de seu toque suave, dos sermรตes que tanto o provocavam e das trocas de olhares que, mesmo sem palavras, carregavam o peso do que ambos guardavam em seus coraรงรตes. Aqueles olhares eram capazes de expressar emoรงรตes profundas e intensas, mesmo que ela estivesse alheia a isso e ele se esforรงasse para manter seus sentimentos ร distรขncia, ciente do desfecho trรกgico que poderia advir dessa doenรงa sem cura que aquele sentimento poderia levรก-los.
Nรฃo se tratava de que ela fosse boa demais para ele ou que ele fosse ruim demais para ela; ambos carregavam seus prรณprios pecados e crimes, um histรณrico e um passado que lhes eram verdadeiros tormentos. Contudo, para Law, essa situaรงรฃo representava um sofrimento, uma sensaรงรฃo de sufocamento, como se estivesse lutando para respirar.
Elisabette era diferente, distinta de tudo o que ele conhecera atรฉ entรฃo. Ela nรฃo se assemelhava ร s mulheres com quem havia interagido anteriormente, aquelas que tentaram algo com ele e que, devido ร sua falta de experiรชncia, deixara escapar. Ela nรฃo era como Monet, que lhe havia revelado o prazer carnal e, apesar das circunstรขncias adversas, lhe proporcionou momentos de paz nas raras ocasiรตes em que se viram vulnerรกveis em meio ร nudez em uma cama apertada e estreita.
- Vocรช quer? - a voz dela soou tranquila, fazendo com que ele voltasse sua atenรงรฃo para ela, afastando-se de seus pensamentos assim que a ouviu.
- Um esmalte?
- Sim, vocรช quer? - ela sorriu, exibindo a pequena embalagem e balanรงando-a.
- Nรฃo. Eu jรก tenho.
- Entรฃo comprarei apenas para mim. - bufou, fingindo impaciรชncia, mas era evidente que seu รบnico desejo era atrair a atenรงรฃo dele. - Qual cor devo escolher? Existem tantas opรงรตes!
- Acho... que aquele rosa. Combinarรก com vocรช.
- Rosa claro ou rosa bebรช?
- Qual รฉ a diferenรงa?
- Dois.
- Dois o quรช? - ele franziu o cenho.
- Dois que nรฃo sabem.
Law permaneceu em total silรชncio, apenas observando-a enquanto Elisabette esboรงava um sorriso inocente. Se pudesse, ele teria a socado para que deixasse de ser tรฃo besta, mas sabia que, caso o fizesse, seria o mesmo que provocar um vespeiro. Revirando os olhos, ele a puxou para longe da loja de cosmรฉticos assim que a compra dela foi finalizada e a bendita lixa de unha e o esmalte foram finalmente adquiridos. Restava apenas um caderno para que ela pudesse rabiscar ou escrever palavras desconexas que apenas ela entendia, e ele, apรณs quase explodir a prรณpria cabeรงa, conseguiu compreender.
- Vรก devagar; nรฃo se esqueรงa de que seu joelho ainda estรก em processo de recuperaรงรฃo. - Law a orientou, fazendo-a diminuir o ritmo dos passos.
- Sendo honesta com vocรช, Tral-san, estou quase caindo, pois meu joelho estรก latejando tanto que sinto vontade de arrancรก-lo fora assim que tiver um objeto pontiagudo em mรฃos. - ela choramingou, fazendo beicinho.
- Estรก latejando?
- Muito!
- E por que nรฃo disse isso antes? Pare. - antes que ela pudesse protestar, o moreno tatuado a agarrou pelos ombros e a fez parar. โ Cacete! Por que vocรช ficou calada todo esse tempo? Seu joelho estรก inchado como se tivesse acabado de se machucar.
- POIS PODE ARRANCAR FORA!
- Pare de ser maluca.
Sem cerimรดnia ou aviso prรฉvio, o Cirurgiรฃo da Morte a agarrou e a lanรงou sobre suas costas, passando as mรฃos por debaixo das coxas dela e mantendo-a firmemente presa a ele. Ela o olhou confusa, com uma sobrancelha arqueada e um enorme ponto de interrogaรงรฃo estampado em sua testa.
- Olรก, gostaria?
- Vamos logo atrรกs desse caderno maldito e voltar para o navio do Tosaka-ya. - ele resmungou, saindo em frente com ela em suas costas, que apenas se deu por vencida e se deixou levar.
Elisabette passou os braรงos ao redor do pescoรงo de Law e ficou trocando murmรบrios com ele ao longo do caminho, com os assuntos variando a cada esquina que viravam em busca de uma papelaria. As conversas iam desde reclamaรงรตes dele sobre ela ser pesada atรฉ elogios dela, que afirmava que a pele dele era bem mais macia que a sua, arrancando um bufar de disfarce para um riso que quase lhe escapou.
- Jรก anoiteceu. - ela sussurrou perto do ouvido dele, apontando para o cรฉu. - Temos que voltar jรก?
- Suponho que sim.
- Mas ainda nรฃo comprei o meu caderno! - retrucou, fazendo forรงa para fazรช-lo se inclinar para a frente.
- Compre em Zou ou, caso o navio precise parar novamente, o que nรฃo parece uma possibilidade tรฃo distante devido ao apetite e ร falta de responsabilidade daqueles caras. - Trafalgar falou em um tom irรดnico, revirando os olhos enquanto endireitava a postura.
- Vai demorar muito.
- ร sรณ esperar.
- Oh, nรฃo diga? - ela estreitou os olhos enquanto apertava os ombros dele. - Vamos andar mais um pouco pelo menos; nรฃo quero voltar ainda.
- Seus companheiros vรฃo achar que eu a sequestrei, passarinho.
- Tral-san, nรฃo seja iludido, certo? Posso estar cega e com o joelho fraturado, mas nรฃo esqueรงa que, em questรฃo de forรงa fรญsica, meu caro aliado... - Elisabette passou um braรงo em volta do pescoรงo dele e fez pressรฃo, fazendo-o engasgar. - Eu sou mais forte que vocรช.
Law deu um beliscรฃo forte nas coxas dela, envolvendo suas mรฃos com a carne dela, e recebeu apenas um grito de susto e surpresa prรณximo ao seu ouvido, o que, por alguns segundos, o deixou atordoado e distraรญdo com o som agudo que ecoou por um tempo, quase sentindo seus tรญmpanos vibrarem em decorrรชncia do berro.
Foi entรฃo que, tirando-os de suas distraรงรตes e fazendo-os parar por um momento, comeรงaram a cair pingos de chuva e logo uma tempestade se formou, pegando-os imediatamente de surpresa. Eles apenas se olharam e, sem pensar duas vezes, Trafalgar comeรงou a correr sem rumo com a platinada em suas costas, agarrada a ele como uma tรกbua de salvaรงรฃo, enquanto sentiam seus corpos ficando molhados e encharcados pela chuva que parecia se intensificar a cada instante.
Depois de tanto correr, encontraram uma gruta onde nรฃo demoraram a se refugiar para escapar do temporal.
Delicadamente, Law a colocou sentada no chรฃo, tomando todo o cuidado possรญvel com sua perna ao deixรก-la ali. Seu olhar percorreu o corpo dela com atenรงรฃo, buscando algum arranhรฃo, algum hematoma novo ou qualquer coisa que pudesse indicar descuido de sua parte em relaรงรฃo a ela. Para seu alรญvio, ela estava no mesmo "perfeito estado" em que haviam atracado naquela ilha - joelho fraturado e caolha; que maravilha. Um suspiro escapou dos lรกbios dele ao se afastar dela e passar a mรฃo na cabeรงa, sentindo o chapรฉu extremamente molhado. Isso o forรงou a tirรก-lo e deixar que seus cabelos caรญssem sobre seu rosto pela umidade das madeixas negras.
*Purupurupurupuru* *Purupurupurupuru*
*Kachak*
"Oi, Tral!" Luffy falou do outro lado da linha, animado, mesmo em meio ร quela tempestade que parecia prestes a sacudir a ilha.
- Mugiwara-ya.
"Cara, cรช nรฃo vai acreditar no que aconteceu!"
- O que foi que aconteceu, Mugiwara-ya? - sua voz jรก soava impaciente, temendo o que ouviria em seguida.
"Entรฃo... รฉ que pensรกvamos que a Lis 'tava dormindo escondida em algum canto do navio..." ele murmurou, com o den den mushi imitando seu beicinho mentiroso e enrolado. "E achรกvamos que vocรช 'tava nos fundos..."
- Mugiwara-ya... - Law murmurou, a simples ideia do que imaginava ser aquele desfecho fazendo seu olho tremer.
"Bem... resumindo! Shishishishi! Esquecemos vocรชs na ilha e estamos perdidos em algum lugar do mar porque o bando do Galinho nรฃo tem navegador, e a Robin ainda estรก resolvendo isso!" disse o Garoto com Chapรฉu de Palha. Aquela frase inteira foi suficiente para fazer seu aliado apertar os lรกbios e arregalar os olhos, com uma veia saltando em sua testa.
- Vocรชs o QUร?
"Relaxa! Em dois ou trรชs dias a gente busca vocรชs! Vocรช cuida da Lis? Ela ainda 'tรก meio dodรณi! Falou!"
- ESPERA, MUGIWARA-YA!!! - Trafalgar gritou, enraivecido, seu rosto vermelho como uma pimenta prestes a pegar fogo.
Elisabette estava quieta, encolhida, enquanto encarava Law com um olhar curioso e assustado ao notar a vermelhidรฃo em seu rosto, ciente de que aquele rubor estava longe de ser causado por constrangimento ou timidez. Ela engoliu em seco e se colocou na defensiva ao vรช-lo se aproximar, batendo os pรฉs com forรงa no chรฃo, uma gota de suor escorrendo por sua testa enquanto trincava os dentes com uma expressรฃo apavorada. Deus, aquele homem ainda causava certo pรขnico nela quando estava com aquele semblante sombrio.
- AI! EU NรO FIZ NADA!
- Como? - ele franziu o cenho e a encarou confuso.
- Vocรช nรฃo vai brigar comigo? - seus olhos se estreitaram enquanto o fitava com desconfianรงa.
- Por quรช? O que vocรช fez?
- Eu nรฃo fiz nada.
- Entรฃo, por que eu deveria brigar com vocรช?
- Nรฃo sei.
Law nada respondeu, apenas revirou os olhos como resposta e sentou-se perto dela com as mรฃos no rosto, sentindo-se frustrado. A alianรงa com os Chapรฉus de Palha tinha seus prรณs e contras, e a lentidรฃo do capitรฃo deles era seu maior contra em meio a tudo aquilo. Claro, estava agradecido e seria eternamente grato pelo que Luffy havia feito em Dressrosa, mas ainda assim... pelos cรฉus, se ele continuasse assim por muito tempo, iria desfazer a alianรงa cheio de linhas de expressรฃo e cabelos brancos devido ao estresse de ter que lidar com aquele bando de malucos desgovernados.
- Quando a chuva passar, vamos procurar um lugar para ficar na cidade. - murmurou irritado, olhando-a de soslaio. - O que vocรช tem aรญ?
- Nรฃo sei, veja vocรช... - ela disse, entregando-lhe a sacola de moedas. - Aliรกs, "procurar um lugar para ficar"? Por quรช? Nรฃo consegui entender a conversa.
- Nos esqueceram.
- O QUร?
- Pois รฉ, minha reaรงรฃo foi a mesma. - o moreno retrucou, bufando.
- E quanto vocรช tem?
- O suficiente. - Law abriu sua carteira molhada e mostrou a ela algumas notas; havia muitas e isso a fez erguer a sobrancelha e torcer o nariz.
- Se vocรช tem tanto assim, por que fica me cobrando!? - ela perguntou indignada, encarando a carteira nas mรฃos dele.
- Assim funcionam as dรญvidas, passarinho. - respondeu debochado, sorrindo de canto para a mais jovem, que apenas fez um beicinho. - Vamos juntar e procurar uma pousada ou hotel; tanto faz, qualquer lugar que dรช para dormir sem ser o chรฃo ou um sofรก velho se desfazendo.
Elisabette apenas assentiu em silรชncio e suspirou, encolhendo-se ainda mais ao sentir o vento gรฉlido e chuvoso soprar contra seu corpo molhado, fazendo sua pele arrepiar e sua mandรญbula comeรงar a tremer devido ao frio. Seriam trรชs longos dias, trรชs longos dias para retomar a viagem atรฉ Zou, trรชs dias de atraso. As divindades realmente nรฃo pareciam interessadas em ajudรก-la, apenas em atrapalhรก-la, pelo visto.
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