A detenção do Snape
- Detenção com Snape!? Ta de brincadeira? - Disse Sophia incrédula aquela noite. - Isso é um presente pra você.
Eu sorri.
Saí da sala da professora Sibila um pouco antes da meia noite. Filch teve que conversar com o professor Snape se não eu teria mais duas detenções por estar fora da cama.
Ao chegar na Sala Comunal, Lammont II estava com uma garota aos amassos, deitados no sofá. Percebi que era Patrícia ao olhar melhor, ambos já estavam no sétimo ano. Ao me ver ela apenas fez um "xiu" com o dedo indicador no meio dos lábios e sorriu ironicamente, Rachid pareceu não dar a mínima atenção à minha presença, eles continuaram com os beijos nada silenciosos e eu parti correndo para o meu dormitório.
Sophia estava me esperando acordada, para ouvir tudo que eu tinha pra contar da bronca.
Aquela semana foi a apresentação de algumas matérias, mas nada muito expressivo. Apenas a aula de Lupin foi interessante.
- O que vai aparecer no seu Bicho-papão? - Perguntou Sophia para mim, após fazermos uma fila para exercitarmos o feitiço Ridicullus, no monstro.
- Sinceramente. Eu não sei. - Não sabia mesmo qual era meu maior medo. - E o seu? - Perguntei a Soph mas ela não respondeu nada, apenas levantou os ombros.
Podemos ver que o bicho se transformava em qualquer coisa: cobras, monstros, pequenos animais e até cenas específicas vividas pelos alunos.
O maior medo de Crabbe era as abelhas, e apareceu um enxame que o professor Lupin teve que conter. O maior medo do Draco era a rejeição, apareceu pessoas aleatórias todas de costas para ele e uns até xingando, foi muito engraçado. Blásio estava na frente de Sophia e o maior medo dele era um dragão que ao receber o contra-feitiço virou um passarinho.
Sophia deu um passo à frente muito receosa, o passarinho se transformou em uma mulher muito bonita, de cabelo ondulado escuro com vestes vermelhas, a moça era muito atraente e tinha um sorriso orgulhoso, que fez Lupin ajeitar os cabelos secos. De costas conseguia ver as orelhas de Sophia ruborizar. E ao lançar do feitiço criatura se transformara em uma velha descabelada manca.
Ao me aproximar, a criatura virou uma fumaça cinzenta em que uma visão que eu tive apareceu personificada. O velório do meu pai, o túmulo dele. Lupin tomou uma postura diferente e me deu o comando para atacar e ao fazer, a fumaça engoliu a visão e se transformou em bolas de algodão doce.
Fiquei surpresa com o que eu vi, eu estava tentando reprimir essa visão a meses.
No final da aula o professor me chamou.
- Você é filha da Chloe, certo? Neta de Sosie? - Perguntou o professor fechando um grande livro em cima da mesa.
- Sim, sou.
- Hum... Imagino que seu maior medo seja suas visões.
- É. Eu tenho medo de saber das coisas. A maioria parece mau presságio.
Ele sorriu gentilmente em compreensão. Ao observá-lo tive a impressão que por trás de sua cabeça havia uma sombra em formato de cabeça de cão. Dei dois passos para trás desconfiada, e ele pareceu confuso.
- O que foi?
- Nada. - Menti.
- Então. - E prosseguiu. - Eu andei ouvindo coisas sobre você. E me disseram que você é muito boa em fazer magia sem a varinha, principalmente magia que demanda extrema força. Conversei com Snape e ele acredita que você pode receber um reforço extra em Defesa Contra as Artes das Trevas.
- E porque?? O que tem haver?
- Bom, em nosso histórico de conhecimento, Jenna, os maiores bruxos que lutaram contra aliados das trevas foram os que tiveram as suas habilidades. - E apontou para mim - Muito bem estimuladas e intensificadas, como o seu avô, que foi um excelente Auror.
Parei para pensar e comecei a sentir raiva de Snape. É como se ele quisesse me dar uma profissão sem nem me perguntar. Como se tivesse medo que minhas escolhas e atitudes se transformassem em algo das trevas.
- Eu pareço interessada em lutar contra pessoas desse tipo?
Lupin corou levemente e sorriu falso. Parecia receoso em continuar a conversa.
- Bom. É uma chance de você ser reconhecida como uma grande protetora ao invés de agressora.
Se eu não estava enganada, o professor estava me intimando a fazer algo para minha reputação ser mais leve, ele criticou a minha personalidade.
- Snape irá fazer um exercício com você para saber se está apta a receber esse reforço. - Continuo ele - Espero que você aceite. O seu potencial está acima dos demais, principalmente porque é uma vidente. - Disse ele sorrindo parecendo se redimir da frase anterior.
- Obrigada. Posso me retirar?
- Sim , claro. Obrigado por sua atenção. - Se despediu o professor com uma expressão de pena.
Sophia me esperava do lado de fora.
- Reforço, é? - Disse ela ao ouvir o que ele tinha falado. - Isso não tá soando bem. Você não é tão boa nessa matéria mas também não é péssima como Neville.
- Pois é. Vou ver o que me espera na detenção de sábado à noite. Hey, Soph, quem era a mulher bonita?
Sophia ficou corada.
- Uma trouxa que vi na rua.
E nada mais disse. Quis mudar de assunto o tempo todo. Não entendia como uma trouxa bonita a assustava, mas decidi respeitar, eu também não queria falar so meu medo.
Acordei no sábado de manhã super animada, seria o teste de quadribol. No café da manhã Zyan me deu boa sorte com outro beijo no rosto que dessa vez não me incomodou, pois nada iria me desanimar. Uma coruja grande trouxe uma vassoura para Medellín, uma Nimbus 2000 que deduzi que era para o teste.
- Ah, relaxa, serão dois rebatedores escolhidos. - Tranquilizou Sophia.
No campo, alguns alunos foram assistir, inclusive Lammont. Vi o que parecia ser Neville, Simas e Dino ao longe, talvez não tivessem o que fazer.
Snape se encontrava ao lado de Marcus Flint com expressão semelhante a ódio, mas eu preferi acreditar que não, era só fome. Cinco alunos se apresentaram para os testes. Cássio, Medellín, Klement do segundo ano, Ananias do sexto ano e eu.
Flint soltou os 2 balaços e nós cinco tínhamos que tentar atingir um ao outro na primeira etapa. Eu achei o bastão pesado, mas não ao ponto de me desequilibrar, consegui jogar. O balaço era extremamente difícil de ser acertado e mirado em alguém. Mas o pior era sentir o doloroso impacto, os meus ombros ficaram estremecidos. Duas vezes consegui com o rodopio da vassoura junto, mudar a direção do da bola, acertando Ananias uma vez, àquilo era horrível, eu preferia não mirar em ninguém.
Ao soar do apito, descemos e Flit dispensou Klement, não entendi o motivo. Snape de braços cruzados parecia indiferente, não falava nada e mal se mexia, parecia entediado.
Na próxima etapa tínhamos que acertar o balaço para fora do campo, aí foi mais fácil. Medellin parecia estar com um bastão mais pesado que o meu. Cássio se distraiu com algo nas arquibancadas e quase caiu, imaginei que Snape iria fazer algo para evitar sua queda, mas ele se quer parecia estar olhando os alunos. Ao descermos, Cássio foi suspenso. Estava eu, Med e Ananias que era do mesmo ano que Flint.
A próxima etapa era absurda, tínhamos que ser acertado por um balaço. Sim ! Esperar ele nos atingir e tentar desviar a vassoura ou corpo, e se possível, pegar o balaço com as mãos. Ananias era um homem feito, até barbar tinha, parecia orgulhoso, ele tinha uma Firebolt, era quase óbvio ele ser aceito no time. Mas ao fazer uma grande volta no campo o balaço que o acertou no peito o arremessou fora da vassoura. Medellín se aproximou de mim no ar e disse com medo " eu acho os balaços estão mais violentos".
De fato os balaços pareciam mais velozes.
Na vez de Medellín, ela fingiu confiança. Med sabia que precisava ser acertada e se desvencilhou com muita rapidez e conseguiu até chutar o balaço algumas vezes, Flint pareceu adorar e pediu para ela descer. Na minha vez olhei para as arquibancadas, Zyan, Sophia e mais uma dezenas de alunos nos observava, até que Snape decidiu prestar atenção com cara de desdém. O balaço tentou acertar minha cabeça quase dez vezes até eu perceber que ele estava perto o bastante para tentar segura-lo, e ao conseguir a dor da pancada da bola foi tamanha que parei de escutar o som e respirei muito mal, mas consegui agarrá-lo com tanta força que consegui descer. O balaço era uma bola extremamente forte e descontada.
Ao retomar o fôlego no chão ainda segurando o balaço se debatendo nos meus braços, consegui ouvir Flint rindo.
- Você acreditou mesmo que era pra pegar!? - Disse Marcus debochado.
Ao ouvir ele, percebi Medellín rindo. A minha raiva e dor foi tão grande que consegui explodir o balaço em meus braços. Cai de joelhos ainda sentindo a dor no peito. Snape se aproximou e agachou.
- Você acha que consegue se levantar sozinha? - Me perguntou o professor sem a menor gentileza. Ao olhá-lo nos olhos ele parecia preocupado.
- Hey, Jenna! - Ouvi a voz de Zyan correndo ao meu encontro, que logo me pegou no colo. - Vamos a ala hospitalar.
Com os olhos fechados e sentindo apenas o corpo do Zyan se movimentando, escutei a voz da Sophia gritando com Flint.
- VOCÊ - É - UM - BABACA ! - Exclamou a amiga.
- Se acalme, Rosier. - Ouvi Snape falando com desprezo.
Ao chegarmos na ala hospitalar, Zyan me colocou sobre a cama. Abri os olhos e vi uma cena curiosa. Sophia, Simas , Flint , Medellín, Zyan e o professor Snape, que olhava torto para todos os alunos.
Madame Pomfrey pediu que todos os alunos saíssem, inclusive Zyan que deu um beijo nas minhas duas mãos se despedindo, fazendo Snape levantar uma das sobrancelhas.
A curandeira tocou em alguns lugares do meu peito e disse que apenas uma poção para dor e regeneração bastaria. O professor ficou todo momento ao pé da cama de pé observando o procedimento da curandeira sem olhar na minha cara, logo após esse período ele saiu de braços cruzados aparentemente satisfeito.
Após uma hora na enfermaria eu fui dispensada para o almoço.
- Olá, Jenna. - Era Simas, me parando no caminho. - Você está melhor!?
- Estou sim.
- Ah, que bom, espero que entre para o time, mesmo eu achando uma loucura desnecessária. Boa sorte. - Disse se despedindo.
Simas me passava a imagem de um jovem carente e gentil, eu entendia aproximação dele como uma simples gentileza.
No almoço avistei Sophia a mesa, e me sentei ao lado dela; ela parecia ansiosa.
- Flint é um lixo. - Resmungava ela com raiva. - Ele disse pra Medellín que o teste não era pra valer sabe, que nem ele toca no balaço.
- Sophia. - Murmurei fechando os olhos com os dedos. - Vamos esquecer isso.
Eu estava com medo de surtar novamente e perder a chance de entrar para o time.
- Ah, verdade. Se não, o Flint será o próximo a ser explodido... E acho que seria maravilhoso, pena que você iria para Azkaban.
- Chega! - Exclamei tentando me servir de sopa de tomate.
- Falando em Azkaban, o tal Black foi visto perto do vilarejo de Hogsmeade.
E ao ver a minha cara ela se calou. Ficou um pouco triste mas terminou seu almoço em silêncio. Eu não estava prara conversa.
- Olha se não é a Jenna , com o namoradinho romântico dela chamando atenção. - Dizia Malfoy fingindo estar segurando um bebê nos braços, enquanto vários alunos riam.
Peguei uma xícara que estava sobre a mesa e mostrei para ele que parou rapidamente de falar, mas saiu correndo rindo.
Naquele dia eu e Sophia fomos passar a tarde na Biblioteca estudando feitiços, e ela me mostrou o livro de "feitiços invisíveis" que comprou ano passado.
- Veja no prefácio.- Mostrou ela. - Aqui diz que a habilidade nata de fazer magia sem o uso da varinha está mais restrito em crianças e que na adolescência isso acaba desaparecendo, por isso aprendemos melhor com a varinha a partir dos 13 anos, pois fazer qualquer mágica sem saber as palavras de conjuração é quase impossível. O poder da intenção é muito raro e por vezes perigoso. Os maiores bruxos conseguem fazer sem varinha pois as habilidades e experiência com a magia então acima do esperado e condizente com o nível de poder e conhecimento. - Soph parou e ficou mais séria. - Se você continuar com isso o Ministério vai mesmo investigar você.
- Eu não sei controlar. - Respondi entediada, sentada no canto encostada na parede e com os pés em outra cadeira . - Mamãe mandou uma carta dizendo que eu estava realmente a decepcionando e que meu pai iria se responsabilizar e conversar com o Diretor, porque ela não iria mais responder por mim.
- Eles trabalham no Ministério, talvez eles devem estar sendo pressionados a te educar melhor. Bom, sabemos porque Lupin está sondando você.
- Acho que o Ministério tem coisa melhor para se preocupar.
- Tire os pés da cadeira! - Disse Madame Pince impaciente para mim, ao passar por nós.
Não tirei.
- Snape disse para Flint comprar um novo balaço antes do primeiro jogo, se não, ele não iria jogar no final do mês. - Disse Sophia rindo. - Snape te protege discretamente, não acha?
Eu não sabia o que dizer , apenas refletir sobre a personalidade dele. Logo depois da bibliotecária me pedir para tirar os pés da cadeira pela terceira vez, decidimos ir para o Grande Salão. Detenção era às oito horas da noite na sala de poções, e lá fui, após o jantar.
Ao entrar o professor estava parado encostado em sua mesa.
- Olá. - Falei. Ele apenas apontou para uma carteira a sua frente, para eu me sentar.
Algumas poucas velas estavam acesas deixando o ambiente mais misterioso que o normal.
- Como se sente? - Perguntou Snape seriamente.
Aquela pergunta me fez feliz. Melhorou muito meu humor. Eu era muito boba.
- Eu estou muito bem.
- Você tem um time de ajudantes muito promissores. - Disse ele com desdém entortando o sorriso falso.
- Como assim?
- Qual a sua relação com Zyan Lammont?
- Ah... - Oi papai tudo bem? Pensei. - Somos amigos.
- Hum...parece muito mais.
"Muito mais!?" Reparei na ênfase do "muito" acompanhada de preocupação.
- Somos bons amigos. - Eu insisti, disse "bons" amigos.
- Ele me procurou essa semana para comentar sobre a seleção de novos rebatedores com um carisma assombroso. Ele não tocou no seu nome, mas deduzi que ele estava focado em você, já que você iria fazer o teste. Eu tive a impressão que ele elogiou toda nossa escola inclusive a Sonserina, sugerindo até um visita do Ministro da Magia Árabe. - Snape suspirou com preocupação. - Ele enalteceu todo meu empenho a essa Casa que tanto forma gênios e exímios bruxos. - Snape fez uma expressão confusa, mas parecia de orgulhoso. - O estranho é que ele parecia muito carismático, diplomático, ou apenas cínico, entende?- Ele indagou ele cruzando os braços. Então ele tomou fôlego e me olhou muito sério. - Em algum momento você se sentiu desconfortável perto desse garoto!?
- ahhhh... - Murmurei com medo de dizer a verdade. - Talvez.
- Jenna, você conhece a cultura dele?
- Não.
- O mais curioso daquela região é o poder diplomático do império Árabe. Não há nada que eles não queiram que eles não consigam. São famosos por sua gentileza e poder de persuasão.
- É. - Disse eu abaixando a cabeça e checando minhas unhas. - Zyan é muito persuasivo.
- Não sei o porquê dele não ajudar você.
- O que quer dizer?! Ele me ajuda muito. - Respondi quase impaciente.
- Ele te dá coisas?
- É...- Dá?
- Ele faz coisas por você?
- É...- Faz?
- E sobre seus surtos? Ele ajuda você se controlar ou se acalmar? Qual a visão dele sobre isso? - Perguntou elevando levemente o queixo.
- Ah... não, ele não ajuda, parece que apoia.
- E tem ideia do porquê!? - Perguntou ansioso colocando uma das mãos no queixo.
- Não. Mas talvez ele respeite minha individualidade.
Snape riu.
Sim!
Ele riu como eu nunca havia visto. Riu com sinceridade. Era muito bonito seu sorrindo, ele tinha bochechas retangulares muito evidentes e rústicas. Até me debrucei na mesa para ver melhor seus dentes levemente desalinhados, mas incrivelmente charmosos. Ele parou de sorrir com um leve rubor ao reparar que eu fiquei impressionada. Snape pegou uma cadeira e se sentou de frente comigo voltando a ficar sério.
- Jenna, os pais dele, - ele prosseguiu explicando - o avô e todos daquela cultura raramente seguem regras éticas, dentro das Determinações Internacionais da Magia, principalmente quando expressam suas emoções. O seu avô é famoso por matar trouxas quando "sai da linha" que eles determinam. As magias mais cruéis que conhecemos, para eles é um detalhe no cotidiano, as praticam todos os dias, sem contar que o uso de magia sem a varinha é considerado comum por lá, mas aqui exige autorização do Ministério, controle e equilíbrio. - Sua voz começou a ficar diferente, mais amigável.
- Hum. - Resmunguei olhando para a mesa.
- Ele acha você conveniente para o futuro dele, que por um acaso, receio não respeitar o seu.
- Como assim?
- Você talvez não saiba, mas a mãe dele e as duas madrastas foram, como posso dizer, compradas.
- Ah, não. Elas também? Ah, que povo estranho.
- Ele deu dinheiro para a família delas para que elas se casarem com ele antes mesmo da idade adulta, e sei que são impedidas de trabalhar, não podem fazer nada além de servir como esposas.
- Credo. - Credo nem tanto, não me parece a pior coisa do mundo ficar sem trabalhar vivendo em um palácio cercada de privilégios.
Snape suspirou fundo.
- Sabe, professor,- continuei - eu não consigo me livrar dele.- Murmurei desviando o olhar.
Snape levantou uma sobrancelha como se estivesse desconfiado.
- Você consegue se livrar de qualquer coisa. - Disse ele serenamente. - Eu sei que ele faz tudo por você, mas precisa levar em consideração o seu real interesse. Jenna, você nasceu ontem, você não está preparada para lidar com esse tipo de amizade. Relacionamento na cultura dele começa muito cedo e você não precisa dessa responsabilidade.
- A detenção é essa!? - Perguntei com desânimo.
- Não. - Ele respondeu ficando sério.- Eu quero te mostrar uma coisa, e lhe dar uma aula diferente. - Snape levantou. - Me acompanhe.
A tal aula não seria na sala de Snape. Eu o acompanhei mais ao fundo das masmorras. Entramos por uma porta que eu jamais notaria em circunstâncias cotidianas. Descemos uma longa escada caracol, eu atrás dele, e mais ao fundo seguimos por um longo corredor. Passamos por colunas, em um imenso salão e passamos por uma porta imensa de madeira antiga, adentrando em uma sala que parecia uma arena.
- Veja. Esse lugar foi usado para exercícios de duelos, faz mais de 400 anos que está abandonado. Dumbledore recentemente deixou algumas coisas por aqui. - Disse Severo com o desdém de sempre, comecei a achar que ele não gostava do diretor.
Era um local lindo.
Tinha uma longa escada retangular em cascata , como arquibancadas e lá embaixo um espaço para o duelo, que eu conseguia ver um grande baú.
Snape andou pela lateral entre as colunas e eu o segui. No fundo do corredor havia o que parecia um espelho grande, de uns 2 metros de altura.
- Veja. Eu queria muito te mostrar isso. - No espelho dava para ver o reflexo meu e de Snape, e ele parecia triste. - Esse é o Espelho de Ojesed. O espelho que mostra o seu maior desejo.
Vixi.
Eu não sabia exatamente qual era o meu maior desejo, tal como não sabia qual era meu maior medo, mas achei meio estranho estar tão escondido e naquele espaço. Não deveria estar em um museu mágico?
- Muitos enlouqueceram na frente dele. - Justificou o professor com compreensão.
Dei um passo atrás para ver a reação dele ao se olhar sozinho refletido. Ele empalideceu.
- O que vê?- Perguntei.
E ele sorriu com tristeza, muito emocionado tocando no espelho. Snape não respondeu, mas eu sabia. Não sei como, talvez intuição ou dedução, mas para mim era sobre a tal mãe do Potter.
- Lilian? - Perguntei.
Snape me olhou rapidamente com raiva e encabulado. Ele precisa odiar o fato de eu saber disso, deveria reclamar para minha mãe.
- Não estou aqui por mim. E sim por você. Me acompanhe. - Pediu ele com rispidez saindo da frente do espelho e dando lugar pra mim.
Ao me observar no espelho vi mamãe sorrindo pra mim, me abraçando como se tivesse orgulho de mim.
- Ah não. Isso não pode ser. - Murmurei segurando a borda do espelho.
- E porque não?
- Não quero isso não. - Respondi triste, porque eu sabia que aquilo não era real. Nem mamãe parecia orgulhosa de mim, tão pouco eu iria conseguir ser um orgulho para ela, era o que eu sempre sentia.- Ela nunca terá orgulho de mim... - Sussurei emocionada olhando para as minhas mãos.
- Huum. É raro renegar os desejos, mas é necessário compreende-los. Se dói ver, se é algo que você não tem , é porque é exatamente isso que você quer ter. - Snape respirou fundo e com uma voz grave continuou. - Se você quer ter a chance de realizar, você precisa se controlar.
Eu não respondi, mordi os lábios tentando engolir as lágrimas, começando a me aborrecer. Snape decidiu pegar minha mão com delicadeza, fazendo eu ficar surpresa.
- Venha. Vamos tentar algo novo. - Ele pediu com gentileza.
Gentileza...
Ele me levou pelas escadarias, me ajudou a descer e ao nos aproximamos do baú, ele soltou a minha mão.
- Pois bem. Vamos fazer o oposto do que você está aprendendo. Me dê sua varinha. - Snape estendeu a mão para eu poder entregar ele.
- Como assim!? - Perguntei confusa.
- Vamos tentar fazer você ter controle.
Eu entreguei minha varinha com desconfiança, ainda não estava fazendo sentido, mas Snape também tirou a dele das vestes e a deixou ao lado da minha, em um dos degraus da escadaria.
- Nós dois vamos tentar derrotar um Bicho-papão... sem varinha.
Eu sorri.
- Como!? Isso é possível? - Perguntei incrédula. Severo não riu.
- Sim. Nunca fiz sem minha varinha, mas acredito que se você fizer isso, saberá controlar quando o impulso quando ele vier. O Professor Lupin me contou do seu medo. E eu vi do que você é capaz quando teve aquela visão com seu pai.- O baú começou a se mexer ao ouvir a sua voz. - Você vai atacar esse monstro... não sei como, mas vai e eu vou ter que tentar também, caso você fique em perigo e vice-versa. Vai querer me ver ferido!?
Eu pensei um pouco, tentei assimilar o que estava acontecendo, tentar entender onde o professor queria chegar com aquele exercício, eu não tinha certeza do quanto ele acreditava na minha capacidade.
- Jenna. - Disse ele se aproximando de mim. - Vou confiar a você o meu maior medo, então faça valer a pena.
Aquilo não parecia ajudar naquele momento, eu estava confusa, mas não tive muita escolha. Snape tinha uma abordagem de ensino diferente, ele acreditava na necessidade do combate para evolução, provavelmente tinha pedido permissão aos meus pais para me dar aquele exercício.
- Então. - Disse ele indo para o baú. - Vamos descobrir. - E o abriu com as mãos, se posicionando atrás dele.
Ao abrir uma névoa começou lentamente a sair de dentro e se arrastar pelo chão, parecia não ter fim e tomou todo espaço da sala, o que fez eu me perguntar o tamanho daquele Bicho-papão e seus aspectos , talvez não fosse nem corpóreo. A névoa era tão densa que Snape ficou borrado. Ele também ficou observando de onde estava.
Lentamente silhuetas foram tomando forma e surgiu a imagem da minha mãe, meu irmão e minha avó ao lado de uma mesa com um caixão e papai lá dentro, aquela cena era horrível, inacreditável novamente. Tudo foi se tornando frio, o clima da sala mudou.
- O que eu faço? -Perguntei ao professor, e ele apenas lançou um olhar firme, para eu me manter apenas parada.
Não sabia quanto tempo um Bicho-papão ficava nessa forma mas é como se a tortura fosse piorando, o bicho estava se transformando nas outras visões. Tapeçarias verdes do Salão Principal apareceram no ar e pegaram fogo se tornando vermelhas de Grifinória. Aquela visão em si não era perturbadora, mas o Bicho-papão sabia conduzir o pânico, tudo ficava macabro aos poucos. Uma massa de carne apareceu no ar se revirando até se transformar em um corpo esquelético sem nariz e com olhos vermelhos, tomando postura para um ataque.
- Não! - Gritou Snape em algum ponto na minha frente.
A criatura sem nariz olhou pra trás buscando a voz e para mim de volta.
A criatura era inteligente, ele se transformou no próprio Snape; na visão que tive com ele e com o trio Potter, Weasley e Granger, onde o professor tentava protegê-los de alguma coisa. A coisa era uma sombra escura em formato de cão, semelhante a visão que tive atrás de Lupin. Era o Bicho-papão me dizendo o significado daquela visão, algo que estava na minha mente e eu não me lembrava.
Snape de um ponto visível para mim, fez uma cara de desconfiado olhando a si próprio; em meio às sombras ele foi se aproximando de mim. A visão se desfez novamente e uma névoa voltou a circular a grande sala. Snape também a observa e aos poucos o choro de um bebê começa a ecoar no ambiente de maneira insuportável e atrás de mim, notei um berço aparecer.
- Não...- Disse o professor muito baixo com uma expressão de temor e raiva.
A figura de uma mulher apareceu no chão morta e Snape colocou a mão no peito arregalando os olhos. A moça era jovem, pálida e ruiva. O professor se aproximou lentamente da cena e caiu de joelhos no chão, aparentemente comovido.
A morte de entes queridos era o contraponto dos nossos medos, a criatura ficou caçando em nós os piores medos, as piores situações até achar o que acreditei ser o pior dos nossos temores. Snape perdeu alguém ... e eu, iria perder também. O Bicho Papão de fato era um monstro esperto, realmente assustar era sua intenção, mas aquela visão tinha um peso muito maior para o professor do que para mim.
- Isso não... - Murmurava o professor no chão com as mãos no rosto. Acho que ele estava chorando.
A visão tomou uma forma diferente e o choro do bebê foi ficando distante e dois jovens apareceram, a moça morta e um jovem de óculos; eles começam a se beijar, achei muito cruel e incômodo. O Bicho-papão sabia exatamente criar uma cena de terror, era digno dos filmes bizarros dos trouxas, de fato, eu comecei a considerar tudo muito ridículo, beirava o constrangedor.
Me aproximei do professor e vendo seu olhar, comecei a me emocionar também. Eu senti sua dor, senti pena, e comecei a sentir uma força que vinha dos pés ,um calor que pude transferir para as minhas mãos. Com uma das mãos eu toquei o ombro do professor em sinal de consolo.
- Agora já chega! - Exclamei com sincera raiva, aquilo não estava mais me irritando e sim me entediando. Tentei erguer Snape mas ele continuou no chão. Com a outra mão apontei para o "casal Bicho-papão" que se garravs de um jeito grotesco e desejei eliminá-los. - Isso acaba agora!
Os corpos se juntaram em uma formação bizarra de cores e formas. A criatura parecia gritar ou estar sendo sufocada. Parecia que eu estava sentindo o pescoço do bicho em minhas mãos, e de fato, eu estava. Enquanto eu fechava os punhos, os corpos foram se juntando à névoa , tudo virou uma coisa só, até a cena se transformar em uma massa estranha de 2 metros, cinza, era semelhante a um urso, meio esticado, meio transparente, uma meio fantasma ou algo parecido. As grandes patas se contorceram tentando tirar algo do seu pescoço com um uivo baixo, em segundos a criatura explodiu em muitos pedaços no momento em que fechei a mão.
Um silêncio se fez por um minuto pelo menos, eu fiquei um tempo juntando as peças do que tinha acontecido.
- Sinto muito. - Falei depois da longa pausa para o professor que ainda estava de joelho, ele também parecia pensativo.
- É. - Disse ele limpando os olhos úmidos - Você conseguiu. E... vimos a real forma de um Bicho-papão. - Explicou ele soltando um sorrisinho de alívio. - Poucos conseguem, poucos vivem para contar. Sua mãe tem muito que se orgulhar sim.
Ele se levantou lentamente e eu não aguentei a emoção, eu o abracei. Chorei um pouco em silêncio e depois de soltar ele, estiquei as mãos para onde estava nossas varinhas e as fiz virem voando até nós...sem evocação alguma, eu só precisava querer.
- Sim. - Disse pegando as varinhas e devolvendo a dele. - Acho que sim.
Snape sorriu discretamente com carinho. A máscara de bruto já não estava mais em seu rosto e até foi possível ver suas bochechas brilharem. Acho que era exatamente isso que ele queria ver saber, testar sua teoria comigo. Eu era capaz de fazer algo muito grande sem uma varinha. E agora, de forma controlada.
Ele parecia cansado, e foi até os degraus se sentar, de forma descontraída. E eu sentei ao seu lado.
- Lamento que tenha visto o que eu vivi. - Disse o professor alisando a varinha de cabeça baixa.
- Ah. Você viveu coisas muito tristes. Acho que todos vamos sofrer na vida. E eu terei minha história também. Não acho que foi fácil até aqui, mas não tenho a mesma bagagem que você. Sinto muito, professor.
- Acho que você têm bastantes alegrias, sabe, Jenna. - Disse ele olhando pra mim. - Eu não previa ter uma amiga tão jovem.
- Eu vou envelhecer viu, professor.
Ele sorriu sem graça.
- Vai. Vai sim. Mas tenho sempre que me impor sobre os alunos , então não espere jamais privilégios.
- Ah... - Lamentei, mas duvidei. - Você já se aborreceu muito comigo, eu estou sempre te dando problemas. Tirando a grosseria do Clube dos duelos, eu diria que perdoo você. - Ele me olhou de canto com um sorriso no olhar. - Nunca me senti privilegiada, pelo menos o senhor me dá ponto... O único que me dá.
- E nunca tirei ponto seu. Aliás... - Disse ele olhando em volta da sala. - Eu e Dumbledore chegamos a conclusão que há algo muito misterioso com vocês garotas da Sonserina. - E começou a alisar o queixo. - Nunca , nenhum professor tirou pontos de alunas da Sonserina, em momento nenhum da história desse Castelo. E não que precisasse, mas nunca aconteceu. Não sabemos o mistério, e se há algo na mente de vocês. Nem Dumbledore sabe...
Ele parou ao me ver levantando com um pulo.
- Não professor, não diga nada. Está tudo bem.
- Como assim!? - Perguntou ele com desconfiança.
- Não. Não vamos falar disso. Eu gosto muito do senhor e esse tipo de aula foi uma experiência extraordinária, você confiou em mim e eu me sinto muito feliz...
- Se acalme. - Disse Snape se levantando. - Eu sempre desconfiei que houvesse algo as unindo ou mágicamente acontecendo...
- Não. Não eu sei de nada.
- O que faz eu deduzir que há algo nesse Castelo que pode estar protegendo vocês . - Snape continuou mesmo me vendo nervosa. - E seu comportamento faz eu acreditar que há algo de fato, talvez um encantamento...
- Não!
- Coisas estranhas acontecem às vezes envolvendo garot...
Snape não concluiu o raciocínio. Ele parou tentando entender algo que parecia estar se aproximando e aos poucos minha visão foi também escurecendo e a última coisa que me lembro foi ele e eu caindo no chão.
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